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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sete erros capitais da FIESP com o Impeachment

O sistema Fiesp-Ciesp anunciou, em 14/12/2015, sua posição em defesa do impeachment da Presidente Dilma. Paulo Skaf, o presidente de ambas as entidades, tem feito declarações duras: “todos os dias temos uma má notícia, e tudo isso é causado pelo atual governo, que perdeu completamente a credibilidade, levando o Brasil a um desequilíbrio e a uma crise política”; “o país está à deriva”; “é chegada a hora de ter a visão de onde está o problema. O problema (...) ficou todo na parte política.” São frases de quem quer o enfrentamento, por via da ‘solução final’ (o impeachment), e não o diálogo.
Comecei a tratar deste posicionamento no artigo A pataquada da Fiesp, aqui, na versão impressa do ABCDMaior, de 15/12/2015. Agora, pretendo explorar outros aspectos. A meu ver, há pelo menos sete erros gravíssimos na posição da Fiesp-Ciesp. São eles:
  1. Não há uma motivação juridicamente sólida para o pedido do impeachment. Fiesp e Ciesp posicionam-se com argumentos legalmente frágeis, como a existência de uma crise aguda na economia, encolhimento do PIB, queda brusca da produção industrial, perda de peso relativo da indústria etc. Constitucionalmente, uma crise econômica não justifica, por si só, um impeachment de presidente. E não está definido pelo Tribunal de Contas, Congresso e STF, a real ilegalidade dos atos fiscais (as chamadas pedaladas fiscais), que motivaram o pedido de impeachment.
  2. Com esta decisão, supostamente respaldada em uma “pesquisa” feita com os industriais paulistas ligados à Federação, a entidade “explode” qualquer ponte para o diálogo com o Governo. Se Dilma prosseguir – e é isto que tende a acontecer – a Fiesp deixará de ser uma interlocutora confiável. E isto é ruim para o País. A entidade é a maior federação estadual de indústrias do Brasil. Representa cerca de 130 mil indústrias de vários setores, portes e cadeias produtivas, distribuídas em 131 sindicatos patronais. Seria fundamental, portanto, maior cautela. Não vemos nenhuma outra Federação estadual (Firjan, Fiemg, Fiergs, Fiep) ou mesmo a CNI defender explicitamente o impeachment. Elas têm suas críticas ao atual momento, mas nenhuma “explodiu a ponte” das conversações. A decisão da Fiesp-Ciesp é antagônica também com a ação realizada por várias lideranças empresariais, sindicalistas e representantes da sociedade civil que, no último dia 15/12/2015, reuniram-se com a Presidente Dilma para buscar o diálogo, por meio da entrega de documento com propostas resultantes do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho, Renda e Previdência.
  3. A decisão da Fiesp-Ciesp - é até possível que sem o querer – entrelaça ação institucional com ação partidária. Tem sido bastante ativa a vida partidária de Skaf. Foi candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2010 pelo PSB; a convite de Michel Temer, filiou-se ao PMDB em 2011; foi novamente candidato ao governo em 2014, desta vez pelo PMDB. Foram diversas as alegações de adversários de que sua campanha usou indevidamente as estrutura das entidades patronais. Hoje, é justamente o PMDB de São Paulo de Skaf e Temer que constitui um dos focos atuais de oposição ao governo Dilma. Nestas circunstâncias, fica praticamente impossível separar as ações. Mencione-se ainda que esta confusão de papéis pode também acontecer com o Sesi-SP, Senai-SP e Sebrae-SP. Skaf acumula (!) a presidência das representações destas entidades em nível do Estado de SP.
  4. Mesmo em se considerando a crise industrial aguda do período recente, a decisão do sistema Fiesp-Ciesp atinge um Governo que buscou dar continuidade à política econômica que desde o primeiro mandato de Lula fortaleceu o mercado interno e contribuiu para a recuperação do setor industrial. Sim, entre 2004 e 2011 foram retomadas as políticas industriais ativas e a indústria apresentou recuperação de produção, emprego e participação no PIB, após a década perdida de 1980 e o draconiano período de vigência de políticas neoliberais (1990-2002), quando, no país, inúmeras empresas nacionais foram vendidas ao capital estrangeiro, faliram ou fecharam suas portas– inclusive a indústria têxtil de Paulo Skaf. A propósito, uma rápida recomendação: vale a pena buscar no google e ler matéria publicada pela Folha de São Paulo, em 19/9/2004, intitulada “Novo presidente da Fiesp [Paulo Skaf] é um ‘sem indústria’”, que mostra os malabarismos fiscais e políticos de Skaf para eleger-se presidente da Fiesp, mesmo não tendo mais indústria. Voltemos, porém, ao ponto: crentes no impeachment da Presidente Dilma, os economistas opositores do Governo já começam a apresentar suas propostas de política econômica e industrial. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central no Governo FHC, publicou no jornal Estado de SP, em 29/11/2015, o artigo “Abertura já”, defendendo “a revisão da estratégia de inserção externa, de nossas crenças sobre o conteúdo local, adensamento das cadeias produtivas e acordos internacionais. (...)”. Diz ele: “Na verdade, a proteção tarifária, as reservas de mercado, as desonerações (...) parecem se amontoar em tempos recentes no contexto do ‘capitalismo de quadrilhas’ que aqui se quis implantar, e que a operação Lava jato se empenha em combater”. Pergunto: estas ideias liberais são compartilhadas pelo sistema Fiesp-Ciesp? As entidades assinam embaixo este receituário que deverá ser aplicado pelos economistas da oposição, caso o impeachment se concretize? A crise da indústria existe e precisamos enfrentá-la, mas com propostas construtivas, factíveis e que procurem diálogo com o Governo, sindicatos, sociedade civil. Não com ideias dos anos 1990 que já mostraram seu poder destruidor da indústria.
  5. O Patinho da Fiesp e as lutas contra o IPTU Progressivo e a CPMF, por mais emblemáticos que tenham sido, e por mais favoráveis à ação político-partidária de Skaf, não são bons puxadores do debate da Reforma Tributária no Brasil. Esta é necessária, sim. Há vários pontos com os quais podemos concordar com a Fiesp: desoneração dos investimentos; desoneração das exportações; desoneração da cesta básica; desoneração da folha de pagamentos. Uma eventual vitória da Fiesp contra o retorno da CPMF, neste contexto, pode vir a ser uma “vitória de Pirro”, pois, centrada em discurso extremamente agressivo e de oposição ao excesso de Estado, impede avanços mais efetivos em torno de uma Reforma Tributária. Temos no Brasil uma estrutura tributária altamente regressiva, como é de conhecimento de todos que estudam o assunto. Além de penalizar o investimento, o emprego e as exportações, nossa tributação onera os mais pobres e alivia para os mais ricos, especialmente ao isentar a renda decorrente de lucros e dividendos. Isso, sim, deveria ser alterado. Mas a reação ao IPTU Progressivo mostra que Skaf, mais uma vez, se posiciona do lado errado. É de notar, por fim, que a luta da Fiesp feroz contra os impostos vai chamar a atenção para a própria base de financiamento da Fiesp, calcada no imposto sindical patronal obrigatório e em uma cobrança sobre a folha salarial de cada empresa, também obrigatória e que alimenta o chamado sistema “S”.
  6. O discurso do Presidente do sistema Fiesp-Ciesp pelo corte drástico de gastos públicos e pelo Estado Mínimo pode ser um tiro no próprio pé da indústria. Além das obras de infraestrutura (muitas das quais favoreceram o setor industrial), foram as políticas de valorização do salário mínimo, Bolsa Família, Prouni, desonerações tributárias, incentivos fiscais, crédito subsidiado que, juntamente com a valorização das commodities, contribuíram para a inclusão social e o forte crescimento industrial no período anterior à crise. A eliminação destas políticas representará uma retração estrutural de mercados para a própria indústria.
  7. Ao que parece, o sistema Fiesp-Ciesp parte da “leitura” de que deve se antecipar e “surfar” na onda das mudanças políticas na América Latina, trazidas pela crise, como acontece na Venezuela, Equador e Argentina. O problema nesta cartada do sistema Fiesp-Ciesp é que o jogo ainda não terminou, como mostram os últimos reveses da tentativa de impeachment apoiada equivocadamente por Skaf. Antecipar-se desta maneira pode trazer danos institucionais de longa duração para a entidade.

Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, na coluna blogs, em 21/12/2015.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A PATAQUADA DA FIESP

Jefferson José da Conceição

Em 13/12/2015, ocorreram manifestações pelo impeachment da Presidente eleita pelo voto e que não cometeu nenhuma ilegalidade em suas ações. O total de manifestantes esteve bem abaixo do que esperavam os organizadores. Entre os manifestantes, estava o “pato” inflável da campanha “Não vou pagar o pato”, organizada pela Fiesp. Na véspera, o facebook da campanha conclamava para os atos.

A campanha é contra o aumento dos impostos. É um discurso fácil de passar. Ninguém gosta de pagar impostos. Mas o melhor para o indivíduo nem sempre é o melhor para o país. O fundamental seria discutir uma verdadeira Reforma Tributária, que busque a eficácia dos impostos, melhoria dos serviços, distribuição mais equânime da carga e justiça social. A campanha do pato, porém, não sugere isto. Para tanto, seria necessário fazer discussões menos obvias como a do IPTU progressivo. Em 2013, a FIESP mobilizou contra o IPTU Progressivo, quando o Prefeito Haddad tentou aplica-lo em SP.

São muitas as contradições da Fiesp. Cabe perguntar se a entidade abre mão do caráter compulsório das contribuições sindicais patronais (“imposto sindical”) pagas pelas empresas. Em 2012, estas contribuições geraram, no Brasil, receita de R$ 908 milhões (desse total, 60% ficaram com os sindicatos patronais; 15% com as Federações, como a Fiesp; 5%, confederações; 20%, MTE). É pertinente indagar também à Fiesp se ela admite modificar as cobranças também obrigatórias (2,5%) sobre as folhas de pagamento, destinadas ao Sistema "S". Esta cobrança representa mais de R$ 20 bilhões ao ano. Entidades como a Fiesp negam-se em aumentar a transparência nas demonstrações destes recursos públicos. Isto, embora elas exijam das esferas de governo divulgação detalhada dos seus atos.

Vale perguntar também à Fiesp se ela reconhece que parte dos problemas fiscais atuais do governo deve-se ao excesso de desonerações tributárias. Estudo da Receita Federal (RF) mostra que as desonerações somarão uma “perda” de R$ 458 bilhões em 2018, se todos os incentivos continuassem valendo até lá.

O lúdico patinho da Fiesp, além de não responder as questões acima, esconde algo bastante danoso atrás de si. Trata-se da defesa do Estado Mínimo, já aplicado na América Latina ao longo dos anos de 1990, com resultados desastrosos, inclusive o setor industrial. Parte do suposto de que o “Governo” (Estado) é sempre ineficiente e mais atrapalha do que ajuda. Logo, o ideal é que ele seja o menor possível, deixando ao mercado (iniciativa privada) a condução de nossas sociedades. Estado Mínimo significa menos Bolsa Família, Valorização do Salário Mínimo, Prouni, recursos para o SUS... Ao receber o novo Presidente da Argentina, o liberal Maurício Macri, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, disse: “a visão do presidente é de (...) um governo mais leve, sem um tamanho que atrapalhe a vida das pessoas e da sociedade. É uma visão muito semelhante à nossa”.

