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segunda-feira, 24 de abril de 2017

PERRY ANDERSON E A CRISE NO BRASIL


Jefferson José da Conceição (jeffdacsenior@gmail.com)
Marcelo Vegi da Conceição (celo_rebo@hotmail.com)

Em muitas situações, quem está de fora, se tiver boas lentes, vê melhor. Seria este o caso da necessária reconstituição e interpretação da atual crise brasileira?

Brasilianistas são os autores estrangeiros que produziram importantes trabalhos acadêmicos sobre o Brasil. Eles ajudaram a recuperar e analisar a história brasileira. São inúmeros os estudos de brasilianistas desde a segunda metade do século XX, como os de Thomas Skidmore, Warren Dean, Pierre Monbeig, Claude Lévi-Strauss, René Armand Dreifuss, entre outros.

 Apenas como exemplo cite-se “Brasil: de Getúlio a Castelo” e “Brasil: de Castelo a Tancredo” (publicados pela Editora Paz e Terra), obras de Thomas Skidmore. Outro exemplo digno de registro é “1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe” (editora Vozes, 191, 814 pág.), do uruguaio René Dreifuss. Este livro apresenta uma completa pesquisa de reconstituição do processo do Golpe de 1964, como tomada do poder planejada durante décadas pelas forças conservadoras no País.

O britânico Perry Anderson é um famoso historiador marxista. Professor na universidade de UCLA (EUA) e editor da New Left Review, Anderson analisou a atual crise brasileira, em especial aquela que se intensifica no período 2013-2016, por meio de um denso artigo intitulado “A Crise no Brasil”, publicado pelo autor originalmente no blog da Boitempo. A nosso ver, seria muito bom, em termos de registro histórico e debate acadêmico e político, se este excelente artigo fosse a ponta de lança de uma pesquisa de fôlego conduzida por Perry Anderson. O Brasil precisa urgente de reflexões (“externas”) como esta.

Aqui, vamos estimular a leitura do artigo de Anderson buscando sumariar algumas das principais ideias expostas pelo autor no artigo.

Em “A crise no Brasil”, que Perry Anderson escreveu ainda quando estava em processo o afastamento da ex-presidente Dilma, o autor realiza uma abordagem histórica do nascimento da crise política e econômica atual do Brasil.

Anderson explica, primeiramente, as razões econômicas da crise que se iniciou em meados de 2013, com a queda do preço das commodities e a queda no consumo interno das famílias, relacionado ao colapso da chamada nova matriz econômica, iniciada no final do mandato de Lula.

“Durante seu governo, a principal estratégia do PT foi expandir a demanda interna ao aumentar o poder de compra das classes populares. E isso foi possível não apenas com o aumento do salário mínimo e com transferências de renda para os pobres – o ‘Bolsa Família’ – mas também por uma massiva injeção de crédito aos consumidores. Durante a década de 2005 a 2015, o total de débitos controlados pelo setor privado aumentou de 43% para 93% do PIB, com empréstimos aos consumidores atingindo o dobro do nível dos países vizinhos. Quando Dilma foi reeleita, em 2014, os pagamentos de juros no crédito mobiliário estavam absorvendo mais de 1/5 da renda média disponível dos brasileiros. Junto com a exaustão do boom das commodities, a época de gastança também não era mais viável. Os dois principais motores do crescimento tinham estagnado”.

Perry Anderson critica a Era Petista, já que esta priorizou a ascensão social através do consumo, e manteve intocáveis áreas como a estrutura tributária regressiva. O partido acabou desestabilizando sua base social. 

Durante o período em que esteve a frente no comando do País, o Partido dos Trabalhadores atendeu ao empresariado, favorecendo a acumulação de capital das suas várias frações, com destaque para o capital industrial que desde os anos de 1990 apresentava forte retração de sua participação no PIB, desnacionalização, quebra de empresas, retração de produção e emprego. 

Mas esta política pró-negócios não foi suficiente para que, quando da crise, este mesmo empresariado, inseridos em um virulento discurso anti-PT, viesse defender o governo.

