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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sete erros capitais da FIESP com o Impeachment

O sistema Fiesp-Ciesp anunciou, em 14/12/2015, sua posição em defesa do impeachment da Presidente Dilma. Paulo Skaf, o presidente de ambas as entidades, tem feito declarações duras: “todos os dias temos uma má notícia, e tudo isso é causado pelo atual governo, que perdeu completamente a credibilidade, levando o Brasil a um desequilíbrio e a uma crise política”; “o país está à deriva”; “é chegada a hora de ter a visão de onde está o problema. O problema (...) ficou todo na parte política.” São frases de quem quer o enfrentamento, por via da ‘solução final’ (o impeachment), e não o diálogo.
Comecei a tratar deste posicionamento no artigo A pataquada da Fiesp, aqui, na versão impressa do ABCDMaior, de 15/12/2015. Agora, pretendo explorar outros aspectos. A meu ver, há pelo menos sete erros gravíssimos na posição da Fiesp-Ciesp. São eles:
  1. Não há uma motivação juridicamente sólida para o pedido do impeachment. Fiesp e Ciesp posicionam-se com argumentos legalmente frágeis, como a existência de uma crise aguda na economia, encolhimento do PIB, queda brusca da produção industrial, perda de peso relativo da indústria etc. Constitucionalmente, uma crise econômica não justifica, por si só, um impeachment de presidente. E não está definido pelo Tribunal de Contas, Congresso e STF, a real ilegalidade dos atos fiscais (as chamadas pedaladas fiscais), que motivaram o pedido de impeachment.
  2. Com esta decisão, supostamente respaldada em uma “pesquisa” feita com os industriais paulistas ligados à Federação, a entidade “explode” qualquer ponte para o diálogo com o Governo. Se Dilma prosseguir – e é isto que tende a acontecer – a Fiesp deixará de ser uma interlocutora confiável. E isto é ruim para o País. A entidade é a maior federação estadual de indústrias do Brasil. Representa cerca de 130 mil indústrias de vários setores, portes e cadeias produtivas, distribuídas em 131 sindicatos patronais. Seria fundamental, portanto, maior cautela. Não vemos nenhuma outra Federação estadual (Firjan, Fiemg, Fiergs, Fiep) ou mesmo a CNI defender explicitamente o impeachment. Elas têm suas críticas ao atual momento, mas nenhuma “explodiu a ponte” das conversações. A decisão da Fiesp-Ciesp é antagônica também com a ação realizada por várias lideranças empresariais, sindicalistas e representantes da sociedade civil que, no último dia 15/12/2015, reuniram-se com a Presidente Dilma para buscar o diálogo, por meio da entrega de documento com propostas resultantes do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho, Renda e Previdência.
  3. A decisão da Fiesp-Ciesp - é até possível que sem o querer – entrelaça ação institucional com ação partidária. Tem sido bastante ativa a vida partidária de Skaf. Foi candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2010 pelo PSB; a convite de Michel Temer, filiou-se ao PMDB em 2011; foi novamente candidato ao governo em 2014, desta vez pelo PMDB. Foram diversas as alegações de adversários de que sua campanha usou indevidamente as estrutura das entidades patronais. Hoje, é justamente o PMDB de São Paulo de Skaf e Temer que constitui um dos focos atuais de oposição ao governo Dilma. Nestas circunstâncias, fica praticamente impossível separar as ações. Mencione-se ainda que esta confusão de papéis pode também acontecer com o Sesi-SP, Senai-SP e Sebrae-SP. Skaf acumula (!) a presidência das representações destas entidades em nível do Estado de SP.
