Pesquisar este blog

terça-feira, 29 de março de 2016

O PÊNDULO, O IMPEACHMENT E OS RISCOS DAS POLÍTICAS DISTRIBUTIVAS

Jefferson José da Conceição

São várias as questões que envolvem o embate sobre o processo de eventual impeachment da Presidente Dilma. Sobre este processo, nossa posição - que fique claro desde já - é que ele não está respaldado em crime de responsabilidade. Por conseguinte, é ilegal. Uma espécie de golpe branco. Todavia, não é este o objeto deste artigo. Aqui, queremos trazer à luz uma das dimensões, nem sempre reveladas, deste embate.

Referimo-nos ao risco da eliminação ou redução das políticas distributivas que visam enfrentar a enorme e histórica distorção da estrutura econômica nacional, que é a elevada concentração de renda nacional. No Brasil, até 2003, a metade mais pobre da população do país recebia praticamente o mesmo montante de renda que o grupo dos 1% mais ricos da população!

As políticas distributivas dos Governos Lula e Dilma, que tiveram início no ano de 2003 e foram constituídas ao longo de mais de uma década, estarão certamente no centro das alterações propostas pela nova equipe econômica, caso as forças em favor do impeachment consigam sobrepujarem as forças de resistência ao golpe.

Contudo, foram justamente estas políticas que permitiram que a desigualdade social no Brasil, medida pelo Índice de Gini, caísse mais rapidamente a partir de 2002. O referido índice caiu expressivamente de 0,587 em 2002 para 0,526 em 2012. Como se sabe, o Índice de Gini varia de 0 a 1: quanto mais próximo de zero, mais igual a distribuição de renda (caso, por exemplo, dos países nórdicos da Europa); quanto mais próximo de 1, mais desigual ela é (caso de alguns países africanos). Não temos os dados do índice de Gini do Brasil dos anos de 2013, 2014 e 2015. Sabe-se, porém, que, infelizmente, estes índices pararam de cair, em parte em função da desaceleração do crescimento e da crise econômica.

Para que se tenha claro o significado do debate das políticas distributivas, cabe antes: a) conceituar o que são políticas distributivas; b) contextualizar historicamente as políticas distributivas no âmbito das políticas nacionais.

1 O que são Políticas Distributivas

As políticas distributivas consistem no conjunto de medidas que tem como principal objetivo alterar a situação de distribuição de renda entre os indivíduos e classes sociais. Via de regra, são dois os principais instrumentos de políticas distributivas: 1) o sistema tributário; 2) os gastos sociais e de transferência de renda, juntamente com a intervenção direta do Estado no próprio nível de renda.

No Brasil, o sistema tributário continua praticamente o mesmo nas últimas décadas. Não se mexeu significativamente nele, nem mesmo nos governos Lula e Dilma. Ele continua eminentemente regressivo: está baseado mais na cobrança de tributos e contribuições sobre os preços do que sobre a renda e a propriedade. O predomínio é dos impostos indiretos e não dos impostos diretos. Logo, nesta estrutura tributária, os pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos.

Raras e elogiosas tentativas, por exemplo, como a do Governo Haddad, no âmbito do Município de São Paulo, de implantar o IPTU Progressivo (pelo qual as moradias de bairros mais nobres pagam proporcionalmente mais que as moradias de bairros populares), foram prontamente combatidas pela campanha conservadora liderada por Paulo Skaf, presidente da Fiesp – a mesma instituição que hoje é uma das que puxam o discurso pelo impeachment da Presidente Dilma, agora com a campanha “eu não vou pagar o pato”.

Outra campanha da Fiesp, que vai na mesma linha, de travar a possibilidade de se fazer políticas distributivas por meio dos impostos, é a que combate o retorno da CPMF. Esta contribuição, se aprovada, permitiria aumento dos recursos para a Saúde e Previdência.

Já os Gastos Sociais e de Transferência de Renda são aqueles que procuram garantir um bem-estar mínimo de vida para todos os indivíduos, de forma a reduzir as desigualdades sociais. Na prática, a implementação destas políticas deve significar que o volume de recursos destinados a elas é maior do que as contribuições arrecadadas dos indivíduos e famílias beneficiadas. No caso da intervenção direta, o Estado atua no aumento da renda auferida pelas camadas beneficiadas. É o caso, por exemplo, da política do salário mínimo. Trataremos os dois tipos em um mesmo grupo.

Veremos que, neste campo (o dos Gastos Sociais e de Transferência de Renda), os governos Lula e Dilma ousaram realizar uma série de medidas importantes. Estas medidas estão, a nosso ver, em risco, dependendo do rumo que tomar os acontecimentos no País.

2 O Estado, as Políticas Distributivas e o Welfare State no Pós-Guerra

Do ponto de vista das ideias e das práticas econômicas, a ciência caminha como um pêndulo: ora as ideias dominantes convergem para uma aceitação do papel decisivo do Estado, do planejamento e das políticas públicas na promoção do desenvolvimento econômico; ora a mainstream (que quer dizer as ideias dominantes; que prevalecem majoritariamente na sociedade em determinado momento) tende para o pensamento liberal. De acordo com este segundo tipo de pensamento, as livres forças do mercado (e não as políticas públicas) são consideradas o melhor caminho para a promoção do desenvolvimento.

Em 1929, durante a grande crise mundial do capitalismo, este debate ocorreu de modo transparente. Em princípio, as explicações e as saídas da crise foram vistas pelas lentes do pensamento liberal, então dominante nos países avançados (EUA e Europa). Embora estivessem sendo implementadas as políticas propugnadas pelo liberalismo, a crise prosseguiu e se aprofundou. Outras explicações foram buscadas. Uma delas foi propiciada pelo pensamento de John Maynard Keynes, com a sua “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro”, de 1936.

Keynes mostrou que a crise era uma possibilidade inerente ao funcionamento do sistema econômico capitalista, sujeito às ondas de incertezas e pessimismo, que se refletem diretamente no Investimento produtivo. Portanto, na crise seria fundamental que o Estado atuasse por meio de políticas fiscais e monetárias expansivas. O objetivo é incrementar a demanda efetiva (investimento e consumo) da economia. Isto, mesmo que, em um primeiro momento, pudesse representar aumento do déficit público.

Com efeito, a solução para a crise capitalista do início da década de 1930 passou por um pesado pacote de investimentos públicos, expressos no famoso programa New Deal, do Presidente Franklin Delano Roosevelt, nos EUA. A partir daí e ao longo de todo o pós-Guerra até o final dos anos de 1970, o Estado jogou um papel decisivo no processo de desenvolvimento das economias capitalistas, por meio do investimento público, do financiamento, da regulação e da indução do crescimento. Isto, em um claro confronto com os princípios do pensamento liberal. Neste período, o pendulo voltou-se para o respaldo às ações do Estado no campo do desenvolvimento.

Outro fator jogou peso importante para a expansão das políticas estatais – desta vez por meio das políticas sociais e de transferência de renda - após a Segunda Guerra. Trata-se do conflito da Guerra Fria e as suas consequências no campo das ações dos países avançados que compunham o lado capitalista. O temor da expansão do domínio socialista em terras europeias e americanas permitiu a conquista, pela classe trabalhadora, de uma série de conquistas no campo trabalhista, previdenciário e político que, somados, permitiram o que veio a se denominar de welfare state (estado de bem-estar social).

Assim, políticas como a fixação do salário mínimo, pisos salariais por categoria, redução da jornada de trabalho, seguro desemprego, previdência social, políticas de renda mínima, representação no local de trabalho, direito de sindicalização, organização e ampliação de partidos progressistas entre outros, são frutos ou puderam se expandir neste período, especialmente nos países capitalistas europeus, que estavam no epicentro da guerra fria. Uma das metas da ação governamental no período foi a universalização dos direitos ao usufruto das políticas relacionadas à educação e saúde, entre outras.