“Na esperança de que isso trouxesse o setor industrial para o seu lado, o governo confrontou os bancos ao força-los a aceitarem a recuarem o patamar sem precedentes de 2% dos juros no final de 2012. Em São Paulo, a Federação das Indústrias (FIESP) brevemente expressou satisfação perante a medida, para logo depois pendurar bandeiras em apoio aos manifestantes anti-estatistas de Junho de 2013. Os industrialistas ficaram felizes em colher os frutos de altos rendimentos durante o período de crescimento elevado do governo Lula, no qual virtualmente cada grupo social viu sua posição melhorar. Mas quando isso terminou durante o governo Dilma e as greves recomeçaram, eles não tiveram qualquer compaixão por quem lhes favorecera anteriormente. E não apenas as grandes empresas, assim como suas parceiras do Norte global, se encontravam cada vez mais em holdings financeiros que eram afetados negativamente por conta das políticas rentistas – e por essa razão, não poderiam dar às costas totalmente aos bancos e fundos de investimento –, mas o próprio grupo social a que pertenciam a maior parte dos empresários era formado por uma alta classe média que se tornara mais numerosa, vocal e politizada do que os antigos grupos de empresários, manifestando assim maior capacidade de comunicação e coesão ideológica perante a sociedade em geral. A furiosa hostilidade desse estrato para com o PT foi inevitavelmente seguida também pelos industrialistas. Tanto os banqueiros do andar de cima e os profissionais do andar de baixo, ambos estavam comprometidos a derrubar um regime que agora viam como ameaça aos seus interesses comuns, o que significou que os empresários tinham cada vez menos autonomia”.

Outro fator primordial da crise, segundo Anderson, são as consequências da Operação Lava-Jato, que se transformou em um verdadeiro tsunami de investigações relacionado ao pagamento de propinas das maiores empresas do país para políticos dos maiores partidos do país. Porém, as investigações também não estão isentas de abusos e verdadeiros crimes, como os diversos vazamentos de informações à imprensa perpetuados pelos próprios investigadores.

Perry Anderson então coloca em evidência o papel não neutro do Judiciário na crise:

“O perigo de ter um Judiciário atuando nesse espírito é o mesmo no Brasil do que foi na Itália: uma campanha absolutamente necessária contra a corrupção se torna tão infectada com o desdém pelo devido processo, com um conluio tão inescrupuloso com a mídia, que ao invés de instalar qualquer nova ética de legalidade, ela acaba confirmando o longo desrespeito social pela lei. Berlusconi e seus herdeiros são a prova viva disso. Todavia, a cena no Brasil se difere da situação na Itália por dois aspectos. Não há nem Berlusconi ou Rinzi no horizonte brasileiro. Moro, cuja celebridade agora excede qualquer um dos seus modelos italianos, sem dúvida está sendo solicitado para suprir o vazio político, caso a Lava Jato faça de fato uma limpeza sobre a velha ordem. Mas o medíocre destino de Antonio di Pietro, o mais popular dos magistrados de Milão, pode ser lido como um aviso para Moro, por mais puritana que seja a sua aparência, evitar a tentação de envolver-se na política. O espaço para uma ascensão meteórica também tende a ser menor, pois há uma diferença crucial entre as duas cruzadas contra a corrupção. O assalto feito pela Tagentopoli foi direcionado contra os principais partidos do país, a Democracia Cristã e o Partido Socialista, que estiveram no poder durante trinta anos. A Lava Jato, por sua vez, não parece estar focada nos partidos tradicionais do poder político no Brasil que, diga-se de passagem, estão bastante divididos, mas sim nos sistemas que possibilitaram que eles chegassem lá. Nesse ponto, ela parece mirar somente num alvo e, sendo assim, mais manipuladora”.

Mas, ainda aqui, Perry Anderson formula uma questão inovadora:

“Será que os vazamentos contra o PT são resultado de uma aversão militante, ou fruto de uma ideia de que não há melhor forma de enfatizar os horrores da corrupção do que pegar aquela que é a principal força política do país por mais de uma década, que inclusive é justamente aquela que a mídia, por suas próprias razões, estaria mais disposta a divulgar as revelações?”