  4. Mesmo em se considerando a crise industrial aguda do período recente, a decisão do sistema Fiesp-Ciesp atinge um Governo que buscou dar continuidade à política econômica que desde o primeiro mandato de Lula fortaleceu o mercado interno e contribuiu para a recuperação do setor industrial. Sim, entre 2004 e 2011 foram retomadas as políticas industriais ativas e a indústria apresentou recuperação de produção, emprego e participação no PIB, após a década perdida de 1980 e o draconiano período de vigência de políticas neoliberais (1990-2002), quando, no país, inúmeras empresas nacionais foram vendidas ao capital estrangeiro, faliram ou fecharam suas portas– inclusive a indústria têxtil de Paulo Skaf. A propósito, uma rápida recomendação: vale a pena buscar no google e ler matéria publicada pela Folha de São Paulo, em 19/9/2004, intitulada “Novo presidente da Fiesp [Paulo Skaf] é um ‘sem indústria’”, que mostra os malabarismos fiscais e políticos de Skaf para eleger-se presidente da Fiesp, mesmo não tendo mais indústria. Voltemos, porém, ao ponto: crentes no impeachment da Presidente Dilma, os economistas opositores do Governo já começam a apresentar suas propostas de política econômica e industrial. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central no Governo FHC, publicou no jornal Estado de SP, em 29/11/2015, o artigo “Abertura já”, defendendo “a revisão da estratégia de inserção externa, de nossas crenças sobre o conteúdo local, adensamento das cadeias produtivas e acordos internacionais. (...)”. Diz ele: “Na verdade, a proteção tarifária, as reservas de mercado, as desonerações (...) parecem se amontoar em tempos recentes no contexto do ‘capitalismo de quadrilhas’ que aqui se quis implantar, e que a operação Lava jato se empenha em combater”. Pergunto: estas ideias liberais são compartilhadas pelo sistema Fiesp-Ciesp? As entidades assinam embaixo este receituário que deverá ser aplicado pelos economistas da oposição, caso o impeachment se concretize? A crise da indústria existe e precisamos enfrentá-la, mas com propostas construtivas, factíveis e que procurem diálogo com o Governo, sindicatos, sociedade civil. Não com ideias dos anos 1990 que já mostraram seu poder destruidor da indústria.
  5. O Patinho da Fiesp e as lutas contra o IPTU Progressivo e a CPMF, por mais emblemáticos que tenham sido, e por mais favoráveis à ação político-partidária de Skaf, não são bons puxadores do debate da Reforma Tributária no Brasil. Esta é necessária, sim. Há vários pontos com os quais podemos concordar com a Fiesp: desoneração dos investimentos; desoneração das exportações; desoneração da cesta básica; desoneração da folha de pagamentos. Uma eventual vitória da Fiesp contra o retorno da CPMF, neste contexto, pode vir a ser uma “vitória de Pirro”, pois, centrada em discurso extremamente agressivo e de oposição ao excesso de Estado, impede avanços mais efetivos em torno de uma Reforma Tributária. Temos no Brasil uma estrutura tributária altamente regressiva, como é de conhecimento de todos que estudam o assunto. Além de penalizar o investimento, o emprego e as exportações, nossa tributação onera os mais pobres e alivia para os mais ricos, especialmente ao isentar a renda decorrente de lucros e dividendos. Isso, sim, deveria ser alterado. Mas a reação ao IPTU Progressivo mostra que Skaf, mais uma vez, se posiciona do lado errado. É de notar, por fim, que a luta da Fiesp feroz contra os impostos vai chamar a atenção para a própria base de financiamento da Fiesp, calcada no imposto sindical patronal obrigatório e em uma cobrança sobre a folha salarial de cada empresa, também obrigatória e que alimenta o chamado sistema “S”.
  6. O discurso do Presidente do sistema Fiesp-Ciesp pelo corte drástico de gastos públicos e pelo Estado Mínimo pode ser um tiro no próprio pé da indústria. Além das obras de infraestrutura (muitas das quais favoreceram o setor industrial), foram as políticas de valorização do salário mínimo, Bolsa Família, Prouni, desonerações tributárias, incentivos fiscais, crédito subsidiado que, juntamente com a valorização das commodities, contribuíram para a inclusão social e o forte crescimento industrial no período anterior à crise. A eliminação destas políticas representará uma retração estrutural de mercados para a própria indústria.
  7. Ao que parece, o sistema Fiesp-Ciesp parte da “leitura” de que deve se antecipar e “surfar” na onda das mudanças políticas na América Latina, trazidas pela crise, como acontece na Venezuela, Equador e Argentina. O problema nesta cartada do sistema Fiesp-Ciesp é que o jogo ainda não terminou, como mostram os últimos reveses da tentativa de impeachment apoiada equivocadamente por Skaf. Antecipar-se desta maneira pode trazer danos institucionais de longa duração para a entidade.

Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, na coluna blogs, em 21/12/2015.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A PATAQUADA DA FIESP

Jefferson José da Conceição

Em 13/12/2015, ocorreram manifestações pelo impeachment da Presidente eleita pelo voto e que não cometeu nenhuma ilegalidade em suas ações. O total de manifestantes esteve bem abaixo do que esperavam os organizadores. Entre os manifestantes, estava o “pato” inflável da campanha “Não vou pagar o pato”, organizada pela Fiesp. Na véspera, o facebook da campanha conclamava para os atos.

A campanha é contra o aumento dos impostos. É um discurso fácil de passar. Ninguém gosta de pagar impostos. Mas o melhor para o indivíduo nem sempre é o melhor para o país. O fundamental seria discutir uma verdadeira Reforma Tributária, que busque a eficácia dos impostos, melhoria dos serviços, distribuição mais equânime da carga e justiça social. A campanha do pato, porém, não sugere isto. Para tanto, seria necessário fazer discussões menos obvias como a do IPTU progressivo. Em 2013, a FIESP mobilizou contra o IPTU Progressivo, quando o Prefeito Haddad tentou aplica-lo em SP.

São muitas as contradições da Fiesp. Cabe perguntar se a entidade abre mão do caráter compulsório das contribuições sindicais patronais (“imposto sindical”) pagas pelas empresas. Em 2012, estas contribuições geraram, no Brasil, receita de R$ 908 milhões (desse total, 60% ficaram com os sindicatos patronais; 15% com as Federações, como a Fiesp; 5%, confederações; 20%, MTE). É pertinente indagar também à Fiesp se ela admite modificar as cobranças também obrigatórias (2,5%) sobre as folhas de pagamento, destinadas ao Sistema "S". Esta cobrança representa mais de R$ 20 bilhões ao ano. Entidades como a Fiesp negam-se em aumentar a transparência nas demonstrações destes recursos públicos. Isto, embora elas exijam das esferas de governo divulgação detalhada dos seus atos.

Vale perguntar também à Fiesp se ela reconhece que parte dos problemas fiscais atuais do governo deve-se ao excesso de desonerações tributárias. Estudo da Receita Federal (RF) mostra que as desonerações somarão uma “perda” de R$ 458 bilhões em 2018, se todos os incentivos continuassem valendo até lá.

O lúdico patinho da Fiesp, além de não responder as questões acima, esconde algo bastante danoso atrás de si. Trata-se da defesa do Estado Mínimo, já aplicado na América Latina ao longo dos anos de 1990, com resultados desastrosos, inclusive o setor industrial. Parte do suposto de que o “Governo” (Estado) é sempre ineficiente e mais atrapalha do que ajuda. Logo, o ideal é que ele seja o menor possível, deixando ao mercado (iniciativa privada) a condução de nossas sociedades. Estado Mínimo significa menos Bolsa Família, Valorização do Salário Mínimo, Prouni, recursos para o SUS... Ao receber o novo Presidente da Argentina, o liberal Maurício Macri, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, disse: “a visão do presidente é de (...) um governo mais leve, sem um tamanho que atrapalhe a vida das pessoas e da sociedade. É uma visão muito semelhante à nossa”.

A industrialização brasileira, após 1930, exigiu forte apoio do Estado, por meio da produção pública de insumos básicos e infraestrutura, financiamento subsidiado e - pasmem -, a pedido da própria FIESP e de outras entidades empresariais, a aplicação de tributos elevados sobre os produtos concorrentes importados. Este padrão pode até sofrer mudanças com o incremento das PPPs, concessões etc. Mas é ingênuo acreditar que se pode prescindir do papel indutor do Estado. Se não for ingenuidade, é mera pataquada.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS. jefersondac@ig.com.br
Artigo publicado no jornal ABCDMaior, em 15/12/2015
‪#‎contraacampanhanaovoupagaropato‬ ‪#‎contraoestadominimo‬ ‪#‎naovoupagaropato‬ ‪#‎fiesp‬ ‪#‎naovaitergolpe

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Aula sobre Desenvolvimento Territorial do Prof. Jefferson José da Conceição, como convidado, em curso de EAD de Gestão Pública,Universidade Metodista de São Paulo. Dezembro de 2015,

Aula sobre Desenvolvimento Territorial do Prof. Jefferson José da Conceição, como convidado, em curso de EAD de Gestão Pública,Universidade Metodista de São Paulo. Dezembro de 2015,