A industrialização brasileira, após 1930, exigiu forte apoio do Estado, por meio da produção pública de insumos básicos e infraestrutura, financiamento subsidiado e - pasmem -, a pedido da própria FIESP e de outras entidades empresariais, a aplicação de tributos elevados sobre os produtos concorrentes importados. Este padrão pode até sofrer mudanças com o incremento das PPPs, concessões etc. Mas é ingênuo acreditar que se pode prescindir do papel indutor do Estado. Se não for ingenuidade, é mera pataquada.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS. jefersondac@ig.com.br
Artigo publicado no jornal ABCDMaior, em 15/12/2015
‪#‎contraacampanhanaovoupagaropato‬ ‪#‎contraoestadominimo‬ ‪#‎naovoupagaropato‬ ‪#‎fiesp‬ ‪#‎naovaitergolpe

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Aula sobre Desenvolvimento Territorial do Prof. Jefferson José da Conceição, como convidado, em curso de EAD de Gestão Pública,Universidade Metodista de São Paulo. Dezembro de 2015,

Aula sobre Desenvolvimento Territorial do Prof. Jefferson José da Conceição, como convidado, em curso de EAD de Gestão Pública,Universidade Metodista de São Paulo. Dezembro de 2015,

Para acessar a aula clique em um dos links abaixo:


http://www.4shared.com/file/ct5-nwNjba/watch1.html

https://www.youtube.com/watch?v=SSgIpz_edWs&feature=youtu.be

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

CRISE E INSTABILIDADE À LUZ DE KEYNES

Jefferson José da Conceição

Muito já foi escrito em torno da obra do economista britânico John Maynard Keynes, em especial da sua «Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro», publicada pela primeira vez em 1936 e considerado um dos mais importantes livros da Ciência Econômica no século XX. Este artigo não tem a ambição de inflar ainda mais o rosário de interpretações sobre aquele livro. A intenção é isto sim, a partir de uma breve apresentação do corpo geral e do contexto em que emerge a teoria keynesiana, destacar o que consideramos ser essencial apreender de Keynes no processo teórico de interpretação da realidade capitalista, a saber: a influência das expectativas e da incerteza no cálculo empresarial e, portanto, sua relevância no processo de determinação do nível de produção, renda e emprego. Este artigo é eminentemente teórico, mas ajuda a explicar parte da crise da economia global, e da economia brasileira, em particular.

De acordo com o ponto de vista aqui defendido, a Teoria de Keynes cumpre papel de extrema importância no pensamento econômico, dentre outros motivos, porque, centrando-se essencialmente na instabilidade dos determinantes do investimento, ela minou a edificação utópica do capitalismo simpático, eficiente, racional e de máximo bem estar da teoria neoclássica. Para Keynes, como se verá, o livre funcionamento do mercado - isto é, a concorrência - não garante o pleno emprego nem a longo prazo nem como ponto de equilíbrio natural do sistema. O desemprego, na visão keynesiana, é um elemento permanentemente presente como possibilidade real no capitalismo. Assim, cabe ao Governo assumir a responsabilidade de buscar de manter taxas mais elevadas de atividade e ocupação, amenizando as crises e a instabilidade natural do sistema.

Vejamos como isto se dá na crítica keynesiana aos neoclássicos (que Keynes chama de “Economia Clássica”). O primeiro ponto destacado por Keynes é que, para a escola neoclássica, o ato de investir prende-se, como suposto lógico, a um ato de não consumir. Logo, o nível de investimento total (agregado) de um País seria predeterminado pelo nível de poupança total (agregada) daquele país. O mecanismo básico de regulação da economia capitalista consistiria nos ajustamentos da livre oferta e demanda, em um livre mercado. O livre funcionamento do mercado estabeleceria os preços e as quantidades de equilíbrio ao nível de pleno emprego de todos os fatores de produção (terra, trabalho e capital). Assim como nos diversos mercados de produtos, o mercado de trabalho, funcionando livremente, também determinaria as remunerações adequadas da força de trabalho. O ponto de equilíbrio do mercado de trabalho seria naturalmente o de pleno emprego da força de trabalho.

Diante desta estrutura analítica resgatada por Keynes em sua crítica, pode-se perceber que, para a escola neoclássica, o “problema econômico” por excelência reside na alocação (entre os vários setores de produção) de um “dado” volume de produção e rendimento a priori estabelecido como sendo o de pleno emprego dos fatores de produção. Sendo pré-determinado o volume de produção e renda ao nível de pleno emprego, caberia que a alocação fosse a mais racional possível, ou, ainda, que fosse aquela que maximizasse a utilidade de determinados recursos escassos.

Keynes, ao contrário,rejeita frontalmente a suposição de que o volume de produção e renda é “dado” a priori como sendo de pleno emprego. Keynes procurou justamente mostrar que o volume de produção e renda (e, portanto, o nível de emprego) podem sofrer fortes flutuações em uma economia capitalista.

Antes de se observar as proposições centrais da teoria keynesiana, vale recuperar o contexto do seu surgimento. Desde as últimas décadas do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, predominavam nas principais academias europeias e americanas as ideias de Marshall, Walras, Fischer e outros teóricos que formavam o bastião neoclássico. Contudo, frente ao colapso econômico dos países mais avançados na primeira metade da década de 1930, o corolário neoclássico tornou-se pouco convincente nas suas explicações para a ocorrência do desemprego em massa dos recursos – explicações estas que deitavam raiz nos entraves à atuação da “mão invisível” do mercado, principalmente aqueles entraves colocados pela interferência do movimento sindical no mercado de trabalho (ao exigir salários acima da produtividade permitida pela economia) e pela intervenção estatal no domínio econômico.

Estas tentativas da escola neoclássica de explicar a crise a partir de interferências “externas” (sindicato, Estado) ao livre funcionamento do mercado, além de estar associada a um ranço politicamente conservador, seriam de fato as mais plausíveis quando se aceitam certos postulados da economia neoclássica. Estes postulados neoclássicos podem ser sumariados no seguinte:

I) A acumulação de capital (investimento) depende da poupança. A elevação do volume de renda poupada, em razão de um aumento na propensão a poupar, é favorável ao investimento. O aumento da propensão a poupar acaba por reduzir também a utilização de fatores (que são “escassos”) na produção de bens de consumo, revertendo-os para o incremento da produção de bens de capital. Há aqui duas suposições implícitas: que a economia está trabalhando no pleno emprego dos fatores de produção e que o mercado financeiro, por intermédio da flexibilidade da taxa de juros, equilibra o volume de poupança ao volume de investimento realizado;

II) O salário é fixado pela produtividade e pela concorrência entre os trabalhadores. Havendo “capital” suficiente para empregar a mão-de-obra disponível, o desemprego só aconteceria caso existissem pressões (sindicais) por salários reais mais altos que aqueles permitidos pelo mercado;

III) Se, de um lado, a economia inclina-se naturalmente à plena utilização dos recursos e, por consequência, à oferta máxima de produtos possível com uma dada tecnologia, de outro, não haveria igualmente problema pelo lado da demanda, levando-se em conta que “a toda oferta corresponderia uma igual demanda”, conforme assenta a Lei de Say.

IV) A moeda (o dinheiro), a despeito de ser um instrumento importante no desenvolvimento do mercado, ao tornar mais ágil as trocas, acabaria por ser apenas um “véu” que acoberta os fenômenos reais (produto, renda, preços relativos), sendo sua função básica a de servir como um “lubrificante” das trocas. Portanto, tirante a necessidade de dinheiro para a realização cotidiana de pagamentos e de certo montante para precauções, não haveria estímulo à retenção da moeda. Qualquer excedente monetário sobre determinada renda, se não consumida diretamente em bens de capital, o seria indiretamente por intermédio dos empréstimos efetuados pelo sistema financeiro, para onde seria canalizado o excedente, rendendo juros ao prestamista.

As estacas do pensamento neoclássico, dessa maneira, resumem-se à Lei da Oferta e da Procura. O equilíbrio econômico geral (cujo conceito exclui “anomalias” como o desemprego) é uma tendência que se consolidaria no longo prazo. E o equilíbrio ao nível do pleno emprego se daria simultaneamente em todos os mercados: no mercado de produtos, no mercado de trabalho, no mercado de capitais (poupança e investimentos).

No contraste dessa formulação, está a teoria de Keynes, que se passa a descrever brevemente. Keynes acaba por desferir, inicialmente, um ataque à Lei de Say, invertendo a relação de determinação estabelecida entre as variáveis de gasto (demanda) e de produção e renda. A teoria keynesiana sustenta que a demanda efetiva- ou seja, os gastos em bens de consumo e de investimento - é que determina o nível de produção corrente, e, na sua esteira, o nível de rendimento e de emprego. Aqui influem decisivamente as expectativas quanto ao futuro. Sendo as expectativas sujeitas a fortes variações, rejeita-se de imediato a noção de um nível de produto (e renda) pré-estabelecido ao nível de plena utilização dos fatores de produção. A conclusão que deriva da Lei de Say também é, pois, rejeitada por Keynes. Este autor não aceita que o problema da economia capitalista consistia tão-somente da alocação da renda de equilíbrio entre produção de bens de consumo e produção de bens de investimento.

Para Keynes, a demanda efetiva de uma economia nacional é fundamentalmente determinada pelo nível de investimento (público e privado) alcançado. É nesta variável (o investimento) que repousa o fenômeno da instabilidade do gasto em uma economia capitalista. Enquanto as decisões de consumir guardam forte relação estável com o nível de renda ao longo do tempo, devido à existência do crédito, dos hábitos de compras, das poupanças individuais, as decisões de investir – especialmente as privadas – estão sempre envoltas num ambiente de expectativas incertas quanto ao futuro, e oscilam conforme o otimismo ou pessimismo da opinião média dos investidores.

A influência do investimento e do consumo sobre o nível de renda e de emprego, bem como a relação de dependência do consumo para com o investimento, pode ser visualizada por meio do “multiplicador”, que expressa precisamente o quanto cresce a renda a partir da efetivação de um montante de investimento, pelo consequente aumento do consumo. Uma interpretação alternativa consiste em entender o multiplicador como a forma de evidência de que as decisões de produção dos empresários do setor de bens de consumo dependem, em grande medida, das próprias decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de capital. A ressalva que se deve fazer quanto a esta última leitura do multiplicador é que as decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de consumo são simultâneas às dos capitalistas do setor de bens de capital. Portanto, a dependência reside nas expectativas de ampliação dos mercados em razão do crescimento da economia como um todo, sendo este crescimento bastante dependente do comportamento do setor de bens de capital.

Para Keynes, o empresário – que é o agente econômico detentor do capital – possui três alternativas básicas para valorizá-lo: aplicar em títulos do mercado financeiro e ganhar os juros e rendimentos dos títulos adquiridos; reter capital na forma mais líquida possível, que é o próprio dinheiro ou um ativo que mais perto se aproxime de suas características e funções, especulando com relação à taxa de juros futura; ou, ainda, avançar na esfera produtiva, realizando um projeto de compra de bens de capital (investimento propriamente dito). A diferença desta última alternativa para as outras duas é que esta decisão, ao conduzir à produção de riqueza nova, resulta numa expansão do emprego dos fatores produtivos.

