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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

EU VEJO O FUTURO REPETIR O PASSADO...


Jefferson José da Conceição

O poeta Cazuza, que nos deixou tão cedo, escreveu os versos de “O tempo não para” no final dos anos de 1980. Quase três décadas depois, a música está atualíssima em face da presente realidade brasileira e da que se projeta.

Minha hipótese é que o Brasil, em alguma medida, repete hoje, na economia, o que vivemos em 1964, após o golpe militar.

Valem os contrapontos entre os ambientes políticos de 1964 e 2016. Em 2016, diferentemente de 1964, não houve tanques militares nas ruas, embora haja grupos que não se cansam de chamá-los. Entretanto, não há (por ora) guerra fria nem suposta ameaça comunista. Mais do que em 1964, o processo de 2016 tem vernizes de legalidade, legitimado pelo legislativo, judiciário e grande mídia.

Tal como em 1964, o período que antecedeu a ruptura institucional de 2016 foi marcado pela geração de um quadro político e social bastante conturbado e radicalizado, com o consequente acirramento de conflitos entre os vários grupos do espectro político. Em 1964, tínhamos a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade e Propriedade. A luta era contra os vermelhos. Jango era o presidente a ser deposto. Em 2016, tivemos as passeatas verde e amarela, puxadas por um patinho que não quer “pagar o pato” e é contra todos os "corruptos". A luta também foi contra os “vermelhos”. Lula e Dilma, os presidentes da vez.

Em 1964, a esquerda defendia as “reformas de base” – reforma da educação, reforma agrária, reforma tributária entre outras -, que, de acordo com aquela visão, seriam capazes de alterar o péssimo quadro da distribuição de renda e de propriedade, permitindo a retomada do crescimento econômico (a economia estava estagnada nos primeiros anos da década de 1960) em bases inclusivas e de ampliação da cidadania. Em 2016, a esquerda, em sua maioria, defendeu as políticas sociais implementadas pelos Governos Lula e Dilma: Bolsa Família, Política de Valorização do Salário Mínimo, Minha Casa Minha Vida, Prouni, FIES, Pronatec, entre outras.

O livre mercado, as privatizações e a austeridade nos gastos públicos foram algumas das principais bandeiras de 1964 e voltaram a ser em 2016.

O golpe de 1964 interrompeu o processo democrático no País que havia sido retomado em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial. Em 2016, o impeachment da Presidente Dilma também representou um desvio da democracia no Brasil. Haverá quem questione esta última afirmação. Entretanto, há no presente claras evidências de um estado de exceção no país. A caçada judicial ao ex-Presidente Lula é, a meu ver, um dos sinais mais nítidos – mas não o único – deste ambiente de anormalidade.

Meu ponto de vista, já exposto em artigos anteriores, é de que houve sim um golpe em 2016, tendo em conta que o processo de impeachment foi meticulosamente planejado pelos segmentos conservadores e ocorreu sem a comprovação de crime de responsabilidade da Presidente Dilma. Portanto, assistimos a uma espécie de “golpe branco”.

Mas não é o caso aqui de fincar pé na ideia de que a posse do Presidente Temer em 2016 ocorreu por meio de um golpe de Estado. O mais importante é destacar que a semelhança maior de 2016 com os acontecimentos de 1964 está, isto sim, na ruptura radical com um sistema de forças políticas que alicerçavam o governo anterior e o forte controle pelo novo governo das principais decisões tomadas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. Este forte controle é o que permite, por sua vez, no campo econômico, a busca de aprovação de reformas profundas cujo objetivo é viabilizar um novo ciclo de crescimento econômico, porém em bases certamente mais excludentes. Nesta perspectiva, 2016 repete 1964.

O PAEG e o arrocho salarial

Em 1964, o Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG) - liderado por Roberto Campos (Ministro do Planejamento) e Octávio Gouveia de Bulhões (Ministro da Fazenda), e, alguns anos depois, por Delfim Netto e Mário Henrique Simonsem - implementou uma série de reformas institucionais que visavam propiciar um novo ciclo de crescimento capitalista no Brasil. As reformas eram tidas como necessárias para constituir uma nova estrutura institucional no País.

No diagnóstico do PAEG, a crise do início da década de 1960 era resultado sobretudo da instabilidade política reinante, que se refletia em medidas econômicas que desestimulavam a produtividade, a poupança, os investimentos e a entrada de capitais. Isto resultava, na visão do Plano, em déficits públicos elevados (sobretudo em função do descontrole de gastos), expansão demasiada do crédito, aumento de salários superiores à produtividade. Para os formuladores do PAEG, era importante reconstituir a lógica do “mercado”, bem como as políticas fiscais e monetárias comprometidas com a estabilidade monetária.

O arrocho salarial após 1964 ocorreu por meio de políticas como conversão dos salários pela média; fixação de índices de reajuste determinados pelo governo (que sempre eram fixados abaixo da inflação efetiva); princípio da anuidade como período mínimo para os reajustes salariais; intervenção e repressão aos sindicatos; fim da estabilidade após dez anos de emprego e sua substituição pelo FGTS.

Certamente o controle dos salários a partir de 1964 foi uma das razões pelas quais o forte crescimento verificado entre 1968 e 1973, no chamado “milagre econômico brasileiro”, ocorreu simultaneamente à queda da inflação e à piora na distribuição de renda.

Registre-se ainda que, facilitado pelo amplo controle exercido sobre o legislativo e pelo ambiente autoritário da época, o PAEG  promoveu, além das reformas trabalhistas, importantes reformas também no campo fiscal e monetário, bem como  na estrutura do sistema financeiro: introdução da correção monetária nos títulos públicos e privados; reforma tributária com a redefinição da cobrança entre as esferas de governo; criação de novos impostos; introdução de vários incentivos fiscais; nova lei de remessas de lucros; definição e redistribuição das tarefas das instituições financeiras; criação de novas instituições financeiras (como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central e o Banco Nacional de Habitação); ampliação das modalidades de crédito, entre outras.

As Reformas trabalhistas e Previdenciárias e a eleição dos perdedores

Em 1964, a Revolução decretou o fim das políticas que denominava de “populistas”. Em 2016, o Governo Temer desmonta as políticas sociais e aprova a limitação dos gastos públicos que atingirá principalmente as políticas sociais em um prazo de pelo menos 20 anos.

As reformas em curso em 2016 (trabalhista, previdenciária, fiscal), tocadas a toque de caixa pelo Governo Temer, que afetarão o futuro do País por longo período, guardam semelhança com as reformas de mais de cinquenta anos atrás, na chamada “Revolução de 1964”.

Evidentemente, as medidas não são exatamente as mesmas (embora também aqui haja paralelos). O paralelismo reside em que, tal como em 1964, as Reformas de 2016 objetivam criar condições para a retomada do crescimento por meio do reequilíbrio das contas públicas (com o controle de gastos, de um lado, e o aumento das receitas, de outro), e, de modo mais geral, por meio da redução dos custos com o trabalho (salários, benefícios, direitos) e com os demais gastos sociais. Em outras palavras, as reformas de 2016, tal como as de 1964, elegem claramente ganhadores e perdedores. Tanto no passado quanto no presente, a classe trabalhadora está entre os perdedores.