Entretanto, a crise das finanças públicas e o processo inflacionário da década de 1980 fizeram o pêndulo balançar novamente em favor das ideias liberais, agora denominadas de “neoliberais”. A força e o domínio das ideias transmitidas pelos Governos de Thatcher e Reagan, respectivamente, na Inglaterra e EUA, no início dos anos de 1980, simbolizaram os novos tempos. A queda do Muro de Berlim em 1989 e o chamado “Consenso de Washington” (receituário de medidas de cunho neoliberal, extraídas de um consenso de conferência realizada em Washington), no começo dos anos de 1990, consolidaram esta nova hegemonia nas ideias e políticas econômicas.

Todas as políticas do Welfare State foram postas em xeque pelo pensamento neoliberal. Salários deveriam ser fixados em mercado livres, sem o monopólio da ação sindical; as políticas sociais e de transferência não deveriam ser mais universalizadas e sim “focalizadas”, o que, na prática, representavam uma diminuição da sua abrangência e do volume dos recursos destinados aos gastos sociais. De certa forma, ao invés de um problema grave, a desigualdade passa a ser vista como natural e até desejável no sistema econômico capitalista.

Na Europa, uma série de medidas de cunho neoliberal foram implementadas, mas houve resistência à plena destruição das políticas do welfare state. Este debate continua em aberto no continente europeu.
No Brasil, os governos Collor e FHC, entre 1990 e 2002, representaram o momento de vigência das ideias e das políticas neoliberais. Aqui, além do ataque ao protecionismo de mercados (isto é, as políticas do Processo de Substituição de Importações do período posterior a 1930), a implementação destas políticas neoliberais tinha em mira os direitos garantidos na CLT, parte dos quais conquistados desde o período de Getúlio Vargas.

O resultado, como se sabe, foi, de um lado, o controle do processo inflacionário (especialmente quando comparado com a desordem dos preços ocorrida ao longo dos anos de 1980 e início dos anos de 1990), e, de outro, o aumento do desemprego, a precarização do trabalho, a diminuição da renda e o aumento da desigualdade e exclusão social.

 3 As Políticas Distributivas nos Governos Lula e no primeiro governo Dilma

No Brasil, o pêndulo voltou a pender para uma atuação mais proativa por parte do Estado a partir da eleição do Presidente Lula, e depois no Governo Dilma (especialmente os primeiros anos do primeiro Governo Dilma).

Associado ao forte crescimento do mercado interno, puxado pela expansão das commodities, do crédito e pela forte geração de empregos, foram várias as políticas distributivas implementadas.

Vamos apenas apontar algumas delas:

Política de Valorização do Salário Mínimo
Bolsa Família
Minha Casa, Minha Vida
Minha Casa, Melhor
Enem e Sistema Sisu
Prouni
Aumento dos recursos do Fies
Pronatec
Pronaf e apoio à agricultura familiar
Políticas de apoio aos pequenos empreendedores, como a aprovação da Lei Geral de apoio às Micro e Pequenas empresas, com o incentivo à formalização do microempreendedor.

Estes programas estiveram na base das políticas distributivas e do vigoroso crescimento do mercado interno, observado entre 2004 e 2012, em clara oposição ao verificado nos vinte anos anteriores. Eles foram decisivos, como já dito, para a redução dos índices de desigualdade no país.

 É claro que, aqui, não podemos deixar de notar também nossa preocupação pelo fato de que, após as eleições de 2014, o Governo Dilma optou por uma Política de ajuste fiscal que, ainda incompleta, também coloca em tela a possibilidade de redução dos gastos nas políticas distributivas.

Mas, se o combate no interior das forças que compõem o governo é grande, ele é ainda maior e menos propenso à vitória, se os economistas de oposição assumirem o governo, na eventualidade de impeachment da Presidente Dilma.

4 O discurso dos pró impeachment contra as políticas distributivas

De fato, já se podem ver na mídia declarações de que, em um eventual governo Michel Temer, haveria “revisão drástica dos gastos sociais”, em programas como o Minha Casa, Minha Vida, o Fies e até mesmo no Sistema Único de Saúde. A Política de Valorização do Salário Mínimo foi criticada pela oposição na própria campanha presidencial. Especula-se, também, sobre uma reforma trabalhista e previdenciária, na linha de flexibilização e eliminação de direitos. Declarações de economistas como Gustavo Franco e Armínio Fraga apontam nesta direção.

O ex-Ministro Moreira Franco, aliado de Temer, também foi claro em seus últimos depoimentos:
“Avaliamos medidas da área social que possam beneficiar a população, combater a pobreza e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio fiscal e a saúde das contas públicas (...). O Fies é eficaz, mas precisa de meritocracia” (...) “é fundamental fazer uma intervenção no SUS. O sistema é vital, mas está fora de controle. Não há, porém, clareza sobre como reorganizá-lo. Ao final, as propostas de cunho social vão se somar as da área macroeconômica para criar um pacote de reestruturação dos gastos".

Os novos e duros tempos, tanto no Brasil quanto no exterior, pendem novamente para as políticas neoliberais. Nós, desenvolvimentistas, defensores de políticas ativas do Estado em prol da redução das desigualdades sociais, resistiremos.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre 2009 e junho de 2015. Atualmente, é diretor técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento.

Artigo publicado no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), coluna blogs, em 28/3/2016.

segunda-feira, 21 de março de 2016

MAIS UM FRUTO: A PARCERIA COM A MARINHA NA BILLINGS


 Jefferson José da Conceição e Flávia Beltran

Gostaríamos de iniciar este artigo parabenizando a Marinha do Brasil, representada pelo Comandante do 8ª Distrito Naval, vice-almirante Glauco Castilho Dall’Antonia, e a Prefeitura de São Bernardo do Campo, representada pelo Prefeito Luiz Marinho, pela assinatura, no último dia 9 de março, de convenio entre a União e o Município, com vistas a gestão da fiscalização do tráfego de embarcações e de equipamentos náuticos na Represa Billings. O documento contou também com as assinaturas do Comandante da Capitania dos Portos de São Paulo, capitão de mar e guerra, Alberto José Pinheiro de Carvalho, e do Secretário Municipal de Segurança Urbana, Cicero Ribeiro Silva – a quem também queremos congratular por este tão importante momento.

Este convenio faz parte do conjunto de transformações que o Prefeito Luiz Marinho realizou ao longo dos últimos oito anos à frente da gestão municipal, que vão de obras de infraestrutura à organização dos espaços da cidade, passando pelo diálogo quanto aos usos e costumes da população na sua relação com o espaço público. É o caso da área da Billings e do Riacho Grande. As mudanças para melhor no local são visíveis a qualquer um que tenha visto o antes e o depois.

Nossa alegria também resulta do fato de que o convênio com a Marinha nos remete a três ações implementadas com sucesso pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo (SDET) de São Bernardo do Campo, quando esta era então comandada pelo coautor deste artigo (como Secretário Municipal da pasta entre janeiro de 2009 e julho de 2015). A saber:

1) a coordenação e execução do projeto de requalificação da Prainha;

2) a coordenação e execução do projeto de revitalização do Parque Estoril;

3) a própria articulação com a Marinha do Brasil para a realização do convenio de gestão do trafego de embarcações na Billings.

Neste terceiro projeto, a coautora deste artigo, como assessora da SDET e coordenadora técnica do APL de Defesa do Grande ABC (até julho de 2015), colaborou diretamente ao fazer parte da equipe que fez as articulações com a Marinha do Brasil. 

A revitalização da Prainha

Fruto da parceria entre a Prefeitura e o Ministério do Turismo, a obra de requalificação da Prainha do Riacho Grande previu investimentos da ordem de R$ 7,3 milhões. O projeto foi assinado em 14 de dezembro de 2009. Lembramos bem que, pouco antes, muitos moradores e visitantes do local duvidavam da sua realização. Em parte o ceticismo justificava-se porque desde 1970 a área não recebia investimentos e muitos projetos “no papel” já haviam passado por ali. No entanto, como em muitos outros casos na cidade, a Gestão do Prefeito conseguiu superar a descrença e entregou a obra em 22 de março de 2014.

O projeto de requalificação da Prainha foi coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (os agradecimentos do coautor deste artigo à Soraia Dias, Ana Benevides, Wendell Lepore e Fernando Bonísio, entre outros, pelo empenho para tornar o projeto realidade), e contou com a ação de várias secretarias municipais: Orçamento e Planejamento Participativo; Planejamento Urbano; Obras; Segurança Pública; e Serviços Urbanos, entre outras. Importante também foi o envolvimento e participação da Subprefeitura do Riacho Grande.