Ainda de acordo com Keynes, todas as opções que o capitalista (empresário) tem, no presente momento de sua decisão, encerram incerteza quanto às reais circunstâncias futuras e, por consequência, acarretam certo risco, levando-se em conta o objetivo da valorização máxima – risco este que vai se agravando na medida em que o ativo escolhido for menos líquido que o dinheiro (ativo que, como já se disse, detém a propriedade da máxima liquidez possível). Na medida em que se progride na escala de iliquidez do ativo, qualquer erro de avaliação é difícil de ser revertido ou amenizado por meio da passagem de uma forma de ativo para a outra. É neste sentido que a compra de um novo bem de capital requer sempre um cuidado adicional por parte do capitalista, pois um erro de expectativa – seja de preços, seja de inovações tecnológicas, seja do grau de utilização da capacidade produtiva, de crédito etc – poderia não só causar perdas temporárias, como gerar perdas de maior alcance no tempo, em razão da quase imobilidade do bem de capital pelo tempo de vida útil e econômica do bem.

Não obstante isso, um otimismo quanto aos rendimentos esperados daquele bem, afetando positivamente o que Keynes chama de eficiência marginal de capital (taxa de retorno esperada do bem de capital), é capaz de tornar favorável a realização de novos investimentos, e, logicamente, propiciar impulsos dinâmicos para toda a economia, no bojo de uma fase expansiva. Inversamente, expectativas menos favoráveis dos empresários em relação ao futuro podem conduzir a crises (ou seu agravamento), por vezes agudas, que desembocam em depressões.

Em um quadro de elevada incerteza e pessimismo, cabe ao governo fomentar ações que elevem a demanda efetiva: aumentar a liquidez, o crédito, os investimentos em obras de infraestrutura e os gastos sociais que aumentem o mercado interno, entre outras ações. Para Keynes, em um quadro de crise, políticas fiscais e monetaristas contracionistas tendem a agravar a crise do sistema, sem que se consiga a melhoria das finanças públicas. Os déficits públicos, quando são resultados de um efetivo esforço de crescimento por meio do aumento do investimento público, não são necessariamente ruins. Podem até ser desejáveis. Para Keynes, a melhoria das contas do governo se conseguiria dinamicamente por via do crescimento econômico, tendo em vista a capacidade deste em gerar o aumento da arrecadação sem necessariamente elevar a carga tributária.

Jefferson José da Conceição
Prof. Dr. na USCS. Diretor Superintende do SBCPrev.

Referencias Bibliográficas:

KEYNES, J. Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. São Paulo, abril-cultural, 1983.
ROBINSON, Joan. Contribuições à Economia Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
MINSK, Hyman P. John Maynard Keynes. New York, Columbia University, 1985.

* Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, coluna blogs, em 7/12/2015. jefferson.jose@saobernardo.sp.gov.br

#‎Keynes‬ ‪#‎crise‬ # capitalismo ‪#‎teoriakeynesiana‬

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

CONTRIBUIÇÕES PARA A POLÍTICA AUTOMOTIVA BRASILEIRA

Em seus 60 anos de história no Brasil, a produção automotiva já conviveu com fortes oscilações: nas décadas de 1950, 1970 e 2000, ocorreram anos de acentuado crescimento da produção; por sua vez, nas décadas de 1960, 1980 e 1990 houve momentos de desaceleração e retração aguda. A trajetória de altos e baixos não é uma característica somente da indústria brasileira. A economia e as empresas capitalistas caracterizam-se por sua instabilidade, seja nos países avançados seja nos países periféricos.
Vários elementos explicam as oscilações. O primeiro deles é se a política econômica é expansiva ou recessiva e qual é o cenário do comércio internacional, que também tem um peso grande. O segundo é que, dado o peso do crédito nas vendas das indústrias de alto valor agregado, como é o caso da indústria de veículos, haverá em algum momento a necessidade de uma acomodação da produção e vendas, tendo em vista a tendência à expansão da inadimplência. Há ainda que se ter em conta as características dos investimentos das multinacionais, que costumam expandir sua capacidade produtiva sempre muito além da demanda imediata, o que traz em seu bojo a necessidade da retração dos investimentos em algum momento.
Entre 1999 e 2013, a produção de autoveículos no Brasil (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus) apresentou crescimento ano após ano: a produção anual saltou de 1,1 milhão de unidades em 1999 para 2,9 milhões em 2013. A oscilação aconteceu em 2011. Desde o ano passado, porém, a produção está em queda: retraiu para 2,5 milhões em 2014 e a expectativa é que se situe em torno de 2,4 milhões em 2015. Entre 2002 e 2011, o faturamento líquido da indústria de autoveículos no Brasil cresceu seguidamente, passando de US$ 13,8 bilhões em 2002 para US$ 93,2 bilhões em 2011 (crescimento de 573,6%). Mas o faturamento também está em queda desde então. O emprego tem movimento semelhante, com algumas variações. Verifica-se uma expansão do nível de ocupações desde 2003 até 2013, com pequenas oscilações nos anos de 2006 e 2009. Do total de 79.047 trabalhadores empregados diretamente pela indústria em 2003 pula-se para 135.343 trabalhadores em 2013. Mas os sinais são negativos desde então: em 2014, foram eliminados nove mil e quatrocentos postos de trabalho. Em 2015, um contingente semelhante de desempregados pode-se somar a esta conta.
A atual crise da indústria automobilística não será a primeira nem a última. É evidente que esta crise mantém forte relação com o atual ajuste fiscal executado pelo governo, bem como com a crise política que aumenta a instabilidade e a incerteza na economia. Estima-se que o PIB brasileiro sofra redução entre 2 % e 3% em 2015 e entre 1% e 2% em 2016. Aos impactos dos fatores estruturais do ciclo da produção automotiva somam-se os fatores conjunturais e políticos. Evidentemente, em um quadro como este, dificilmente a indústria automobilística brasileira passaria incólume em termos de redução de investimentos, produção, vendas e emprego.
Em artigo anterior neste blog, intitulado “Propostas para uma Política Industrial em tempos de crise”, -LEIA AQUI - já pudemos expor algumas reflexões em torno de uma política industrial alternativa. Neste momento, queremos aplicar algumas daquelas propostas em uma Política específica para a Indústria Automotiva Brasileira.
Cabe desde logo registrar que, desde 2012, o Governo Federal tem sim uma política para o Setor Automotivo Brasileiro. Trata-se do “Inovar-Auto”, que é o Programa de Incentivo à inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores. Este Programa (Lei 12.715/2012) tem validade até 2017. Seu mérito maior é condicionar os incentivos tributários a objetivos estruturais para o setor, como o incremento da produção de veículos mais seguros e energeticamente mais econômicos; o aumento da inovação, Pesquisa e Desenvolvimento na cadeia produtiva; o incremento do investimento e capacitação na cadeia de fornecedores.
O Inovar-Auto, portanto, busca casar a competitividade da indústria brasileira com o desenvolvimento tecnológico. Há ainda detalhes importantes a se completar no Programa, como os critérios da rastreabilidade (índice de conteúdo local) e do que pode ou não ser considerado como desenvolvimento tecnológico para a obtenção dos incentivos tributários. Temas relacionados como o dos carros híbridos e dos laboratórios que exigem elevado apoio do poder público para a sua constituição (como é o caso do Crash Test) ainda estão em aberto. O Inovar-Peças precisa ser aprofundado, tendo em vista à proteção e desenvolvimento da base da pirâmide da cadeia produtiva. O Inovar-Auto também deveria apresentar, a nosso ver, metas nacionais (e não apenas por empresas) que norteiem toda a cadeia automotiva, em termos de produção, exportações, saldo na balança comercial, empregos. Estas metas jogariam um papel relevante na coordenação das expectativas e dos projetos dos agentes que compõem a cadeia produtiva. Não obstante as lacunas apontadas, o Inovar-auto tem sido importante na atração de expressivos investimentos para o setor.
O Inovar-auto não prevê situações como a atual, de forte retração da atividade produtiva e de alterações das “regras do jogo” (acentuada desvalorização da taxa de câmbio, aumento das taxas de juros e das tarifas públicas, retração de investimentos, elevação do desemprego, entre outras). Diante deste novo cenário, é primordial que o Programa seja acompanhado de uma política anticíclica complementar, que ajude a recuperar no curto prazo os níveis de produção, vendas e emprego. O Inovar-auto tem dificuldades de funcionar em face de uma economia desaquecida, em processo de rigoroso ajuste fiscal e de aguda crise política.
Não vamos entrar aqui no mérito da atual política de ajuste fiscal. Somos críticos a ela, haja vista que não produz o resultado maior pretendido que é a melhoria das finanças públicas. Temos visto, ao contrário, que, nos termos em que é realizado, o ajuste fiscal tem gerado, isto sim, um aumento ainda maior do desequilíbrio das finanças públicas. Vamos nos concentrar em sugerir alternativas para a indústria automobilística considerando como “dadas” as principais variáveis do modelo em curso.
Neste cenário, acreditamos que uma das prioridades da Política Automotiva deva ser estabelecer uma estratégia para que, valendo-se das condições “favoráveis” geradas pela desvalorização da taxa de câmbio, busque-se aumentar as exportações e substituir as importações (por meio da nacionalização de produtos completos, componentes e partes). A nosso ver, três instrumentos poderiam ajudar para atingir estes objetivos: a execução de taxas múltiplas de câmbio, a constituição da Câmara Setorial Automotiva e o estímulo e apoio aos Arranjos Produtivos Locais (APLs).
Em 1953, o Brasil experimentou a política de taxas múltiplas de câmbio. A Lei nº 1807 estabeleceu o sistema de taxas múltiplas de câmbio que tinha como objetivo o aumento das exportações e o desincentivo às importações não essenciais. Estabeleceu uma taxa fixa do mercado oficial, responsável por 85% das exportações (para produtos como café, cacau e algodão); três taxas flutuantes para as demais exportações; uma taxa de câmbio oficial, utilizada para as importações essenciais; uma taxa de câmbio para as demais importações e remessas. Como já expusemos em artigo anterior, de fato “o câmbio múltiplo estabelece valores distintos para a compra do dólar de acordo com a essencialidade do produto e as metas a serem atingidas. Ele permite uma utilização mais “cirúrgica” do câmbio como ferramenta de política industrial”. Por esta razão, o Brasil deveria experimentar este tipo de política novamente. O setor automobilístico pode ser um espaço importante para um teste desta natureza.
Por seu turno, a retomada da Câmara Setorial Automotiva, sob a coordenação do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e com a presença de outros Ministérios e órgãos do governo, bem como com a presença de entidades empresariais, representações sindicais de trabalhadores e outras instituições ligadas à cadeia produtiva automotiva, como as universidades e centros de pesquisa, pode contribuir para se por adiante uma estratégia dialogada de incremento de exportações e de substituição de importações.
Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) - como é o caso, por exemplo, do APL de Ferramentaria do Grande ABC - podem contribuir para, no âmbito de cada território, por em curso a política nacional acordada na Câmara Setorial Automotiva. Os APLs já provaram que, por meio de processos cooperativos entre os agentes produtivos, podem ajudar a incrementar a competitividade do setor.
No campo dos tributos, a proposta consiste em executar uma política que, ao mesmo tempo em que aumente a arrecadação (como pretendido pelo ajuste fiscal), possibilite a retomada das vendas e da produção. Assim, nossa sugestão é que se alargue a amplitude das alíquotas tributárias, de forma que os autoveículos adquiridos pelas camadas sociais mais bem aquinhoadas da população tenham seus tributos aumentados, ao mesmo tempo em que os autoveículos básicos adquiridos pela população de menor renda tenham suas alíquotas reduzidas. Esta proposta ancora-se no fato de que os “veículos top” são menos sensíveis ao aumento de impostos. Com isto, as vendas e a produção de veículos básicos poderiam voltar a subir, sem que houvesse uma queda acentuada das vendas e da produção dos veículos top.
A Instituição de um “Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos” é projeto estruturante de uma política de médio e longo prazo para a indústria automotiva no Brasil. Este Programa, que alia a expansão da produção com a sustentabilidade ambiental e a segurança e eficiência dos veículos, vem sendo discutido no Brasil desde os anos de 1990. Entretanto, não se consegue tira-lo “do papel”. Diante dessa realidade, parece-nos que é importante “começar começando”. Isto quer dizer que, se ainda não temos condições de ter completa e acabada a arquitetura do Programa como um todo, então devemos realiza-lo por partes. De modo que uma etapa bem-sucedida (ainda que seja uma etapa simbólica, pequena) desencadeie a necessidade de se por adiante novas etapas. A formação de centros recicladores com o apoio do Poder Público e da Cadeia Automotiva seria um bom início para o Programa.
É essencial também que a indústria automobilística brasileira esteja envolvida com a construção de um Programa Nacional de Renovação do Parque de Máquinas e Equipamentos, como pretende ser o "Modermaq". Anfavea, Sindipeças e Abimaq, que são, respectivamente,as associações representativas da indústria de veículos, de autopeças e de máquinas, precisam sentar-se à mesas juntas para elaborar este Programa, em diálogo ainda com o Governo Federal e os sindicatos de trabalhadores. Isto permitirá que todos os interesses sejam contemplados e que, ao final, haja uma efetiva e necessária renovação do parque fabril brasileiro, seja por meio de novas máquinas e equipamentos nacionais, seja por meio dos importados (especialmente os que o Brasil não tenha capacidade de produzir localmente com competitividade).
A preocupação com o emprego exige a elaboração de medidas ativas, além, é claro, da retomada das vendas e da produção. Por conseguinte, a continuidade de programas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) é essencial para o enfrentamento do desemprego no setor. Mais: as políticas de crédito das instituições financeiras (como o BNDES) devem estar associadas com a fixação de metas de emprego por parte das empresas beneficiárias dos recursos governamentais.