Em “As Reformas Trabalhistas: ataque aos direitos”, publicado em 26/9/2016, tratei das reformas trabalhistas em discussão rápida pelo Governo Temer e sua base aliada. Destacamos: 1) o debate sobre a flexibilização e a ampliação da jornada de trabalho; 2) o Projeto de Lei que estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado; 3) a tentativa de desmantelamento do movimento sindical por meio de Projetos de Lei que, sem qualquer negociação prévia com o movimento sindical, tornam facultativa a contribuição sindical; 4) o Projeto de Lei que autoriza a terceirização em todas as áreas da empresa; 5) o Projeto de lei que cria o trabalho intermitente, de forma que o empregado permanecerá à disposição da empresa e pode ser chamado a qualquer momento para trabalhar; 6) a PEC que trata o jovem entre 14 e 16 anos de idade como empregado em tempo parcial; 7) o Simples Trabalhista, que cria as condições para a legalização de trabalhadores de “segunda categoria” nas micro e pequenas empresas, já que será possível haver acordos coletivos específicos com pisos diferenciados (menores), bem como supressão do adicional de horas extras, PLRs diferenciados (mais reduzidos) e trabalho aos sábados e domingos; 8) o Estatuto das Estatais, que proíbe que o representante dos empregados nos Conselhos de Administração dessas empresas sejam também dirigentes sindicais; 9) a decisão do Supremo Tribunal Federal, no final de outubro, de que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial; 10) a proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho escravo, que propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado);. 11) o Projeto de Lei nº 5230/2013, que tem como foco as relações de trabalho nos salões de beleza, que acaba com o vínculo trabalhista entre patrões e empregados, substituindo-o pelo conceito de “parceiros” - que bem pode ser reivindicado pelos patrões de outros segmentos da economia.

Em “Reforma da Previdência: impactos na aposentadoria e no mercado de trabalho”, de 11/10/2016, tratei de alguns aspectos da reforma previdenciária proposta pelo Governo Temer. De acordo com o que membros do Governo já veicularam na imprensa, a Reforma da Previdência contemplará, entre outros pontos: elevação da idade mínima de aposentadoria para trabalhadores do setor privado e do funcionalismo; nova fórmula de cálculo do benefício; elevação do tempo mínimo de contribuição; redução da diferença de regras de idade de aposentadoria entre homens e mulheres, com a unificação futura; eliminação das aposentadorias especiais de professores, militares, policiais militares e bombeiros; redução dos benefícios da pensão por morte; contribuição obrigatória para trabalhadores rurais, bem como elevação da idade mínima para que estes se aposentem; desvinculação dos reajustes dos benefícios assistenciais (LOAS) e dos reajustes da pensão por morte da política de reajustes do salário mínimo; fim da paridade de reajuste entre servidores ativos e inativos.

Como comprovar que a classe trabalhadora é a perdedora de 2016, assim como foi em 1964?

Assim como o fizeram muitos estudos sobre o período pós 1964, há várias maneiras de se levantar e quantificar o tamanho das perdas e ganhos do conjunto de reformas que vêm sendo instituídas a partir de 2016, bem como os segmentos perdedores e ganhadores do processo.

Ouso dizer que, permanecendo o curso das mudanças, um dos melhores indicadores será o que mede a concentração de renda, o chamado índice de Gini. 

Este índice - que varia de zero a 1 (quanto mais próximo de zero, mais igualitário o país; quanto mais próximo de 1, mais desigual ele é), piorou no país a partir de 1964 até a década de 1990. O índice de Gini subiu de 0,497 nos anos de 1960 para 0,565 na década de 1970; 0,592, na década de 1980; e 0, 637 na década de 1990.

Em outras palavras, após 1964 e durante três décadas (até a implementação das políticas sociais dos Governos Lula e Dilma), o Brasil até cresceu, mas a desigualdade aumentou expressivamente, com reflexo na piora da educação, saúde, moradia, transporte e condições de vida em geral da grande maioria dos brasileiros.

Como resultado das reformas de 1964, no auge do milagre econômico brasileiro, entre 1970 e 1972, a parcela da renda dos 60% mais pobres da população brasileira caiu de 20,9% para 16,8%, enquanto a parcela dos 10% mais ricos da população subiu de 46,7% para 52,6%.

Meu temor é de que, a partir das reformas de 2016, estamos seguindo o mesmo caminho que trilhamos meio século atrás, tal como vislumbrou o inesquecível Cazuza.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do DIEESE.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs (Ponto de (des)equilíbrio), em 27/12/2016.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, AMPLIAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO


Jefferson José da Conceição

O Governo Temer, os partidos da base aliada e o empresariado têm buscado promover uma série de reformas estruturais na economia brasileira. Via de regra, as atuais reformas partem de uma concepção econômica liberal. Não acredito que reformas (Trabalhista, Previdenciária, limitação de Gastos Públicos, entre outras) com este viés possam levar à retomada do crescimento. Ainda assim, não está descartada a hipótese do crescimento, é claro.  Entretanto, mesmo que o crescimento seja retomado, o novo ciclo certamente será socialmente excludente. Minha hipótese é que o índice de Gini – que mede a concentração de renda – piore nos próximos anos, isto é, que se verifique um aumento da concentração de renda no Brasil. Mas este é tema para um próximo artigo. Neste momento, é hora de resistir e avançar com propostas alternativas.

O debate sobre o papel e a regulação do sistema financeiro é um dos campos desta batalha. Aliás economicamente é um dos principais campos de disputa, tendo em vista que, fruto da conjuntura econômica depressiva, há uma tendência à financeirização da economia, com as taxas de valorização financeira maiores que as da atividade produtiva.

Nesta perspectiva, e apenas como um exemplo de como o debate por ocorrer também em relação à regulação do sistema financeiro, considero relevante iniciar a discussão pelo próprio topo do sistema financeiro, que é o Conselho Monetário Nacional.

Neste sentido, retomo aqui as contribuições de um importante estudo de 2005, pelo qual fui um dos responsáveis - juntamente com Ana Carolina Tosetti, Patrícia Pelatieri, Ilmar Ferreira da Silva e outros assessores do Dieese. Este estudo visava subsidiar as intervenções da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no debate econômico nacional, e acabou de fato sendo lançado pela CUT sob o título “Conselho Monetário Nacional: Proposta de Ampliação e Democratização”.

A seguir, alguns dos seus principais trechos, com pequenos ajustes visando sua apresentação neste artigo.

O que é o Conselho Monetário Nacional (CMN)

O CMN é o órgão normativo do sistema financeiro nacional, criado na reformulação do sistema em 1964, pela lei nº 4.595. De acordo com a referida lei, ficava extinto o Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e criado em substituição o Conselho Monetário Nacional.