Após a extensa exposição midiática anti-petista da operação, uma nova direita nasceu no país, simbolizada por movimentos como MBL e Vem Pra Rua, que modificaram o discurso da direita tradicional – “Deus, Familia e Liberdade” – para um discurso neoliberal clássico, e propagandeado com o discurso anti-corrupção. O autor também não exclui dessa equação da crise a ampliação da religião evangélica, que constitui uma força política conservadora própria, com uma bancada no Congresso correspondente à 18% dos parlamentares, e que tem figuras como Eduardo Cunha, o grande precursor do processo de Impeachment.

Para Anderson, o papel da grande mídia, patrocinada e comandada por setores neoliberais, possui uma grande influência na crise. Através do modo dúbio como informam a sociedade, alastrando e amplificando ao máximo as denúncias contra o PT e seu maior líder, e escondendo as que envolvem outros partidos.

“Tal manipulação pode ser acentuada naquilo que se considera como a segunda diferença entre a Itália dos anos 1990 e o Brasil de hoje. Quando a Tagentopoli atingiu o sistema político, a mídia italiana formou um cenário homogêneo. Jornais independentes passaram a apoiar o Judiciário de Milão em toda parte. O chefe do conglomerado midiático do Olivetti, De Benedetti, cujo jornal recebeu a maior parte dos vazamentos, acusou duramente os democratas cristãos e socialistas ao mesmo tempo em que ficou quieto sobre as implicações em outros partidos. O império de jornais e televisão de Berlusconi enalteceu e instigou os magistrados. E o resultado foi que, com o passar do tempo, havia ainda mais questionamentos sobre as ações de diferentes esferas do Judiciário – muitas delas bastante corajosas, enquanto outras eram mais dúbias – do que no Brasil. Ali a mídia tem sido bastante monolítica e partidária em sua hostilidade anti-PT e nada crítica quanto à estratégia de vazamentos e pressões vindas de Curitiba, do qual a imprensa age como sua porta-voz. O Brasil possui alguns dos melhores jornalistas do mundo, cujos textos vem analisando a atual crise num nível intelectual e literário que vai além do que fazem o Guardian ou o New York Times. Mas tais vozes são sufocadas por uma enorme floresta de conformistas que nada mais fazem do que ecoar as visões de patrocinadores e editores”.

Perry Anderson sinaliza claramente as tendências do governo Temer. Hoje, ao fim do primeiro quadrimestre de 2017, podem-se constatar os acertos das projeções de Anderson:

“A maior probabilidade é de que se forme um regime liderado pelo vice-presidente que a abandonou, o veterano sepulcral do PMDB – comparado com o mordomo de um filme de terror – Michel Temer. De fala mansa e cerimonioso, ele preparou o caminho alguns meses atrás, criando um programa para deixar claro que o país estaria seguro assim que ele assumisse. Seu pacote trata-se de um plano de estabilização convencional, agilizando privatizações, reforma da previdência e abolindo os gastos mandatórios constitucionais em saúde e educação, acompanhados de promessas de cuidar dos menos afortunados. Se Dilma sofrer o impeachment, tendo uma maioria de 3/5 do Congresso lhe apoiando, Temer não teria nenhum problema em formar um governo de coalizão junto com PMDB, PSDB e uma grande quantidade de partidos nanicos, colocando uma pitada de tecnocratas em ministérios centrais. Já que tal combinação poderia passar uma série de leis, às quais Dilma não pode, e isso garantiria o retorno da confiança do mercado, isso certamente traria melhorias aos indicadores econômicos feitos pelos mercados financeiros, não importa o quanto isso custaria aos pobres. Mas dada a conjuntura global adversa e a teimosa baixa taxa de investimentos que persiste no Brasil desde o fim da Ditadura, é difícil ver qualquer alívio para o país num horizonte futuro”.