Jefferson José da Conceição é superintendente do SBCPREV e professor dr. na Universidade de São Caetano, responsável pela Disciplina de Economia Brasileira

terça-feira, 24 de novembro de 2015

CONVITE À LEITURA DO LIVRO "A CIDADE DESENVOLVIMENTISTA"

Por Jefferson José da Conceição e Roberto Vital Anav

Este artigo reproduz parte da introdução do nosso livro “A Cidade Desenvolvimentista”, recém-lançado pela Editora da Fundação Perseu Abramo. A intenção é estimular os leitores do blog a ler o livro, que além dos autores deste artigo tem como coautores o professor doutor da UFABC, Jeroen Klink, e a secretária de Orçamento e Planejamento Participativo de São Bernardo do Campo, Nilza de Oliveira. Gostaríamos de incentivar também a elaboração de resenhas críticas à obra – mesmo que elas tenham posições divergentes da nossa. Isto faz parte da democracia e do debate intelectual.

Segue a abertura do livro:

“Desenvolvimentismo é termo geralmente associado ao debate nacional relacionado aos rumos que, no período pós II Guerra Mundial, deveriam (ou ainda devem) tomar os países de crescimento capitalista retardatário, como são os casos das nações que compõem a América Latina, entre eles o Brasil. Assim, costuma-se avaliar governos e gestores econômicos conforme a dicotomia: desenvolvimentistas versus liberais.

Durante meio século (de 1930 a 1980), com pequenos intervalos, o Brasil vivenciou experiências desenvolvimentistas que nos transformaram, de economia predominantemente agrícola, em país com forte presença industrial e majoritariamente urbano. Resultado disso foi a inclusão do Brasil entre as dez maiores economias do mundo, nas últimas décadas. Por outro lado, as experiências citadas se alternaram entre períodos políticos mais autoritários e outros mais democráticos. O Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e o regime militar (1964-1985) adotaram políticas e instrumentos desenvolvimentistas em regimes políticos fechados e repressivos. O segundo Governo Vargas (1950-1954) e os governos de Juscelino Kubitschek (JK - 1956-1960) e João Goulart (1962) seguiram a via desenvolvimentista em ambiente democrático. Destes últimos, apenas JK completou o mandato. Seu governo apresentou características específicas que permitem identificar importantes paralelos com as gestões municipais de São Bernardo do Campo, entre 2009 e 2016, guardadas as devidas proporções de época e esfera de Governo. (BENEVIDES, 1979).

Neste livro abordaremos uma vertente específica do desenvolvimentismo, aplicada ao âmbito regional e local. Referimo-nos à visão de que é possível adotar posturas proativas do Poder Público nessas escalas, em busca do desenvolvimento econômico e social. Acreditamos que a experiência concreta de São Bernardo do Campo, entre 2009 e 2015 (referentes às gestões municipais 2009-2012 e 2013-2016), demonstra essa possibilidade e já apresenta resultados palpáveis no desenvolvimento da cidade e da Região do Grande ABC. Compartilhá-la representa um esforço de ampliar o debate para a análise crítica, com vistas aos ajustes e correções necessários, e principalmente à generalização da referida visão de transformação da realidade. O desenvolvimento econômico e social vem adquirindo em épocas mais recentes algumas dimensões indissociáveis, como as cinco identificadas por SACHS (1993): social, econômica, ecológica, espacial e cultural. O “antigo” desenvolvimentismo, de âmbito nacional não tratou, por circunstancias históricas determinadas, da distribuição de renda como prioridade. Esperava-se que ela decorresse naturalmente da passagem de uma sociedade agrária para uma sociedade urbano-industrial, especialmente em função do incremento da renda dos antigos trabalhadores rurais ao se tornarem assalariados urbanos. Sabemos hoje que isto não ocorreu na escala pretendida. A desigualdade econômica e social transferiu-se em grande parte para as cidades, com seus corolários urbanos: segregação espacial, favelização e outras mazelas sociais de nossas metrópoles. Tampouco houve preocupação com os aspectos ambientais (hoje chamada de sustentabilidade). Acresce que o próprio aspecto da sustentabilidade no sentido econômico stricto sensu, referente ao equilíbrio das receitas e despesas públicas, foi pouco abordado pelos desenvolvimentistas de ontem. Com maior frequência que o desejável, formas inflacionárias de financiamento foram adotadas, ocasionando turbulências econômicas e sociais – além de reconcentrar a renda. Déficits públicos não financiados adequadamente e crises de balanços de pagamentos foram recorrentes. Agregue-se a ausência, no antigo desenvolvimentismo, de políticas urbanas que dotassem os governos locais (e mesmo supra-locais) de instrumentos de planejamento urbano e redistribuição da renda urbana, ocasionando uma relação negativa entre desenvolvimentismo e qualidade de vida urbana.

Como desenvolvimentistas engajados, acreditamos que, com todas as deficiências e críticas cabíveis, o Brasil só se industrializou e urbanizou graças às políticas de substituição de importações realizadas ao longo de cinco ou seis décadas a partir de 1930. Mais: a retomada de uma perspectiva desenvolvimentista pelo Governo Federal, nos últimos doze anos (2003-2014), deve ser comemorada.
Este retorno da visão desenvolvimentista no Brasil esteve associado a políticas ativas de distribuição de renda e a gestões macroeconômicas responsáveis. Desejamos contribuir para o aprofundamento desse processo e agregar experiências, particularmente na dimensão local e regional, pouco trabalhada até agora em nosso país, em que pesem os avanços mencionados.

Como partícipes de um forte e original processo desenvolvimentista em São Bernardo do Campo, com um enfoque sinérgico entre o município e a Região do Grande ABC e aproveitando as oportunidades criadas pela dinâmica do crescimento (2004-2014) no plano nacional, acreditamos que esta experiência oferece material de estudo e reflexão para todos os interessados no tema do desenvolvimento local e regional.

Os dois governos (2009-2012 e 2013-2016) do Prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, à frente do Partido dos Trabalhadores (PT), aliado a um conjunto maior de partidos políticos, ainda não se completaram, mas já percorreram mais de três quartos de sua duração prevista. Esse período é aqui analisado à luz dessa perspectiva: gestões que buscaram caminhos para um forte processo desenvolvimentista em escala local e regional, articulado com a escala nacional, mas com ritmo e iniciativas próprias. Desenvolvimentismo que combinou as seguintes dimensões: democracia e cidadania, com destaque para a participação nos Planos Plurianuais (PPAs) e nos Orçamentos Participativos; planejamento de curto, médio e longo prazos, expresso em programas e projetos com distintas durações, alguns deles previstos para se estenderem até parte do mandato subsequente; crescimento econômico, resultante de expressivo volume de investimentos públicos e privados; inclusão social, com políticas ativas de ampliação dos direitos sociais e dos serviços públicos; fortalecimento da legislação e dos instrumentos de intervenção urbana, buscando maior efetividade ao planejamento urbano e melhor distribuição social dos ganhos de renda urbana; e sustentabilidade ambiental, social e econômica.

Este trabalho destaca, sobretudo, as transformações de natureza econômica das referidas Gestões Municipais. Nesse sentido, as referências ao conjunto da obra abrangente do Prefeito nos inúmeros campos da administração municipal serão sintéticas. Portanto, registre-se desde logo que o viés do livro pelos programas e projetos no campo do desenvolvimento econômico nem de longe traduz o conjunto de transformações representadas pelas duas gestões. Poder-se-ia dizer que o livro é apenas uma pequena amostra do universo intenso das mudanças desenvolvimentistas das duas gestões municipais aqui tratadas, que serão analisadas em seu todo e sob outros olhares em futuros trabalhos de pesquisa sobre experiências governamentais. O livro compõe-se, além desta Introdução, de nove capítulos, a seguir indicados.

O Capítulo I apresenta a Região do Grande ABC e São Bernardo do Campo em seus aspectos físico-territoriais, demográficos e econômicos, situando o leitor no território do objeto de estudo.
O Capítulo II fará uma remissão sintética do debate mais amplo, em âmbito nacional e internacional, sobre os desafios, as possibilidades e as limitações do desenvolvimento econômico local, bem como as limitações jurídicas e institucionais vigentes no Brasil para a ação desenvolvimentista nos planos regional e local. Desta maneira, este capítulo tem a pretensão de inserir a experiência de São Bernardo do Campo, entre 2009 e 2016, nos marcos de um contexto nacional e internacional de discussão de ideias e ações governamentais.