No artigo 1º da lei nº 4.595, de 1964, o Sistema Financeiro Nacional estaria, pois, assim constituído: CMN; Banco Central do Brasil; Banco do Brasil; BNDE (atual BNDES); demais instituições financeiras públicas e privadas.

As funções do CMN

O CMN foi criado com “a finalidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País”.

Entre os objetivos das políticas do CMN estão: adaptar o volume dos meios de pagamento; regular o valor interno da moeda; regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no Balanço de Pagamentos; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras; propiciar maior eficiência do sistema de pagamentos e mobilizações de recursos; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária , fiscal e da dívida pública.

Quando se observam as funções atribuídas ao CMN nos dias de hoje, verifica-se que não há tantas diferenças em relação às atribuições a ele conferidas quando de sua criação na década de 1960. Entre as atribuições do CMN atualmente estão:
a)       Controlar a emissão monetária;
b)      Fixar as diretrizes da Política cambial;
c)       Orientar as operações financeiras;
d)      Cuidar para o aperfeiçoamento das instituições financeiras;
e)      Zelar pela liquidez do sistema;
f)        Coordenar as políticas monetárias, creditícias e das dívidas interna e externa;
g)       Realizar operações especiais, tais como fornecer subsídios a setores da economia;
h)      Determinar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP);
i)        Fixar as condições de acesso ao crédito.
Evolução da composição do CMN

Quando se resgata a composição do CMN em diferentes momentos da história brasileira, observa-se que esse órgão já foi bem amplo, chegando a ser composto por 27 membros em meados da década de 1980.

A evolução da composição do CMN mostra que, além de uma questão de quantidade de pessoas que tiveram acesso à participação, o CMN já abrigou representantes de vários segmentos da sociedade. Portanto, é importante destacar a participação de Ministros não somente da área econômica, mas também, entre outros, do Trabalho, da Agricultura, do Desenvolvimento, do Meio Ambiente, de presidentes dos Bancos Públicos (...) e de um representante dos trabalhadores.

A partir de 1994, o órgão sofre uma drástica redução, passando de 20 membros para três membros apenas. Tal redução limitou a participação exclusivamente aos Ministros da área econômica  (Ministro da Fazenda e Ministro do  Planejamento) e ao Presidente do Banco Central.

A política econômica e o CMN

Durante o período 1994-1998 (primeira fase do Plano Real), as medidas do CMN (de participação restrita a apenas três membros) visaram sobretudo garantir a âncora cambial, ou seja, a estabilidade da taxa de câmbio, elemento central da estabilidade de preços. Realizou-se no período uma ampla liberalização cambial, dando seguimento ao movimento inicial no Governo Collor, cujo objetivo central era manter o elevado patamar de reservas cambiais do país. Na área do crédito, destaca-se a imposição de elevados depósitos compulsórios cujo objetivo era conter a expansão do crédito decorrente da “remonetização” da economia e consequente ampliação dos depósitos à vista na rede bancária.

Outra medida crucial foi a criação da TJLP, taxa base que regula os empréstimos de longo prazo do BNDES, desvinculando-a de indexadores de curto prazo como a TR e associando-a a taxa de inflação e ao risco país, medido nos mercados financeiros internacionais.

A partir da segunda metade da década de 1990 até hoje, o sistema de metas de inflação passou a ser adotado em diversos países. Na América Latina, sua adoção fez parte de um conjunto de medidas que visavam “atualizar” o chamado “Consenso de Washington”.

No caso brasileiro, o regime de metas de inflação foi instituído em 1999, após a falência da âncora cambial de 1998. O principal objetivo da política macroeconômica passou a ser a construção de uma âncora interna fundada no regime de metas de inflação. A partir de então a política monetária passava a estar condicionada ao cumprimento de uma meta para o índice de preços ao consumidor em um determinado período (12 meses).

Cabe ao CMN estabelecer as metas de inflação, e ao Banco Central executar a política monetária de acordo com este objetivo. Na prática, o regime de metas de inflação consiste em regular os preços da economia a partir da taxa de juros e do crédito interno. Assim, sempre que a meta de inflação estiver ameaçada, o Banco Central, autorizado pelo CMN, deve elevar os juros e, com isso, “esfriar”(“desaquecer”) a economia, conduzindo os preços para a meta pré-estabelecida.

Em suma, o governo brasileiro delega ao CMN  amplo poder sobre os rumos do país. Suas deliberações têm um alcance profundo sobre o conjunto da economia. Não obstante, os impactos dessas medidas são absorvidos de forma assimétrica pelos agentes econômicos e sociais.

A proposta de Ampliação e Democratização do CMN

No estudo, buscou-se apontar e sublinhar que as decisões tomadas pelo Conselho Monetário Nacional afetam diretamente o nível de atividade econômica e o ambiente econômico do país em geral. A política monetária não é neutra em seus efeitos. Políticas restritivas da moeda e do crédito – com a consequente elevação dos juros – podem de fato constituir-se, em determinadas circunstancias, na melhor opção conjuntural para a estabilização de preços. Mas esta é uma decisão que deve ser objeto de discussão de um grupo mais amplo, cuja composição reflita minimamente a complexidade da economia brasileira.

[Consideramos] que, no contexto da democratização do poder público, a ampliação do número de membros do CMN – com a participação de lideranças representativas dos trabalhadores, dos empresários e do meio acadêmico – proporcionará maior abrangência de preocupações e proposições em pauta. As diretrizes de política monetária devem refletir o equilíbrio entre as diversas metas a serem buscadas pelo país.

Até o ano de 1994 (quando o CMN adquiriu a composição restrita atual) o Conselho contava com um número maior de membros, seja do governo, seja de representantes do segmento empresarial e dos trabalhadores.

Assim, [nossa] proposta é da ampliação do CMN, com a participação de membros do Governo, do empresariado, dos trabalhadores e do meio acadêmico.

A proposta consiste em um total de 10 representantes, sendo 5 do Governo e 5 da sociedade (2 oriundos do empresariado; 2, da classe trabalhadora e 1 do meio acadêmico). Isso possibilitará que se explicitem um pouco melhor as visões e as perspectivas das diferentes áreas governamentais e dos agentes econômicos. Todos estes membros deverão ser indicados pelo Presidente da República. O voto de “minerva” será do Governo.

Evidentemente, variações diversas podem ser feitas em torno da ampliação da composição do CMN. O fundamental é que as partes aceitem debater democraticamente a proposta de ampliação e democratização do CMN.