Para acessar a aula clique em um dos links abaixo:


http://www.4shared.com/file/ct5-nwNjba/watch1.html

https://www.youtube.com/watch?v=SSgIpz_edWs&feature=youtu.be

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

CRISE E INSTABILIDADE À LUZ DE KEYNES

Jefferson José da Conceição

Muito já foi escrito em torno da obra do economista britânico John Maynard Keynes, em especial da sua «Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro», publicada pela primeira vez em 1936 e considerado um dos mais importantes livros da Ciência Econômica no século XX. Este artigo não tem a ambição de inflar ainda mais o rosário de interpretações sobre aquele livro. A intenção é isto sim, a partir de uma breve apresentação do corpo geral e do contexto em que emerge a teoria keynesiana, destacar o que consideramos ser essencial apreender de Keynes no processo teórico de interpretação da realidade capitalista, a saber: a influência das expectativas e da incerteza no cálculo empresarial e, portanto, sua relevância no processo de determinação do nível de produção, renda e emprego. Este artigo é eminentemente teórico, mas ajuda a explicar parte da crise da economia global, e da economia brasileira, em particular.

De acordo com o ponto de vista aqui defendido, a Teoria de Keynes cumpre papel de extrema importância no pensamento econômico, dentre outros motivos, porque, centrando-se essencialmente na instabilidade dos determinantes do investimento, ela minou a edificação utópica do capitalismo simpático, eficiente, racional e de máximo bem estar da teoria neoclássica. Para Keynes, como se verá, o livre funcionamento do mercado - isto é, a concorrência - não garante o pleno emprego nem a longo prazo nem como ponto de equilíbrio natural do sistema. O desemprego, na visão keynesiana, é um elemento permanentemente presente como possibilidade real no capitalismo. Assim, cabe ao Governo assumir a responsabilidade de buscar de manter taxas mais elevadas de atividade e ocupação, amenizando as crises e a instabilidade natural do sistema.

Vejamos como isto se dá na crítica keynesiana aos neoclássicos (que Keynes chama de “Economia Clássica”). O primeiro ponto destacado por Keynes é que, para a escola neoclássica, o ato de investir prende-se, como suposto lógico, a um ato de não consumir. Logo, o nível de investimento total (agregado) de um País seria predeterminado pelo nível de poupança total (agregada) daquele país. O mecanismo básico de regulação da economia capitalista consistiria nos ajustamentos da livre oferta e demanda, em um livre mercado. O livre funcionamento do mercado estabeleceria os preços e as quantidades de equilíbrio ao nível de pleno emprego de todos os fatores de produção (terra, trabalho e capital). Assim como nos diversos mercados de produtos, o mercado de trabalho, funcionando livremente, também determinaria as remunerações adequadas da força de trabalho. O ponto de equilíbrio do mercado de trabalho seria naturalmente o de pleno emprego da força de trabalho.

Diante desta estrutura analítica resgatada por Keynes em sua crítica, pode-se perceber que, para a escola neoclássica, o “problema econômico” por excelência reside na alocação (entre os vários setores de produção) de um “dado” volume de produção e rendimento a priori estabelecido como sendo o de pleno emprego dos fatores de produção. Sendo pré-determinado o volume de produção e renda ao nível de pleno emprego, caberia que a alocação fosse a mais racional possível, ou, ainda, que fosse aquela que maximizasse a utilidade de determinados recursos escassos.

Keynes, ao contrário,rejeita frontalmente a suposição de que o volume de produção e renda é “dado” a priori como sendo de pleno emprego. Keynes procurou justamente mostrar que o volume de produção e renda (e, portanto, o nível de emprego) podem sofrer fortes flutuações em uma economia capitalista.

Antes de se observar as proposições centrais da teoria keynesiana, vale recuperar o contexto do seu surgimento. Desde as últimas décadas do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, predominavam nas principais academias europeias e americanas as ideias de Marshall, Walras, Fischer e outros teóricos que formavam o bastião neoclássico. Contudo, frente ao colapso econômico dos países mais avançados na primeira metade da década de 1930, o corolário neoclássico tornou-se pouco convincente nas suas explicações para a ocorrência do desemprego em massa dos recursos – explicações estas que deitavam raiz nos entraves à atuação da “mão invisível” do mercado, principalmente aqueles entraves colocados pela interferência do movimento sindical no mercado de trabalho (ao exigir salários acima da produtividade permitida pela economia) e pela intervenção estatal no domínio econômico.