O Capítulo III reportará os impactos das políticas macroeconômicas nacionais sobre a sociedade e a economia local ao longo das últimas duas décadas, indicando como a reorientação dessas políticas pelos Governos Lula e Dilma criou condições facilitadoras de um desenvolvimentismo local que, em outras circunstâncias, teria sido muito mais penoso. Nesse mesmo Capítulo, apresenta-se sinteticamente a orientação geral das duas gestões municipais do Prefeito Luiz Marinho em São Bernardo do Campo.

O Capítulo IV apresenta o processo de planejamento participativo ocorrido na elaboração dos Planos Plurianuais (PPAs) e nos Orçamentos anuais, bem como o diálogo social sistematizado pelas gestões citadas junto a diversos segmentos da sociedade.
Os Capítulos seguintes são focados na política de desenvolvimento econômico de São Bernardo do Campo, entre 2009 e 2015.

Assim, o Capítulo V aborda a estratégia do desenvolvimento econômico local e o foco no campo do desenvolvimento tecnológico, especialmente por meio da abordagem da “tríplice hélice”, que aproxima gestão pública, setor produtivo e centros de educação, pesquisa e inovação.

O Capítulo VI trata da “política industrial local”; tece observações sobre segmentos importantes ou de grande potencial na indústria local e descreve a rica experiência da política de constituição e funcionamento dos Arranjos Produtivos Locais (APLs).

O Capítulo VII comenta as políticas voltadas ao empreendedorismo, trabalho e economia solidária.

O Capítulo VIII aborda a ação direcionada ao turismo como elemento de uma política desenvolvimentista.

O Capítulo IX discute a ação, junto aos segmentos tradicionais, da economia municipal com um enfoque de reforço desenvolvimentista: comércio, feiras, festivais.
Finalmente, uma conclusão busca extrair as primeiras lições possíveis das experiências narradas.

Cumpre notar que a Parte II compõe-se de matérias publicadas ao longo do tempo pelo Secretário
Jefferson José da Conceição no Jornal ABCD Maior, combinadas com textos produzidos na própria Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (SDET). A maioria daquelas matérias foi escrita individualmente, mas algumas foram compartilhadas pelo coautor Roberto Anau e outros autores, citados ao final. Todos os artigos envolveram diversos parceiros e partícipes das experiências descritas (...).

Finalmente, é impossível deixar de mencionar a figura ímpar do Prefeito Luiz Marinho, incansável em sua luta por desenvolvimento com diálogo e justiça social, desde sua trajetória histórica como líder no chão de fábrica e como sindicalista, até os dois Ministérios que exerceu sob a liderança do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como Prefeito e Presidente (atualmente Vice-Presidente) do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, Luiz Marinho tem construído um modelo de gestão que combina o arrojo dos projetos estruturantes; a sensibilidade para as demandas sociais; a ênfase no diálogo e na participação cidadã; a insistência no papel do gestor público com indutor da mudança cultural e comportamental de todos os munícipes e agentes sociais; e, finalmente, de modo mais geral, a perspicácia na abordagem desenvolvimentista. Nesta última, o Prefeito tem sido eficaz em articular parcerias com o Governo Federal, e também com o Governo do Estado de São Paulo; dialogar com o setor privado e aproveitar todas as oportunidades para inserir a cidade e a região em processos inovadores, reforçando e diversificando a economia local e regional (....)”.

Os interessados em adquirir a publicação podem fazê-lo por meio da Livraria Leitura do Shopping Golden Square em São Bernardo do Campo. Outra alternativa é a versão eletrônica da publicação que já está disponível no site da Fundação Perseu Abramo.
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Jefferson José da Conceição é professor doutor na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e diretor superintendente do SBCPREV.

Roberto Vital Anav é professor mestre na mesma universidade e assessor econômico na Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

Artigo publicado na seção blog do site www.abcdmaior.com.br, em 24/11/2015

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

PREFEITO-FURACÃO

por Jefferson José da Conceição
No dia 18/11/2015, às 19h, na Livraria Leitura do Golden Square Shopping em São Bernardo do Campo (av. Kennedy, 700), lançaremos o livro "A cidade desenvolvimentista-crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015”, o qual sou um dos autores, juntamente com Roberto Vital Anav, Nilza de Oliveira e Jeroen Klink. Convido os leitores para este lançamento.

O livro, de cerca de 400 páginas, publicado pela Editora da Fundação Perseu Abramo, relata e analisa as duas gestões (2009-2012 e 2013-2016) do prefeito Luiz Marinho (ressalvando-se que ainda faltam pouco mais de 13 meses para o encerramento da segunda gestão). A obra classifica ambas as gestões como “desenvolvimentistas”. No livro, valemo-nos deste termo consagrado pela literatura econômica para descrever os governos que buscaram, no pós Segunda Guerra Mundial, priorizar um ritmo acelerado de crescimento e transformações estruturais nos países periféricos, especialmente na América Latina, por meio de políticas governamentais indutoras do investimento público e privado.

Na história brasileira, o Governo que melhor caracterizou o desenvolvimentismo foi a gestão presidencial de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando o país cresceu “50 anos em 5”, por meio da aplicação do Plano de Metas. Entre os legados da Era JK estão a constituição da indústria automobilística no Brasil (no período, muitas das fábricas montadoras e de autopeças instalaram-se na Região do ABC Paulista), da indústria naval, da indústria de tratores e da indústria de bens de consumo duráveis em geral. Outra marca do Governo JK foi a construção de Brasília, a nova capital da República. Na Era JK, o Brasil viveu “os anos dourados”, com a chegada da TV, o cinema novo e a Bossa Nova.

Antes, JK foi prefeito de Belo Horizonte, entre 1940 e 1945 (posteriormente, tornou-se Governador de Minas entre 1951 e 1954). Sua gestão à frente da capital mineira foi marcada pelo forte crescimento e transformações da cidade. No livro-biografia que fez sobre o ex-presidente, ‘JK- o Presidente Bossa Nova’, Maria Adelaide Amaral relata:

“Como prefeito de Belo Horizonte, JK desenvolveu uma administração dinâmica, voltada para as mais distintas áreas: preocupado em remodelar a cidade, investiu em obras públicas e saneamento urbano, ofereceu incentivo à cultura e assistência aos mais pobres. No entusiasmo de seus 30 anos, tanto restaurou a capital mineira que acabou sendo apelidado de ‘o prefeito-furacão’. (...) JK criou bairros inteiros, como o Sion e a Cidade Jardim. Abriu, restaurou e pavimentou dezenas de ruas e avenidas; realizou obras de infraestrutura, implantando a rede subterrânea de luz e telefone, substituindo e ampliando a de esgoto e de abastecimento de água; construiu pontes e fez terraplanagens a fim de integrar o centro da cidade à zona suburbana. Os grandes bastiões de sua passagem pela Prefeitura foram o Cassino (hoje Museu de Arte), a Casa do Baile, o Iate Clube e a Igrejinha de São Francisco – cuja administração contou com a participação de jovens talentos como o arquiteto Oscar Niemeyer, o paisagista Burle Marx, o pintor Portinari e o escultor Alfredo Ceschiatti. Um dos marcos da sua administração e cartão de visita da moderna BH é o conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer em tempo recorde. Em apenas nove meses, a cidade ganhou um moderno ponto turístico e um arrojado centro de recreação, constituído de lago artificial pontilhado por casas de diversão e ligado ao centro por avenidas largas”.

No livro que ora lançamos procuramos mostrar que as gestões do Prefeito Luiz Marinho (PT) também são marcadas por esta “ânsia” de superar os “gaps” estruturais em várias áreas da cidade, pelo volume das obras e pela ousadia de muitos dos projetos - alguns dos quais, é claro, a execução e desdobramentos ultrapassam as duas gestões do Prefeito.

Desde já deixamos claro que a lista de obras e ações a seguir pode conter importantes lacunas, o que costuma acontecer com qualquer listagem deste tipo. Ressaltamos também que a lista contém, naturalmente, projetos que estão em diferentes fases de execução (alguns dos projetos devem prosseguir no próximo governo). Ainda assim, atrevemo-nos a apontar as principais obras e ações de ambas as Gestões Luiz Marinho. Por área, são elas:

a) na saúde: Novo Hospital de Clínicas; Novas UPAS (nove) e Reforma de UBSs (vinte e nove); Novo Pronto Socorro Obstétrico do Hospital Municipal Universitário (HMU); Centro de Especialidades Odontológicas; Rede de Saúde Mental; Programa de Internação Domiciliar;

b) na educação: Centros Educacionais Unificados (CEUs); Cidade Livre do Analfabetismo; Reforma em 52 quadras das escolas municipais; Programa Conect: distribuição de 15 mil notebooks para uso em sala de aula; Merenda Escolar e Agricultura familiar; Criação de 17,6 mil novas vagas na rede municipal de ensino;

c) na habitação: Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS); Renda Abrigo; Produção de 5000 moradias; Regularização Fundiária; Conjunto Habitacional Três Marias: Um Instrumento de Inclusão Urbana, Social e de Sustentabilidade Ambiental; Plano Municipal de Redução de Riscos; d

d) no Transporte e Trânsito: Plano de Mobilidade Regional; Doze corredores de ônibus e três terminais de integração; Metrô; Metrô a cabo e Catamarã; aeroporto; Rebaixamento da Av. Lions (Nova Lions); Outras obras viárias;

e) na Política Urbana: Programa “Drenar” de combate às enchentes; Sistema de Processamento e Aproveitamento de Resíduos e Unidade de Recuperação Energética (Usina Verde); Coleta Seletiva Porta a Porta; Programa Rua Nova; Reforma de mais de 60 praças; ConCidade; Novo Plano Diretor; Nova Lei de Uso e Ocupação do Solo; Operação Urbana Consorciada;

f) no Esporte: Centro de Atletismo Olímpico; Centro de Ginástica Artística; Centro Nacional de Desenvolvimento do Handebol; Modernização do Estádio 1º de Maio; Projeto Tigrinho; Reforma e Ampliação de espaços públicos para práticas esportivas; São Bernardo “Capital do Esporte Brasileiro”;

g) na Cultura: Museu do Trabalho e dos Trabalhadores; Polo Cultural Cinematográfico e Centro de Formação e Produção Audiovisual (Antigo Vera Cruz); Restauração da Chácara Silvestre; Reforma do Teatro Lauro Gomes;

h) na Segurança: Centro Integrado de Monitoramento; Cidade de Paz; Ação Integrada de Patrulhamento Preventivo; Melhoria da estrutura da GMC; Descentralização da GCM e Novas Inspetorias Regionais;

i) na Inclusão Social: Sistema Único de Assistência Social; Banco de Alimentos; Centro de Referencia e Apoio à Mulher; Mulheres Construindo Autonomia; Parque Cidade dos Direitos da Criança e do Adolescente Dona Lindu;

j) na Política Ambiental: Conselho Municipal de Meio Ambiente; Política Municipal de Meio Ambiente; Licenciamento Ambiental Municipal; Programa Orientar: Inspeção veicular educativa, gratuita e não punitiva;

l) na administração: Rede Fácil – Central de Atendimento ao Cidadão; Cidade Digital; Revitalização do Prédio da Prefeitura; Mesa de Negociação com Servidores; Capacitação de Servidores;

m) nas Finanças: novo Sistema de Nota Fiscal e Escrituração Eletrônica;

n) nas Relações Internacionais: Parcerias com a Suécia.

