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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

CRISE E INSTABILIDADE À LUZ DE KEYNES

Jefferson José da Conceição

Muito já foi escrito em torno da obra do economista britânico John Maynard Keynes, em especial da sua «Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro», publicada pela primeira vez em 1936 e considerado um dos mais importantes livros da Ciência Econômica no século XX. Este artigo não tem a ambição de inflar ainda mais o rosário de interpretações sobre aquele livro. A intenção é isto sim, a partir de uma breve apresentação do corpo geral e do contexto em que emerge a teoria keynesiana, destacar o que consideramos ser essencial apreender de Keynes no processo teórico de interpretação da realidade capitalista, a saber: a influência das expectativas e da incerteza no cálculo empresarial e, portanto, sua relevância no processo de determinação do nível de produção, renda e emprego. Este artigo é eminentemente teórico, mas ajuda a explicar parte da crise da economia global, e da economia brasileira, em particular.

De acordo com o ponto de vista aqui defendido, a Teoria de Keynes cumpre papel de extrema importância no pensamento econômico, dentre outros motivos, porque, centrando-se essencialmente na instabilidade dos determinantes do investimento, ela minou a edificação utópica do capitalismo simpático, eficiente, racional e de máximo bem estar da teoria neoclássica. Para Keynes, como se verá, o livre funcionamento do mercado - isto é, a concorrência - não garante o pleno emprego nem a longo prazo nem como ponto de equilíbrio natural do sistema. O desemprego, na visão keynesiana, é um elemento permanentemente presente como possibilidade real no capitalismo. Assim, cabe ao Governo assumir a responsabilidade de buscar de manter taxas mais elevadas de atividade e ocupação, amenizando as crises e a instabilidade natural do sistema.

Vejamos como isto se dá na crítica keynesiana aos neoclássicos (que Keynes chama de “Economia Clássica”). O primeiro ponto destacado por Keynes é que, para a escola neoclássica, o ato de investir prende-se, como suposto lógico, a um ato de não consumir. Logo, o nível de investimento total (agregado) de um País seria predeterminado pelo nível de poupança total (agregada) daquele país. O mecanismo básico de regulação da economia capitalista consistiria nos ajustamentos da livre oferta e demanda, em um livre mercado. O livre funcionamento do mercado estabeleceria os preços e as quantidades de equilíbrio ao nível de pleno emprego de todos os fatores de produção (terra, trabalho e capital). Assim como nos diversos mercados de produtos, o mercado de trabalho, funcionando livremente, também determinaria as remunerações adequadas da força de trabalho. O ponto de equilíbrio do mercado de trabalho seria naturalmente o de pleno emprego da força de trabalho.

Diante desta estrutura analítica resgatada por Keynes em sua crítica, pode-se perceber que, para a escola neoclássica, o “problema econômico” por excelência reside na alocação (entre os vários setores de produção) de um “dado” volume de produção e rendimento a priori estabelecido como sendo o de pleno emprego dos fatores de produção. Sendo pré-determinado o volume de produção e renda ao nível de pleno emprego, caberia que a alocação fosse a mais racional possível, ou, ainda, que fosse aquela que maximizasse a utilidade de determinados recursos escassos.

Keynes, ao contrário,rejeita frontalmente a suposição de que o volume de produção e renda é “dado” a priori como sendo de pleno emprego. Keynes procurou justamente mostrar que o volume de produção e renda (e, portanto, o nível de emprego) podem sofrer fortes flutuações em uma economia capitalista.

Antes de se observar as proposições centrais da teoria keynesiana, vale recuperar o contexto do seu surgimento. Desde as últimas décadas do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, predominavam nas principais academias europeias e americanas as ideias de Marshall, Walras, Fischer e outros teóricos que formavam o bastião neoclássico. Contudo, frente ao colapso econômico dos países mais avançados na primeira metade da década de 1930, o corolário neoclássico tornou-se pouco convincente nas suas explicações para a ocorrência do desemprego em massa dos recursos – explicações estas que deitavam raiz nos entraves à atuação da “mão invisível” do mercado, principalmente aqueles entraves colocados pela interferência do movimento sindical no mercado de trabalho (ao exigir salários acima da produtividade permitida pela economia) e pela intervenção estatal no domínio econômico.

Estas tentativas da escola neoclássica de explicar a crise a partir de interferências “externas” (sindicato, Estado) ao livre funcionamento do mercado, além de estar associada a um ranço politicamente conservador, seriam de fato as mais plausíveis quando se aceitam certos postulados da economia neoclássica. Estes postulados neoclássicos podem ser sumariados no seguinte:

I) A acumulação de capital (investimento) depende da poupança. A elevação do volume de renda poupada, em razão de um aumento na propensão a poupar, é favorável ao investimento. O aumento da propensão a poupar acaba por reduzir também a utilização de fatores (que são “escassos”) na produção de bens de consumo, revertendo-os para o incremento da produção de bens de capital. Há aqui duas suposições implícitas: que a economia está trabalhando no pleno emprego dos fatores de produção e que o mercado financeiro, por intermédio da flexibilidade da taxa de juros, equilibra o volume de poupança ao volume de investimento realizado;

II) O salário é fixado pela produtividade e pela concorrência entre os trabalhadores. Havendo “capital” suficiente para empregar a mão-de-obra disponível, o desemprego só aconteceria caso existissem pressões (sindicais) por salários reais mais altos que aqueles permitidos pelo mercado;

III) Se, de um lado, a economia inclina-se naturalmente à plena utilização dos recursos e, por consequência, à oferta máxima de produtos possível com uma dada tecnologia, de outro, não haveria igualmente problema pelo lado da demanda, levando-se em conta que “a toda oferta corresponderia uma igual demanda”, conforme assenta a Lei de Say.

IV) A moeda (o dinheiro), a despeito de ser um instrumento importante no desenvolvimento do mercado, ao tornar mais ágil as trocas, acabaria por ser apenas um “véu” que acoberta os fenômenos reais (produto, renda, preços relativos), sendo sua função básica a de servir como um “lubrificante” das trocas. Portanto, tirante a necessidade de dinheiro para a realização cotidiana de pagamentos e de certo montante para precauções, não haveria estímulo à retenção da moeda. Qualquer excedente monetário sobre determinada renda, se não consumida diretamente em bens de capital, o seria indiretamente por intermédio dos empréstimos efetuados pelo sistema financeiro, para onde seria canalizado o excedente, rendendo juros ao prestamista.

As estacas do pensamento neoclássico, dessa maneira, resumem-se à Lei da Oferta e da Procura. O equilíbrio econômico geral (cujo conceito exclui “anomalias” como o desemprego) é uma tendência que se consolidaria no longo prazo. E o equilíbrio ao nível do pleno emprego se daria simultaneamente em todos os mercados: no mercado de produtos, no mercado de trabalho, no mercado de capitais (poupança e investimentos).

No contraste dessa formulação, está a teoria de Keynes, que se passa a descrever brevemente. Keynes acaba por desferir, inicialmente, um ataque à Lei de Say, invertendo a relação de determinação estabelecida entre as variáveis de gasto (demanda) e de produção e renda. A teoria keynesiana sustenta que a demanda efetiva- ou seja, os gastos em bens de consumo e de investimento - é que determina o nível de produção corrente, e, na sua esteira, o nível de rendimento e de emprego. Aqui influem decisivamente as expectativas quanto ao futuro. Sendo as expectativas sujeitas a fortes variações, rejeita-se de imediato a noção de um nível de produto (e renda) pré-estabelecido ao nível de plena utilização dos fatores de produção. A conclusão que deriva da Lei de Say também é, pois, rejeitada por Keynes. Este autor não aceita que o problema da economia capitalista consistia tão-somente da alocação da renda de equilíbrio entre produção de bens de consumo e produção de bens de investimento.

Para Keynes, a demanda efetiva de uma economia nacional é fundamentalmente determinada pelo nível de investimento (público e privado) alcançado. É nesta variável (o investimento) que repousa o fenômeno da instabilidade do gasto em uma economia capitalista. Enquanto as decisões de consumir guardam forte relação estável com o nível de renda ao longo do tempo, devido à existência do crédito, dos hábitos de compras, das poupanças individuais, as decisões de investir – especialmente as privadas – estão sempre envoltas num ambiente de expectativas incertas quanto ao futuro, e oscilam conforme o otimismo ou pessimismo da opinião média dos investidores.

A influência do investimento e do consumo sobre o nível de renda e de emprego, bem como a relação de dependência do consumo para com o investimento, pode ser visualizada por meio do “multiplicador”, que expressa precisamente o quanto cresce a renda a partir da efetivação de um montante de investimento, pelo consequente aumento do consumo. Uma interpretação alternativa consiste em entender o multiplicador como a forma de evidência de que as decisões de produção dos empresários do setor de bens de consumo dependem, em grande medida, das próprias decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de capital. A ressalva que se deve fazer quanto a esta última leitura do multiplicador é que as decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de consumo são simultâneas às dos capitalistas do setor de bens de capital. Portanto, a dependência reside nas expectativas de ampliação dos mercados em razão do crescimento da economia como um todo, sendo este crescimento bastante dependente do comportamento do setor de bens de capital.

Para Keynes, o empresário – que é o agente econômico detentor do capital – possui três alternativas básicas para valorizá-lo: aplicar em títulos do mercado financeiro e ganhar os juros e rendimentos dos títulos adquiridos; reter capital na forma mais líquida possível, que é o próprio dinheiro ou um ativo que mais perto se aproxime de suas características e funções, especulando com relação à taxa de juros futura; ou, ainda, avançar na esfera produtiva, realizando um projeto de compra de bens de capital (investimento propriamente dito). A diferença desta última alternativa para as outras duas é que esta decisão, ao conduzir à produção de riqueza nova, resulta numa expansão do emprego dos fatores produtivos.

Ainda de acordo com Keynes, todas as opções que o capitalista (empresário) tem, no presente momento de sua decisão, encerram incerteza quanto às reais circunstâncias futuras e, por consequência, acarretam certo risco, levando-se em conta o objetivo da valorização máxima – risco este que vai se agravando na medida em que o ativo escolhido for menos líquido que o dinheiro (ativo que, como já se disse, detém a propriedade da máxima liquidez possível). Na medida em que se progride na escala de iliquidez do ativo, qualquer erro de avaliação é difícil de ser revertido ou amenizado por meio da passagem de uma forma de ativo para a outra. É neste sentido que a compra de um novo bem de capital requer sempre um cuidado adicional por parte do capitalista, pois um erro de expectativa – seja de preços, seja de inovações tecnológicas, seja do grau de utilização da capacidade produtiva, de crédito etc – poderia não só causar perdas temporárias, como gerar perdas de maior alcance no tempo, em razão da quase imobilidade do bem de capital pelo tempo de vida útil e econômica do bem.

Não obstante isso, um otimismo quanto aos rendimentos esperados daquele bem, afetando positivamente o que Keynes chama de eficiência marginal de capital (taxa de retorno esperada do bem de capital), é capaz de tornar favorável a realização de novos investimentos, e, logicamente, propiciar impulsos dinâmicos para toda a economia, no bojo de uma fase expansiva. Inversamente, expectativas menos favoráveis dos empresários em relação ao futuro podem conduzir a crises (ou seu agravamento), por vezes agudas, que desembocam em depressões.

Em um quadro de elevada incerteza e pessimismo, cabe ao governo fomentar ações que elevem a demanda efetiva: aumentar a liquidez, o crédito, os investimentos em obras de infraestrutura e os gastos sociais que aumentem o mercado interno, entre outras ações. Para Keynes, em um quadro de crise, políticas fiscais e monetaristas contracionistas tendem a agravar a crise do sistema, sem que se consiga a melhoria das finanças públicas. Os déficits públicos, quando são resultados de um efetivo esforço de crescimento por meio do aumento do investimento público, não são necessariamente ruins. Podem até ser desejáveis. Para Keynes, a melhoria das contas do governo se conseguiria dinamicamente por via do crescimento econômico, tendo em vista a capacidade deste em gerar o aumento da arrecadação sem necessariamente elevar a carga tributária.

Jefferson José da Conceição
Prof. Dr. na USCS. Diretor Superintende do SBCPrev.

Referencias Bibliográficas:

KEYNES, J. Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. São Paulo, abril-cultural, 1983.
ROBINSON, Joan. Contribuições à Economia Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
MINSK, Hyman P. John Maynard Keynes. New York, Columbia University, 1985.

* Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, coluna blogs, em 7/12/2015. jefferson.jose@saobernardo.sp.gov.br

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