Estas tentativas da escola neoclássica de explicar a crise a partir de interferências “externas” (sindicato, Estado) ao livre funcionamento do mercado, além de estar associada a um ranço politicamente conservador, seriam de fato as mais plausíveis quando se aceitam certos postulados da economia neoclássica. Estes postulados neoclássicos podem ser sumariados no seguinte:

I) A acumulação de capital (investimento) depende da poupança. A elevação do volume de renda poupada, em razão de um aumento na propensão a poupar, é favorável ao investimento. O aumento da propensão a poupar acaba por reduzir também a utilização de fatores (que são “escassos”) na produção de bens de consumo, revertendo-os para o incremento da produção de bens de capital. Há aqui duas suposições implícitas: que a economia está trabalhando no pleno emprego dos fatores de produção e que o mercado financeiro, por intermédio da flexibilidade da taxa de juros, equilibra o volume de poupança ao volume de investimento realizado;

II) O salário é fixado pela produtividade e pela concorrência entre os trabalhadores. Havendo “capital” suficiente para empregar a mão-de-obra disponível, o desemprego só aconteceria caso existissem pressões (sindicais) por salários reais mais altos que aqueles permitidos pelo mercado;

III) Se, de um lado, a economia inclina-se naturalmente à plena utilização dos recursos e, por consequência, à oferta máxima de produtos possível com uma dada tecnologia, de outro, não haveria igualmente problema pelo lado da demanda, levando-se em conta que “a toda oferta corresponderia uma igual demanda”, conforme assenta a Lei de Say.

IV) A moeda (o dinheiro), a despeito de ser um instrumento importante no desenvolvimento do mercado, ao tornar mais ágil as trocas, acabaria por ser apenas um “véu” que acoberta os fenômenos reais (produto, renda, preços relativos), sendo sua função básica a de servir como um “lubrificante” das trocas. Portanto, tirante a necessidade de dinheiro para a realização cotidiana de pagamentos e de certo montante para precauções, não haveria estímulo à retenção da moeda. Qualquer excedente monetário sobre determinada renda, se não consumida diretamente em bens de capital, o seria indiretamente por intermédio dos empréstimos efetuados pelo sistema financeiro, para onde seria canalizado o excedente, rendendo juros ao prestamista.

As estacas do pensamento neoclássico, dessa maneira, resumem-se à Lei da Oferta e da Procura. O equilíbrio econômico geral (cujo conceito exclui “anomalias” como o desemprego) é uma tendência que se consolidaria no longo prazo. E o equilíbrio ao nível do pleno emprego se daria simultaneamente em todos os mercados: no mercado de produtos, no mercado de trabalho, no mercado de capitais (poupança e investimentos).

No contraste dessa formulação, está a teoria de Keynes, que se passa a descrever brevemente. Keynes acaba por desferir, inicialmente, um ataque à Lei de Say, invertendo a relação de determinação estabelecida entre as variáveis de gasto (demanda) e de produção e renda. A teoria keynesiana sustenta que a demanda efetiva- ou seja, os gastos em bens de consumo e de investimento - é que determina o nível de produção corrente, e, na sua esteira, o nível de rendimento e de emprego. Aqui influem decisivamente as expectativas quanto ao futuro. Sendo as expectativas sujeitas a fortes variações, rejeita-se de imediato a noção de um nível de produto (e renda) pré-estabelecido ao nível de plena utilização dos fatores de produção. A conclusão que deriva da Lei de Say também é, pois, rejeitada por Keynes. Este autor não aceita que o problema da economia capitalista consistia tão-somente da alocação da renda de equilíbrio entre produção de bens de consumo e produção de bens de investimento.

Para Keynes, a demanda efetiva de uma economia nacional é fundamentalmente determinada pelo nível de investimento (público e privado) alcançado. É nesta variável (o investimento) que repousa o fenômeno da instabilidade do gasto em uma economia capitalista. Enquanto as decisões de consumir guardam forte relação estável com o nível de renda ao longo do tempo, devido à existência do crédito, dos hábitos de compras, das poupanças individuais, as decisões de investir – especialmente as privadas – estão sempre envoltas num ambiente de expectativas incertas quanto ao futuro, e oscilam conforme o otimismo ou pessimismo da opinião média dos investidores.

A influência do investimento e do consumo sobre o nível de renda e de emprego, bem como a relação de dependência do consumo para com o investimento, pode ser visualizada por meio do “multiplicador”, que expressa precisamente o quanto cresce a renda a partir da efetivação de um montante de investimento, pelo consequente aumento do consumo. Uma interpretação alternativa consiste em entender o multiplicador como a forma de evidência de que as decisões de produção dos empresários do setor de bens de consumo dependem, em grande medida, das próprias decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de capital. A ressalva que se deve fazer quanto a esta última leitura do multiplicador é que as decisões de produção dos capitalistas do setor de bens de consumo são simultâneas às dos capitalistas do setor de bens de capital. Portanto, a dependência reside nas expectativas de ampliação dos mercados em razão do crescimento da economia como um todo, sendo este crescimento bastante dependente do comportamento do setor de bens de capital.

Para Keynes, o empresário – que é o agente econômico detentor do capital – possui três alternativas básicas para valorizá-lo: aplicar em títulos do mercado financeiro e ganhar os juros e rendimentos dos títulos adquiridos; reter capital na forma mais líquida possível, que é o próprio dinheiro ou um ativo que mais perto se aproxime de suas características e funções, especulando com relação à taxa de juros futura; ou, ainda, avançar na esfera produtiva, realizando um projeto de compra de bens de capital (investimento propriamente dito). A diferença desta última alternativa para as outras duas é que esta decisão, ao conduzir à produção de riqueza nova, resulta numa expansão do emprego dos fatores produtivos.

Ainda de acordo com Keynes, todas as opções que o capitalista (empresário) tem, no presente momento de sua decisão, encerram incerteza quanto às reais circunstâncias futuras e, por consequência, acarretam certo risco, levando-se em conta o objetivo da valorização máxima – risco este que vai se agravando na medida em que o ativo escolhido for menos líquido que o dinheiro (ativo que, como já se disse, detém a propriedade da máxima liquidez possível). Na medida em que se progride na escala de iliquidez do ativo, qualquer erro de avaliação é difícil de ser revertido ou amenizado por meio da passagem de uma forma de ativo para a outra. É neste sentido que a compra de um novo bem de capital requer sempre um cuidado adicional por parte do capitalista, pois um erro de expectativa – seja de preços, seja de inovações tecnológicas, seja do grau de utilização da capacidade produtiva, de crédito etc – poderia não só causar perdas temporárias, como gerar perdas de maior alcance no tempo, em razão da quase imobilidade do bem de capital pelo tempo de vida útil e econômica do bem.

Não obstante isso, um otimismo quanto aos rendimentos esperados daquele bem, afetando positivamente o que Keynes chama de eficiência marginal de capital (taxa de retorno esperada do bem de capital), é capaz de tornar favorável a realização de novos investimentos, e, logicamente, propiciar impulsos dinâmicos para toda a economia, no bojo de uma fase expansiva. Inversamente, expectativas menos favoráveis dos empresários em relação ao futuro podem conduzir a crises (ou seu agravamento), por vezes agudas, que desembocam em depressões.

Em um quadro de elevada incerteza e pessimismo, cabe ao governo fomentar ações que elevem a demanda efetiva: aumentar a liquidez, o crédito, os investimentos em obras de infraestrutura e os gastos sociais que aumentem o mercado interno, entre outras ações. Para Keynes, em um quadro de crise, políticas fiscais e monetaristas contracionistas tendem a agravar a crise do sistema, sem que se consiga a melhoria das finanças públicas. Os déficits públicos, quando são resultados de um efetivo esforço de crescimento por meio do aumento do investimento público, não são necessariamente ruins. Podem até ser desejáveis. Para Keynes, a melhoria das contas do governo se conseguiria dinamicamente por via do crescimento econômico, tendo em vista a capacidade deste em gerar o aumento da arrecadação sem necessariamente elevar a carga tributária.

Jefferson José da Conceição
Prof. Dr. na USCS. Diretor Superintende do SBCPrev.

Referencias Bibliográficas:

KEYNES, J. Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. São Paulo, abril-cultural, 1983.
ROBINSON, Joan. Contribuições à Economia Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
MINSK, Hyman P. John Maynard Keynes. New York, Columbia University, 1985.

* Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, coluna blogs, em 7/12/2015. jefferson.jose@saobernardo.sp.gov.br

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