Foram as seguintes as principais intervenções da obra: instalação de iluminação led; decks de contemplação; calçadão; rampa de acesso à orla; acessibilidade; nova praça; instalação de banheiros públicos e vestiários; playground; bancos e academia ao ar livre; novo viário.

Para tornar o espaço ainda mais bonito, foram plantadas espécies ornamentais e da Mata Atlântica Também foram instaladas redes de água e esgoto, e feita nova comunicação visual e pintura.

Dada a degradação da área e o enraizamento de usos e costumes inadequados, o projeto exigiu intensa capacidade de dialogar com moradores, comerciantes, ambulantes, frequentadores. O projeto também envolveu também difíceis negociações com a Emae, Cetesb, Sabesp, entre outros órgãos. Trata-se de APP (Área de Proteção permanente), às margens de uma represa.

Aos ambulantes, a Prefeitura criou as condições de legalização; forneceu cursos de higiene e manipulação de alimentos; viabilizou crédito por meio do Banco do Povo para a compra de quiosques novos.

O projeto de requalificação da Prainha concorreu a prêmio nacional do Sebrae para projetos especiais.

A revitalização do Parque Estoril

Quando a gestão do Prefeito Luiz Marinho teve início em 2009, o parque estava literalmente abandonado, do ponto de vista da gestão e de investimentos. Desde então, iniciou-se o projeto de revitalização, coordenado pela SDET entre 2009 e 2014.

Entre 2009 e 2014, a estratégia consistiu em realizar a parceria com o Ministério do Turismo e com o setor privado (neste caso, por meio de editais de permissão de uso com contrapartidas para o Parque). Como consequência, o Parque ganhou: novo teleférico (o antigo que estava lá não funcionava há 15 anos e estava totalmente comprometido em sua estrutura); circuito de arvorismo e tirolesa; academia de ginástica ao ar livre; brinquedos infláveis; operação do trenzinho; aluguel de caiaques e canoas; organização do estacionamento; obras de arte; nova sonorização; regularização dos pedalinhos.

Importante também foi o novo regulamento do parque, estimulando as boas práticas e inibindo comportamentos inadequados como o uso de som excessivamente alto e a utilização de churrasqueiras em qualquer lugar do parque, inclusive na beira da represa.

Em termos de obras de infraestrutura, além do teleférico, destaque para a obra do esgotamento sanitário do parque; requalificação da praça de entrada e da sede administrativa; reforma de sanitários e vestiários; pintura; melhorias e reformas do zoológico; início da obra do novo restaurante, dos seis novos pontos de comércio e dos vestiários, entre outros.

Cabe dizer que as obras somente foram possíveis porque iniciamos um diálogo com os antigos permissionários. Assim, pudemos derrubar os 20 barracos que havia no meio do parque ocupado por pontos de comércio irregulares. Foram retirados 250 caminhões de entulho do parque. Imediatamente iniciou-se a regularização dos comerciantes, cuja licitação já está concluída.

Em novembro de 2013, o Parque foi transformado, por meio de decreto municipal, em Parque Natural (unidade de conservação). A partir de 2014, a gestão do espaço passou a ser feita pela Secretaria de Gestão Ambiental.

O Convênio com a Marinha

Vejamos agora o conteúdo do convênio assinado no último dia 9 de março.

Pelo convênio, que tem validade por dois anos, haverá uma somatória de esforços da Prefeitura e da Marinha do Brasil para a fixação de diretrizes da cooperação técnica, visando promover o adequado ordenamento do uso do solo na Prainha e no Parque Estoril, bem como a fiscalização do tráfego de embarcações que ponham em risco a integridade física dos cidadãos.

A intenção da Marinha e da Prefeitura é reduzir a zero a ocorrência de acidentes envolvendo banhistas e embarcações e/ou equipamentos náuticos na Prainha e Parque Estoril.

Para alcançar este objetivo, o convenio prevê ações que promovam a conscientização: “dos praticantes de esporte e/ou recreio náuticos, quanto à necessidade de habilitação dos condutores, do uso do material de salvatagem, e dos riscos em geral de navegação próximo a praia; dos banhistas, quanto aos riscos da prática de atividades fora dos locais que lhes são restritos; e instrução aos frequentadores da orla quanto às Leis, Planos e às Normas que regulam a navegação o uso e a ocupação dos espaços públicos ou não, contíguos às áreas da Prainha do Riacho Grande e Parque Estoril, no Município de São Bernardo do Campo; a adequação da legislação municipal que ordene o uso e a ocupação na porção correspondente a orla das praias do Município de São Bernardo do Campo; a delimitação das áreas restritas aos banhistas e ao uso de equipamentos náuticos, de lazer ou não, nas áreas da Prainha do Riacho Grande e Parque Estoril, no Município de São Bernardo do Campo; o apoio técnico no estabelecimento de sinalização náutica e, na porção terrestre da Prainha do Riacho Grande e Parque Estoril, das necessárias placas informativas; opoio técnico na formação de pessoal para fiscalização seja ela desenvolvida no âmbito de ações conjuntas ou não; o incremento da fiscalização; a prevenção de acidentes”.

Breve histórico do convênio

Em uma breve retrospectiva, não estaríamos errados em afirmar que o referido convênio de fiscalização de embarcações é também resultado do esforço de aproximação com as forças armadas que pusemos em curso entre 2009 e meados de 2015.

Neste sentido, cabe destacar o encontro que realizamos com a Marinha do Brasil, em 6 de dezembro de 2012, em São Bernardo do Campo, com autoridades do alto comando daquela força. Referimo-nos à Conferencia “Marinha do Brasil apresenta suas demandas de produtos e serviços aos empresários do Grande ABC”, que teve a presença de vários almirantes e de oficiais da força naval.

Além das palestras realizadas sobre os projetos estruturantes da Marinha, houve também rodadas de relacionamento entre militares e empresários. Compareceram à conferência cerca de 450 empresários da região.

Vale notar ainda que o formato desta conferencia serviu de modelo à realização das outras duas forças (Exército e Aeronáutica), que realizamos agora sob os auspícios do Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa, por nós constituído em 2013.

Registre-se que, logo na sequencia deste encontro, e como consequência desta aproximação com a Marinha, fortalecida pela Conferencia, a Prefeitura foi procurada, no início de 2013, pelo Capitão de Mar e Guerra Marcelo Ribeiro de Souza, que manifestou o interesse em agendar reunião para tratar possível convenio com o Município, visando a fiscalização conjunta de trafego e permanência de embarcações na Represa Billings.

Posteriormente, a Capitania dos Portos de São Paulo nos encaminhou documentos que serviriam de modelo para as tratativas. Um deles foi o convênio para a gestão da Represa de Guarapiranga.

Ainda no primeiro semestre de 2013, a SDET organizou reunião na sede da EMAE para apresentar o tema. Além de membros da SDET e da EMAE, participaram da reunião representantes da Marinha do Brasil e da Secretaria de Gestão Ambiental. Nesta reunião, obtivemos da EMAE o “nada a opor” à evolução do projeto.

Ato continuo, e já com o apoio da Secretaria de Assuntos Jurídicos, passamos a elaborar um Plano de Trabalho, que é uma das exigências da Marinha para a realização de convenio desta natureza. Esta minuta de Plano de Trabalho elaborado pela SDET, com o apoio da Secretaria de Obras, orientou o decreto assinado pelo Prefeito, que dispõe sobre a delimitação das áreas para ação de fiscalização do Município. O decreto foi publicado em 18/3/2014.

A partir daí uma série de tratativas se aceleraram até que se pudesse chegar à assinatura do último dia 9 de março deste ano.

Neste sentido, é importante registrar o papel de pessoas como a Tenente Cassia Medeiros de Oliveira Peres, pelo 8º Distrito Naval; a chefe de Gabinete do Prefeito, Teresa Santos; os assessores da SDET, Fernando Bonísio e Monique Freschet (respectivamente, Chefe da Divisão de Turismo e Assessora Jurídica).