A intenção é que o CMN tenha maior transparência em suas discussões, deliberações e mecanismos de prestações de contas à sociedade brasileira.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do DIEESE.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, em  19 dezembro de 2016´, coluna blogs.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Celso Daniel, quinze anos

É preciso permanentemente resgatar, especialmente para os mais jovens, o legado visionário de lideranças como o do prefeito



No próximo dia 18 de janeiro de 2017, terão passados quinze anos da trágica morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. O tempo passa. Assim, é preciso permanentemente resgatar, especialmente para os mais jovens, o legado visionário de lideranças como o do prefeito. Isto é ainda mais necessário em uma época de tanta descrença nas lideranças políticas e nos projetos de transformação para uma sociedade mais justa e igualitária.
Celso Daniel foi a maior liderança individual do processo de constituição de espaços públicos regionais, baseados na cooperação dos atores sociais, verificados na Região do ABCD, nos anos de 1990. Engenheiro e professor de economia da FGV, o ex-prefeito de Santo André aliou sua elevada capacidade de articulação política com uma sólida formação teórica do regionalismo.
Acreditava que o desenvolvimento econômico e social não passava exclusivamente pela pauta nacional, mas também pelo plano local e regional. Em oposição às ideias neoliberais expressas nas políticas municipalistas de disputa entre as cidades pelos investimentos privados, e crítico às tradicionais práticas de gestões clientelistas, Celso Daniel propôs que os executivos e legislativos municipais rompessem com o isolamento concorrencial de suas ações e implementassem um conjunto de iniciativas inovadoras de cooperação em prol do desenvolvimento do Grande ABC, a partir de uma agenda regional.
Neste contexto, articulou, no início dos anos de 1990, a criação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, sendo seu primeiro presidente. A entidade é constituída pelos sete Municípios do Grande ABC - representados pelos seus Prefeitos -, isto é: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Tem como objetivo planejar a articulação de ações em âmbito regional, em áreas como mobilidade, macrodrenagem, saúde, segurança, resíduos, entre outras. Em 2010, a entidade tornou-se o primeiro consórcio multisetorial de direito público e natureza autárquica do País.
Fórum da Cidadania
Em 1994, liderou o Fórum da Cidadania do Grande ABC, movimento suprapartidário - composto de segmentos empresariais, sindicais, ONGs, grupos religiosos, ecológicos, entre outros - que buscou fortalecer a representação política da Região do Grande ABC e o comprometimento dos candidatos com a plataforma de desenvolvimento regional. Uma das principais ações do Fórum foi o movimento “Vote no Grande ABC”, que resultou na eleição de cinco deputados federais e oito deputados estaduais ligados à região do ABC nas eleições daquele ano.
Estimulou a participação cidadã da sociedade organizada nos processos decisórios públicos, liderando a constituição de espaços multipartites não-estatais com a Câmara Regional do Grande ABC, a Agência de Desenvolvimento Econômico Grande ABC, o Banco do Povo Regional e o Orçamento Participativo.
Inovou também ao criar o “Projeto Santo André Cidade Futuro”, que combinou a participação popular e a fixação de metas de longo prazo para a cidade. Neste sentido, incentivou o permanente diálogo do Grande ABC com experiências internacionais em desenvolvimento local, seja participando de diversos eventos em todo o mundo, seja por meio de acordos e convênios com órgãos e especialistas no tema. Trouxe para o debate com a Região do ABC nomes como Allen Scott, Jordi Borja, Alain Lipietz, Giuseppe Cocco, entre outros.
Membro do PT, Celso Daniel era coordenador do Programa de Governo do candidato Lula à Presidência da República no início da vitoriosa campanha. Essa missão e seu terceiro mandato de Prefeito, iniciado em 2001, foram brutalmente interrompidos em janeiro de 2002, quando ele, aos 51 anos de idade, foi sequestrado em São Paulo e, dias depois, assassinado pelos sequestradores, o que gerou enorme consternação em todo o País.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do DIEESE.

Artigo publicado no jornal ABCDMAIOR, em 13/12/216
http://www.abcdmaior.com.br/materias/blogs/celso-daniel-quinze-anos

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

DETROIT E A VITÓRIA DE TRUMP


Jefferson José da Conceição

O empresário magnata do ramo imobiliário, David Trump, venceu em estados tradicionalmente democratas. Na reta final das eleições presidenciais americanas, o republicano, que concorreu pela primeira vez a um cargo público, buscou votos entre os indecisos em regiões como a Grande Detroit, com um discurso que buscava dar respostas aos pleitos daquela região por geração de empregos. 

Para as áreas fortemente industrializadas (...), acompanhar o que acontece em Detroit é importante, porque, desde meados do século XX, as transformações que acontecem naquela região metropolitana americana apontam tendências para outras áreas semelhantes em todo o mundo.

Mais adiante neste artigo voltaremos a tratar da vitória de Trump no Estado de Michigan, no qual se localiza Detroit. Antes, façamos uma breve apresentação sobre Detroit e sua evolução no século XX.

Detroit: palco da produção automobilística

Com área de 370 Km2, Detroit é a cidade de maior população do Estado do Michigan. Em 2010, de acordo com o censo, a cidade tinha cerca 701.415 habitantes, e a região metropolitana da Grande Detroit, cerca de 4,5 milhões de moradores. Entre todas as cidades dos EUA, Detroit é a 18ª mais populosa.

O quadrilátero formado por Nova York, Pensilvania, Illinois e Michigan, no nordeste dos EUA, constitui o cinturão industrial americano (manufacturing Belt). Em razão, sobretudo, da abundância de matérias-primas, e da presença de um porto importante, aglomerou-se no interior desse quadrilátero, no século XX, grande parte da indústria mecânica pesada e da indústria fornecedora de insumos básicos (siderurgia, petroquímica).

Situada no estado de Michigan, a região de Detroit (formada por dez pequenas cidades), concentra-se a sede e as maiores fábricas das três grandes empresas automobilísticas do país – GM, Ford e Chrysler. A indústria automobilística é a principal atividade econômica da região. A região é o maior cluster automobilístico mundial. 

O rápido crescimento da produção automobilística americana entre as décadas de 1920 e 1970, associado à constituição de fábricas bastante verticalizadas, atraiu para a região imigrantes de diversos países e grande contingente da população negra do sul dos Estados Unidos. 

Tome-se, por exemplo, o caso da Ford, em Daerborn, chamada de Complexo Industrial Rouge (situa-se na confluência dos rios Rouge e Detroit). Esse complexo fabricava não apenas o automóvel, mas também processava o carvão em fornos próprios, laminava o aço, produzia o vidro e transportava matérias-primas e veículos em locomotivas próprias. Para esse complexo funcionar, a Ford chegou a ter, na década de 1930, cerca de 100 mil empregados, tanto para produção como para apoio (havia inclusive um hospital).

O ambiente econômico e social explica, em grande parte, a força da organização sindical. O United Auto Workers (UAW), sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística, marcou sua história por grandes mobilizações que se traduziram em conquistas, muitas das quais incorporadas aos contratos coletivos de trabalho.

