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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Quando a cooperação é estratégia competitiva


CONCEIÇÃO, Jefferson José da. Quando a cooperação é estratégia competitiva. In: Livre Mercado. Nosso Século XXI. Santo André: Livre Mercado, 2008.

Veja a íntegra do artigo abaixo:


Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Quando a cooperação
é estratégia competitiva

  JEFFERSON JOSE DA CONCEIÇÃO - 16/9/2008

Em 2001, quando o primeiro volume de Nosso Século XXI reuniu
especialistas de diferentes áreas para analisar o Grande ABC, um dos articulistas, o saudoso prefeito Celso Daniel, escreveu: “Embora a crise estrutural do Grande ABC já tenha completado mais de duas décadas, o futuro da região não está nem de longe selado”. Havia na época séria preocupação com a crise prolongada pela qual passava a região, mas também existia confiança em que a sociedade local poderia reagir a partir das próprias ações, não obstante os grandes constrangimentos nacionais e internacionais.

Sete anos depois, nesta segunda rodada de reflexões proposta pela Editora Livre Mercado, o quadro alterou-se. O forte crescimento da indústria nacional desde 2004 refletiu-se diretamente na economia do Grande ABC, com retomada da produção e do emprego. Não apenas o resgate do crescimento econômico contribuiu para reacender o otimismo regional. Um conjunto de novos elementos estruturais também jogou seu peso — como o investimento da Petrobrás na modernização e ampliação do Pólo Petroquímico de Capuava, bem como a decisão também do governo federal em atender ao pleito histórico de constituir a UFABC (Universidade Federal do Grande ABC).

O quadro atual é menos dramático do que o vivido na década de 90. Isso, porém, não deve turvar a visão da sociedade a respeito dos imensos desafios que continuam a se recolocar. Não é recomendável que atores e instituições sociais do Grande ABC fiquem excessivamente confiantes de que o pior passou. Com efeito, após a crise aguda dos anos 1990 — quando foram ceifados cerca de 177 mil empregos industriais formais nos sete municípios e encerradas centenas de fábricas –, a região reocupou de 2004 para cá a capacidade produtiva instalada e, com isso, voltou a ser também palco de novos investimentos.

Essa expansão guarda íntima relação com o ritmo de crescimento da economia internacional, o que aumentou sobremaneira as exportações do País, e com a política econômica interna de expansão do crédito ao consumidor. Os dois determinantes, o externo e o interno, tiveram efeitos amplificados no Grande ABC, já que o crescimento atual assentou-se em grande medida nos segmentos de metal-mecânica (com destaque para as indústrias automobilística e de bens de capital) e de química-petroquímica, que apresentam taxas de crescimento maiores do que a média dos outros setores.
O quadro alvissareiro vivido pelo parque industrial regional nesse período recente não permite a interpretação de que tenham sido resolvidos ou equacionados os graves problemas de competitividade das cadeias produtivas, que foram postos em relevo nos anos de reestruturação da década anterior. A instalação de novas unidades de produção fora do Grande ABC e a possibilidade de retração econômica em função da crise norte-americana e da economia internacional como um todo devem ser tomadas como ameaças reais à continuidade desse quadro. É difícil acreditar que o presente ritmo de crescimento se mantenha por período tão longo. Assim, melhor seria tomar o atual momento para implementar, com menores restrições, um conjunto de transformações necessárias visando ao aumento da nossa competitividade.

Estruturalmente, a continuidade da expansão do Grande ABC nos próximos anos pressupõe das políticas públicas um esforço em alcançar pelo menos dois objetivos centrais: 1) implementar políticas que resultem na melhoria da qualidade de vida em áreas como saúde, educação, moradia e segurança, que é o objetivo principal de qualquer governo; e 2) focalizar em espaços como Câmara Regional e Agência de Desenvolvimento Econômico ações de revitalização e de incremento da competitividade das principais cadeias produtivas, como a metal-mecânica e a química, tendo em vista o papel que exercem em efeitos dinâmicos e aumento dos investimentos locais. Pretendo tecer algumas considerações e proposições em torno do segundo objetivo, que é a elevação da competitividade sistêmica das nossas cadeias produtivas.

É preciso que as políticas públicas tomem a modernização do parque industrial como objeto de planejamento. De certa forma, tentou-se isso na segunda metade dos anos 1990 na Câmara Regional, o que foi apenas parcialmente bem-sucedido, como relatei em meu livro “Quando o apito da fábrica silencia: sindicatos, empresas e poder público diante do fechamento de indústrias e da eliminação de empregos na Região do ABC”(ABCD Maior-MP Editora, 2008). O alcance foi parcial, entre outros motivos, porque a Câmara Regional não conseguiu efetivamente envolver, à exceção do setor petroquímico, as grandes empresas nos acordos de cooperação regional. E também porque o governo federal à época não deu qualquer suporte institucional para esse envolvimento. Antes o contrário: o governo promoveu a guerra fiscal, tornando eventuais acordos de cooperação no Grande ABC espécie de ameaça às benesses obtidas pelas empresas com tal guerra.

Apesar dos níveis mais elevados de produtividade alcançados a partir da reestruturação dos últimos 20 anos, é importante ter claro que a região ainda exibe expressivo número de empresas com maquinários antigos, layouts de produção e técnicas de gestão ultrapassados, relações entre empresas excessivamente verticalizadas (relações de comando unilaterais no sentido da grande para a média e pequena empresa), mão-de-obra com baixa escolarização formal, distanciamento entre universidades e empresas, problemas graves de logística de transporte — a despeito das inovações introduzidas em empresas de ponta como as montadoras de veículos.

Nesse ambiente de significativos estrangulamentos estruturais é que os custos salariais no Grande ABC podem configurar-se em problema da atividade produtiva. Não porque os custos na região sejam meramente mais altos que em outras localidades do País, como induzem a pensar conceitos frágeis como o do Custo ABC — frágeis porque não consideram uma regra básica de análise microeconômica que é a necessidade de comparar custo e produtividade do fator de produção (por exemplo, o fator trabalho pode ter custo relativamente alto, mas sua utilização será recomendada sempre que a produtividade for maior do que o custo). Os custos salariais na região podem tornar-se um problema porque a produtividade potencial do parque industrial é emperrada pelos problemas anteriormente apontados.

Entre as alternativas que se apresentam para aumentar o grau de competitividade industrial como um todo, e das empresas que fazem parte dessa estrutura, está o mecanismo das livres forças do mercado. Ou seja, o alcance da competitividade ocorreria por meio de ações individualizadas de cada empresa, com especial destaque para a redução de custo com mão-de-obra. A terceirização precarizadora, a automação, a rotatividade, a redução dos reajustes salariais, a fixação de pisos salariais de entrada mais baixos, a redução de benefícios — todos são mecanismos que fazem parte dessa estratégia.
Nessa primeira via, o planejamento industrial, quando ocorre, se faz quase que exclusivamente no âmbito da grande empresa — mesmo que envolva as médias e pequenas empresas — na forma de relações extremamente hierarquizadas e muitas vezes autoritárias. Nessa via, as relações entre capital e trabalho também tendem a se caracterizar pelo conflito, pois a estratégia é a da redução do custo da mão-de-obra pela precarização do trabalho. Por sua vez, diante desse ambiente de tensões, o Poder Público prefere se eximir do esforço de construção de políticas industriais regionais, admitindo no máximo algumas ações em favor das pequenas empresas.

A estratégia apontada no parágrafo anterior padece de grave equívoco, que é selecionar como perdedor um segmento que tem peso e influência nos rumos políticos e econômicos do Grande ABC, marcado pela forte organização sindical, greves históricas, conquistas trabalhistas, como é típico em regiões fordistas. Quebrar a força do operariado nessas regiões pressupõe a ocorrência de crises dramáticas de emprego e desorganização social. Na prática, essa via é incompatível com a democracia e com a existência de forças sociais que têm elevada densidade institucional e política regional, como é o caso do sindicalismo e dos movimentos sociais no Grande ABC.

A via positiva, ou o Capital Social,
aproxima políticos, agentes sociais e
econômicos em torno do desenvolvimento


Uma outra alternativa, bem distinta da primeira e que por isso será chamada aqui de via positiva, é a que busca aprofundar os instrumentos de planejamento e de cooperação entre as instituições e os atores locais, de maneira a gerar série de sinergias. Nesta alternativa, as representações sociais, sem deixar de reconhecer e respeitar suas diferenças, procuram realizar ganhos por meio da cooperação mútua em um projeto de desenvolvimento comum e no qual se vêem representadas.

Cabe desenvolver um pouco melhor o que é cooperação. Esse conceito tem sido objeto de grande interesse de trabalhos acadêmicos recentes sobre experiências de regiões cuja elevada competitividade econômica parece residir nos atores políticos, sociais e culturais que promoveram aproximação e cooperação para implementar ações coordenadas. É o que alguns estudiosos denominam de Capital Social. A força desse capital não deriva propriamente de elementos econômicos clássicos como oferta de crédito, incentivos fiscais e infra-estrutura. Repousa em fatores como a confiança e o associativismo constituídos historicamente entre as partes, já que esses fatores estimulam e facilitam ações de colaboração entre os grupos que compõem a comunidade. É o caso da experiência da III Itália, como mostrou o notável trabalho de Robert Putnam, Comunidade e Democracia.

Essa segunda via exige, é claro, grande esforço de engenharia social e política, que tende a ser ainda mais árduo em um Grande ABC identificado pelos conflitos trabalhistas, pelo baixo grau de cooperação entre empresas e entre estas e o Poder Público.

Para o sucesso do processo de cooperação, uma ação prévia deve ser a confecção de um bom diagnóstico sobre o atual estágio competitivo do parque industrial do Grande ABC, de maneira a medir com indicadores e estatísticas abrangentes e confiáveis itens como produtividade, verticalização, valor adicionado, inovação de produto, processos e serviços, formação de mão-de-obra, escolarização formal, marketing, qualidade das relações de trabalho, entre outros. Tal pesquisa de campo deve também possibilitar comparações com outros parques industriais regionais e internacionais, apontando os pontos fortes e frágeis do Grande ABC.

Infelizmente, ainda não se tem essa fotografia das nossas cadeias produtivas. O que há algumas vezes são informações esparsas de unidades industriais isoladas, mesmo assim raramente disponibilizadas publicamente. Realizar tal diagnóstico é essencial, em especial após as agudas mudanças pelas quais passou o parque industrial em período recente. Não para encontrar culpados pela suposta existência de defasagens entre a região e outras áreas de produção industrial, e sim para conhecer em detalhes os órgãos que compõem o corpo industrial do Grande ABC. Instituições independentes de pesquisa podem, sempre em conjunto com empresariado, sindicatos e Poder Público, cumprir a tarefa de mapear os problemas a serem enfrentados. A propósito, é uma boa oportunidade para maior envolvimento da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) com os problemas específicos do Grande ABC, possivelmente em parceria com outras instituições locais como a USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), que há anos se debruça sobre o tema da regionalidade. De posse desse diagnóstico, poderemos fixar metas de produtividade, qualidade, eficiência e distribuição dos resultados.

São inúmeras as possibilidades abertas quando se põem em marcha processos de cooperação. A dificuldade no Grande ABC reside no fato de que esses processos devem avançar no aumento da produtividade por meio de economias de escala e redução de custos e, ao mesmo tempo, garantir o nível de emprego e as conquistas sindicais na área de rendimentos, benefícios e democracia no local de trabalho. É evidente que essa condição impõe desafio muito maior de construção coletiva.
As negociações de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) — cuja presença nas relações de trabalho nas principais empresas locais tem crescido de 1995 para cá — constituem-se em modelo de referência da via positiva. Uma das características no Grande ABC é que, diferentemente de outras regiões do País, as negociações de PLR costumam representar sofisticado acordo entre capital e trabalho: a empresa ganha com a fixação de metas de melhoria de vários indicadores, enquanto os trabalhadores ganham prêmios monetários e influência na gestão das empresas. Trata-se de um jogo de soma positiva que, nos marcos do capitalismo brasileiro, permite flexibilidade, negociação e cooperação entre as partes.

O aumento da competitividade das cadeias produtivas regionais pode também ser objeto de cooperação entre os atores e instituições sociais. Para se ter idéia de como esse modelo funcionaria na prática, tome-se o exemplo do custo com fretamento de ônibus para transporte dos trabalhadores. Número expressivo de grandes empresas tem este gasto na região. Pergunta-se: é possível reduzir esse custo sem perda desse direito dos trabalhadores? Ao que parece, sim. Basta notar que muitos fretados trafegam semivazios simplesmente porque as empresas agem isoladamente, sem cooperação. Assim, um esforço de articulação permitiria estruturar escala de horários envolvendo um conjunto de empresas, de forma que os ônibus pudessem servir não apenas a um, mas a um grupo de empregadores. Por sua vez, o Poder Público poderia cooperar por meio da criação de coletores-tronco, articulando as frotas privadas com as linhas públicas. Como resultado dessa ação cooperativa, as empresas teriam redução de custos com fretes em função do melhor aproveitamento de assentos e de itinerários, os trabalhadores continuariam a ser transportados por fretados e os municípios retirariam de circulação alguns ônibus ociosos, além de reduzir a força de mais um vetor de evasão industrial.

Um segundo exemplo é o da alimentação dos trabalhadores. Será mesmo necessário que as empresas têm de cumprir todas as etapas da alimentação em seus refeitórios? Ou será que, a partir da discussão de cardápios comuns, não seria possível preparar algumas fases das refeições em restaurantes comuns? Note-se que não defendo aqui a terceirização precarizadora, com a mera passagem de refeições realizadas por trabalhadores diretos nas fábricas para trabalhadores terceirizados, precarizados. O que se defende é a integração de atividades entre um conjunto de empresas, de forma a reduzir custos, sem que a qualidade e a quantidade da alimentação sejam afetadas e sem perda de empregos. Se ocorrerem alterações, têm de ser para melhor. É a regra da via positiva.
Mais um exemplo é o dos convênios médicos, uma realidade de grande número de trabalhadores na região. A ação cooperativa — e desde que previamente negociada com sindicatos — poderia dar às empresas um poder de oligopsônio (isto é, de poucos compradores diante de vários ofertantes) nas negociações com grupos privados de saúde suplementar. Isso também ajudaria a reduzir custos sem necessariamente afetar as conquistas trabalhistas por bons convênios. Poderia também viabilizar um aprofundamento do debate sobre o SUS (Sistema Único de Saúde), sobretudo porque a saúde do trabalhador e a prevenção de doenças são responsabilidade desse sistema público. O SUS também deve ser de interesse de empresas e trabalhadores que compõem as cadeias produtivas regionais, tendo em vista que os atendimentos mais complexos e custosos acabam sendo realizados no sistema público, e não no setor privado.

Um outro exemplo de parceria entre Poder Público e iniciativa privada consiste em disponibilizar novas áreas para indústrias. Esse é hoje um problema grave no Grande ABC, haja vista a clara disputa entre indústrias e residências pelas escassas áreas ainda disponíveis. Contudo, um olhar mais atento permite perceber que o mesmo processo que gerou a crise da indústria regional, e por consequência o encerramento de várias unidades de produção, fez emergir também novas áreas possíveis de reaproveitamento: trata-se dos diversos e gigantescos galpões vazios que podem ser vistos nos centros das cidades. Muitos galpões tornaram-se objeto de intermináveis contendas jurídicas e fiscais. É nesse ponto que uma participação ativa do Poder Público, em processos de cooperação com indústrias que queiram investir produtivamente na região, pode contribuir em muito para resolver mais rapidamente os referidos
impasses.

Cooperação não conflita com competição.
Cooperando com outros, cada ator pode ficar
mais forte em sua estratégia produtiva


Muitas outras ações cooperativas podem gerar solidariedade de interesses, viabilizando negociações tripartites (empresas, sindicatos e governos) ou bipartites (empresas-empresas, empresassindicatos, empresas-Poder Público). São os casos da qualificação profissional e da educação formal dos trabalhadores, da segurança patrimonial, do uso de energia e água, do empréstimo de equipamentos, da compra de matérias-primas, do comércio exterior, da infra-estrutura rodoviária e ferroviária, do transporte de mercadorias, da utilização do Porto de Santos, das telecomunicações, entre tantas outras.

Registre-se que o modelo de cooperação não é conflituoso com o incentivo à competição, elemento essencial em um desenho de crescimento capitalista. Trata-se, isso sim, de organizar a agenda de cada ator de maneira que ele veja que, cooperando com outros, poderá ficar mais forte em sua estratégia competitiva.

Uma política industrial regional com essa configuração exige grande esforço de coordenação (governance) por parte dos atores. É claro que o Poder Público deve exercer importante papel na coordenação. O próprio sindicalismo pode ter tarefa central atuando como espécie de quebrador de gelo (broker), inclusive no diálogo entre grandes, médias e pequenas empresas. Afinal, que ator social no Grande ABC, senão os sindicatos, mantém constante diálogo e negociação com todas as partes envolvidas? Portanto, ao invés da difusão da imagem de um sindicalismo selvagem, o ideal para o Grande ABC é explorar ao extremo a capacidade de articulação, mobilização e negociação do sindicalismo local, para que sua força se solde de maneira planejada com os interesses mais amplos da região. É lógico que, para que isso ocorra, a via positiva deverá contemplar elementos da pauta sindical, como acordos salariais de longo prazo que incorporem ganhos de produtividade e redução da jornada de trabalho, entre outros.

Vale registrar que essa estratégia de desenvolvimento das cadeias produtivas locais deve buscar também articulação com a estrutura industrial de outras regiões de São Paulo e de outros Estados. Isso abrirá novas possibilidades e parcerias, além de evitar que se caia no velho e ineficiente modelo da guerra fiscal.