De modo mais geral, este convenio deve ser visto como mais um bom fruto da estratégia comandada pelo Prefeito Luiz Marinho, e que esteve sob nossos cuidados entre 2009 e meados de 2015.

Esta estratégia considerou a área da Defesa como um dos eixos estratégicos do desenvolvimento econômico de São Bernardo do Campo e Região. Foram vários os frutos desta estratégia que visa o adensamento da Região na base industrial de defesa do Brasil: o anúncio de São Bernardo do Campo como local de uma unidade de produção vinculada ao projeto Gripen; o Centro de Excelência em Sonares da Omnisys; a cidade como sede do Centro de Inovação Sueco Brasileiro (CISB); os convênios e termos de parcerias entre Universidades do ABC e universidades  suecas; a exposição da experiência do APL de Defesa do Grande ABC em cursos da Escola Superior de Guerra, entre outros resultados.

Por fim, estamos convictos de que novos frutos continuarão sendo colhidos desta correta estratégia executada ao longo dos oito anos de Gestão do Prefeito Luiz Marinho. Mais: o compromisso de que o projeto terá continuidade nos próximos anos, dada a sua profundidade e riqueza de resultados.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015. Criou e dirigiu o APL de Defesa do Grande ABC no período.jefersondac@ig.com.br

 

Flávia Beltran é funcionária da Prefeitura de São Bernardo do Campo. Foi Coordenadora Técnica do APL de Defesa do Grande ABC até julho de 2015.flaviabeltran@hotmail.com

 Artigo publicado em 21/3/2016 na coluna Blogs do site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br)

 

 
 

 

 

segunda-feira, 14 de março de 2016

A CRISE, O PÂNICO E O EFEITO MANADA


Jefferson José da Conceição
Roberto Vital Anav

Em Psicologia de grupo e a análise do ego, obra de 1921, Freud afirma: “pertence à própria essência do pânico não apresentar relação com o perigo que ameaça, e irromper nas ocasiões mais triviais”.

Valemo-nos desta breve citação de Freud para refletir sobre a dimensão subjetiva das crises econômicas, em particular esta que o Brasil vive no momento.

O efeito manada

 
De fato, a subjetividade pode exercer um papel devastador nas crises econômicas. Isto porque as decisões privadas de alocação de recursos - isto é, o investimento, a produção, o consumo e o entesouramento (poupança) - podem ser contaminados primeiramente pelo pânico, gerando a paralisia dos negócios. Na sequência deste processo, as decisões privadas passam a sofrer o efeito do ambiente de incerteza e de pessimismo.

Assim, as oscilações bruscas das bolsas de valores, refletindo cada notícia divulgada (balanços de empresas, bancos, queda dos gastos públicos etc), representam o termômetro do frenesi que passa a tomar conta das economias nacionais. Não é à toa que o mais conhecido símbolo de Wall Street é a estátua de um touro. Ele representa a explosão da manada que acontece com os investidores capitalistas quando o ambiente passa de otimista para pessimista, e vice-versa. Em outras palavras, se há otimismo, todos os investidores capitalistas passam a ter expectativas de bons negócios e investem; se o quadro se reverte e há pessimismo e incerteza, todos eles passam a ter expectativas de lucros cadentes e retraem suas atividades.

Mesmo instituições sólidas, que, a princípio, não são imediatamente afetadas pela crise, ficam temerosas e passam a agir defensivamente, o que agrava o quadro. Grandes bancos deixam de conceder crédito para outros bancos e para as famílias. Empresas do setor produtivo que tiveram bons resultados em seus balanços retardam investimentos, na espera de maior nitidez nos horizontes. Os consumidores pensam duas vezes antes de adquirir financiamentos e comprar bens de valores mais elevados.

Credores e devedores, tomados pelo pessimismo, retraem os negócios em geral. Consequentemente, a tendência é a retração do crédito e a desaceleração do nível de atividade econômica.

A mídia e o pânico atual no Brasil

Cabe ter claro, todavia, que no mundo contemporâneo, caracterizado pela velocidade das informações veiculadas pelos diferentes meios de comunicação (TV, rádio, jornais, internet etc), o aspecto da subjetividade da crise guarda relação não apenas com os fenômenos econômicos em si, mas também com a própria forma de tratamento dado pela mídia. 

Nesse sentido, é evidente que a influência da mídia é hoje muito maior do que era em 1929, quando o capitalismo viveu uma de suas maiores crises econômicas. Hoje, qualquer informação – seja ela baseada em fatos reais ou apenas especulativos – pode ter grande e imediata repercussão em todo o mundo, com impacto nas decisões de investimento, consumo e ações governamentais. Agrava ainda este quadro a constatação de que, entre os jornalistas que tratam as crises econômicas, é pequena a parcela dos que realmente são especialistas em economia. Não raro, isto traz dificuldades e grandes confusões no acompanhamento e interpretação dos fatos.

Não é demais lembrar também que os grandes meios de comunicação são controlados por grupos com interesses econômicos e políticos próprios em jogo. No Brasil, de acordo com Julian Assange, do Wikileaks, seis famílias controlam 70% da mídia. E, como se vê pelas matérias das três maiores revistas semanais, todas elas costumam expressar e condicionar a mesma opinião sobre os temas mais candentes do país.

Portanto, as informações sobre a crise econômica não são neutras ou transparentes. A mídia, potencializada pelas redes sociais, tem o poder de criar sentimentos de pânico, que são desproporcionais aos elementos objetivos envolvidos.

Essa ação da mídia, de criar pânico neste momento, não é desprovida de propósito. As principais redes midiáticas foram frustradas em suas pretensões nas eleições aos quatro últimos pleitos nacionais majoritários. Já a composição cada vez mais conservadora do Congresso Nacional está mais de acordo com as preferências dos barões da mídia. Não por acaso, o Congresso é o autor das “pautas-bomba” que intensificam a crise e incidem negativamente nas expectativas dos agentes econômicos. A mídia faz sua parte para disseminar o pânico e minar a autoridade presidencial, responsabilizando-a por tudo de ruim que ocorre no país.

Este esforço dirigido no sentido da geração de pânico se fortalece no momento em que uma crise mundial, persistente há quase uma década, se faz sentir mais intensamente em nossa economia, depois de nosso êxito em nos imunizarmos no primeiro quinquênio pós-eclosão. Alguns erros efetivos na condução da política econômica também contribuíram. É o caso, primeiro, das excessivas desonerações tributárias a setores econômicos, sem exigências de contrapartidas em investimentos e empregos; e, logo após as eleições, da adoção de uma agenda contraditória com aquela aprovada pelos eleitores, centrada em medidas neoliberais de cunho marcadamente recessivo.

Face aos impactos negativos desse conjunto de fatores, a mídia projeta a imagem de um país quase solitário na crise, que decorreria tão somente de condução macroeconômica desastrosa. Esse cenário deixa os segmentos menos informados com a sensação de ameaça e desproteção. Os mais informados, sabedores dos reais motivos e do alcance da crise, não deixam de ser afetados pela atitude receosa e retraída dos primeiros. O círculo vicioso assim gerado reflete-se em indicadores que apontam a queda da produção e dos empregos. Estes são destacados nos meios de comunicação de forma isolada, sem confrontação com as tendências mundiais, nem, muito menos, com outros indicadores mais positivos. Entre os últimos, podemos citar o aumento nos saldos da balança comercial. Isto pode, como ocorreu em 2003, contribuir para reverter a recessão.

Igualmente, não são neutros os pronunciamentos de partidos e representações sociais, quando estes se posicionam perante as crises. A ênfase sobre determinados elementos da crise é dada de acordo com o que interessa ao ator social em questão. No caso brasileiro, por exemplo, é perceptível que o diagnóstico e as propostas em relação à crise também se inserem no campo das disputas eleitorais. A presença de robustas reservas cambiais, em contraste com a situação herdada pelo ex-presidente Lula em 2003, bem como o acúmulo de conquistas sociais nos últimos trezes anos – inclusão social, melhora na distribuição de renda, geração de milhões de empregos formais, ampliação significativa do acesso às universidades e cursos técnicos – são omitidos. Às vezes, são até mesmo negados e desqualificados. Assim, passa-se a imagem de quatro governos (dois na gestão Lula e dois da gestão Dilma) inoperantes, demagógicos.

O tema da corrupção é o mais distorcido pelos meios de comunicação e pelos partidos derrotados pela quarta vez consecutiva em 2014. A impressão que um informado observador de fora pode ter é de que a mídia e os partidos oposicionistas têm saudades dos tempos em que tínhamos um “engavetador Geral da República” e um Diretor da Polícia Federal filiado ao então partido do Governo Federal.

Antes, a sociedade tomava conhecimento de escândalos de corrupção – como o da compra de votos para a emenda constitucional da reeleição e o da própria Petrobras, denunciado pelo já falecido jornalista Paulo Francis, e tantos relacionados às privatizações– por meio de reportagens isoladas, esporádicos vazamentos de segredos de Estado e ações individuais de alguns procuradores, no mais das vezes abortadas ou engavetadas.

Nos anos recentes, a Presidenta Dilma adotou medidas corajosas no combate à corrupção, aprofundando caminho iniciado pelo Presidente Lula: deu maior liberdade de movimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público e aprovou leis mais severas contra corruptores e corruptos.

Perfurou-se a bolha e o pus vazou: sabemos hoje muito mais sobre o submundo de conluios entre grandes empresas e políticos; processos e investigações não são mais engavetados ou abortados.

Entretanto, a impressão que se passa nos jornais impressos e eletrônicos é a de que, anteriormente, a corrupção não era significativa e só se tornou um grave problema na atualidade. Pior: continua a se omitir e engavetar episódios da maior gravidade, quando os suspeitos são governantes e parlamentares oposicionistas. A mídia não exerce, nestes casos, o papel de denúncia e pressão sobre as autoridades responsáveis. Políticos notoriamente envolvidos em episódios de corrupção e citados várias vezes em delações premiadas vêm a público convocar manifestações, pretensamente contra a corrupção, sem qualquer registro crítico nos meios de comunicação.

No cerne desse processo de disseminação de pânico, desânimo e descrédito geral (sentimentos que se reforçam mutuamente) está a tentativa de inviabilizar o governo eleito democraticamente em 2014. É clara a fragilidade jurídica do pedido de impeachment, pelo qual se empenham tanto os derrotados nas últimas eleições.

O que fazer?

Diante do exposto anteriormente, o que fazer? Aprofundar a trajetória neoliberal de sentido recessivo, infelizmente em curso, apesar de mudança ministerial que pareceu promissora de mudanças? Cabe frisar que é isto o que têm a oferecer ao país as lideranças empenhadas no impeachment ou na renúncia já recusada pela Presidenta. Esse aprofundamento só nos levaria ao fundo do poço e poria a perder muitas das conquistas sociais.

Ajuste fiscal em ambiente recessivo, quando caem todas as receitas públicas, é o pior dos mundos.

A nosso ver, o caminho tem que ser outro.

O que se deve fazer é retomar um ciclo de investimentos, liderado pelo Governo com fontes adequadas de financiamento, revertendo as expectativas negativas e oferecendo um horizonte ao setor privado. A retomada das exportações e a relativa proteção cambial ao mercado interno são pontos de apoio importantes a fortalecer. Estimular o crédito, de forma prudente e responsável, para fazer do consumo um elemento de recuperação, em lugar de mantê-lo como fator recessivo, é outro item de uma agenda anticrise.

A retomada do crescimento, ainda que modulado pela responsabilidade fiscal, permitirá ajustar as finanças públicas de modo muito mais suave. A queda da relação dívida/PIB entre 2003 e 2013 é uma demonstração desse efeito benéfico do crescimento econômico. Outro esforço necessário deve ser o de esclarecer para a sociedade a verdadeira natureza da crise, comparando nossos atuais pontos fortes com outras épocas mais dramáticas, valendo-se das redes sociais, de comunicados à população e do acionamento dos inúmeros atores sociais favoráveis à retomada, como empresários não acossados pelo pânico (que existem), economistas desenvolvimentistas, personalidades artísticas, acadêmicas e científicas.

Dessa forma, podemos superar a crise política, vencer o pânico, voltar a crescer de forma sustentável e avançar na distribuição de renda e na inclusão social.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. na USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo entre jan. 2009 e jul.2015, e Superintendente do SBCPREV entre ago.2015 e jan.2016.  É Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento, ADESAMPA.

Roberto Vital Anav é Prof. Ms na USCS. Doutorando da UFABC. Assessor da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo.
 
* Artigo publicado na coluna blogs do site do ABCDMaior , www.abcdmaior.com.br, em 14/3/2016.

 

 

 

 

segunda-feira, 7 de março de 2016

CAI O TABU: MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL

Jefferson José da Conceição e Flávia Beltran

Neste mês internacional de luta das mulheres pela igualdade de gênero, este artigo pretende destacar que mais um tabu que separava homens e mulheres segue progressivamente caindo no Brasil. Trata-se das Forças Armadas como área de atuação que antes era exclusiva do gênero masculino.

A presença exclusivamente masculina nestas instituições associadas à Defesa Nacional, felizmente, já não ocorre mais. Nos últimos quarenta anos, cresceu a participação das mulheres no efetivo total de militares das três Forças Armadas Brasileiras: Marinha, Exército e Aeronáutica. É verdade que as 23.787 mulheres presentes nas Forças Armadas (2014) representam apenas 7% do efetivo total e isto está longe de corresponder ao peso das mulheres na sociedade brasileira e sua presença nos vários outros órgãos da administração pública. Mas também é fato que a participação das mulheres nas Forças Armadas do Brasil é tendencialmente crescente e são promissoras as perspectivas de avanços rápidos.

Cresce igualmente a participação das mulheres nos postos com patentes mais altas na hierarquia de comando militar. Veremos que em 2012 uma mulher alcançou pela primeira vez o generalato no Brasil, com grau de Contra-Almirante. Isto, é claro, sem deixar de apontar que a Comandante em Chefe das Forças Armadas é hoje uma mulher, a Presidenta Dilma Rousseff – que, a propósito, tem tomado medidas para aumentar a participação e o comando das mulheres nas Forças.

Este quadro de tendências é bom para o Brasil, não apenas por melhorar o equilíbrio quantitativo da presença de homens e mulheres nas Forças, mas também por melhorar o processo seletivo de composição das Forças em qualidade, competência e eficiência.

Por outro lado, é evidente que o avanço quantitativo e qualitativo das mulheres na estrutura militar trará novas contradições e desafios para a real equidade de gênero, como é o caso da quase ausência de participação das mulheres nos cenários de conflito (guerra) e da baixa presença delas em forças de paz da ONU. Outro desafio é elevar o número de mulheres em postos de comando.

Um pouco de história

Cabe inicialmente mencionar que a presença de mulheres em atividades militares no Brasil não é tão recente. Conforme apontam as publicações militares, entre as pioneiras de destaque estão a Tenente Maria Quitéria de Jesus, primeira infante do Exército Brasileiro, que esteve na frente de combate em 1822 na luta pela Independência do Brasil; e a Capitão Anna Nery, enfermeira, que atuou na Guerra do Paraguai, em 1865.

Registre-se também que mais de setenta enfermeiras voluntárias, após treinamento, atuaram em hospitais europeus em áreas de combate na Segunda Guerra Mundial. Ao fim do conflito, elas foram condecoradas com a patente de oficiais e licenciadas do serviço militar ativo.

Vale notar que, nas duas Grandes Guerras Mundiais, as tropas americanas e europeias também limitavam a presença das mulheres apenas a poucas funções, como a enfermagem. Em tempos de guerra, o mais corrente eram as mulheres ou cuidarem da casa e dos filhos ou/e substituírem a mão-de-obra masculina na produção industrial, inclusive de itens de guerra.

Os marcos no avanço da participação das mulheres nas Forças Armadas

A luta das mulheres nas várias frentes de batalha pela igualdade de gênero no Brasil, combinada com novas legislações específicas relacionadas às Forças Armadas, permitiram, de 1980 para cá, um novo perfil da presença das mulheres na vida militar no Brasil. Cumpre notar que a legislação autorizou o ingresso feminino na Marinha do Brasil a partir de 1980.

A seguir, reproduzimos os principais momentos de avanço de participação das mulheres nas Forças Armadas Brasileiras, conforme consta do quadro elaborado pela estudiosa do assunto Renata Avelar Giannini, em seu artigo “Promover Gênero e Consolidar a Paz: a experiência brasileira”, a partir de informações por ela coletadas das páginas web do Exército, Aeronáutica e Marinha:

1980: Criação do Corpo Auxiliar Feminino de Reserva da Marinha
1982: Criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica
1992: Mulheres ingressam na Escola de Administração do Exército
1995: Mulheres ingressam no Quadro de Oficiais de Intendência da Aeronáutica
1995-1996: Mulheres integram quadros de funções não-combatentes da Marinha
1996: Mulheres ingressam no Serviço Militar Feminino do Exército
1996: Mulheres ingressam no Instituto Tecnológica da Aeronáutica
1997: Mulheres ingressam no Instituto Militar de Engenharia do Exército
1997: Lei 9.519 regulamenta a presença de mulheres nos quadros da Marinha
2001: Mulheres ingressam no Curso de Formação de Sargentos da Saúde do Exército
2003: Mulheres ingressam no Curso de Formação de Oficiais Aviadores
2011: Mulheres podem ocupar posições no Comando e Estado Maior do Exército
2012: A primeira mulher alcança o generalato: grau de Contra-Almirante
2012: Lei 12.705 regulamenta a entrada de mulheres nas academias do Exército
2014: Primeiras aspirantes mulheres ingressam na Escola Naval do Rio de Janeiro
2017: Primeiras mulheres ingressarão nas academias militares do Exército.

A participação das mulheres nas Forças Armadas em números

Como resultado deste processo, o quadro de ínfima participação das mulheres na vida militar brasileira observado até 1980 deu lugar a um cenário atual de 7% de participação média, conforme já dissemos. Esta participação ainda é baixa e não representa a presença das mulheres na sociedade brasileira. Mas já sinaliza os novos tempos. E isto é ainda mais nítido quando se observam os números mais desagregados por Força.

Assim, em 2014, enquanto no Exército a participação de mulheres ainda era muito baixa com apenas 6.009 mulheres contra um total de 186.722 de efetivo, representando 3,2% apenas, o quadro é distinto na Marinha e na Aeronáutica. Na Marinha, havia 6.922 mulheres contra 68.604 no efetivo, o que significava uma representação de 10,1%. Na Aeronáutica, eram 9.322 mulheres em um efetivo total de 67.614, ou seja, uma participação de 13,8%. Em parte, a explicação das diferenças dos números do Exército em relação às outras duas Forças parece residir em ser o Exército força terrestre e por sua tradicional e longínqua associação com a ideia de uma instituição composta por homens fortes e poderosos.

Estes números que ilustram a participação das mulheres nas Forças Armadas no Brasil, especialmente os verificados no Exército, estão distantes dos índices observados nas tropas de países avançados. Nos EUA, de acordo com matéria da Revista Carta Capital, de 12/3/2015, intitulada “Qual o papel das mulheres nas guerras pós anos 2000?”, o percentual de mulheres no total das tropas fixas do Exército é de 15,7%. No Canadá e Austrália, 12%. Em Israel, onde o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres, o percentual é de 33%.

Vale registrar que os números em relação ao Exército Brasileiro tendem a mudar, positivamente. Em agosto de 2012, a presidenta Dilma sancionou a Lei nº 12.705 que permite o ingresso de mulheres em áreas que antes eram exclusivas para homens no Exército. Assim, em função da nova legislação, o Exército passará a permitir o ingresso de mulheres na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), e na Escola de Sargentos das Armas (EsSa), em Três Corações (MG). Para que isso ocorra, a instituição tem prazo de cinco anos para adaptar suas estruturas físicas (dormitórios, banheiros) visando viabilizar este ingresso.

Conteúdo do Trabalho das Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras

Em termos de setores de trabalho, a presença das mulheres nas Forças Armadas ocorre mais nas áreas administrativas, técnicas e de saúde. As formações mais encontradas entre as mulheres militares estão: farmácia, medicina, odontologia, fonoaudiologia, veterinária, biologia, engenharia, arquitetura, economia, contabilidade, estatística, Direito e Pedagogia.

Assim, a presença das mulheres ocorre em áreas importantes, mas fora do centro das operações de guerra e defesa, que, digamos assim, seria a “atividade fim” das Forças Armadas.

Entretanto, cabe registrar que aqui também há avanços. Na Aeronáutica, por exemplo, já existem mulheres no quadro de pilotos de caças e helicópteros. A tenente Carla Alexandre Borges tornou-se, em 2011, a primeira aviadora a assumir o comando de uma aeronave de caça de primeira linha da Força Aérea, o modelo A-1 (AMX). Também em 2011, a tenente Juliana Barcellos Silva, da primeira turma de aviadoras da AFA, foi a primeira mulher a assumir a função de instrutora. Já a Tenente Aviadora Vitória Bernal Cavalcanti tornou-se, em março de 2015, a primeira mulher do País a comandar voo de um helicóptero de ataque. Vitória realizou a sua primeira instrução no cockpit da aeronave AH-2 Sabre, na Base Aérea de Porto Velho. Após o voo, ela disse: “É uma grande honra e responsabilidade ser a primeira mulher a pilotar um helicóptero de ataque da Força Aérea Brasileira. Espero que isso sirva de inspiração para todas as mulheres, mostrando que, por meio do esforço e da dedicação, nós podemos alcançar qualquer objetivo”.Vale notar que a FAB forma aviadoras desde 2003.

A Participação das Mulheres em postos de comando

Conforme os dados do Ministério da Defesa, a maioria das mulheres militares brasileiras têm graduação e são oficiais subalternas, compondo a base da hierarquia militar. A maior parte das mulheres é formada de profissionais graduadas (médicas, advogadas, etc) e, por isto, estão no Quadro de Oficiais.

Na Marinha, das 6.922 mulheres, cerca de 46% são oficiais; 54% são praças. Havia 23 capitão-de-mar-e-guerra; 168 capitão-de-fragata; 342 capitã-de-corveta.

No Exército, das 6.009 mulheres, 71% são oficiais; 29%, praças. Havia 282 major; 532 capitão e 415 tenentes.

Na Força Aérea Brasileira, das 9.322 mulheres, 38% são oficiais; 62%, praças. Havia 77 tenente-coronel; 113 major; 247 capitão e 3.028 tenentes.

Vale destacar ainda que, em 2012, a capitão-de-mar-e-guerra Dalva Maria Carvalho Mendes tornou-se a primeira mulher a alcançar o generalato, com o grau de Contra-Almirante.

Por sua vez, em janeiro de 2015, a Coronel Médica Carla Lyrio Martins tornou-se a primeira mulher a comandar uma organização militar da Força Aérea Brasileira. Ela comanda, desde essa data, a Casa Gerontológica Brigadeiro Eduardo Gomes (CGABEG).

No Exército, a major Carla Clausi, assumiu em janeiro de 2015 direção do Hospital de Guarnição de João Pessoa. É a primeira mulher a comandar uma unidade militar do Exército nacional. Em uma entrevista concedida, a militar disse: “Existem muitas diferenças entre os homens e as mulheres e eu não discordo disto. É comprovado que o homem é mais forte fisicamente do que a mulher. Mas isso não quer dizer que eu não seja capaz de estar aqui. Eu li muitos dos comentários que foram postados na rede social e me orgulho de perceber que a maioria está me dando força e me apoiando. Quanto aos que acham que uma mulher não é capaz, eu só dou risadas”.

Em fevereiro de 2015, ocorreu a nomeação da primeira mulher a comandar uma Organização Militar de Saúde Operacional do Exército Brasileiro, a Major Yamar Eiras Baptista. Ela passou a comandar o Hospital de Campanha Oswaldo Cruz.

Participação nas forças de paz da ONU

Para a especialista Renata Avelar Giannini, a presença qualitativa (e quantitativa) das mulheres nas Forças Armadas de um País guarda relação direta com sua atuação nas forças de paz da ONU. Assim, para essa autora: “a ausência de mulheres em posições de combate nas forças armadas brasileiras, em particular no Exército (que mais envia efetivos a missões de paz), significa que são poucas as mulheres militares brasileiras enviadas a missões de paz e que nenhuma delas estaria em contato com a população local exercendo atividades de proteção. A exceção são as que atuam na área de saúde, principalmente, que têm algum contato com a população durante atividades civil-militares em locais como o Haiti”.

A referida reportagem da Revista Carta Capital mostrou também que as mulheres estão pouco representadas nas missões de paz das Nações Unidas, embora a organização tenha políticas para incluí-las em todas as suas funções. De acordo com a Revista, em dezembro de 2013, havia 98,2 mil soldados nas 18 missões de paz da ONU em todo o mundo, mas apenas 3,7 mil eram mulheres (3,8%).

Vale destacar que, em 2011, o Ministério da Defesa e a ONU Mulheres (Agência da Organização das Nações Unidas para as mulheres) assinaram Carta de intenções no intuito de aumentar a participação feminina do Brasil em operações de paz. Trata-se de documento inédito com este conteúdo assinado pelo organismo internacional com o Governo de um país. Para a representante da ONU, esta é “uma prova da vontade do Ministério da Defesa [do Governo Brasileiro] em ampliar a participação feminina”.

Recomendações

Em seu referido trabalho, Renata Giannini apresenta as seguintes recomendações para as Força Armadas no que tange à temática de gênero nas Forças:

“a) Designação de pontos focais de gênero nas principais organizações militares;

b) Ampliação do diálogo com outros órgãos do governo (como a Secretaria de Política Especial para as Mulheres, o Ministério da Justiça e o Ministério das Relações Exteriores), organizações da sociedade civil e a ONU Mulheres em prol de uma política pró-equidade de gênero;

c) Elaboração de estudos sobre a incorporação de mulheres em posições de combate e os impactos destas políticas;

d) Treinamento sobre gênero e violência sexual que inclua cenários e situações verossímeis;

e) Mapeamento de ações de tropas brasileiras no terreno que enfatizem a proteção da mulher e seu empoderamento, através de projetos CIMIC [civil military co-operation ou cooperação civil-militar], por exemplo; e

f) Promoção de ações CIMIC e ACISO [Ação Cívico-Social] que visem beneficiar mulheres e diminuir sua exposição à violência sexual e baseada em gênero”.

Concluímos este artigo afirmando que a luta pela igualdade na área da defesa teve, como se pôde ver, importantes avanços nos últimos anos.

Aqui cabe um breve desvio, para relatarmos a nossa própria experiência relacionada ao tema. Em São Bernardo do Campo, na gestão do Prefeito Luiz Marinho, constituímos o inédito Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa do Grande ABC, que reúne Prefeitura, empresas, sindicatos de trabalhadores, universidades, sistema “s”, instituições financeiras, entre outros, e que visa debater e implementar uma agenda de curto, médio e longo prazo para o setor. O principal objetivo é a reconversão, adensamento e participação da Região do ABC na base industrial de defesa. Os dois autores deste artigo estiveram bastante envolvidos até julho de 2015 com a constituição e funcionamento deste APL. A coordenação técnica dos trabalhos coube a uma mulher, a coautora deste artigo. Recorrentemente o APL foi citado pelas autoridades militares como um dos modelos a serem seguidos por outras regiões.

Mas ainda é longo o caminho a percorrer até que se possa falar em igualdade de gênero na área militar. As Forças Armadas são instituições com tradição secular e imaginário bastante associado ao estereótipo masculino. Não é tarefa fácil mudar valores e culturas há longo enraizadas, mas é essencial que, também neste campo da sociedade, homens e mulheres se libertem dos preconceitos e busquem avançar. Também nas Forças Armadas muitos postos de trabalho que antes as mulheres não podiam entrar e muito menos comandar precisam ser abertos para a participação das mulheres.
É fundamental que mulheres e homens, em igualdade de condições, dividam em quantidade os postos das instituições militares. Tão importante quanto, é que mulheres e homens dividam também os postos de comando. Isto é importante não apenas para o avanço nas relações de gênero, mas também para a melhoria da qualidade das ações das Forças Armadas Brasileiras.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015. Criou e dirigiu o APL de Defesa do Grande ABC no período.jefersondac@ig.com.br

Flávia Beltran é funcionária da Prefeitura de São Bernardo do Campo. Foi Coordenadora Técnica do APL de Defesa do Grande ABC até julho de 2015.flaviabeltran@hotmail.com

Artigo publicado na coluna blogs do site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br) em 7/3/2016

terça-feira, 1 de março de 2016

O BNDES E O CRÉDITO EM SITUAÇÕES DE CRISE


Jefferson José da Conceição

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico foi criado, em 1952, com a sigla “BNDE”. Somente a partir de 1982 o banco incluiu o social no seu nome, tornando-se “BNDES”, de forma a refletir o interesse da instituição em apoiar projetos na área social.

A história do Banco guarda íntima relação com a visão desenvolvimentista, que dominou o país entre as décadas de 1930 e de 1970. O BNDE nasceu com a missão imediata de contribuir para ajudar a superar os “pontos de estrangulamento” que impediam a continuidade do crescimento da economia brasileira (na década de 1950, identificados na escassez de energia, transportes e infraestrutura) e apoiar os “pontos de germinação” que, no planejamento, propiciariam efeitos de sinergia no crescimento dos demais setores (à época, entre os pontos de germinação, estava a implantação da indústria automobilística).

Inserido como peça importante na estratégia de política de desenvolvimento nacional, o BNDES tem como papel primordial fomentar o crescimento econômico e a competitividade das empresas por meio do crédito de longo prazo. Sua função principal é a de apoiar as empresas em seus planos de implantação, expansão e modernização, por intermédio de empréstimos com menores taxas de juros e prazos mais longos do que os observados nos financiamentos dos bancos comerciais.

Não é objetivo deste artigo abordar os diferentes momentos da experiência do BNDES nas políticas econômica e industrial do país. Reafirmamos que o papel público e desenvolvimentista do Banco sempre foi essencial para o Brasil.  Registre-se, porém, que há economistas de formação liberal que consideram não caber mais ao Governo, por meio de uma instituição como o BNDES, guiar a Política de Desenvolvimento, nem dirigir o crédito com juros diferenciados entre setores e empresas selecionadas. Na visão desses economistas, caberia às instituições privadas competir por conceder crédito mais barato ao setor produtivo.  Este tipo de argumento coloca o BNDES na mira da privatização.

Não concordamos com essa visão liberal sobre o BNDES. Vemos que esta instituição cumpriu e deve continuar cumprindo papel central na estratégia de desenvolvimento econômico nacional. A existência de um banco público desta natureza deu à economia brasileira um grande diferencial quando comparado com as experiências da industrialização de outros países da América Latina. Com sua sempre competente equipe técnica, o BNDES é um órgão ao mesmo tempo elaborador de políticas e braço operacional do governo. O banco, por meio do crédito de longo prazo, executa as diretrizes de política de desenvolvimento determinadas pelo governo.

Estamos, assim, mais próximos do que Joseph Stiglitz, famoso Prêmio Nobel de Economia, sustentou ao citar o BNDES quando entrevistado, em 2014, sobre a criação do Banco dos Brics: "o Brasil demonstrou na prática como um país pode, sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito efetivo. Há aí um aprendizado (...). E essa noção de como se cria um banco de desenvolvimento efetivo, que promova desenvolvimento real, sem todas as condicionalidades e armadilhas que permeiam as velhas instituições, será uma parte importante da contribuição do Brasil."

Posto isto, a ponderação crítica que fazemos a seguir tem o objetivo não de minimizar o papel do banco na política de desenvolvimento nacional, mas de reforçar e ampliar este papel.  Trata-se de crítica a partir da perspectiva desenvolvimentista que temos.

Neste contexto, cabe, pois, perguntar se, nos momentos de crise, o BNDES tem apresentado agilidade suficiente para contribuir com políticas anticíclicas na dimensão que muitas vezes o País precisa, como no momento atual.

Sabemos que, de meados da década de 1950 até hoje, o Brasil vivenciou crises econômicas agudas, tais como a da primeira metade da década de 1960; as das décadas de 1980 e 1990; a do biênio 2008-2009; o momento atual. Verifica-se, na maior parte destas crises, uma certa dificuldade do BNDES em ter uma atuação mais influente e de impacto na reversão das crises.

É justamente nos momentos de crise, nos quais muitas empresas apresentam necessidade de crédito do BNDES, que cresce o obstáculo de acesso a este crédito.  A barreira torna-se quase intransponível. Isto, em função, entre outros, de dificuldades crescentes das empresas em estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias (condição necessária para tomar empréstimo no BNDES); queda de encomendas e do faturamento, piora na avaliação de risco dos empréstimos etc.  Neste quadro, as empresas apontam para as grandes dificuldades de acesso ao crédito do BNDES, seja para investimentos seja para capital de giro.

Evidentemente, parte dos motivos da incapacidade do BNDES em ser mais ágil nestas situações, deve-se às próprias normas legais que o Banco público deve cumprir.

A título de reflexões preliminares, discutem-se a seguir alternativas visando uma atuação de maior impacto do BNDES nas conjunturas econômicas adversas.  Claro, a primeira ação é anterior ao próprio Banco: o governo deve liberar recursos para que o BNDES possa deles se valer para ampliar os empréstimos. Em outras palavras, trata-se de aumentar a liquidez da economia em épocas de crise de nível de atividade produtiva. No entanto, não raro o que se verifica é o oposto: o governo aperta a liquidez, reduzindo o volume de recursos para o crédito para o BNDES , com o consequente aumento das taxas de juros, e, assim, agravando o problema das empresas.

A partir daí é papel do BNDES fazer com que o incremento de recursos para crédito efetivamente chegue as empresas que mais precisam. Sabemos que este tema já é há muito objeto de atenção do BNDES. Mas as soluções devem ser aprimoradas e aceleradas.

Muitas das empresas que necessitam de crédito são de médio e pequeno porte. Mesmo nas fases de expansão do ciclo econômico, elas têm dificuldade de acesso ao crédito do BNDES. Tradicionalmente, a instituição não prioriza os empréstimos de menor valor. Nas fases de crise, o distanciamento do BNDES em relação a estas empresas tende a se acentuar. Em parte, porque ainda são poucas as linhas de crédito disponíveis a elas. Noutra parte porque, cumprindo o que diz a lei, o Banco exige situação de adimplência fiscal e previdenciária. Dificilmente, estas empresas conseguem atender as exigências.

Como exposto, na crise é quando mais estas empresas precisam de ajuda. Talvez, mais até do que nas fases de crescimento. É aí que o País precisa repensar a estratégia de atuação do BNDES nestas fases de crise, criando condições econômicas e legais para uma atuação mais eficaz do Banco.

Possibilitar que as empresas - por meio do próprio empréstimo do BNDES – consigam regularizar suas dívidas e obter suas certidões negativas de débito fiscal e previdenciário é tarefa que, desde há muito, Governo, Legislativo e BNDES têm que resolver juntos.

As soluções passam também pela construção de novas “engenharias” financeiras do BNDES para essas empresas.

Uma dessas novas engenharias financeiras consiste nos empréstimos estruturados com base na participação da empresa em uma cadeia produtiva. Muitas empresas de pequeno e médio porte participam de cadeias produtivas como fornecedoras diretas (chamados fornecedores de primeiro nível) ou indiretas (fornecedores de primeiro nível, ou sistemistas) de uma grande empresa. O mais frequente é ter empresas de médio e pequeno porte participarem como fornecedoras indiretas.

Já há algum tempo o BNDES discute a alternativa dessa engenharia de empréstimos respaldados em participação na cadeia produtiva. O modelo em discussão é mais ou menos este: a grande empresa apresentaria ao BNDES a lista das empresas que participam de sua cadeia fornecedora em seus diferentes níveis; essas empresas fornecedoras adquiririam uma senha do BNDES, permitindo-lhes, pela internet, apresentar os valores dos contratos de fornecimento futuro à cadeia produtiva ligada à grande empresa. Portanto, tratam-se dos recebíveis dessas empresas, que poderão ser confirmados pela grande empresa. Como garantia dos empréstimos, o BNDES ficaria com estes recebíveis, podendo cobrá-los da grande empresa no seu vencimento, se houver necessidade.

Além de reduzir as exigências formais por parte das médias e pequenas empresas e de desburocratizar o processo de empréstimo, este modelo cria a possibilidade de diminuir as taxas de juros cobradas nas operações. Considere-se como exemplo o caso da cadeia de produção automotiva. Os créditos seriam estruturados a partir dos títulos gerados pela participação das empresas na cadeia fornecedora da montadora. Em outras palavras, várias empresas da indústria de autopeças (componentes, peças individuais, ferramentarias, usinagens, forjarias, fundições etc) teriam acesso ao crédito do BNDES. Tais recursos seriam viabilizados rapidamente com base no cadastramento pela internet das empresas e dos recebíveis da cadeia produtiva.

Na prática, hoje, as montadoras, quando demandadas, respaldam apenas os recebíveis dos grandes sistemistas. O modelo de recebíveis estruturado na lógica de cadeia produtiva ainda não favoreceu às médias e pequenas empresas.

Outra engenharia financeira de apoio às médias e pequenas empresas é a constituição de produtos financeiros para apoiar Arranjos Produtivos Locais (APLs). Estes produtos financeiros seriam montados com base em fundo de aval, que ajudariam a reduzir o risco de inadimplência nos empréstimos do BNDES.

Neste mesmo sentido, podem ser incentivadas engenharias financeiras envolvendo recursos do governo federal, bancos comerciais, associações empresariais, Agências de Desenvolvimento e outros parceiros.  Desta forma, uma empresa que apresente dificuldades financeiras, mas que esteja respaldada no conhecimento destes parceiros, poderia se valer dos empréstimos do BNDES lastreados neste fundo de aval.

Outra possibilidade é de constituir, em áreas de maior densidade industrial, agência do BNDES especificamente voltado a entender mais de perto os problemas e dar respostas mais ágeis para o setor industrial.

A melhoria da eficácia das modalidades de crédito por parte do BNDES voltadas ao financiamento do capital de giro é também uma necessidade. Não resta dúvida de que o Cartão BNDES representa uma ação de sucesso que vai nesta direção apontada. Mesmo aqui, entretanto, são necessários ajustes. Muitas empresas alegam que têm dificuldades de acessar o cartão por via dos intermediários financeiros que operam com o Cartão. Igualmente ainda há necessidade de diálogo com as cadeias produtivas para reforçar o cadastramento do maior número de empresas possíveis. A inclusão de empréstimos, por via do Cartão BNDES, para pagamento de folhas de pagamento também deveria ser estudada.

Na mesma linha, é preciso romper com as amarras ainda existentes ao financiamento do BNDES à economia solidária e ao cooperativismo, embora neste caso algum avanço já tenha se verificado nos últimos anos.

Igualmente importante tem sido a proposição feita especialmente pelo movimento sindical nos últimos anos quanto à necessidade de o BNDES estabelecer contrapartida social mais clara para as empresas que usufruem dos empréstimos. A principal contrapartida relaciona-se com a manutenção e geração de empregos. Além do emprego ser prioridade de qualquer governo em época de crise, a contrapartida social justifica-se ainda mais no Brasil, em função do fato de que boa parte dos recursos utilizados pelo BNDES provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT.

Não raro o Banco e as representações empresariais argumentam que a contrapartida social, como condição para a confirmação do empréstimo, pode restringir o volume de empresas a serem ajudadas, o que agravaria o quadro da crise.  Uma solução para esta questão repousa na apresentação pelo BNDES de grades diferenciadas de juros e prazos de pagamentos. As empresas que se comprometessem com a contrapartida social teriam condições mais vantajosas nos empréstimos, em termos de taxas de juros e prazos de pagamento.

O tratamento que o BNDES dá as empresas em épocas de crise – especialmente as médias e pequenas empresas – ainda é um desafio a ser encarado no Brasil.

 Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. Da USCS e Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento, ADE SAMPA.
 
Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 1/3/2016.