O quadro favorável às conquistas sindicais, entretanto, alterou-se bastante a partir da década de 1980, calamitosa para a região do ponto de vista econômico e social. A concorrência dos carros japoneses, cuja competitividade explicava-se em boa medida pelos novos métodos de produção adotados nas empresas daquele país oriental, levou ao desemprego, ao fechamento de fábricas e à descentralização maciça da produção automobilística para outras áreas do país, com destaque para o sul e o oeste dos Estados Unidos (sobretudo Flórida, Texas e Califórnia) – também chamada de Sun Belt (“cinturão do sol”). 

Assim, em 1970, havia 282 mil empregados na produção de veículos automotivos na região metropolitana de Detroit, ante 206 mil em 1990. O mesmo complexo Rouge, que, na década de 1930 tinha 100 mil empregados, em 2006, contava com cerca de 6 mil empregados apenas. 

Na década de 1980, Detroit perdeu metade da população branca, o que fez com que a cidade se tornasse majoritariamente formada por negros. A maior parte da população passou a residir nos subúrbios, em cidades vizinhas. Este fenômeno da migração da população para os subúrbios acontece desde a década de 1950, e se intensificou nos últimos quarenta anos. Os cerca de 701 mil habitantes atuais da cidade representam 63% do total de habitantes que havia na década de 1950.  

É visível a existência de diversos terrenos e galpões vazios no centro e na periferia da região, que vem sendo denominada de Rust Belt (“cinturão da ferrugem”). Matéria recente do Jornal O Globo veiculou que há 78 mil prédios comerciais abandonados por toda a cidade e 13 mil residências não têm moradores. Nos últimos 20 anos, vários projetos de revitalização de Detroit vêm sendo discutidos por representantes do governo local e pela iniciativa privada.  

Em razão da crise, Detroit é considerada uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos. Ocupa a primeira posição em homicídios. O famoso filme americano RoboCop, de 1987, é uma ficção científica que se passa em Detroit, contaminada pela onda de crimes. Outro problema grande é má distribuição de renda: cerca de 22% das famílias vivem abaixo da linha de pobreza.

Ainda no campo do cinema, vale a pena assistir ao filme documentário “Roger and me” [Roger e eu], de 1989, do famoso Diretor independente Michael Moore. O filme retrata o crescimento, auge e a crise da cidade de Flint (na Grande Detroit), terra natal de Moore, com a expansão da indústria automobilística desde as primeiras décadas do século XX até os anos de 1980, com a invasão de carros importados japoneses. Os impactos do fechamento de onze fábricas da GM na vida das pessoas da cidade, e na economia do local, são tratados com enorme sagacidade por Moore.

A falência de Detroit

A perda de empresas, empregos e população fez cair expressivamente a arrecadação de Detroit. Em 2006, a cidade revelou um grande déficit no sistema de previdência local. Então, nos últimos anos, para fechar as contas, a cidade cresceu seu endividamento, por meio de emissões crescentes de títulos públicos. 

Neste contexto, o ano de 2013 foi mais um marco importante na história de crise vivida pela cidade nas últimas décadas. No mês de julho daquele ano, a cidade declarou falência. O valor da dívida atingia entre 18 a 20 bilhões de dólares, de acordo com as matérias da imprensa.

Em novembro de 2014, a Justiça americana aprovou o plano da Cidade de Detroit para sair da falência. A proposta elimina US$ 7 bilhões do total da dívida de US$ 18 bilhões; prevê ainda investimento de US$ 1,7 bilhão na revitalização da cidade.

“Resolver isso é uma questão muito importante para criar um ótimo ambiente para a cidade. Não só a cidade, mas para o estado. Isso leva a um contexto de normalidade, a uma estrutura de governo tradicional novamente”, afirmou o governador de Michigan, Rick Snyder (Republicano), segundo o jornal “New York Times”.

“Estamos começando essa jornada, não a encerrando. A concordata é só um ajuste de dívida, mas não é uma solução. O que você realmente precisa é de um plano de recuperação. Não podemos perder isso de vista. Não vamos saber por cinco, dez, quinze anos se Detroit resolveu seu problema estrutural”, disse o advogado James Spiotto, especialista em falência municipal, ao “NYT”.

Trump vence na Grande Detroit

O Estado de Michigan e a Região Metropolitana de Detroit em particular jogaram papel importante na vitória de Trump. 

Trump – que foi apresentador do programa americano “The apprentice” [“O aprendiz”], cuja principal atração era demitir as pessoas a qualquer momento - convenceu a população da Grande Detroit com seu discurso em prol da retomada da força da economia americana e da manutenção/ geração de empregos dentro dos EUA. Vale lembrar que, em 2013. A cidade da Detroit, formada por grande maioria negra, já havia elegido, em 2013, após 40 anos, seu primeiro prefeito de cor branca.

Trump afirmou que eliminaria o excesso de regulamentações, impostos e burocracia que prejudicam os empregos. 

Reproduzindo frase famosa de Reagan, disse que “o melhor programa social será um emprego”, atacando programas sociais como o “Obamacare”, pelo qual todos os americanos têm direito a um plano de saúde.

"Vou pedir a todas as agências federais para prepararem uma lista de todas as regulamentações [tais como as que são fixadas pela política de energia limpa e de redução de emissões de carbono] que se impõem sobre os americanos e que não sejam necessárias, que não melhorem a segurança pública, e que desnecessariamente matam muitos empregos. Essas regras serão eliminadas rapidamente", disse Trump na campanha.

"A regulamentação excessiva está custando à nossa economia até US$ 2 trilhões por ano", disse.

"Tudo que Hillary Clinton tem a oferecer é mais do mesmo: mais impostos, mais leis, mais burocratas, mais restrições à energia americana e à produção americana. Se você fosse uma potência estrangeira buscando enfraquecer a América, não poderia fazer coisa melhor do que a agenda econômica de Hillary".

Ainda como elementos de convencimento aos trabalhadores americanos, Trump afirmou que retiraria os EUA do Tratado Transpacífico (TPP), pactuado em 2015 com outras nações da Bacia do Pacífico (Japão, Austrália, Canadá, Brunei, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã; e possibilidade de se estender para a Coréia do Sul, Taiwan, Filipinas e Colômbia). O acordo, cujos países membros representam aproximadamente 40% da produção mundial, visa reduzir e eliminar as tarifas comerciais entre os países. Na mesma linha, disse que renegociaria o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que, nos últimos vinte anos, envolve EUA, México e Canadá. Trump disse que, nos últimos anos, a maioria dos empregos americanos haviam sido perdidos para a China e México.

Além de prometer menos impostos para ricos e pobres nos EUA, Trump declarou que, se vencesse, aumentaria os tributos sobre as empresas que não empregassem preferencialmente americanos.

Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata, por sua vez, dizia que as desregulamentações e reduções de impostos beneficiarão especialmente os mais ricos e as grandes corporações. Mas este argumento não foi suficiente para convencer a maioria dos eleitores:

“Muita gente das cidades industriais ficou para trás, e Trump é quem reconheceu pela primeira vez a dimensão do que sofreram. Não sei até que ponto as pessoas gostam dele ou se querem dar uma sacudida em Washington”, disse Sid Smith, um professor da cidade de Sterling Heights, vizinha à Detroit, em matéria de “El País”.