Na introdução do livro a ser lançado, afirmamos que as gestões do Prefeito Luiz Marinho caracterizaram-se por trazer dimensões novas ao desenvolvimento – dimensões estas que vão além da atração de expressivo volume de investimentos públicos e privados no período. Essas novas dimensões do desenvolvimentismo consistem: no diálogo social por meio do fortalecimento da democracia e da cidadania, com destaque para a participação cidadã nos Planos Plurianuais (PPAs) e nos Orçamentos Participativos; no planejamento de curto, médio e longo prazo, expresso em programas e projetos com distintas durações, alguns deles previstos para se estenderem até parte do mandato subsequente; na inclusão social, com políticas ativas de ampliação dos direitos sociais e dos serviços públicos; no fortalecimento da legislação e dos instrumentos de intervenção urbana, buscando maior efetividade ao planejamento urbano e melhor distribuição social dos ganhos de renda urbana; na sustentabilidade ambiental, social e econômica.

Sendo dois dos autores provenientes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo entre 2009 e 2015 - eu, como Secretário da área entre 2009 e 2015 e Roberto Vital, como assessor -, o livro destaca, em sua segunda parte, as transformações de natureza econômica das referidas gestões municipais. Recuperamos, entre outros programas desenvolvidos no período: a estratégia que considerou Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica como centro e objetivo principal da política de desenvolvimento econômico; a constituição da Associação Parque Tecnológico de São Bernardo do Campo; a coordenação da Pesquisa de Inventário de Oferta Tecnológica da Região do ABC. Especificamente, em relação às políticas para a indústria, as ações foram as seguintes: obras e projetos estruturantes do governo municipal que melhoraram especialmente a logística da cidade e região; o levantamento atualizado da Indústria Local, denominado de “Cadastro Geral da Indústria” de São Bernardo do Campo; as ações para o fortalecimento do setor Automotivo, como o enfrentamento da crise de 2008/2009, por meio do Seminário Regional “O ABC do Diálogo e do Desenvolvimento”, que apresentou e executou propostas concretas para o setor; o retorno dos investimentos na cadeia de produção automotiva do ABC; as contribuições para a Política Automotiva Brasileira; a estruturação e desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), como o APL de Ferramentaria do Grande ABC, o APL Gráfico do Grande ABC e Baixada Santista, o APL Têxtil e de Confecções do Grande ABC, o APL Moveleiro do Grande ABC, o APL de Design, Audiovisual e Economia Criativa de São Bernardo do Campo, o APL de Panificação do Grande ABC; a política de adensamento da cadeia produtiva de defesa no Grande ABC; a participação no conjunto de ações para que São Bernardo e Região fizessem parte dos investimentos para a produção de parte da aeronave supersônica Gripen; o inédito APL de Defesa do Grande ABC; os esforços de sensibilização empresarial para que as empresas da Região do ABC incrementem sua participação no fornecimento de produtos e serviços à cadeia de Petróleo e Gás. No que se refere à política de apoio ao empreendedorismo e de fomento às atividades de comércio e serviços, destacamos a aprovação da Lei Geral Municipal de Apoio à Micro e à Pequena Empresa; a constituição e funcionamento da Sala do Empreendedor; o estímulo ao associativismo e fomento dos segmentos de Padarias, Restaurantes, Bares e Afins; o APL de Restaurantes, Bares e Afins; a criação do Festival Rotas dos Sabores; o APL Pesqueiro; a modernização e fomento do Mercado Municipal; as Feiras Noturnas, a Feira de Móveis da Rua Jurubatuba. Em termos da política para o desenvolvimento da cadeia produtiva turística em São Bernardo do Campo, destacamos o “Turismo Industrial”; as obras de Infraestrutura e requalificação de equipamentos turísticos (a revitalização da Prainha do Riacho Grande; a requalificação do Parque Estoril, a reabertura e readequação da Cidade da Criança e a implantação de nova sinalização turística em São Bernardo do Campo); o APL de Turismo de São Bernardo do Campo; a capacitação de agentes do turismo (Taxista Empreendedor; Taxista Amigo do Turista; Taxista Nota 10; o Programa Frentista Amigo do Turista); o projeto para a obtenção do título de “Município de Interesse Turístico” (em uma primeira fase) e “Estância Turística” (em uma segunda fase) do Estado de São Paulo. Na área das políticas para a geração de trabalho, renda e economia solidária: a Constituição da Central de Trabalho e Renda (CTR) de São Bernardo do Campo; o Inédito Decreto Municipal em prol do Trabalho Decente; a experiência-piloto da Prefeitura de São Bernardo do Campo: o Posto de Atendimento às empregadas e empregadoras domésticas; o Apoio à Economia Solidária.
Não poderíamos deixar de sublinhar, no livro, “a figura ímpar de Luiz Marinho, incansável em sua luta por desenvolvimento com diálogo e justiça social, desde sua trajetória histórica como líder no chão de fábrica e como sindicalista, até os dois ministérios que exerceu sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como prefeito presidente (atualmente Vice-Presidente) do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, Luiz Marinho tem construído um modelo de gestão que combina o arrojo dos projetos estruturantes; a sensibilidade para as demandas sociais; a ênfase no diálogo e na participação cidadã; a insistência no papel do gestor público com indutor da mudança cultural e comportamental de todos os munícipes e agentes sociais; e, finalmente, de modo mais geral, a perspicácia na abordagem desenvolvimentista. Nesta última, o Prefeito tem sido eficaz em articular parcerias com o Governo Federal, e também com o Governo do Estado de São Paulo; dialogar com o setor privado e aproveitar todas as oportunidades para inserir a cidade e a região em processos inovadores, reforçando e diversificando a economia local e regional”.

Por seguir a trilha desenvolvimentista de JK, e dando a ela novas dimensões como a do intenso diálogo social, parece-me apropriado dar também a Luiz Marinho o título de Prefeito-furacão.

Jefferson José da Conceição é Diretor Superintendente do SBCPrev e Prof. Dr. da USCS, responsável pelas disciplinas de Economia Brasileira.

Artigo publicado no ABCDMaior em 16/11/2015.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

PROPOSTAS PARA A POLÍTICA INDUSTRIAL EM TEMPOS DE CRISE

Jefferson José da Conceição

A Política Industrial é aquela pela qual o Estado, por meio dos diversos instrumentos de que dispõe - gastos em infraestrutura, financiamento, incentivos tributários, subsídios sobre os insumos, política de comércio exterior, apoio à P&D, capacitação profissional, entre outros - orienta, incentiva, regula e financia os setores e empresas privadas, bem como as empresas e órgãos públicos, visando a que a expansão da indústria siga em uma determinada direção planejada.

Por sua natureza indutora, ela não é uma política consensual entre os economistas. Os economistas de formação liberal consideram que a melhor política industrial é a “antipolítica industrial”, isto é, aquela em que o Estado atua e interfere o menos possível. O papel de protagonismo e direção seria, neste caso, do “mercado” e de sua “mão invisível”. Não compartilho desta visão. Entendo que a politica industrial é, juntamente com outras, uma forma do Estado apontar ao mercado e à acumulação privada os objetivos conscientes da sociedade.

A política industrial é a concretização do conceito de planejamento no âmbito específico do setor industrial. Por conseguinte, ela pode e deve fomentar a acumulação de capital, ativar os negócios e incrementar os lucros privados, mas isto articulado a um conjunto de objetivos maiores da sociedade, que podem ser diversos: crescimento de determinadas áreas até então menos desenvolvidas, melhoria do balanço de pagamentos, inovação tecnológica, geração de empregos entre outros. Por ser pública, a Política Industrial não deveria refletir apenas a visão de instituições como CNI, Fiesp, Firjan e Fiemg, mas também de sindicatos, universidades, ONGs, entre outras instituições.

Sendo a economia capitalista cíclica e sujeita a diferentes conjunturas econômicas, a Política Industrial enfrenta distintas circunstancias também. Hoje, a indústria brasileira vive momento bastante difícil. No acumulado do ano até setembro, a produção industrial havia caído 7% em média, que é resultado da crise econômica nacional e internacional e do forte ajuste fiscal interno. Isto reduz bastante as margens de possibilidades para a elaboração e execução de uma política industrial, na medida em que esta política é eminentemente associada ao crescimento econômico. Em uma conjuntura em que a política econômica considera como “dada” a necessidade premente da elevação de tributos, manutenção de juros altos, elevação das tarifas públicas e redução dos investimentos públicos há um estreitamento das políticas possíveis. Salvo no caso em que explicitamente se pretende utilizar a política industrial como instrumento “anticíclico” de combate à recessão e de retomada do crescimento, a política industrial tem dificuldades de conviver com uma economia desaquecida e em processo de ajuste fiscal.

Não é minha intenção entrar no debate sobre a questão do ajuste fiscal. Tenho, sim, ponderações quanto ao tamanho e forma do ajuste em curso. Neste artigo, porém, consideramos que neste momento esta política é a que está em curso. Por conseguinte, e pragmaticamente, é com ela que estamos lidando. Queremos mostrar que, ainda assim, isto não significa que não se pode fazer nada em termos de política industrial. Entendemos que, neste cenário, a Política Industrial deve buscar o “diálogo” com a política econômica, que é a do ajuste fiscal. Assim, um dos itens prioritários deveria ser aprofundar ao extremo a estratégia de incremento das exportações e de substituição de importações (nacionalização de produtos completos, componentes e partes), tendo em conta que a melhoria do balanço de pagamentos também é uma das prioridades atuais do governo.

A desvalorização do câmbio certamente é uma dos instrumentos mais importantes para atingir estes objetivos em relação ao comércio exterior. Mas não é o único. A ousadia de inovar é bem vinda nesta área. Entendemos que a adoção da experiência do câmbio múltiplo deveria ser testada. O Brasil já viveu, com relativo sucesso, esta experiência na década de 1950. O câmbio múltiplo estabelece valores distintos para a compra do dólar de acordo com a essencialidade do produto e as metas a serem atingidas. Ele permite uma utilização mais “cirúrgica” do câmbio como ferramenta de política industrial.

Retomar, sob a coordenação do governo, as Câmaras Setoriais (com a participação de entidades representativas de empresários, de trabalhadores e de outras instituições, como as universidades e centros de pesquisa), para discutir esta estratégia de aprofundamento do comércio exterior brasileiro faz parte do também do conjunto de medidas da Política Industrial em tempos de crise. Discutir com profundidade as ações em ambas as direções (incremento de exportações e substituição de importações) pode gerar uma profícua e duradoura pauta de competitividade nacional dialogada entre os atores envolvidos.