Por fim, Perry Anderson diagnostica a crise estrutural e profunda em que se meteu o próprio PT:

“O partido está numa frágil posição para convocar seus beneficiários para defende-lo por pelo menos três razões. A primeira é simplesmente porque se a corrupção fez com que a classe média perdesse a simpatia que o partido antes desfrutou, a austeridade alienou a base de classes populares que tinham conquistado. As manifestações feitas para impedir o impeachment foram, até agora, muito menos impressionantes do que aquelas feitas por aqueles que querem que ele aconteça. Os manifestantes têm sido arregimentados principalmente entre funcionários públicos e sindicatos: os pobres ainda não têm comparecido nessas manifestações. A força rural do Nordeste onde o PT se consolidou estão ainda socialmente dispersos, enquanto as grandes cidades do Sul e Sudeste são as fortalezas da nova direita no momento. Há também a inevitável desmoralização do partido conforme sucessivos escândalos surgem com o seu nome, criando um sentido de culpa coletiva difusa, ainda que não explícita, mas que enfraquece qualquer espírito de luta. E por fim, mas fundamentalmente, na época que Lula chegou ao poder, o partido tornou-se uma máquina eleitoral, financiada principalmente por doações de grandes corporações, ao invés de – como ele era em seu início – pelas doações de membros e simpatizantes, com eles inclusive aderindo passivamente ao nome de seu líder, sem qualquer vontade de construir uma ação coletiva com os eleitores. A mobilização ativa que fez o PT ser uma força nas regiões urbanas e industriais do Brasil tornou-se uma memória distante conforme o partido passou a ganhar força em regiões sem indústrias, enraizadas numa tradição de submissão à autoridade e medo da desordem. Isso foi uma cultura política entendida por Lula e que ele não fez nenhuma tentativa séria de termina-la. Segundo sua própria visão, ele considerava que mudar isso teria um custo potencial alto demais. Para ajudar as massas ele buscou harmonia com as elites, para as quais qualquer polarização vigorosa era um tabu. Em 2002 ele finalmente ganhou a presidência, na sua quarta tentativa, com um slogan de “paz e amor”. Em 2016, diante de um linchamento político, ele ainda seguiu falando essas palavras para uma multidão que esperava por algo mais combativo”.

Anderson constata o fim de um ciclo e os desafios abertos para os segmentos progressistas no Partido e fora dele:

"O Partido dos Trabalhadores acreditou, durante determinado período, que ele poderia se valer da ordem institucional brasileira para beneficiar os pobres sem prejudicar os ricos – e até mesmo contando com a ajuda deles. E de fato houve benefícios aos pobres, tal como eles se propuseram. Mas uma vez aceito o preço de entrar num sistema político moribundo, a porta para voltarem atrás fechou-se. O próprio partido passou a definhar, tornando-se um enclave do Estado, sem qualquer autocrítica ou direção estratégica, tão cego que chegou a ostracizar André Singer, seu melhor pensador, para colocar uma mistura de marqueteiros e relações públicas, tornando-se tão insensíveis que passaram a conceber o lucro, não importa de onde viesse, como condição para o poder político. Suas conquistas ainda permanecerão. Mas se o partido terá o mesmo destino, isso é uma questão em aberto. Na América do Sul, um ciclo está chegando ao fim. Por uma década e meia, sem a pressão direta dos Estados Unidos, fortalecidos pelo boom das commodities, e amparando-se em grandes reservas de tradição popular, o continente foi a única parte do mundo em que movimentos sociais rebeldes coexistiram com governos heterodoxos. No despertar de 2008, há agora cada vez mais desses movimentos. Mas não há mais nenhum desses governos. Uma exceção global está chegando ao seu fim e sem nenhum sinal de mudança positiva no horizonte".

Em suma, o artigo de Perry Anderson parece colocar luzes no entendimento deste cipoal confuso e complexo em que se enveredou o Brasil nesse período recente.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas e Comércio Exterior) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS.

Marcelo Vegi da Conceição é graduando em Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, USP.

Artigo publicado no blog do ABCDMaior em 24/4/2017. www.abcdmaior.com.br

segunda-feira, 10 de abril de 2017

IDH E ÍNDICE DE GINI ESPELHARÃO A VOLTA DO VELHO BRASIL


Jefferson José da Conceição

A implementação de uma Política Econômica e de um conjunto de Reformas Econômicas Estruturais pode ter vários objetivos diretos e indiretos em qualquer governo: reduzir a inflação; acelerar o crescimento; aumentar as exportações; controlar os déficits fiscais; reequilibrar as finanças públicas; gerar empregos. Mas ninguém negaria que, no fim das contas, o objetivo mais amplo deveria ser o de melhorar a qualidade de vida das pessoas e  - em um país como o Brasil, marcado pela extrema desigualdade de renda -, a redução do grande concentração da riqueza e da renda.