A vitória do discurso de Trump acontece em um momento de “endireitização” do mundo, com a expansão da xenofobia, da exacerbação de ódios, do princípio do Estado mínimo, da desregulamentação e flexibilização de direitos em todo o mundo. Vivemos claramente a predominância do discurso conservador da Direita Política.

Em movimento pendular, Regiões industriais como Detroit, ABC e mesmo o Brasil como um todo vivem tentativas de novas soluções para seus problemas. 

Não sou otimista quanto aos resultados dessas apostas.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do Dieese.

artigo publicado no Jornal ABCDMaior, em 5/12/2016. 
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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

“DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E INOVAÇÃO”: LIVRO OPORTUNO


Jefferson José da Conceição (jefferson.pmsbc@gmail.com)
Realizar uma boa gestão governamental nem sempre garante a reeleição dos seus principais governantes ou dos seus indicados para a continuidade. Este foi o caso de muitos dos governos do Partido dos Trabalhadores neste pleito de 2016. 
Em vários dos municípios governados pelo Partido, a população, independentemente de uma avaliação do governo municipal em si, decidiu meramente trocar os governantes e retirar o PT do seu comando, tenha feito ele uma gestão municipal exemplar ou não. Foi assim, por exemplo, em municípios do Grande ABC – casos de São Bernardo do Campo, Santo André e Mauá -, e em São Paulo, a maior cidade da América Latina.
Sobre as causas dos resultados negativos do PT nas eleições municipais de 2016 muito já foi escrito e certamente ainda o será. Isto não será objeto deste artigo.
Aqui, queremos apenas chamar a atenção para o fato de que, neste contexto, é bastante oportuno o lançamento do livro “Desenvolvimento, Trabalho e Inovação: a experiência da Cidade de São Paulo 2013-2016”, que ocorrerá no próximo dia 22 de novembro, às 19h, no “Café dos Bancários”, edifício Martinelli, em São Paulo. 
Publicado pela Editora da Fundação Perseu Abramo, o livro foi organizado por Artur Henrique da Silva Santos. Artur foi presidente nacional da CUT e é atual Secretário Municipal da Cidade de São Paulo. Trata-se de uma coletânea de artigos de secretários e secretárias da Gestão Haddad, bem como de assessores, que relata o amplo conjunto de políticas e ações inovadoras e inclusivas realizadas na Gestão da Cidade de São Paulo entre 2013 e 2016 em São Paulo. A obra é uma iniciativa própria do organizador e dos autores. Trata da ações do governo, mas não tem caráter oficial.
Todos os artigos foram escritos antes das eleições de outubro.
O livro é oportuno em primeiro lugar pela preocupação em registrar os desafios, os avanços e os limites das políticas implementadas. Isto é de grande utilidade para gestores, estudantes, pesquisadores e interessados em geral, especialmente aqueles voltados ao desenvolvimento inclusivo e avanços sociais. 
Mas, com a derrota nas urnas, a leitura do livro certamente contribuirá também para sublinhar a contradição – histórica, por que não? - entre tudo de positivo que foi realizado e a dura decisão popular - especialmente aquela proveniente dos grandes contingentes beneficiados pela maioria das políticas realizadas - pela não continuidade do governo.
Gestão Inovadora, inclusiva e de participação
Certamente uma das marcas mais conhecidas da Gestão Haddad (ainda que modo parcial e em meio a um bombardeio de desinformações pela grande mídia), no período 2013-2016, foi a “revolução” que realizou em áreas como mobilidade. Mas vale também destacar o enfrentamento determinado de todo o governo no ataque à exclusão social e na valorização da participação social na definição e execução dos projetos governamentais prioritários. 
No campo da mobilidade, as ciclovias estiveram na “vitrine” mais visível e comentada pela mídia. Mas a elas se complementam a redução de velocidade nas marginais (com a consequente redução das fatalidades nestas vias); o fechamento de avenidas como a Paulista, para o lazer aos domingos; a opção por priorizar os corredores exclusivos de ônibus; a renovação da frota de ônibus; a regularização das linhas no período da madrugada; a permissão para que mulheres e idosos possam descer do ônibus fora do ponto nas madrugadas, entre outras ações.
O esforço de inclusão e de inovação esteve presente em todas as áreas: educação, saúde, habitação, transporte, planejamento, desenvolvimento, políticas sociais, políticas para as mulheres; políticas de igualdade racial; direitos humanos, entre outras. Apenas para citar alguns poucos exemplos: O Programa de Braços Abertos; a implantação da iluminação a LED primeiramente nas periferias; a instalação de 12 FabLabs livres e gratuitos em comunidades de baixa renda;  a disponibilização de WiFi Livre em 120 praças e espaços públicos municipais, atendendo todos os 96 distritos e as 32 subprefeituras da Capital, democratizando o acesso à Internet e estimulando o acesso à cultura digital em toda a cidade, a começar pelas áreas periféricas.
Igualmente marcante foi o intenso esforço de busca de diálogo e participação social. Para uma maior eficácia nas ações e resultados deste diálogo, promoveu-se uma estrutura articulada das várias iniciativas de participação que aconteciam nas várias secretarias e instancias de governo. Foram criadas instâncias colegiadas para garantir a ação integrada do governo. 
Assim, foram importantes: o ciclo participativo de planejamento e orçamento; o Conselho da Cidade; a utilização de novos “espaços” de participação, como as ferramentas digitais; a territorialização e a descentralização da participação; a criação dos Conselhos Participativos Municipais; os Conselhos Transversais (LGBT, idosos, p*opulações de rua, imigrantes, mulheres, povos indígenas, Juventude, Criança e adolescentes); o Comitê Intersecretarial de Articulação Governamental da Política Municipal da Participação Social as audiências públicas do Programa de Metas, que, de forma fácil e clara, buscou traduzir para a população em 100 metas o que a gestão pretendeu fazer em seus quatro anos à frente do executivo municipal.
O foco maior da obra reside nas políticas de desenvolvimento, trabalho, economia solidária, empreendedorismo e segurança alimentar, comandadas por Artur Henrique desde 2014. Neste sentido, destacam-se projetos como a criação da Agência São Paulo de Desenvolvimento (Adesampa) e o Projeto Vaitec, que estimula, na área de tecnologia, o surgimento de projetos de empreendedores que contribuam para solucionar problemas do cotidiano da cidade; as “Arenas de Inovação”; o Programa Operação Trabalho; a criação da Incubadora de Economia Solidária em São Paulo; a Agenda Municipal do Trabalho Decente; a Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; a constituição dos Centros de Referência em Segurança Alimentar e do Banco de Alimentos; o decreto municipal de compras públicas, que abre oportunidades às pequenas e microempresas com o uso do poder de compra do Estado no âmbito municipal, entre outros projetos.
Em suma, o livro é peça que, juntamente com outras, contribui para dar a devida dimensão da gestão municipal paulistana entre 2013 e 2016, e do seu expressivo legado no campo da administração pública.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. 