É preciso ousar também no campo tributário. Uma possibilidade – já mencionada em artigo anterior de nossa autoria – é “abrir” o leque dos impostos indiretos, de forma que os produtos e serviços consumidos pelas camadas sociais mais ricas da população sejam mais taxados, ao passo que os produtos e serviços da população de menor renda tenham suas alíquotas mantidas baixas ou até mesmo reduzidas. É essencial realizar estudos que analisem, setor a setor, esta possibilidade. Sabe-se que os produtos e serviços das camadas mais ricas são menos sensíveis ao aumento de impostos.

Assim, por exemplo, poder-se-ia estudar a viabilidade de, no segmento automobilístico, aumentar a tributação do veículos mais luxuosos, ao passo que se manteriam ou até mesmo se reduziriam as alíquotas tributárias sobre os veículos mais básicos. Caberia investigar os efeitos de uma política deste tipo sobre a arrecadação. O sucesso de uma ação desta natureza, neste e em outros setores, poderia ser importante para a retomada da produção e do emprego, sem que isto representasse uma política contraditória com o ajuste fiscal.

Diante do agravamento da crise e da elevação da taxa de desemprego, a política industrial deve também ter como meta a questão da manutenção e geração de empregos. Assim, além de apoiar a adoção de programas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) antes de qualquer demissão massiva, a Política Industrial deve forçar as empresas a se comprometerem com a preservação e ampliação de empregos. As políticas de crédito das instituições financeiras (como o BNDES) devem estar associadas com a fixação de metas de emprego por parte das empresas beneficiárias dos recursos governamentais.

Ainda visando a geração de postos de trabalho, o Governo poderia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando, provisoriamente (por tempo determinado), a lei de licitações (lei nº 8666) de modo a constituir um percentual mínimo obrigatório de compras governamentais destinado às empresas internamente instaladas, sejam elas nacionais ou estrangeiras. Trata-se de uma margem de preferência, com tempo determinado, para a produção nacional.

Por fim, um dos pontos estruturais de “estrangulamento” da economia brasileira reside na dissociação entre instituições financeiras privadas e crédito ao setor industrial. A expansão dos lucros dos bancos não pode se dar “descolada” do fortalecimento da indústria. Não cabe apenas ao BNDES apoiar o setor industrial. Esta também deve ser uma tarefa obrigatória dos bancos comerciais privados. É fundamental estabelecer as regras do crédito dirigido de apoio ao setor industrial.

As diretrizes de políticas apontadas brevemente neste artigo não resolverão sozinhas os graves problemas atuais da economia brasileira. Elas podem, isto sim, ajudar a criar um horizonte de saída para a crise sem afetar a estratégia “austera” da atual política econômica. Para isto, entretanto, é essencial uma flexibilidade da equipe que conduz a política econômica, que está hoje presa aos férreos princípios de uma ortodoxia monetarista.

Jefferson José da Conceição é Superintendente do SBCPREV e Prof.Dr. da USCS, responsável pela Disciplina de Economia Brasileira.

 Artigo publicado na coluna "Blogs" do site www.abcdmaior.com.br, em 10/11/2015.

#politicaindustrial#industria

terça-feira, 3 de novembro de 2015

INCONFORMISMOS DA ELITE BRASILEIRA EM MOMENTOS DE ASCENSÃO DOS POBRES


Jefferson José da Conceição e Roberto Vital Anav

Com este artigo, damos continuidade aos paralelismos históricos entre o momento atual e outros períodos vividos na história econômica brasileira. No artigo anterior (1), buscamos mostrar como o Presidente JK, que se encontrava diante de uma agenda negativa no Congresso no início do seu governo – semelhante ao experimentado atualmente pela Presidente Dilma - conseguiu modificar o jogo e levar o País ao desenvolvimento. Neste, temos como foco a formação da elite brasileira e seu posicionamento contraditório e inconformista em dois momentos históricos de ascensão dos pobres no Brasil.

Este tema nos remete mais ao campo dos estudos sociológicos do que da Economia, propriamente dita. Entretanto, como nos ensinam os autores clássicos – de Marx a Weber, apenas para citar dois deles – estes campos do conhecimento (a Economia e a Sociologia) não são estanques e independentes. A interpretação dos fenômenos econômicos e sociais obriga-nos a ter uma perspectiva interdisciplinar. Assim, e seguindo as trilhas do Mestre Celso Furtado, ousaremos algumas linhas de reflexão a respeito da formação da elite brasileira, particularmente em dois momentos de nossa história: ao fim da escravidão no Brasil, ocorrida ao longo das últimas décadas do século XIX, e o período entre 2002 e 2014, dos governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma. A intenção é contribuir com uma tentativa de explicação da postura de ódio que podemos identificar, hoje, em vários segmentos da elite brasileira em relação ao PT e suas políticas sociais de inclusão. A nosso ver, este ódio é fruto de uma estrutura secular e estável que forjou a elite brasileira e cuja mudança ainda vai requerer tempo e uma série de ações e medidas adicionais que forcem à transformação.
Iniciemos por uma visão panorâmica da formação da elite brasileira. Assim, as classes dominantes da etapa açucareira (1550-1650) conviveram com o trabalho escravo e taxas elevadas de excedente econômico. Ainda que os holandeses (financiadores e detentores da comercialização do açúcar e dos escravos) tenham ficado com boa parte do lucro gerado, os lucros acumulados pelos senhores de engenho (portugueses ou seus descendentes de portugueses) foram muito altos. A subordinação aos hábitos, aos costumes e ao consumo da metrópole europeia foi total, dentro das possibilidades ditadas pela distancia e dificuldades de transporte da época. A exclusão social dos escravos e dos pobres era tida como algo natural em uma sociedade escravagista. Foi baixa a capacidade de inovação econômica e social da elite nesta fase.

No caso do ciclo da mineração (1700-1770), houve uma distribuição do excedente um pouco menos concentrada que a da economia açucareira, mas as características gerais da formação da elite permaneciam as mesmas: busca dos lucros rápidos e elevados; forte exclusão social; baixa capacidade de inovação econômica e social. A extinção da manufatura em Portugal após sua especialização na produção agrícola (especialmente vinícola) – que foi resultado de maus acordos com a Inglaterra - e a proibição real a manufaturas no Brasil foram razões complementares dessa configuração. Em razão de nossas diferentes trajetórias históricas, a elite brasileira teve sua formação bastante distinta, por exemplo, da elite norte-americana. Esta última foi obrigada a ser mais empreendedora e conviveu com taxas de acumulação menores do que a brasileira. Na América do Norte, as divisões de classe também existiram, mas eram menos abruptas que as verificadas no Brasil. As razões dessa diferença residem nas finalidades distintas da colonização no norte e no sul do continente americano. Elas condicionaram as atividades econômicas realizadas, sua articulação internacional e as próprias atitudes sociais em relação à produção, consumo e poupança. Furtado explicou isso com o uso dos conceitos alternativos de colônia de povoamento (na América inglesa) e colônia de exploração (na América hispano-portuguesa).

O ciclo do café (1800-1930) realizou-se inicialmente com base no trabalho escravo, mas veio a ter seu auge com o assalariamento a partir das últimas décadas do século XIX. Este processo de assalariamento ocorreu por meio da atração de imigrantes estrangeiros (especialmente da Itália) para trabalhar nas lavouras. Ele também foi resultado das dificuldades impostas pelos ingleses ao tráfico negreiro ao longo de todo o século XIX e das limitações de expansão da produtividade da lavoura cafeeira assentada no trabalho escravo. Por conseguinte, foi a própria necessidade de expansão da acumulação de capital e dos lucros da elite - e não em razão da assinatura bondosa da Princesa Isabel – que se deu a libertação dos escravos e sua transformação também em mão de obra assalariada, tal como os imigrantes.

É neste ponto que gostaríamos de concentrar nosso comentário. Em “Formação Econômica do Brasil”, sua obra mais famosa, Furtado destaca as contradições da elite brasileira diante deste processo de libertação dos escravos. De um lado, fazia todo o sentido o fim da escravidão, e sua substituição pelo trabalho assalariado, em função das expectativas de incremento da produção e da rentabilidade dos negócios. De outro, em se tratando da escravidão como parte de um sistema de vida secular, “a abolição do trabalho servil assumiu a proporção de uma ‘hecatombe social’ (...).

Prevalecia a ideia de que um escravo era uma ‘riqueza’ e que a abolição da escravatura acarretaria o empobrecimento do setor da população que era responsável pela criação de riqueza no país. Faziam-se cálculos alarmistas das centenas de milhares de contos de réis de riqueza privada que desapareceriam instantaneamente por um golpe legal” (afirma Celso Furtado, na obra citada).
Prevaleceu a lógica econômica. O crescimento e a acumulação de capital e dos lucros ajudaram no processo de aceitação da nova realidade. Entretanto, a efetiva inclusão dos negros na sociedade brasileira ainda é um processo em aberto. O resultado imediato da Abolição não foi a incorporação dos ex-escravos como assalariados, mas sim sua substituição mais rápida pelos imigrantes, sua marginalização e a ausência de toda perspectiva de inclusão produtiva. A ocupação dos morros do Rio de Janeiro e a formação das favelas e bairros pobres naquela cidade e em São Paulo têm forte ligação com esse contexto. Por muito que o Brasil tenha avançado - e avançou -, grande parte da população afrodescendente continua excluída dos melhores postos do mercado de trabalho, das universidades e das condições de moradia. Pior, ainda há, de maneira camuflada e às vezes aberta, a cultura do racismo em parte da elite brasileira. Por isto, a importância das políticas afirmativas, das quotas, da criminalização dos atos racistas, entre outras.

O Brasil mudou bastante desde então: de uma economia agroexportadora, passamos para uma economia predominantemente industrial (1930-1980) e de diversificação da economia terciária (serviços). Os Planos nacionais de desenvolvimento, com foco na industrialização por substituição de importações, do período 1930-1980, marcaram boa parte de nossa evolução no século XX. Apesar disso, não houve grandes alterações na estrutura da distribuição de renda e da desigualdade. Quando a elite brasileira teve que posicionar-se sobre as políticas de inclusão, ela apoiou o golpe e a ditadura militar contra as “reformas de base”, reivindicadas pelo povo no início dos anos 1960 e apoiadas pelo Governo constitucional de João Goulart. Os efeitos dessa trágica escolha sobre a regressão nas políticas de desenvolvimento social são notórios. Neste contexto, a desigualdade chegou a piorar no País (por exemplo, durante o chamado Milagre Econômico Brasileiro, no período 1968-1973).

O período que vai de 2002 a 2014 teve o PT como partido principal na condução da Economia Brasileira. Não é objeto de este artigo tratar dos erros cometidos neste processo. O objetivo é destacar que houve de fato um processo de inclusão das camadas mais pobres, por meio de programas como a Política de Valorização do Salário Mínimo, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Prouni, a ampliação do FIES e a utilização do Enem nas universidades públicas, entre outros. Associado à vigorosa expansão do emprego (em contraste com os 20 anos anteriores) e também à forte ampliação da rede de escolas técnicas federais e universidades públicas, estas políticas geraram um grande mercado consumidor interno, redução da pobreza, ampliação das oportunidades sócio-profissionais e queda na desigualdade. Expressão maior desse processo foi a exclusão do Brasil do Mapa da Fome no Mundo em 2014, motivo de orgulho para todos os brasileiros.