Há sinais de que, no Brasil, a atual política econômica e o conjunto de reformas em curso não conseguirão ser bem-sucedidos em vários dos itens apontados acima, salvo o controle da inflação e o incremento das exportações – que podem ter suas metas atingidas pela severidade da própria retração econômica. Mas a política econômica e as reformas não melhorarão a qualidade de vida das pessoas e não reduzirão a desigualdade no Brasil. O mais provável é que elas agravem o quadro já ruim atualmente.

Dois indicadores exigirão um acompanhamento bem de perto nesta questão da mensuração da qualidade de vida e do grau de desigualdade no país: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini.

O IDH

Criado em 1990, pelos economistas Amartya Sem e Mahbub ul Haq, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador utilizado pela ONU em seus relatórios anuais. O IDH abarca o PIB per capita, a Esperança de vida ao nascer, a taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos), o acesso a saneamento básico e a Educação (taxa de alfabetização; nº médio de anos na escola).

O indicador, que é uma medida de comparação entre os países, varia de zero a 1. Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. Quanto mais próximo de zero, mais longe do desenvolvimento está o país.  Os países nórdicos da Europa, como a Noruega, Finlândia, Dinamarca e Suécia, estão entre os países com IDH mais elevado, ao lado de Austrália, Suíça e outros. Os países africanos têm os menores IDH. O Brasil, em 2015, ocupou a 79ª posição.

Desde a criação do IDH, o Brasil vinha apresentando melhora em seu indicador ano após ano. Tomemos alguns anos da série: 1990: IDH de 0,590; 2000: 0,669; 2005: 0,699; 2010: 0,726; 2011: 0,728; 2012: 0,730; 2014: 0,754; 2015: 0,754. Como se pode ver, em 2015, com o agravamento da crise, já paramos de melhorar nosso indicador. Este indicador de 2015, considera: uma expectativa de vida no Brasil de 74,7 anos; média de estudo de 7,8 anos (para população acima de 25 anos); renda nacional bruta per capita de US$ 14.145, entre outros itens.

Em sendo ainda curta a série histórica do IDH (1990-2015), o que se pode dizer é que as evidências apontam para uma tendência à estagnação do índice nos próximos anos. A crise econômica, as reformas trabalhista e previdenciária, a redução dos gastos públicos e a eliminação/redução de políticas sociais como Bolsa Família, Política de Valorização do Salário Mínimo, Minha Casa Minha Vida, Prouni, FIES, Ciências sem Fronteiras e Pronatec são elementos que, somados, não permitem esperar melhoria significativa do IDH no Brasil. Em outras palavras, paramos de nos desenvolver e podemos até mesmo dar passos para trás, com a piora no indicador.

O INDICE DE GINI

Outro indicador importante é o que mede a concentração de renda, o chamado índice de Gini. Os países desenvolvidos têm índices de Gini semelhantes. Portanto, quanto mais distantes tivermos destes indicadores, mais longes também estamos do desenvolvimento.

Este índice também varia de zero a 1. Mas aqui nosso raciocínio deve ser inverso, isto é,  quanto mais próximo de zero, mais igualitário o país; quanto mais próximo de 1, mais desigual ele é. Países como Noruega, Suécia, Dinamarca, França, Alemanha e EUA têm índices mais próximos de zero do que de 1.O Brasil está entre aqueles em que o índice está mais próximo de 1. Estamos entre os campeões mundiais de desigualdade de renda.

Este indicador permite uma série histórica mais larga. Considerando-se a fase da Economia Brasileira Contemporânea, após a industrialização a partir de 1930, o destaque ficou por conta da piora do indicador entre o ano de 1964 e a década de 1990. O índice de Gini subiu de 0,497 nos anos de 1960 para 0,565 na década de 1970; 0,592, na década de 1980; e 0, 637 na década de 1990.

Em outras palavras, após 1964 e durante três décadas, o Brasil até cresceu sua economia, mas a desigualdade aumentou expressivamente, com reflexo na piora da educação, saúde, moradia, transporte e condições de vida em geral da grande maioria dos brasileiros.