Artigo publicado no site do ABCDMaior, www.abcdmaior,com.br, coluna blogs, seção "Ponto de (des)equilíbrio", em 21/11/2016.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: impacto na aposentadoria e no mercado de trabalho

Jefferson José da Conceição
 Luiz Cláudio Marcolino
Artur Henrique
O Governo Temer anuncia uma reforma na Previdência Social. A proposta de Projeto de Lei (ou medida provisória) que tratará do assunto ainda não foi apresentada publicamente pelo Governo. Mas a equipe de Temer já aponta as profundas mudanças que pretende realizar para resolver o suposto “rombo” das contas da previdência. As alterações no sistema são extremamente prejudiciais aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o País.
De acordo com o que membros do Governo já veicularam na imprensa, a Reforma da Previdência contemplará, entre outros pontos: elevação da idade mínima de aposentadoria para trabalhadores do setor privado e do funcionalismo; nova fórmula de cálculo do benefício; elevação do tempo mínimo de contribuição; redução da diferença de regras de idade de aposentadoria entre homens e mulheres, com a unificação futura; eliminação das aposentadorias especiais de professores, militares, policiais militares e bombeiros; redução dos benefícios da pensão por morte; contribuição obrigatória para trabalhadores rurais, bem como elevação da idade mínima para que estes se aposentem; desvinculação dos reajustes dos benefícios assistenciais (LOAS) e dos reajustes da pensão por morte da política de reajustes do salário mínimo; fim da paridade de reajuste entre servidores ativos e inativos.
Evidentemente, não cabe, nos limites deste artigo, tratar de todos estes pontos. Importantes estudos recentes contribuem para fazer a crítica a esta reforma não dialogada com todos os segmentos dos trabalhadores afetados (Centrais Sindicais, entidades de aposentados). Entre eles recomendamos a cartilha “Entender e defender a Previdência Social”, lançada pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, em julho deste ano. Neste trabalho, feito com rigor técnico e riqueza de informações, desmistifica-se a questão do “rombo” das contas da Previdência. Outro valioso estudo, divulgado em junho também deste ano, é a Nota Técnica nº 160 do DIEESE: “Os impactos das mudanças demográficas na seguridade social e o ajuste fiscal”.
Neste artigo, pretendemos simular o impacto que a Reforma da Previdência representaria sobre a aposentadoria dos trabalhadores e destacar a inconsistência da reforma em face das características do mercado de trabalho no Brasil, que não garante oportunidades de trabalho para as pessoas de idade mais avançada.

1.Como é a exigência de tempo mínimo para aposentadoria hoje

De acordo com as regras atuais, o trabalhador pode se aposentar por tempo de contribuição. São necessários 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens, independentemente da idade. Podem se aposentar também por idade as mulheres (aos 60 anos) e os homens (aos 65 anos), desde que tenham contribuído com a Previdência por no mínimo 15 anos.
Em 1999, o Governo FHC introduziu o fator previdenciário, que teve o objetivo de forçar o trabalhador a contribuir por mais tempo e se aposentar com mais idade. Esse mecanismo de cálculo reduz em média 40% o valor da aposentadoria. Entretanto, se o trabalhador e a trabalhadora contribuir por mais tempo que o mínimo necessário (e, consequentemente, com mais idade), o valor do benefício aumenta gradativamente.
Com a introdução do fator previdenciário, a média de idade das concessões de aposentadoria do setor privado subiu de 51,8 anos em 1999 para 54,5 em 2014 (Folha de São Paulo, 10/10/2016).
Por fim, a Lei 13.183/2015, sancionada pelo Governo da Presidenta Dilma, amenizou em parte os efeitos deletérios do fator previdenciário. A mudança permitiu ao trabalhador se aposentar sem a incidência do fator previdenciário, se a somatória de tempo de contribuição e da idade resultasse em 85 pontos para mulher e 95 para o homem.

2. A mudança planejada: aumento e fixação da idade mínima para a aposentadoria

Dentre as alterações anunciadas pelo Governo Temer está o aumento e a fixação da idade para aposentadoria. A partir da aprovação, a idade mínima passaria a ser de 65 anos para homens e mulheres, desde que eles e elas contribuam com no mínimo 25 anos de contribuição (hoje, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos). Ninguém poderá se aposentar com idade inferior a 65 anos. Na prática, esta mudança acaba com a aposentadoria (somente) por tempo de contribuição.
De acordo com as regras veiculadas na imprensa, pode-se deduzir que, no caso do trabalhador que tem até 50 anos de idade no momento das mudanças, a regra aplicável seria integralmente a nova – embora haja declarações de membros do Governo que apontem para a criação de uma regra adicional de transição para aqueles que têm menos de 50 anos e que têm tempo de contribuição alto. A regra de transição viria na forma de uma “bonificação”. Mas nada está muito claro até o momento.
Veicula-se que o governo também planeja uma regra de transição para aquele que contar com mais de 50 anos de idade. Haveria uma espécie de “pedágio”: o trabalhador teria que contribuir com 50% a mais no tempo que falta para ter direito à aposentadoria nas regras atuais. O Governo estima que, em 15 anos, todos os novos aposentados estariam enquadrados na nova regra. Ou seja, o período de transição seria curto.
Registre-se que, em entrevista à Folha de São Paulo, de 28/8/2016, o Pesquisador do Centro de Pesquisas para a Aposentadoria do Boston College, Matthew Rutledge, defendeu a necessidade de políticas para “garantir que os profissionais mais velhos tenham postos de trabalho no futuro”. Rutledge afirma que, “se um país aumenta a idade de Aposentadoria, deve dar oportunidades extras aos seus trabalhadores”. Segundo o pesquisador, os Estados Unidos levarão 44 anos (até 2027) na transição da idade de aposentadoria mínima de 66 para 67 anos. “O país também permite uma aposentadoria precoce, aos 62 anos, mas neste caso há uma série de restrições para quem opta por sair da ativa mais cedo”.

3. A idade mínima de 65 para aposentadoria versus a expectativa média de vida de 75 anos no Brasil

O Governo alega que a expectativa de vida do brasileiro aumentou e a quantidade de jovens que sustentam o regime da Previdência Social diminuiu, comprometendo o equilíbrio dos gastos. Esta seria uma das principais razões para a Reforma da Previdência, segundo o governo.
O que salta aos olhos, porém, é que o Governo pretende estabelecer uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria quando a expectativa de vida média, hoje, é de 75 anos!
Em muitos países avançados que aumentaram a idade para a aposentadoria - como Japão, Austrália, França, Espanha, Canadá, Noruega, Suécia e Alemanha - a expectativa média de vida da população entre 2010 e 2015 situava-se acima de 80 anos de idade (Cartilha do Sindicato dos Bancários de São Paulo). Além disso, na maioria desses países, as pessoas começam a trabalhar mais tarde, normalmente depois de concluir seus estudos.