O crescimento econômico, a expansão dos negócios e a geração de lucros em geral foram decisivos para reduzir as críticas da elite brasileira a estas políticas de inclusão social das camadas mais pobres. No entanto, quando, nos últimos dois anos, o país passou a enfrentar reduções na taxa de crescimento, e, mais recentemente, taxas negativas do PIB, as críticas voltaram com força. A insatisfação das elites com as políticas de inclusão estão estampadas nas manifestações e nas redes sociais, bem como nos veículos de comunicação controlados pelo oligopólio da mídia, sempre hostil àquelas políticas e aos governantes que as implantaram.

Na atualidade, a elite empresarial não é homogênea. Parte dela valoriza os avanços sociais e compreende a insustentabilidade de uma sociedade em que o fosso entre ricos e pobres se amplia, como era o Brasil até 2002, com raras exceções em sua história. Uma parcela ainda expressiva desse segmento social não simpatiza com os avanços, mas não expressa diretamente seus preconceitos. Uma minoria se exprime por meio de falsa indignação moral – falsa porque é seletiva e porque poupa notórios corruptos e atos de corrupção de políticos não pertencentes ao PT – ou por meio do financiamento a grupos agressivos, defensores de golpes institucionais ou militares, como faz o principal integrante brasileiro da lista de bilionários da revista Forbes. Assim, as manifestações mais explícitas de inconformismo com a ascensão social dos pobres acabam ficando por conta de membros da elite mais em evidência por suas posições de prestígio no meio acadêmico, artístico ou jornalístico. Três exemplos: a comparação pejorativa entre aeroporto e rodoviária por uma diretora da PUC-RJ, endossada por outros colegas de docência; a reclamação de colunista de tradicional jornal paulista sobre a “perda da graça” de viajar a Nova York ou Paris, dada a possibilidade de se encontrar com o porteiro de seu prédio; ou recente post de conhecido autor de novelas globais contra a nova classe média motorizada da era Lula.

É possível concluir, a partir deste breve artigo sobre o comportamento da elite brasileira, que: 1) o crescimento é condição essencial para a realização de políticas que visem reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil; 2) é importante institucionalizar (muitas das vezes isto significa transformar em lei) as conquistas sociais alcançadas, com vistas à colocação de travas a eventuais retrocessos em função da conjuntura econômica ou de mudanças na composição política dos governos; 3) é essencial resgatar e rememorar com frequência as transformações recentes, especialmente para os mais jovens, que não vivenciaram os períodos de desemprego em massa e elevada exclusão social, estimulando a valorização dessas conquistas pela sociedade, para além de preferências partidárias; 4) é premente a necessidade de evitar retrocessos sociais em função de ajustes econômicos; 5) retomado o crescimento, é necessário prosseguir no caminho dos avanços sociais e da redução das desigualdades, tendo em vista que o passivo social acumulado ao longo de cinco séculos apenas começou a ser enfrentado. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr na USCS e Diretor Superintendente do SBCPREV. Roberto Vital Anav é Prof. Ms na USCS e Assessor Econômico na Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

  (1) Publicado na coluna blogs do site www.abcdmaior.com.br, em 3/11/2015

#elitebrasileira#inclusãosocial#desenvolvimento

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

COMO O GOVERNO DILMA PODE SAIR DE UMA AGENDA NEGATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO - O EXEMPLO DE JK


Jefferson José da Conceição e Roberto Vital Anav

De forma semelhante ao que presenciamos no Brasil de hoje, em que o Governo Dilma enfrenta uma agenda negativa e cujo “palco de guerra” é o Congresso Nacional, o Governo do Presidente Juscelino Kubitshchek (JK) - 1956 a 1961 – também teve que partir de um ambiente de forte pessimismo e instabilidade política, cujo epicentro era o parlamento. Entretanto, JK conseguiu desvencilhar-se da agenda negativa e conduzir o Brasil rumo ao desenvolvimento. O Governo JK é modelo para Governo Dilma.

A instabilidade política caracterizou o fim do segundo Governo de Getúlio Vargas (1951-1954) - instabilidade esta que levou ao suicídio do Presidente. A partir daí expandiram-se ainda mais os conchavos e conluios em torno de golpes de estado. O Governo Café Filho (que vai de agosto de 1954 até novembro de 1955) é marcado por este ambiente. A economia também contribuiu para este quadro. Verificava-se uma preocupante elevação inflacionária e queda das exportações de produtos agrícolas. O Brasil – não tão diferente dos dias atuais – era um “barril de pólvora”.

De 1950 a 1964, a sociedade também vivia lutas por ampliação de direitos sociais - do direito de greve às reformas de base (incluindo a reforma agrária).No Brasil de hoje, o avanço dos direitos sociais desde a "Constituição cidadã" de 1988, e mais ainda as conquistas sociais nos últimos doze anos (2003-2015), não eliminou a necessidade de prosseguir a luta pela inclusão social. Estes avanços e conquistas do período recente trouxeram ao primeiro plano as demandas de segmentos desde sempre marginalizados, massacrados ou discriminados: negros, mulheres, minorias sexuais, povos indígenas.

Em um mundo então dominado pela tensa “guerra fria” e pelo macarthismo (política de perseguição a supostos quadros simpatizantes do comunismo), JK - jovem médico e político idealista nascido em Diamantina, Minas Gerais -, candidato a presidente da República, era acusado de compactuar com os comunistas. João Goulart (Jango), líder do PTB, foi o vice-presidente na chapa de JK. Ex- Ministro do Trabalho de Getúlio, responsável pelo aumento de 100% no salário mínimo (1954) e muito ligado ao sindicalismo, Jango era acusado pela oposição conservadora de pretender implantar no Brasil uma “república sindicalista”, vista como foco do “perigo vermelho” à época. Foram várias as pressões, manobras e trapaças para frear a expansão da candidatura de JK-Jango ao longo de todo o ano de 1955.

O Brasil de Dilma também convive hoje com certa “caça aos comunistas”, como mostraram os inúmeros cartazes das mobilizações recentes na Av. Paulista. Contudo, o atual movimento anticomunista é fora de época e lugar. Um quarto de século após o fim da Guerra Fria, quando a China atinge o segundo lugar entre as economias do mundo sem recorrer à corrida armamentista ou nuclear, e no mesmo momento em que os EUA e o Papa se reaproximam de Cuba, esse eco do passado no Brasil faz até barulho, mas não consegue apoio da maioria das elites socioeconômicas e soa anacrônico.

Em que pese o quadro acirrado, Juscelino foi eleito Presidente em outubro de 1955. Foram cerca de 3 milhões de votos (35,7% dos votos válidos). Naquele momento, não havia segundo turno no Brasil, assim como não havia reeleição. Juarez Távora teve 2,6 milhões de votos (30,2%); Ademar de Barros, 2,2 milhões (25,8%) e Plínio Salgado, 0,7 milhões (8,3%). JK – considerado um dos três melhores presidentes do País (ao lado de Getúlio Vargas e Luís Inácio Lula da Silva) – paradoxalmente, obteve a menor votação entre os presidentes eleitos desde a segunda guerra. Dilma, por sua vez, foi reeleita em segundo turno em um país também bastante dividido: obteve 54,1 milhões de votos (51,6%) contra 51 milhões (48,4%) de Aécio Neves.

JK ganhou as eleições em outubro de 1955, mas quase não levou. A oposição, liderada por Carlos Lacerda, da UDN, tentou anular a eleição. A alegação era de que a chapa de JK não havia alcançado a maioria absoluta (50% mais um). Ao final de 2014, Dilma foi reeleita nas urnas. Houve também a tentativa de se anular a eleição. Hoje, não querem deixar que ela exerça o mandato para o qual foi eleita democraticamente. Recentemente, o PSDB – cujo candidato concorreu ao segundo turno com Dilma - encerrou auditoria própria concluindo ser impossível afirmar que houve fraude naquela eleição. Nem por isso desistem de derrubar a Presidenta eleita. O candidato derrotado, senador Aécio Neves, , assumiu o papel de Carlos Lacerda contemporâneo. Em realidade, fazendo justiça a Lacerda, seu pretenso sucessor possui muito menos brilho e faz triste figura ao lado do patrono.

Por ironia da história, a posse de JK só ocorreu em função do impeachment do presidente interino Carlos Luz (que, como Presidente da Câmara dos Deputados, havia assumido, em novembro de 1955, no lugar o lugar de Café Filho, que teve problemas de saúde). O impeachment foi provocado por um levante militar realizado por aliados do General Lott. Este levante, que se deu ainda em novembro de 1955, também defendia que os candidatos eleitos fossem empossados. O Estado de sítio vigorou no Brasil até que a posse de JK se efetivasse, o que se deu em 31 de janeiro de 1956.

Sair da agenda negativa imposta pelo Congresso da época foi uma das virtudes do Governo JK. Do ambiente sombrio, passamos para o Brasil do otimismo e do desenvolvimento acelerado (os "anos dourados").O Plano de Metas (31 metas) prometia “50 anos em 5”. E o Brasil cresceu próximo disso: construção de uma nova capital (Brasília); industrialização acelerada, com a estruturação de novos segmentos da pirâmide industrial brasileira, como a indústria de bens de consumo duráveis (automobilística e eletroeletrônica); pesados investimentos estrangeiros, especialmente das multinacionais; expansão do consumo em paralelo à difusão do “american way of life”; elevada geração de empregos. O otimismo era transmitido pela TV que acabava de chegar, pelo rádio, pelo cinema novo, pela bossa nova.

E fez tudo isto, não sem críticas e acusações várias. O déficits orçamentários e a escalada inflacionária expandiram-se, sem dúvida, durante o seu governo. Mas não tenhamos dúvida: em meados da década de 1950, sem ter o Brasil construído ainda um sistema financeiro capaz de viabilizar os grandes investimentos com financiamentos de longo prazo, o Brasil não conseguiria dar o salto de industrialização que deu sem o volume maciço de gastos públicos realizados. Encurralada pela popularidade de JK, restou à oposição acusar (como aconteceu no início de 1959) o governo de superfaturamento nas obras, o que nunca foi comprovado. Da mesma forma, inexiste hoje qualquer acusação efetiva contra a Presidente Dilma por crime de responsabilidade, como afirmam os juristas Celso Bandeira de Mello, Fabio Comparato, Dalmo Dallari, André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici, além do ex-ministro do STF Carlos Ayres Brito. Todos esses juristas refutam a possibilidade de se admitir sequer a abertura de processo de impeachment, por falta de fundamentação jurídica.

O Brasil precisa retomar o desenvolvimento, readquirido nas Gestões do Presidente Lula (2003-2010), após o longo domínio de políticas neoliberais do período FHC (1994-2002). Isto somente ocorrerá se, semelhantemente a JK, a Presidente Dilma recolocar na ordem do dia uma agenda positiva de crescimento, que traga o otimismo e unidade mínima entre as várias frações da sociedade brasileira.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS.

 Roberto Vital Anav é Doutorando da UFABC e Prof. da USCS

*Artigo publicado, em 26/10/2015, no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), na seção "Blogs".

#JuscelinoKubitshchek#JK#desenvolvimentismo