Como resultado das reformas de 1964, entre 1970 e 1972, no auge do milagre econômico brasileiro, a parcela da renda dos 60% mais pobres da população brasileira caiu de 20,9% para 16,8%, enquanto a parcela dos 10% mais ricos da população subiu de 46,7% para 52,6%.

Neste sentido, vale a pena recuperar, ainda que brevemente, os elementos que estavam presentes em meados da década de 1960 no Brasil e ver as semelhanças com o processo atual.

O PAEG e o arrocho salarial

Em 1964, o Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG) - liderado por Roberto Campos (Ministro do Planejamento) e Octávio Gouveia de Bulhões (Ministro da Fazenda), e, alguns anos depois, por Delfim Netto e Mário Henrique Simonsem - implementou uma série de reformas institucionais que visavam propiciar um novo ciclo de crescimento capitalista no Brasil. As reformas eram tidas como necessárias para constituir uma nova estrutura institucional no País.

No diagnóstico do PAEG, a crise do início da década de 1960 era resultado sobretudo da instabilidade política reinante, que se refletia em medidas econômicas que desestimulavam a produtividade, a poupança, os investimentos e a entrada de capitais. Isto resultava, na visão do Plano, em déficits públicos elevados (em função do descontrole de gastos), expansão demasiada do crédito, aumento de salários superiores à produtividade. Para os formuladores do PAEG, era importante reconstituir a lógica do “mercado”, bem como as políticas fiscais e monetárias comprometidas com a estabilidade monetária.

O arrocho salarial após 1964 ocorreu por meio de políticas como conversão dos salários pela média; fixação de índices de reajuste determinados pelo governo (que sempre eram fixados abaixo da inflação efetiva); princípio da anuidade como período mínimo para os reajustes salariais; intervenção e repressão aos sindicatos; fim da estabilidade após dez anos de emprego e sua substituição pelo FGTS.

Certamente o controle dos salários a partir de 1964 foi uma das razões pelas quais o forte crescimento verificado entre 1968 e 1973, no chamado “milagre econômico brasileiro”, ocorreu simultaneamente à queda da inflação e à piora na distribuição de renda.

Registre-se ainda que, facilitado pelo amplo controle exercido sobre o legislativo e pelo ambiente autoritário da época, o PAEG promoveu, além das reformas trabalhistas, importantes reformas também no campo fiscal e monetário, bem como  na estrutura do sistema financeiro: introdução da correção monetária nos títulos públicos e privados; reforma tributária com a redefinição da cobrança entre as esferas de governo; criação de novos impostos; introdução de vários incentivos fiscais; nova lei de remessas de lucros; definição e redistribuição das tarefas das instituições financeiras; criação de novas instituições financeiras (como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central e o  Banco Nacional de Habitação); ampliação das modalidades de crédito, entre outras. Voltemos, então, aos nossos dias. Com as atuais mudanças implementadas pelo Governo Temer – reformas trabalhistas, previdenciárias, terceirização –, a tendência é que o Brasil repita o que verificou no período seguinte a 1964: a piora na distribuição de renda. A partir das reformas de 2016, estamos seguindo o mesmo caminho que trilhamos meio século atrás.

Evidentemente, as medidas não são exatamente as mesmas (embora também aqui haja paralelos). O paralelismo reside em que, tal como em 1964, as Reformas de 2016 objetivam criar condições para a retomada do crescimento por meio do reequilíbrio das contas públicas (com o controle de gastos, de um lado, e o aumento das receitas, de outro), e, de modo mais geral, por meio da redução dos custos com o trabalho (salários, benefícios, direitos) e com os demais gastos sociais.

Em suma, a atual Política Econômica e as reformas de 2016, tal como em 1964, elegeram claramente ganhadores e perdedores. Tanto no passado quanto no presente, a classe trabalhadora está entre os perdedores.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas e Comércio Exterior) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS.

Obs.: As opiniões expressas neste artigo não expressam necessariamente a visão majoritária dos membros da entidade da qual faço parte profissionalmente.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna "Ponto de (des)equilíbrio", em 10/4/2017.