4. Redução do valor do benefício da aposentadoria

A fórmula do cálculo do valor do benefício é outro ponto de destaque no projeto do governo que vem sendo anunciado.
Pelo que se discute, a regra seria alterada visando um tempo maior de contribuição para o trabalhador e a trabalhadora. O valor da aposentadoria equivaleria a 50% da média das contribuições, acrescido de 1% a cada ano adicional de contribuição.
Assim, no caso de uma pessoa que se aposentar aos 65 anos com 25 anos de contribuição o benefício será de 50% da média das contribuições. Se a mesma pessoa tivesse começado a contribuir com 20 anos de idade, aos 65 anos teria completado 45 anos de contribuição. Com isso, o benefício de 50% teria um acréscimo de 20 pontos percentuais, e seria elevado para 70% da média das contribuições.
Para se ter uma ideia do quanto essa regra é prejudicial aos trabalhadores e trabalhadoras, tomemos o mesmo exemplo nas já draconianas regras que temos hoje do fator previdenciário. Esse mesmo trabalhador do nosso exemplo acima teria, no atual sistema, direito a um benefício correspondente a quase 130% da média das suas contribuições. Em outras palavras, ele receberia praticamente o dobro do valor do benefício que a reforma pretende implantar.

5. A Reforma da Previdência de Temer é inconsistente com as atuais características do mercado de trabalho no Brasil

Países que fizeram alterações em suas legislações, como Alemanha, Dinamarca e Reino Unido, previram prazos de 10, 20 anos ou mais, para que tais mudanças fossem gradualmente implantadas. Trata-se de um período necessário para que a sociedade se adapte e crie condições sócio- econômicas que amenizem os seus impactos.
Se aprovada a Reforma da Previdência de Temer, com as regras que vêm sendo veiculadas na imprensa, o mercado de trabalho no Brasil terá que absorver a mão-de-obra daqueles trabalhadores e trabalhadoras com mais de 54 anos de idade - que é a média atual da idade dos aposentados -, até que estes completem 65 anos de idade. Contudo, essa mudança de padrão de comportamento das empresas está muito longe da nossa atual realidade.
No mercado brasileiro atual, o grupo de trabalhadores ocupados acima dos 60 anos é minoritário (superior apenas as pessoas entre 14 a 17 anos). Mais: de acordo com estudo do IPEA, cerca de 1 milhão de pessoas com mais de 59 anos de idade estavam desempregados no País em junho de 2016.
Com as mudanças propostas pelo Governo na reforma da Previdência, para o trabalhador conseguir se aposentar aos 65 anos, parte do estoque de empregos existentes (por exemplo, dos jovens entre 25 e 59 anos de idade) terá que migrar para a faixa dos que tem mais de 60 anos de idade. Isto em uma economia em que o estoque de empregos reduziu drasticamente nos últimos anos, em função da crise!
Acrescente-se a isso a dramática situação dos jovens que surgem a cada ano para disputar a mesma quantidade de vagas de emprego. O quadro é bastante preocupante. Assim, e a despeito dos índices alarmantes de desocupados, a Reforma da Previdência de Temer “injetará” neste contingente todos os trabalhadores que conseguiam se aposentar aos 54 anos de idade. Não haverá emprego para todos.

6. Para uma Reforma da Previdência que aumente a idade mínima da aposentadoria é fundamental a Garantia de Emprego

Uma reforma que aumente a idade da aposentadoria, em função das mudanças demográficas, jamais pode estar dissociada da garantia de emprego para os empregados que se encontram com idade mais avançada.
Sabemos que as empresas estão habituadas a trocar profissionais mais experientes, geralmente com salários maiores, por outros que, em início de carreira, aceitam receber metade destes salários.
Neste caso, a ratificação da Convenção 158 da OIT, que trata da regulamentação das dispensas arbitrárias, deve voltar ao debate nacional. Aliás, a regulamentação da dispensa arbitrária está pendente há 28 anos no Brasil.
O Governo Temer omite que muitos países avançados onde foi instituída a elevação da idade mínima para a aposentadoria contam com uma rede de proteção ao trabalhador, como saúde e educação de qualidade, não raro gratuitos. Alguns destes países também ratificaram a Convenção 158 da OIT, como a França, Espanha, Portugal, Austrália e Suécia.
No Brasil, temos uma rotatividade de mão-de-obra de cerca de 40%. Em alguns setores como construção civil e agricultura, esse índice é superior a 100%. Metade dos desligamentos de empregados é feita sem justa causa. Ou seja, os trabalhadores são dispensados sem qualquer motivo.
Em um país com esse perfil de mercado de trabalho, uma reforma previdenciária, como a que vem sendo planejada pelo Governo Temer, tende a ser um desastre. Se o trabalhador e a trabalhadora não tiverem nenhuma garantia de emprego, ele (e ela) engrossará a fila dos desempregados ou dos informais. Nestas duas hipóteses, o trabalhador nunca conseguirá se aposentar.
Cabe lembrar ainda, que, nas atividades penosas e insalubres, a exigência de que o trabalhador se aposente aos 65 anos (na maioria das vezes contribuindo por mais de 40 anos) dificilmente poderá ser cumprida. A capacidade laboral do trabalhador e da trabalhadora não conseguirá chegar até lá. Além disso, haverá um aumento de afastamentos médicos e aumento dos gastos com aposentadoria por invalidez.

7. A PEC 241 e a redução dos benefícios da aposentadoria para os trabalhadores já aposentados

Digno de registro também é o fato de que aqueles que hoje se encontram aposentados também não estão imunes às mudanças que o Governo pretende fazer.
A aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos pela inflação, traz a redução dos valores da aposentadoria.
A PEC 241 trará um futuro catastrófico nas políticas sociais e refletirá diretamente no reajuste da aposentadoria.
O cálculo é simples. Haverá um valor fixo para os gastos destinados ao pagamento de benefícios, que será corrigido apenas pela inflação. Entretanto, se, a cada ano, novos aposentados são inseridos neste orçamento, os rendimentos daqueles que já se encontram aposentados tendem a encolher para conseguir pagar os novos benefícios. Assim, as aposentadorias não conseguirão ter aumento sequer da inflação, corroendo o poder de compra dos atuais aposentados.
Tudo isto mostra, uma vez mais, que, também em relação ao tema da Previdência Social, temos que buscar resistir aos tempos sombrios e cinzentos que se instalaram em nosso País.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016.
Luiz Claudio Marcolino é economista. Foi presidente do Sindicato dos Bancário; Diretor da Agência São Paulo de Desenvolvimento; Superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo; Deputado estadual na legislatura 2010-2014.
Artur Henrique da Silva Santos, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores