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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LANÇAMENTO DO LIVRO "ENTRE A MÃO INVISÍVEL E O LEVIATÃ: Contribuições heterodoxas à economia brasileira"



O livro "Entre a mão invisível e o leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira" será lançado no próximo dia 4 de dezembro, às 19h, à Rua Dr. Eduardo Monteiro, 151, Jd. Bela Vista, Santo André (próximo ao Shopping ABC). 

A seguir artigo que publiquei no Diário do Grande ABC, em 29/11/2019, com o título do livro. O artigo é uma espécie de "spoiler" do livro,. Em breve, divulgaremos por aqui a forma de aquisição do livro pelos interessados.
"Neste momento, a política econômica brasileira busca a redução do tamanho do Estado. Nas várias áreas, a diretriz da ação do governo é o estímulo ao mercado, à concorrência e ao investimento privado. Não nego que este caminho tem alguns resultados positivos: inflação baixa, redução de custos para as atividades empresariais, maior equilíbrio entre receitas e despesas públicas. Mas seus efeitos negativos são altos: desemprego e precarização do trabalho, redução das políticas sociais, forte contração do consumo e dos gastos públicos.
Alinho-me entre aqueles que pensam fora desta caixa fechada imposta pelo receituário ortodoxo, acreditando que é fundamental a regulação do sistema. Deixados às livres forças de mercado, os países emergentes, como o Brasil, não chegarão à superação de nossas deficiências e gaps econômicos, tecnológicos e sociais. É importante o equilíbrio das finanças públicas, mas também é essencial a participação do Estado e das políticas públicas nacionais e locais na orientação do desenvolvimento. É este o fio condutor do livro que lanço no próximo dia 4 de dezembro, e cujo título é “Entre a mão invisível e o Leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira”.
A política econômica não deve se orientar nem pela “mão invisível” do mercado nem pela totalidade exclusiva do “Leviatã” (o monstro bíblico dos mares) representado pelo Estado (governo). É preciso encontrar as saídas que nos levem à “terceira via”. O dilema “mais Estado” ou “menos Estado” pode ser em parte resolvido com uma terceira alternativa: “mais sociedade nas políticas públicas”. A meu ver, devem-se valorizar os espaços multipartites, como Câmaras Setoriais, Câmaras Regionais, Arranjos Produtivos Locais (APLs), Conselhos, Fóruns etc. Trata-se de buscar a eficácia econômica por meio do diálogo social entre os atores e instituições.
A procura por uma sociedade mais justa e igualitária requer também que se dêem respostas imediatas e efetivas aos problemas enfrentados no dia a dia pela sociedade. Cumpre entender a complexidade do país, e, a partir daí, apresentar sugestões, recomendações, caminhos a trilhar. Cabe “intervir” na realidade, mas a partir dos limites impostos pela correlação de forças econômicas, sociais e políticas.
Tive a oportunidade de contribuir, em alguma medida, com alguns destes caminhos alternativos. Entre eles, as Câmaras Setoriais; a Câmara Regional; a Política de Valorização do Salário Mínimo; os Arranjos Produtivos Locais (APLs), com a aproximação da gestão pública, cadeia produtiva e universidades; o Turismo Industrial, entre outros. Outras ideias e proposições ainda se encontram apenas “no papel”. Portanto, podem ser debatidas, reelaboradas e aperfeiçoadas em novos cenários que se apresentarão. É o caso de sugestões como a execução de um “modelo de tríplice hélice” no Brasil, que, seguindo o que fazem os países avançados, aproxime as empresas, universidades e governos em torno de projetos estratégicos; a ampliação e democratização do Conselho Monetário Nacional; um novo papel para o BNDES; uma nova regulamentação do sistema financeiro nacional, que, efetivamente, por meio da intermediação financeira, apóie o investimento e a atividade produtiva; uma Política de Renovação e Reciclagem de Veículos no Brasil; um Programa de Renovação do Parque Fabril; o estabelecimento de um Código de Conduta para o fechamento e transferência de plantas no Brasil, que regule melhor as decisões tomadas pelo capital, como a que levou ao fechamento da Ford no Grande ABC, entre outras.
É essencial refletir sobre as políticas de combate à crise associadas ao desenvolvimento; a política monetária, destacando a importância das políticas de controle da inflação, mas também um novo papel e rumos para o mercado financeiro; a importância de uma política industrial; a centralidade de uma política de apoio à tecnologia e inovação, associada ao investimento em educação; as políticas para gerar emprego, renda e melhoria das relações de trabalho; a relevância das políticas sociais e de redução das desigualdades sociais, regionais, de classe, de gêneros e de raças. Igualmente são importantes as políticas de desenvolvimento local, que tratam das questões e soluções em âmbito regional e urbano. Neste caso, o Grande ABC é inclusive uma referência ímpar, e cuja experiência deveria ser mais apoiada pelos Governos Federal e Estadual".

sábado, 9 de novembro de 2019


LANÇAMENTO!

Agende aí: dia 4 de dezembro (uma quarta-feira), das 19h às 21h30, convido você para o lançamento do meu livro “Entre a mão invisível e o Leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira”. Local: Alpharrabio Livraria. Rua Dr. Eduardo Monteiro, 151, Santo André (bem próximo do shopping ABC). 

Conto com você lá, ok?

segunda-feira, 15 de julho de 2019

O GRANDE ABC E O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UM ECOSSISTEMA REGIONAL DE INOVAÇÃO: ENTREVISTA COM O PRESIDENTE E O VICE-PRESIDENTE DO ITESCS, LUIZ SCHIMITD E THIAGO Y. MATSUMOTO1

A entrevista a seguir foi originalmente publicada como nota técnica na 8ª Carta de Conjuntura da USCS, do Observatório de Políticas Públicas Empreendedorismo e Conjuntura – CONJUSCS, em julho de 2019. Para ter acesso à carta completa acesse: www.uscs.edu.br/sites/conjuscs.
Entrevistadores:
Jefferson José da Conceição, Gisele Yamauchi e Ana Paula Lazari Ferreira

Criado em 2007, o Instituto de Tecnologia de São Caetano do Sul (ITESCS) nasceu, originalmente, como uma iniciativa de empresários da área de Tecnologia e Informação (TI) de São Caetano do Sul. O objetivo era incrementar os negócios, gerar trabalho e renda e aumentar as receitas do município a partir de um ambiente mais favorável aos negócios e de conexão com diversas áreas da tecnologia. Desde então, o ITESCS ampliou o seu escopo, parcerias, ganhou dimensão regional, e até mesmo nacional e internacional.

Nos últimos anos, a entidade – que possui cerca de meia centena de associados - busca ser reconhecida “comoum dos grandes fomentadores de atividades ligadas à inovação e empreendedorismo (...) e acredita que a região do ABC tem potencial para ser um futuro Vale do Silício (...)” e por isto enfatiza valores como “inovação, cooperação, associativismo, empreendedorismo e ética”(site oficial do ITESCS).

Em parceria com a USCS, o ITESCS realiza, neste ano de 2019, vários hackathons com professores e alunos de todas as escolas que compõem a instituição. O objetivo destas atividades é estimular na universidade o empreendedorismo e o surgimento de idéias novas e empreendedoras com potencialidade de se tornarem futuras startups.

Nossos entrevistados são Luiz Schimitd e Thiago Y. Matsumoto, respectivamente, atuais Presidente e Vice-Presidente do ITESCS. Ambos são especialistas na temática de ecossistema de inovação, que é o principal objeto desta entrevista.

Luiz Schimitd é administrador graduado pela Universidade Anhembi Morumbi com MBA em gestão de processos pela FGV; diretor do Grupo Schimitd Segurança e Serviços (especialista em facilities e automação de acessos); founder da Delta Inovação (empresa especializada em hackathon e workshops de inovação) e da Agência Falconeye (especializada em webdesign).

Thiago Y. Matsumoto é engenheiro eletricista graduado pela FEI-SP com MBA de Gestão Empresarial pela FGV; sócio fundador da empresa portuguesa Atlantic Hub; co-fouder da Lunctus Angel Startup Investing; investidor no Bossa Nova Investimentos e Anjos do Brasil; palestrante, mentor e investidor anjo, atuando com startups em eventos nacionais e internacionais; membro e integrante do Grupo de Trabalho de Seleção de Projetos Anjos do Brasil; membro do conselho da incubadora Mondó da Universidade Metodista de SP; diretor de Logística Ong - AMDAF Projeto Olhos do Xingu.

Entrevistadores: Fale um pouco da sua trajetória profissional.

Luiz Schimitd: Minha carreira é mais na parte técnica. Trabalhei na Schneider, que é uma indústria de equipamentos. Foi lá que eu vi a aplicação de conhecimento técnico no dia a dia de trabalho. Eu tinha um ambiente propício, não para inovação ainda, mas para a importância de se estudar mais. Isso fez com que eu procurasse outras soluções. A gente queria muito resolver um

1 Nota técnica extraída da 8ª Carta de Conjuntura da USCS, Julho de 2019 do Observatório de Políticas Públicas Empreendedorismo e Conjuntura – CONJUSCS. Para ter acesso à carta completa acesse: www.uscs.edu.br/sites/conjuscs.


problema de processos na empresa. Então, eu e mais um amigo, a gente se propôs a resolver aquele problema de processos. Construímos um novo sistema, um mini software para gerenciamento comercial. Assim, a gente começou a ver que aquela solução era uma coisa muito legal de ser feita, que podia ser vendida para outros lugares. Resolvemos abrir uma empresa. Meu primeiro teste como empreendedor foi abrindo uma empresa de programação. Entretanto, um tempo depois, acabei fechando. O que é muito normal, ainda mais sendo uma startup. Eu saí da Schneider com esse propósito; fui empreender nessa empresa; trabalhava num coworking; já estava inserido no ecossistema de inovação. Mas eu não sabia que eu tinha uma startup, que trabalhava num coworking (...). Eu fechei essa empresa em 2011. Em 2009, eu comecei a atuar na empresa Schimitd, que é uma empresa familiar, onde atuo atualmente. Desde 2010 eu venho empreendendo nas áreas de tecnologia, segurança e automação. E também tentando fazer outras coisas. Eu me formei em administração pela Universidade Anhembi-Morumbi. Fiz MBA pela FGV em Santo André, em gestão de processos (...).

Thiago Matsumoto: Eu acho que fui concebido e formado para ser da carreira corporativa. Fiz curso técnico em eletrônica; e graduação em engenharia elétrica na FEI. Cerca de 1/3 da minha carreira foi em área corporativa.Comecei como engenheiro em uma empresa; gerente de engenharia. Tive a possibilidade de ir para vendas e marketing, como se fosse a parte de consultoria. Eu fazia muita venda consultiva (...). Eu virei gerente geral. O dono da empresa começou a me apoiar e pagou meu MBA em gestão empresarial. Ele começou a me incentivar cada vez mais para eu ir para a área de vendas e marketing. Foi exatamente nesse momento que eu encontrei as Startups. Então, eu fiz um projeto para a empresa realizar investimentos em Startups. A empresa, porém, não achou muito viável. Assim, eu mesmo comecei a investir como pessoa física, pois gostei do projeto. Comecei a me envolver mais e mais com as Startups. Cada vez mais eu estava inserido neste mundo das startups. Também me tornei um pouco de referência, porque também conhecia pessoas de referência. A partir daí, iniciei um trabalho mais institucional e também comecei a investir mais em mentorias e palestras. Chamaram-me para ser adviser (conselheiro) em algumas vezes. Foi nessa trajetória que montamos uma empresa chamada Atlantic Hub. Trata-se de uma empresa que tem o objetivo de levar empresas - seja startups, indústrias ou serviços - para Portugal, com todos os incentivos. Em realidade, temos uma via de mão dupla, entre Portugal e Brasil, para trazer e levar empresas. Costumo dizer que tenho sorte de conseguir viver só de startups.

Entrevistadores: Apenas um parêntese: você é o próprio símbolo do jovem que se desgarra das estruturas corporativas tradicionais, pouco a pouco!

Thiago Matsumoto: Se estivéssemos quatro anos antes, e você me perguntasse o que eu queria ser, eu iria falar que queria ser um diretor ou um presidente de uma empresa corporativa. Teve uma hora, porém, que deu esse insight e eu falei: não quero ser mais um número, um colaborador.

Entrevistadores: Um “ecossistema de inovação” é o termo que a literatura utiliza para descrever o sistema, o qual, em determinado território (local, regional, estadual, nacional...), liga e impulsiona o apoio à inovação, o desenvolvimento tecnológico e o empreendedorismo, por meio da interação entre empresas, empreendedores, universidades e poder público, entre outros. Assim, quais as principais instituições e atores constituem hoje o ecossistema de inovação no Grande ABC Paulista? Qual a sua avaliação sobre este ecossistema?

Luiz Schimitd: Minha avaliação é de que todos esses agentes já estão aqui. Só que muitos deles estão fazendo as suas atividades separadamente. Temos universidades de qualidade muito alta; empreendedores com vontade de fazer; um transporte logístico que propicia fronteiras; troca de informação. A gente até tem agentes públicos interessados em fazer alguma coisa, mas cada um olha o seu município. O que, a meu ver, é um grande erro. Temos uma Região que tem uma característica muito interessante. Cada município que a compõe tem a sua característica específica. Entendo que essas características devem ser “trocadas” em um ecossistema. Então, os agentes já estão aqui; já temos grupos de investimento que estão focados aqui; temos


coworkings, espaços cooperativos, fablabs, que são atividades necessárias para isso. O que falta é coordenação de atividades.

Entrevistadores: Se você tivesse que graduar o ecossistema do Grande ABC hoje, qual seria a “nota” e por quê?

Luiz Schimitd: Vou graduar em duas etapas. Se eu for avaliar o ecossistema do Grande ABC em termos de Brasil, a gente estaria no nível de 4 para 5. Por quê? Porque eu já estou comparando com ecossistemas mais maduros, como o de Santa Catarina, por exemplo. Você tem lá um ecossistema que tem força. Lá, eles conseguiram transformar a economia da região, que antes era preponderantemente associada ao turismo. Agora, ela é voltada para a área tecnológica. Houve um grande investimento dos agentes públicos. Houve interesse empresarial (...). Por conta de eventos da tecnologia, a atração de investimentos altera a característica da região. É claro que isso demorou 20 anos para ser feito. Então, o ecossistema de Santa Catarina está bem maduro. Portanto, uma região almejar tornar-se uma espécie deVale do Silício exige uma cultura diferente. OVale do Silício seria uma referência de nota 10; Santa Catarina estaria hoje numa nota 8, bem próximo já. Aqui, no Grande ABC, falta muito. Não temos essa cultura de inovação enraizada. A gestão pública ainda não está focada nisso. (...) É importante a gente pensar nisso. Os agentes do ecossistema ainda não atuam de maneira coordenada. A grande questão é que, quando falamos sobre ecossistema, a coordenação é fundamental. Não importa se eu vou ter 200 FabLabs. O que importa é que eu tenho mais atividades e que estas atividades tenham visibilidade e que tenham aplicação. A startup que começa sem vender não tem sentido algum, ela tem que fazer girar a economia.

Thiago Matsumoto: A pergunta sobre o ecossistema do Grande ABC é ótima! Estou no ITESCS  há quase quatro anos. Fomos os precursores de startupsde inovação aqui no ABC. Até então, ninguém falava sobre esse tema na região. Acho que fiz palestras em todas as universidades e empresas de grande porte falando sobre o tema. Uma vez até falaram que íamos fazer um “stand up” e não startup. Isto, para você ver o quão cru ainda estávamos no Grande ABC. Hoje, o movimento das startups está muito forte, não só aqui, mas em todo o Brasil e no mundo. O ecossistema do Grande ABC começou a crescer. Estamos ainda no início. O ITESCS, as universidades e outras entidades estão fazendo com que o ecossistema cresça. Ano passado, nós ajudamos a fundar o ecossistema “ABC Valley”. Trata-se de uma comunidade na qual estão essas instituições e atores. O principal objetivo é o engajamento dos empreendedores de startups. Até então, nós sabíamos que havia um ecossistema, mas não sabíamos onde. Agora, temos um senso de pertencimento a um ecossistema. As startups começam a se conversar. Com isto, poder público, ITESCS, investidores começam a “rodear” as startups e a ajudá-las. Vejo que o ecossistema esta crescendo. Já somos reconhecidos no Brasil todo. Uma dificuldade a ser enfrentada é que o Grande ABC é muito próximo de São Paulo. Então existe um pequeno problema: quando a startup fica forte, vai pra lá, porque no município de São Paulo, que é uma cidade global, há mais oportunidades. A gente tenta fazer com que se crie mais capital aqui, para se ter mais investimento. Isto, para que as startups, as incubadoras e os investidores fiquem aqui e não precisem ir para São Paulo. Esse é o nosso maior desafio para que o ecossistema fique grande.

Entrevistadores: No que consiste o ABC Valley proposto pelo ITESCS? No que o Vale do Silício poderia inspirar o ABC Valley?

Luiz Schimitd: O ABC Valley é um movimento que começou motivado pelo ITESCS. O objetivo é criar um ambiente para se “falar” sobre startups. Há quatro ou cinco anos atrás, não se falava sobre isso. Nós começamos a atrair os agentes, para falar de startups na região. Esse termo- “ABC Valley” - foi usado pela primeira vez em 2017 em uma atividade do SEBRAE, a primeira edição do Startup SP do SEBRAE. Ao final dela, a gente cunhou esta nomenclatura ABC Valley. Antes de chegarmos a este nome, a gente fez uma votação pela comunidade (...). Temos um grande grupo de WhatsApp que ajuda a juntar esses agentes. Rapidamente, nós chegamos entre cem a duzentas pessoas (contatos envolvendo reitores de universidades, gestores, empreendedores, startups já consolidadas). Enfim, com todo mundo dentro desse grupo, fizemos


uma votação e se chegou ao nome de ABC Valley. O evento do SEBRAE era a primeira vez que ocorria no Grande ABC. Ficamos na liderança no ranking dos eventos realizados fora do  município de São Paulo. Essa é a atividade que mais promove Startup fora de São Paulo. O ABC Valley é um movimento que promove a região. Não tem empresa na “cabeça” do movimento, não tem dono, não pertence a uma instituição. Ele é um movimento da comunidade regional. O Silicon Valley é, antes de mais nada, um movimento, uma cultura regional. Assim, que o ABC Valley seja de todo mundo que está no ABC, ou de quem não está, mas que gosta e que quer promover as atividades aqui no ABC. Toda pessoa pode se tornar membro do ABC Valley. O que ela precisa é promover o que a gente está promovendo: a mudança da matriz econômica regional. Quando eu falo em mudar, não é acabar com o que já existia. É acrescentar no Grande ABC a inovação tecnológica e o empreendedorismo. Entendemos que isso vai fazer com que o Grande ABC consiga sobreviver nos próximos anos e não ficar mais totalmente dependente da indústria. A própria indústria pode (...) aproveitar o que a gente está fazendo e gerar as suas próprias inovações. O ABC Valley é isso: um movimento (...) que vai trazer mais prosperidade. Mas o ABC Valley não pode ter dono. Temos a intenção de fazer uma missão ao Vale do Silício (...) no ano que vem.

Thiago Matsumoto: O Vale do Silício inspira muito o ABC Valley. O ITESCS é uma entidade jurídica sem fins lucrativos. Somos associados e pagamos mensalidade para fazer parte do ITESCS. Já o ABC Valley é algo “geográfico” e apartidário. Não tem chefe e não tem dono. Trata- se de um ambiente, assim como o Vale do Silício, onde existem empresas de tecnologias, universidades e pessoas que lá movimentam muito o ecossistema. No caso do ABC Valley, queremos startups, investidores, universidades - todos pensando em inovação e empreendedorismo, porque o Grande ABC sempre foi o maior pólo tecnológico do Brasil. Isto, por causa das montadoras e do grande setor industrial na região. Algo de importante, que tem aver com o Vale do Silício, refere-se ao número de engenheiros formados pela região. O Grande ABC tem as maiores faculdades de engenharia (...) assim como lá no Vale do Silício. Uma coisa que eu gosto muito do Vale do Silício é a diversidade, a transcultura. Se você andar por lá, verá americanos, chineses, indianos e brasileiros, entre outras nacionalidades, conversando. Isso é que faz o Vale do Silício ser o que é. Gostaria que o ABC Valley tivesse essa diversidade, pois  isto faz um ecossistema forte.

Entrevistadores: Mas você tem a presença de empresas ancoras no Vale do Silício.

Thiago Matsumoto: Sim, tem a presença deles. Mas eu vejo que o Vale do Silício nasce bem antes (...) assim como o ABC. As grandes empresas, as empresas âncoras, podem ajudar a estimular a inovação.

Entrevistadores: O ecossistema de inovação guarda forte relação com um determinado espaço territorial – por exemplo, o Grande ABC Paulista. O mundo digital, no entanto, tem reduzido as distâncias e aproximado os territórios mais distantes do planeta. Assim, como você vê a relação entre o ecossistema de inovação do Grande ABC (ou ABC Valley) e as relações com outros atores, instituições e ecossistemas de outras localidades? Que desafios e oportunidades você vislumbra neste ambiente?

Luiz Schimitd: O ABC Valley é um ecossistema, mas é claro que existem outros no mundo e que, mesmo no Brasil, a gente está falando de alguns apenas. Por exemplo, o Red Foot é o movimento do Paraná, que tem este nome por conta da terra da região. O movimento faz com que as pessoas tenham um senso de pertencimento, não só do ecossistema, mas também da região. E é exatamente isso que falamos aqui sobre o ABC Valley. Existe o movimento de Presidente Prudente, por exemplo. Eles estão fortalecendo bastante o movimento na região e já estão conectados com a gente. Iremos fazer uma ação em conjuntoe, automaticamente, as informações que a gente tem serão mandadas para lá. Além disso, trazemos pessoas. Somos chamados para fazer mentoria lá. Então, essa conexão entre ecossistemas acontece. O que é fundamental para empreender é a gente podertrocar experiência com todo os ecossistemas e assim com todas as comunidades. Quando a comunidade cresce, ela começa a te problemas de relacionamento, problemas de interesses. As pessoas não sabem para onde vai e procuram mais informações. Por


isso que é importante trocar informações com outro ecossistema, esteja este começando ou seja mais maduro. Entretanto, ao mesmo tempo em que se está conectado com outro ecossistema, é muito importante reforçar a própria regionalidade do ecossistema: o olho no olho, o contato próximo, osenso de pertencimento com a região (...). [Com isto], nos sentimos mais parte do ABC Valley do que do Red Food. A gente entende que a regionalidade é muito importante.

Thiago Matsumoto: Gosto muito de responder isso.Eu viajo muito para falar de startups, fazendo palestras. O que a gente sempre passa pra todo mundo da comunidade das outras cidades é que fazemos parte do ABC Valley, como ITESCS ou Atlantic Hub. Falo que sou da comunidade ABC Valley. Isso ajuda muito no relacionamento entre os ecossistemas. Existem diversas comunidades de startups pelo Brasil que se relacionam e estão fazendo a diferença. No ano passado, tivemos, em Portugal, o evento “Web Summit”. Levamos quase vinte pessoas do ABC para este que é o maior evento de tecnologia do mundo. Foi muito bacana, porque fazíamos postagens falando que o ABC Valley estava lá e todo mundo do ABC curtia. Nós, como ecossistemas, temos que ir e falar sobre o nosso ecossistema. Isso traz muito beneficio e conexão. Com isso, vieram pessoas conversar com a gente e perguntar como foi feito o ABC Valley, visando levar para outras cidades a construção de ecossistemas.

Entrevistadores: Você enfatiza bastante o ABC Valley na viagens. Você diria que o ITESCS e o ABC Valley já são conhecidos nacionalmente?

Thiago: Sim, eu vejo que sim. Tome-se o caso do Benício, que foi o presidente do ITESCS anteriormente. Ele ajuda bastante nisto, levando o nome do ABC, seja como ITESCS ou ABC Valley. Estamos contribuindo com a comunidade. Mas nós, como ITESCS, sabemos diferenciar o que é o ITESCS e o que é o ABC Valley. Mesmo um estando “dentro do outro”, percebemos que a comunidade não pode ter dono. Os participantes podem pensar que aquela região é do ITESCS e achar que queremos algum fim político ou financeiro.

Entrevistadores: Considerando-se as novas tecnologias digitais, suponha o seguinte cenário: desafios postos no mundo afora que cheguem ao ABC Valley, e que uma Startup daqui ajude a resolver. Essa situação já é vivida concretamente? Essa dimensão digital ajuda a conectar startups locais com outros ecossistemas?

Luiz Schimitd: Nós temos aqui no Grande ABC o exemplo de uma startup que começou aqui e agora ela está no Canadá, resolvendo um problema do cotidiano, que é a fila em escolas infantis. Só que esse era um problema não apenas do Grande ABC, mas também do mundo. A solução foi adaptada, não só na linguagem. Já está em aplicação. Há um contrato com uma empresa canadense e agora a startup busca conquistar o mercado americano. A empresa está instalada no Canadá. A empresa é de um associado do ITESCS e se chama “Filho sem fila”.Foi uma das primeiras a ajudar a fundar o ABC Valley. Esta empresa está ajudando a resolver um problema mundial. Tem outro exemplo aqui de uma empresa que foi para Colômbia – a Tech Mobile – que serve tablets para eventos e faz cadastramento de pessoas nos eventos. É, também, uma solução para um problema mundial. O empresário foi em uma missão para a Colômbia no ano passado. Já tem alguns clientes lá e já resolveu problemas. Uma terceira empresa, que está despontando bastante aqui e que está fazendo geolocalização, é a The Insights. Fazalgo diferente, que é uma solução muito bacana. Há várias soluçõesque são regionais, mas que resolvem problemas mundiais. Nesse sentido, o pensamento de inovação deve ser: pensar local, resolver local e enxergar o mundial. Isso é necessário. E é o que a gente chama de escalar o negócio. Então, se você tem uma solução para um problema que a sociedade tem, valide-o na sua sociedade, no seu território. Veja efaça o teste nesta sociedade; depois o mesmo procedimento deve ser  considerado em outra sociedade ou território.

Entrevistadores: Qual é o grau de apoio das instituições do Grande ABC Paulista ao desenvolvimento do ecossistema de inovação regional?

Luiz Schimitd: Agentes públicos de Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo e Diadema foram os que tiveram contato comigo diretamente. Desses, todos eles têm, em maior ou


menor grau, uma atividade já focada. Algumas com maior êxito e outras ainda com atividades mais espaçadas. A minha percepção é que estas atividades não estão coordenadas regionalmente e isso pode ser feito num segundo momento. É necessário que se tenha densidade nas coisas que estão sendo feitas na região. Quero dizer com isso que não adianta fazer um evento de inovação em janeiro, um evento de inovação em julho, outro no final do ano. É pouco espaço de tempo. Isso faz com que as pessoas se percam nos problemas. E também faz com que elas não tenham uma posição sobre a cidade; que tenham um pensamento de introdução da Inovação de uma maneira bem forte. O que tem que se fazer não é só palestras. Mas também discussões em fóruns, eventos para discussão sobre os problemas locais, de modo que se proponham desafios para a própria região. Assim, poderíamos ver uma atividade que está sendo feita em outros lugares e analisar sua utilização em nossa região. A prefeitura e o estado têm que abrir as portas para que sejam resolvidos os problemas; e as melhores soluções dos problemas têm que ser remuneradas por isso. Os desafios que as prefeituras têm são imensos. Tem muita tecnologia para resolver e essas atividades.

Thiago Matsumoto: Eu vejo que, assim como o ABC Valley está crescendo, as políticas públicas também estão, bem como todo o ecossistema de startups, inovação e empreendedorismo no Brasil. O processo começa em uma entidade privada ou ações privadas; com isto, (...) as entidades públicas passam a apoiar. No momento, estamos com maior apoio de prefeituras. Não estamos como gostaríamos que fosse, é verdade. As próprias prefeituras também querem ampliar sua atuação, mas eles não sabem como fazer esses apoios e integração com o ecossistema. Às vezes, há muitos eventos e ações pontuais em prefeituras e entidades públicas (...). Por isso, estamos batendo na tecla de que tudo faça parte e se integre a um sistema regional do ABC. Hoje, o ecossistema se organiza por cidade. Nós temos sete cidades envolvidas. Para gerenciar tudo isso, é muito complicado. Ouve-se com frequência dos representantes do poder público: “vou fazer essa política pública, mas ela é para a minha cidade”. Outra pessoa fala: “não, é para a minha”. Mas o ABC Valley envolve toda a região. A questão inclusive deveria ser como levar o ecossistema de inovação para Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, municípios mais afastados. Essa é a batalha que estamos travando visando integrar as atividades.

Entrevistadores: Se você pudesse conversar com os prefeitos ou os representantes do legislativo da região, que pleitos você faria para desenvolver o ecossistema de inovação?

Luiz Schimitd: A gente tem algumas ações (...) que poderiam ser bem feitas. Os projetos de parque tecnológico e de centros tecnológicos poderiam sair do papel. Com isto, a região daria um salto brutal. Seria muito bom se isso saísse agora. Só que não está saindo. Existem algumas leis que poderiam ser adaptadas, como a Lei do Bem, a Lei da Informática, para que os incentivos à Inovação pudessem ser aplicados aqui. Existem programas do BNDES diretamente focados em startups, oferecendo apoio ao empresário local. Para aquele que criou uma startup com o foco em inovação pode ser oferecido uma redução do Imposto de Renda - uma exceção básica para empresas com foco em inovação. Isso seria um grande salto. Mas eu também vejo que já seria um passo importante caminhar com esses projetos. Particularmente São Caetano do Sul e Santo André têm bons projetos nesta área. Com eles saindo do papel, haverá um salto. Acredito também que dá para haver coordenação entre estes projetos. E que as atividades a serem feitas em Santo André gerem empregos para São Caetano do Sul, por exemplo; ou que a atividades de São Caetano do Sul gerem demanda no comércio de Santo André. Essa conversa regional é fundamental que se dê. Existe o movimento do Brasil competitivo que não é um movimento do governo, mas é nacional e que tem ligações locais. (...). Olhar o Grande ABC como região (...). Então, o que eu solicitaria é um apoio à inovação local. Isto, para que grandes, médios e pequenos empreendedores possam interagir juntos com o pequeno, médio e grande capital, visando uma solução para o desenvolvimento local, resolvendo problemas locais. Tem grandes empresas aqui e elas têm grandes recursos que podem ser aplicados em inovação. Se houver um programa de incentivo à inovação local, isso seria muito bom.

Entrevistadores: Você falou claramente do modelo de Santa Catarina. Que cidade ou região você daria como um exemplo para que o ABC se inspirasse a buscar as informações de apoio ao ecossistema de inovação?


Luiz Schimitd: Além de Santa Catarina eu observei o modelo de Sorocaba. Lá há uma grande atividade envolvendo parques tecnológicos. Mas não é só isso. Tempos atrás eu estive em reunião com alguns gestores públicos do Grande ABC (...). Havia o pleito de outras secretarias para a aplicação da inovação em todas as áreas dentro do governo, e que fossem previstos investimentos e parcerias com as Universidades. Ou seja, as questões não estavam mais se restringindo ao parque tecnológico. E isso é muito bom. Sorocaba seria outro benchmarking. (...). São Carlos também tem um Parque Tecnológico (...). O que eles desenvolvem de tecnologia lá é de primeiro mundo. Eles estavam com o seguinte problema: eles tinham o parque, mas não tinham empresas. E esse problema foi resolvido há pouco tempo. Agora, dentro do parque, há empresas consumindo aquela tecnologia. Este é um caso muito bacana para a gente olhar.

Thiago Matsumoto: Incentivos fiscais tributários já ajudam muito. Florianópolis, por exemplo, tem uma política específica que se chama “Lei Rouanet de Inovação”. Por ela, os empresários têm benefícios, se investem em startup; ou, se contratam startups, eles têm benefício no ISS. Realizam também eventos e ações como constituição de incubadoras e pólos tecnológicos. Isso ajuda e muito. (...). O Estado de São Paulo incluiu para toda a rede o turismo na escola pública; e até aumentou a carga horária. Isso é uma inovação pública que ajuda o empreendedorismo. (...).


Entrevistadores: Qual a efetiva participação do ecossistema de inovação – em particular, as startups – na resolução dos problemas e desafios das gestões públicas no ABC Paulista? Que medidas poderiam ser adotadas para impulsionar esta participação?
Luiz Schimitd: Cabe ao poder público oferecer desafios; os desafios devem estimular a resolução de problemas. Claro, não dá para se resolver todos os problemas da prefeitura com as startups. Nós temos problemas de processos, problemas de atendimento, variações de demandas. Todas essas áreas poderiam ser melhoradas. Isso já é feito em outras cidades. Não sei se eu posso citar, mas existem algumas prefeituras que já estão fazendo atendimento por chatbot para entender a demanda deste ou daquele cidadão. Se for uma demanda real, ela é enviada para um filtro antes de se enviar para a defesa civil ou para polícia. Para quem quer que seja, usar uma tecnologia tem que ter uma demanda de base e melhorar o problema de atendimento é crucial. Outras startups, de cunho jurídico, por exemplo, poderiam avaliar processos da prefeitura e oferecer soluções para os cidadãos. Deve-se ver em primeiro lugar os problemas. A partir daí, propor desafios a serem enfrentados pelas startups. Isto seria um grande avanço. Temos startups que se propõem a resolver esses problemas. (...). Há uma questão bem atual: demora-se um ano ou dois anos para se contratar aquela startup que ia resolver um determinado problema. Passar por um processo licitatório, é um problema grande. Muitas vezes, a startup ainda nem foi formalizada, não tem capital social para participar. Enfim, é uma questão burocrática e tem que ser solucionada.


Thiago Matsumoto: As startups nascem com esse objetivo, que é resolver problemas, desde problema de locomoção até problemas em áreas como educação, entre outras. As startups servem exatamente para resolver problemas das cidades. Para impulsionar essa relação de problemas, as startups têm que ter algo que faça com que elas fiquem aqui. Assim como os cérebros se formam aqui e trabalham lá, há empresas que se formam aqui e vão para lá. Uma das ações que pode ajudar bastante é fazer com que as startups fiquem aqui. Há dois anos não havia coworkings por aqui. Hoje, nós temos aqui no ABC. Há muitos coworkings. Isto ajuda muito você a ter uma empresa. Não precisa nem ser uma startup, mas ter uma empresa. Você pode ter o seu coworking e você consegue trabalhar daqui do ABC. Não precisa ir para São Paulo porque lá tem mais empresas. Você consegue se posicionar daqui. E o ABC pode promover isso. Temos que lutar contra essa visão de que o Grande ABC está se tornando uma região dormitório. (...). Também, essa pessoa que mora aqui e trabalha aqui não precisa pegar duas horas de trânsito, duas horas para ir e duas horas para voltar do trabalho.


Entrevistadores: seria uma forma de reter seus próprios talentos....


Thiago Matsumoto: Posso até fazer uma conexão com a Indústria 4.0. Nesta, tem-se que conectar as máquinas, a tecnologia, a transmissão e a comunicação entre máquinas. Mas o principal objetivo da indústria 4.0 é aproximar o produtor do consumidor final. Quando você tem essa conexão dos produtores e consumidores finais, isso muda as coisas. Assim, estão aumentando cada vez mais as vendas de pequeno porte nos bairros em São Paulo. Você faz com que a comunidade consuma no próprio bairro.


Entrevistadores: O Grande ABC é o maior cluster industrial da América Latina. Na região, concentram-se centenas de indústrias de grande, médio e pequeno porte. No entanto, há um distanciamento entre as indústrias e o ecossistema de inovação regional (universidades, centros de pesquisa, startups etc). Como fazer para aproximar a indústria e o ecossistema de inovação?

Luiz Schimitd: Temos indústrias aqui, principalmente grandes. Elas observam que há algo melhor no mercado e acabam consumindo soluções de fora da região. Hoje estava com alguns amigos discutindo sobre isso. As soluções que a gente tem aqui para as grandes indústrias acabam vindo de fora. Entretanto, o capital intelectual, boa parte dele foi construído no ABC. Você tem universidades ótimas que constroem um capital intelectual gigante, mas que é consumido por São Paulo, até pela proximidade que a gente tem com São Paulo. A gente acaba ficando à sombra. Entendo que a gente tem que ter cada vez mais esse ecossistema sendo divulgado. A gente propõe que ele seja mais divulgado com a proposta de resolver os problemas das indústrias, seja de pequeno, médio e grande porte. Olhando isso, entendo que as grandes indústrias podem captar soluções regionais de boa qualidade em sua base territorial, com custo-benefício ótimo. A indústria vai começar a ver isso. (...). Não adianta nada eu saber que existe o ABC Valley e eu procurar e não ter ninguém (...). Vai ter algum evento em alguma sala para discutir inovação? Esse evento tem que ter uma conexão com a gente, que pega demanda e manda para alguém – quanto mais essa informação for massificada, melhor. Quanto mais densidade de eventos a gente tiver, mais fácil será fazer com que as pessoas comecem a conectar. E aí faz com que a gente crie uma rede de resolução de problemas eficiente. É por isso que eu falo que a densidade é muito importante para a gente ter uma massa crítica, pessoas que sejam capazes de resolver esses problemas e a informação rodando no ambiente também.

Thiago Matsumoto: Para aproximar o ITESCS da indústria, há necessidade de se promover ações para que levemos as startups à indústria, mostremos os seus benefícios. E assim gerar a integração entre elas. Estávamos pensando em fazer um evento agora, que provavelmente seria no final do mês de maio e começo de junho, um evento do SEBRAE chamado “Compre do Pequeno”, para estimular as empresas a comprarem de pequenas empresas. Não sabemos ainda como vai se chamar o evento, mas pensamos em algo como "Compre das Startups". Esse evento vai estimular as startups a expor o seu benefício. Vamos trazer empresários, de pequeno, médio e grande porte. A ideia é apresentar como a startup pode ajudar a empresa. Às vezes a empresa, o empresário tradicional, está dentro daquela “bola de neve”, na tentativa de trazer recursos, investimentos e de clientes, mas quer inovar e não sabe como em curto prazo, com a crise e tudo mais. Dizemos que, para você inovar, você não precisa fazer um design thinking internamente na sua empresa. Se você consumir das startups, você vai entender o que é inovação. E aí você vai se orientando mais com as startups. Você não precisa fazer algo disruptivo, algo inovador, dentro da cultura de uma empresa. Como vou fazer igual ao Bradesco que fez o “InovaBra” que construiu um prédio com uma incubadora? Você não precisa fazer isso, não faz sentido. Mas começar a consumir de startup e começar a fazer esse entendimento, é muito bom. E o melhor: como se  trata de uma startup, é uma empresa pequena, de pequeno e médio porte. É muito fácil você falar com o dono da pequena empresa. Então às vezes um problema que a minha empresa tem, uma startup pode ajudar. Além de ser uma conversa de ajuda mútua (como foi a sua gestão de vendas? como você fez a sua startup? você pode trazer isso para sua empresa?), e isso vai gerar a inovação aberta. A inovação aberta é você usar o corpo de inovação que você tem, usar as


entradas de fora, que seriam as startups, as universidades e criar novos projetos e novas ações. A inovação aberta começa por se consumir de startups.

Entrevistadores: O problema maior parece então estar dentro das empresas, na cultura da empresa, porque a empresa deve visualizar as oportunidades e sair daquele modelo mais burocrático que trabalhou por anos.

Thiago Matsumoto: Isso é um dos problemas não só de empresas pequenas e médias, mas das grandes. Na verdade, até mais das grandes. Imagine uma startup que tem um projeto. Aí as empresas grandes falam que para comprar de você (startup), a sua startup terá que passar por um processo burocrático gigante. A gente chama lá de “Pock”, como se fosse uma prova de conceito. No início, tem que passar por essa prova de conceito para a gente comprar de você. Isso é o que as empresas e as indústrias fazem. O que acontece é que muitas vezes uma grande empresa faz com que eu tenha mais ou menos duas mil unidades do meu produto. Na “pock”, o que se pede é que eu faça somente 10 unidades. Uma startup não tem condições de fazer uma dessas provas de conceito para uma grande empresa. Aí a startup responde: “eu não consigo”. A empresa então responde: “então, você não pode ser meu fornecedor, porque todos os meus fornecedores são desse jeito”. Tem que fazer com que a empresa entenda isso, que para a  startup é diferente. Às vezes a startup é uma MEI ou simples, que não é tão adequada para se relacionar com uma grande empresa. Mas tem que ter sim uma abertura da empresa, inclusive ter programas. O da ABDI ajuda muito conectando a grande empresa e a startup. O foco dela é como desburocratizar as grandes empresas.

Entrevistadores: Poderíamos dizer que se trata de um choque de culturas e de incompatibilidades entre os tipos de empresas?

Thiago Matsumoto: Como as empresas multinacionais têm uma forma global de comprar, muitas vezes ocorre o choque de culturas (...). Às vezes o que tem que se fazer é adequar algo regional aqui no Brasil. Há a burocracia de que “sempre foi assim”. Isto é um problema. Pelo fato de que “se sempre foi assim, porque que eu vou contratar essa startup?”. Existe esse problema. Eu vejo que alguns diretores de empresas querem conversar, mas existe uma hierarquia. Há as pessoas que têm mentes mais abertas. Entretanto, às vezes falta um pouco de força para elas conseguirem implementar. Mas, com o tempo e o dinamismo das startups, isso está mudando.

Entrevistadores: A Indústria 4.0 já está presente nos países avançados como Estados Unidos, países europeus e países asiáticos. Segundo estimativas, até 2030 cerca de 30% das vagas de trabalho serão eliminadas, com a extinção de profissões e automação de tarefas repetitivas. Você acha que o movimento empreendedor pode gerar volume de ocupações capaz de compensar os cortes nos empregos industriais?

Luiz Schimitd: Bom, nem todo mundo pode ser empreendedor, mas um empreendedor que se desenvolve pode criar vários empregos. Eu acredito que esses caminhos existem, que podem ser trilhados em paralelo. Primeiro, o caminho do empreendedorismo, para quem quer empreender de uma forma diferente. E aí eu faço um parêntese: a gente tem muitas pessoas que estão aqui no ABC que têm uma capacidade intelectual e uma capacidade financeira importante para se colocar um negócio à frente. Daqui a cinco anos as startups de sucesso não serão mais tocadas por jovens. Serão tocadas por pessoas com maior “tarimba de mercado”. É o que eu chamo de capacidade. A idade média dos CEO's é entre 42 e 45 anos - idade que a indústria não está mais absorvendo. Mas eles poderiam ser bons empreendedores. Hoje, uma pessoa, por exemplo, com 45 anos que trabalha em Barueri, leva três horas de trânsito. Se ela puder empreender daqui, ela consegue então ter uma qualidade de vida muito boa. Eu acho que trabalhar o empreendedorismo nesse sentido é perfeito. O empreendedorismo, a inovação e a tecnologia ajudaram a desenvolver vários postos de trabalho. Porém a gente tem outra grande massa na base da pirâmide que precisa ser atualizada para trabalhar. Então, o empreendedor que saiu de uma grande indústria (...)vai entender que a tecnologia, seja na consultoria ou no seu negócio, vai consumir uma mão- de-obra talvez qualificada, mas certamente diferente, com conhecimento e habilidades diferentes. São caminhos que precisam ser trilhados pela região. Nesse caminho, falando de inovação e


startups, deve-se inserir alguns elementos que são básicos do conhecimento sobre lógica, informática, programação. Essa base da pirâmide precisa ser atualizada para que ela possa trabalhar numa startup daqui para frente. Então, respondendo à pergunta, o movimento empreendedor pode criar novos postos de trabalho, mas precisa trabalhar junto com a indústria e o ecossistema de inovação.

Thiago Matsumoto: A pergunta toca numa ferida muito grande. Falar de automação e indústria 4.0 envolve várias frentes. Dá para elencar vários pontos. Olhando friamente, a automação dará o tom, assim como a Revolução Industrial e a Revolução Agrícola eliminaram diversas vagas. Toda inovação e melhoria sempre marcam um ecossistema. O país vai se adaptando. Tem uma frase muito boa de Jack Ma, do Alibaba, que fala assim: "meus avós sempre trabalharam 16 horas por dia e para eles era normal. Hoje trabalhamos 10 horas por dia e achamos isso normal. Você acha que no futuro as pessoas vão trabalhar mais que 10 horas por dia?”. Já há um pensamento em curso da necessidade de diminuição de carga horária para assim gerar mais trabalho. Bill Gates defende (...) o imposto sobre o robô. Cada robô que trabalha teria que pagar o seu imposto. Tudo isso pensando políticas para ajudar a resolver esse problema de falta de vagas de trabalho. Também existe uma forma totalmente antagônica à tecnologia: de que a tecnologia vai, cada vez mais, afastar a elite da classe operária. Isso pode acontecer. Depende como você usa. Como os robôs estão cada vez mais ajudando essa parte, então a disparidade econômica entre a classe alta e a classe baixa vai aumentar cada vez mais. Vejo que falar sobre o futuro é muito complicado. Não tenho palpite do que vai acontecer amanhã. Mas vejo que é importante as pessoas pensarem que isso que está acontecendo não tem como voltar. (...). O futuro está aí. Assim como a Revolução Industrial trouxe coisas novas e acabou com diversos trabalhos, muitas pessoas terão que se reposicionar. Muitos perderão, vão ter que se adaptar. O governo vai fazer regulações para normalizar, assim como no caso do Uber. O Uber gera uma precariedade no trabalho, nas condições de trabalho. Então, tem que haver também políticas públicas para que pessoas que estão trabalhando no Uber não sejam prejudicadas. Porque elas estão trabalhando, usando a ferramenta. Se você for olhar o Uber, é uma ferramenta que cabe ao usuário decidir se vai trabalhar ou não com esta ferramenta. Ficamos dependentes dessa ferramenta. Esse trabalhador tem que trabalhar 10 ou 12 horas por dia para conseguir ter o seu sustento. Como o governo pode regular isso? Tem que ter mesmo essa regulação, pois você não é um trabalhador, mas também não é um empresário, então o que você é? Deve-se fazer e implementar políticas para que se regularize esta situação. Isto para que essa pessoa, que não é empresário, não fique tão escravo da ferramenta.

Entrevistadores: existem diferentes tipos de empreendedorismo. Por exemplo: o empreendedorismo de necessidade e o empreendedorismo de alto impacto. O ITESCS trabalha somente com o segundo ou também com o primeiro tipo?

Luiz Schimitd: A gente tem uma característica de transformação digital, que significa que está dentro de empreendedorismo de base tecnológica. Falamos para o empreendedor que ele que vai começar olhando a inovação e que ele vai montar uma barraca de hot dog. Vamos continuar comendo hot dog, não tem problema nenhum. Mas, para quem você vende? Onde você vende? Como você calcula a sua margem? Como você pode divulgar seu negócio? São elementos que fazem a diferença. A inovação está presente. Não está só no pipoqueiro que colocou a manteiga para você sentir o gosto e o cheiro a quilômetros de distância, a ponto de fazer você ficar com vontade de comer pipoca. Como ele vendeu essa pipoca, será que se ele ficar ali parado na frente do teatro ele vai vender? Será que ele não precisa divulgar o negócio dele? Então a gente promove essa transformação digital, independentemente do negócio. Ele deve começar a olhar a inovação como um ponto principal não importa o que a pessoa faz. No caso do empreendedorismo por necessidade, a gente tem alguns trabalhos feitos pelo Sebrae, de uma maneira muito boa. A gente sempre quer colocar um grau tecnológico no projeto dessas pessoas, para que a gente caminhe junto. Para que, além de ter uma boa estruturação do negócio, ele possa sobreviver daquilo. Nós temos ainda uma mortalidade muito alta de empreendimentos. Queremos que, além dele sobreviver, ele possa fazer algo diferente para o seu público. Estamos consumindo produtos de uma forma cada vez mais personalizada, porém automatizada. Quero


comprar do meu celular uma pipoca que tem as coisas que eu gosto e não o que as outras pessoas gostam. É basicamente por aí.

Thiago Matsumoto: A gente trabalha com qualquer tipo de empreendedorismo, independentemente do que é. Trabalhamos com o empreendedorismo social e o empreendedorismo de alto impacto. Tudo depende do estágio em que está a pessoa ou o empreendedor. Uma coisa que temos feito bastante é trabalhado com os jovens, seja nas universidades ou escolas do ensino médio. Por quê? Porque, primeiramente, essas pessoas vão ser colaboradores e depois podem sair da empresa e montar a sua empresa. Se você já teve conhecimento e já teve um contato com o empreendedorismo logo no começo, não vai ter aquela desculpa: “puxa, fui mandado embora e o que eu vou fazer? Vou montar uma franquia, porque é interessante”. Quando uma pessoa é mandada embora, costuma ter um recurso financeiro expressivo, que é o fundo de garantia. Tem uma receita. Mas como a pessoa não está familiarizada com o empreendedorismo, ele vai no mais fácil. E aí, muitas vezes, investe seu dinheiro numa coisa que talvez não tem como dar retorno para ele. Um exemplo disso são as brigaderias e as paleterias. O que aconteceu? Elas aconteceram exatamente num momento de saída de indústrias. E esses tipos de empresas (franquias)têm um formato muito fácil. Você põe R$ 150 mil aqui e aí você vai ganhar tantos reais. Tem tudo. As pessoas não fazem uma pesquisa de mercado para saber de tendências e entendê-las. E isso acontece tanto no caso do empreendedorismo social, quanto em relação ao empreendedorismo por necessidade. Nós, do ITESCS – eu, Luiz e o Benício - fazemos palestras e workshops com 30 ou até 100 pessoas. Agora, estamos ajudando bastante os professores, porque eles impactam muito mais as pessoas diariamente. A parceria que nós estamos aqui, com a USCS, ajudou muito nisso. Nós já percebemos que temos que ir para as outras universidades. Ajudar tanto o aluno quanto o professor. O professor também deve ter esse pensamento do empreendedorismo, independentemente se vai ser por necessidade ou não. A pessoa vai estar com o empreendedorismo dentro dela. É necessário também ter uma postura empreendedora dentro da empresa. Chamamos isto de intra-empreendedorismo. Não dá para todo mundo criar uma empresa.

Entrevistadores: Conforme reportagem do jornal Estado de S. Paulo, de 28/4/2019, inovações produzidas por startups, como os aplicativos de serviços (Uber, IFood, 99 e outras), são utilizadas no Brasil por quase 4 milhões de trabalhadores autônomos como forma exclusiva de obter renda. Dados do Instituto Locomotiva apontam que, se somados os trabalhadores autônomos, os profissionais liberais e aqueles que têm outros empregos e usam o que ganham nas plataformas para complementar o salário, cerca de 17 milhões  de pessoas no Brasil usam algum aplicativo para obter renda. É possível se afirmar que, ao lado da resolução de problemas do cotidiano das pessoas por meio destes aplicativos, estaria havendo também uma espécie de “uberização” das relações de trabalho (isto é, precarização), na medida em que na prática existiria um vínculo trabalhista entre as plataformas e os profissionais? Você vê alguma possível regulação desta questão?

Luiz Schimitd: Eu não tenho habilidade jurídica para analisar a terceirização. Se existe uma relação trabalhista ou não. Existem algumas coisas que a gente até discute. Inclusive nessa semana estávamos discutindo dentro da minha empresa, que alguns editais que saíram foram para segurança. O que para a gente é bastante complicado na questão de quem fica e de quem responde diretamente ao cliente final. São nessas plataformas. Por conta disso, ela não se responsabiliza pelas relações finais. Então, eu acho que nós vamos caminhar não para uma “uberização”, mas sim para uma adaptação dessas novas coisas. As responsabilidades serão compartilhadas tal como é feito com a terceirização, por exemplo. Então, se na sua portaria você terceiriza, você é corresponsável por aquela atividade. Quando a gente vai para o Uber, por exemplo, se alguém bate aquele carro e morre por conta de um acidente, é claro que existe uma corresponsabilidade para a empresa que promoveu aquela ação comercial e a pessoa que está executando. Mas isso ainda vai ser discutido para se adaptar à realidade. E quando a gente fala de “uberização” das relações de trabalho, há também que se reconhecer que as pessoas desempregadas estão aproveitando da tecnologia para gerar emprego e renda. Nós temos o Rappi, o Uber...que tem muita gente que está trabalhando de entregador por hora para


complementar a sua renda, para gerar renda extra. Tem outras pessoas que utilizam aplicativos e que compartilham vagas temporárias de trabalho, compartilham relações de projeto. Neste tipo de aplicativo você coloca a sua característica e ele passa um projeto para vocêresolver. Entendo que não está havendo uma organização e sim uma modificação das relações comerciais e de trabalho e que talvez por conta dessa demanda, essa modificação vai fazer com que a lei seja posterior a estas coisas.

Entrevistadores: em que áreas da vida cotidiana irão crescer as startups?

Thiago Matsumoto: As startups são para resolver problemas e, no Brasil, o maior problema é a mobilidade. Então por isso que elas foram para esse lado. A logística também tem problemas, mas, na realidade, haverá muitas áreas que serão beneficiadas. Outro exemplo é medicina. A aprovação da telemedicina pelo Conselho Nacional de Medicina expande estas oportunidades. Isso vai ajudar muito. A primeira consulta tem que ser presencial e os acompanhamentos podem ser por telemedicina. A lei agora está falando também que tem que ter um profissional de saúde acompanhando. Mas as consultas terão todas de ser gravadas por cinco anos. É neste ponto que se tem uma barreira. Não no problema de confidencialidade, mas de guardar todas as informações de todos os pacientes nos servidores, que podem não comportar. É aí que se requer políticas públicas, para ver o que pode ser feito (...). As empresas que deram certo no Brasil são empresas B2C, de negócios para o cliente. Mas as empresas B2B, de negócios para negócios, também são fortes. Empresas que deram certo, como a 99Taxis e a Nubank, resolvem problemas do cotidiano das pessoas. Mas há muitas startups que resolvem problemas de empresa mesmo.

Entrevistadores: As inovações podem ser divididas em inovações disruptivas e inovações incrementais de melhoria contínua. No mundo prático, como uma startup percebe se a sua inovação é disruptiva ou incremental? Você pode dar exemplos de startups do ABC de um caso e de outro.

Luiz Schimitd: A gente chama de inovação disruptiva quando ela quebra alguma coisa de valor. Mas basicamente ela começou com a incremental. Chega um certo momento em que ela se torna disruptiva. É até difícil a gente entender hoje como está isso (...). A gente tem algumas inovações incrementais acontecendo aqui no Brasil (...). Há uma startup que saiu na revista do SEBRAE que ela é do ABC: ela faz controle de ponto pelo sistema de aplicativo. Então, ela modifica a relação com o relógio de ponto. Outra que é do ABC - indo para uma grande empresa - faz ração vegetal para cães e gatos (...). Ela pensou no problema de quem queria ter o seu animal alimentado de maneira saudável e pensou que ela poderia fazer isso. Essa empresa vendia basicamente pela internet e agora está vendendo em lojas. Ela começou com uma relação comercial diferente e resolvendo um problema. Tome-se o caso da Nubank. Ela não representa uma inovação disruptiva. A relação de banco com o dinheiro e o cliente já existia. Basicamente, é a mesma relação. Mas a forma de atender o cliente é diferente. Há outra startup que se chama Conta Fácil. Trata-se de um aplicativo que analisa as despesas do seu banco e oferece a você um guia de bolso, uma análise. Isso já existia também, mas a forma como você tem o acesso, a forma que você é atendido é diferente. As inovações acontecem onde os problemas são maiores. Ainda mais em se tratando de Brasil, o problema de atendimento é gigante. Nós, brasileiros, não somos bem atendidos em muitos dos lugares que vamos. Só que nós não reconhecemos. Isto é cultural. Mas aí, quando chega à inovação, quando ela acontece, aí você percebe que a relação era muito ruim. Quem tem o cartão de crédito com a Nubank pode mexer no seu limite com um dedo, na hora, em questão minutos antes da compra. É diferente da situação em que você tem que ligar para o gerente do banco para aumentar ou baixar o limite. Você tem hoje uma forma de atender diferente, uma forma de consumir também. Dentro aqui do ABC eu não consigo citar alguma startup que está a ponto de virar um unicórnio. Mas, de todos os unicórnios, nem todas são disruptivas. Boa parte delas é incremental.

Thiago Matsumoto: É difícil falar de disrupção em startup. Nem o Uber foi disruptivo. Ele foi disruptivo no modelo de negócio. (...) alugar por tempo, isso a gente sempre fez. Por exemplo, alugar um terno para ir para uma festa; você aluga por um dia inteiro ao invés de comprar o terno. Achar uma coisa disruptiva é uma coisa muito complexa. A gente pode citar o blockchain, a


nuvem, a inteligência artificial, que são coisas disruptivas. Mas é muito difícil achar uma coisa disruptiva, não só no Brasil, mas no mundo. Falando do Brasil, dessa parte de disruptivo ou incremental, hoje as startups brasileiras são muito incrementais. Elas são muito copycat. Você copia de algo que existe lá de fora e introduz aqui no mercado. São coisas que dão certo lá fora e você tropicaliza para atender o mercado brasileiro. A 99taxi foi feita como uma cópia da “Lift” ou da “Did”, que é uma chinesa. (...) Isso acontece muito no Brasil. As pessoas fazem startup já entendendo que um cara de fora vai vir comprar e, também, porque a pessoa de fora pensa “vou ter que montar uma empresa do zero, contratar gente, alugar o espaço, é muito melhor eu comprar algo já pronto e aí eu ponho a minha marca”. No ABC, há diversas startups que estão implementando e criando disrupção no mercado (...). Cite-se uma startup no ABC que faz marcação de ponto relógio de ponto. Essa empresa tem 70% do mercado, a Dimep. Em vez de você comprar um relógio de ponto, mais ainda, comprar o relógio, pagar a mensalidade de manutenção, chamar um técnico quando tiver problema (...) você pode baixar o arquivo e com tablet você consegue fazer tudo isso. Essa empresa hoje fatura em torno de R$ 100 mil por mês. A Vegpet, que eu comentei, de ração vegetariana, é do ABC. É uma startup cujo produto não é novo. A ração vegetariana não é uma coisa nova. E aí tem diversas outras aqui no ABC que ajudam e que resolvem problemas, mas eu não vejo que tenha disrupção. Eu não consigo elencar isso agora. O Vale do Silício, também, é mais incremental. (...). É muito mais difícil você ter uma disrupção, que é uma coisa que rompe um paradigma, rompe a parte tecnológica e de mercado. O que vem muito na minha cabeça é o blockchain, que é uma tecnologia que vem e muda tudo. Muda o jeito de pensar, muda o ambiente, muda muita coisa. Assim como a internet que foi uma disrupção.

Entrevistadores: Como seriam as etapas pelas quais passa uma startup até chegar a se tornar um unicórnio?

Luiz Schimitd: Tudo parte de uma ideia e como se fomenta essa ideia. É um processo chamado de hackathons. O hackathon fomenta a ideia. E com ela um projeto que geralmente se chama de pré-seed, uma semente. Começa-se a faturar no pré-seed. Começa-se a vender, a atender o cliente e ter um faturamento já com seus colaboradores. Quando sobrevive, a empresa vai para um seed. A gente utiliza essa denominação, porque os investidores também utilizam isso. Então, alguns investem em pré-seed e outros investem no seed. (...) Há na internet o nível de faturamento. Se eu não me engano, até o pre-seed, algo em torno de US$ 250 mil; o seed, entre US$ 250 mil a US$ 500 mil. (...) Existem mais duas fases (...) até chegar no unicórnio, cujo valor se situa em torno de um bilhão de dólares em valores na bolsa nos Estados Unidos (...). As fases técnicas são essas. (...) [Em suma], tem-se uma ideia a ser desenvolvida (...) em seguida um produto pré-formatado (...) por à venda (...) validar esse produto ao seu cliente até chegar a se tornar um negócio, que a gente chama de Product Market Fit – PMF. Aí ela consegue entender que aquele produto, aquele preço, aquele mercado, funciona bem. Então é a hora que as pessoas entendem que a empresa está bancando o seu negócio. Ela já entendeu o mercado, já vendeu. Agora ela precisa ter marketing para começar a crescer o negócio. A partir daí, basicamente, é uma evolução de faturamento de um projeto. Entretanto (...), algo que não pode deixar de estar no horizonte de uma startup, até para ela se tornar um unicórnio, é que ela nunca pode deixar de ser uma startup. O que significa isso? Uma empresa que fatura de R$ 100 mil, R$ 500 mil ou até um milhão de reais por mês, se ela não tiver a inovação em sua essência - de buscar resolver problemas na ponta, de ouvir seu cliente todos os dias para resolver aquele problema -, ela deixa de ser startup rapidamente. Muitas empresas deixam de ser startup não pelo faturamento, não porque ela passou a faturar um milhão, e sim porque ela deixou de ouvir o cliente. Muitas acabam até morrendo nesse processo para virar um unicórnio.

Entrevistadores: Qual o tempo médio em cada fase desse processo até uma startup se tornar bem-sucedida?

Luiz Schimitd: (...) Dá para se falar em mais ou menos 18 meses. (...) É um tempo médio, mas depende muito da equipe que está lá dentro, do quanto ela está disposta a fazer um negócio e do mercado dela também.


Entrevistadores: Qual a diferença entre “nascer empreendedor” e se “tornar/formar um empreendedor”?

Luiz Schimitd: Para mim, os conceitos de empreendedores e de pesquisadores são muito próximos (...). O empreendedor nasce a partir do momento que ele quer resolver um problema e um pesquisador também nasce da mesma forma. Ambos querem descobrir alguma coisa. A vontade de resolver um problema e a vontade de pesquisar sobre aquilo. (...) O Brasil precisa ser um país com mais empreendedores. Não que a gente precise de mais empresários (...). Então, sim, um empreendedor pode ser formado.

Thiago Matsumoto: Eu acho que a nossa cultura penaliza muito o erro. Ela penaliza muito o sair da caixinha. Mas empreender é sair da caixinha. É fazer algo novo, que seja disruptivo no mercado. Acho que todo mundo nasce empreendedor na vontade de querer fazer algo (...). Só que nós nos padronizamos. A própria educação nos faz isso, nos padroniza. Aí não nos  formamos empreendedores. Somos formados em caixinhas para serem amontoadas dentro de uma empresa (...). Vejo que podemos ajudar também na educação, fazer com que a pessoa se torne empreendedora. Não que ela seja necessariamente dona de uma empresa, mas que ela tenha objetivos, um sonho em ser empreendedor, uma veia empreendedora.

Entrevistadores: Inovar é uma meta que todos os empreendedores deveriam buscar ou inovar é somente para os que têm maior propensão e facilidade com a criatividade e a inovação?

Luiz Schimitd: Hoje, se a gente não inova, a gente está fadado a morrer em pouco tempo (...). A gente não viu, porém mais um ano já passou. Estamos quase no meio do ano e quantos negócios começaram em janeiro? Falamos: nós vamos vender; e até agora não estão vendendo nada. A gente não deixou de consumir nossas coisas. Estamos consumindo os produtos de quem provoca a nossa atenção. É cada vez mais difícil provocar a atenção. Sem inovação vai ser muito mais difícil ainda. Quantas pessoas estão inovando agora no celular? Quantos negócios estão agora pulando a cada hora na tela? Você não quer saber daquilo. Tudo depende de como as coisas chamam a sua atenção. O que tem mais conexão com a vida de vocês. Inovar é necessário em todas as áreas, independentemente do tipo de negócio emque você esteja (...). Se não tivermos a atenção dos clientes, estamos fadados a morrer.

Thiago Matsumoto: Inovar é para qualquer um (...). Entretanto, para o empresário brasileiro, até pela crise no momento, é difícil inovar. Porque tem que ter faturamento, novos mercados e os concorrentes estão muito fortes. (...). A saída é o contato com as startups e com as universidades (...). Quando se começa a ter criatividade e inovação, não tem volta (...) porque você vai criando coisas, novos projetos e inovando internamente. (...). Mas não adianta somente o CEO, o dono da empresa ser inovador. Os colaboradores também têm que ser. Não é só o dono da empresa participar dos eventos de startup. (...). Só o dono ir e todo o restante da equipe não, porque, “se eu sair, eu não vou fazer meu relatório” (...). Todo mundo tem que ter essa necessidade de inovar. Isso requer uma mudança de cultura e até do próprio comportamento. Como se cria essa veia empreendedora? Isso também é difícil. A nossa cultura é muito disso de se formar na faculdade e depois trabalhar empregado em uma empresa. (...). O meu propósito é levar empreendedorismo e inovação para um monte de gente. Às vezes eu não ganho nada, eu vou para Belém, só pago os meus custos. Então fica aquela mensagem: “eu vou varrer minha calçada; se todos varressem a sua calçada, a rua ficaria limpa”. (...) A gente tem essa bandeira, que é levar o empreendedorismo e a inovação para quanto mais gente puder. Quanto mais me derem microfone, mais eu vou falar de startups e de inovação.

Entrevistadores: No Brasil, universidades, empresas e governos costumam atuar como “castelos” bem separados, com suas prioridades, projetos e timings guardados em “masmorras” próprias. O chamado “modelo tríplice hélice (triple helix model of innovation)”, adotado em países mais avançados, centrado em torno de projetos nacionais e regionais estratégicos, busca aproximar as três partes desde a chamada pesquisa básica


até a pesquisa aplicada e o business propriamente dito. Que ações você sugere para que um modelo dessa natureza possa se reproduzir no Brasil?

Luiz Schimitd: Agora não é mais a universidade somente como uma produtora de conhecimento para colocar no mercado. Ela também é uma grande produtora de solução de problemas, para ser absorvido em qualquer uma das empresas. O que esse modelo sugere é que as Universidades estejam abertas para resolver o problema da indústria e que a indústria esteja aberta a procurar as Universidades para resolver o seu problema; e o governo deve criar um ambiente propício para que essa relação seja facilitada. Nós temos as instituições no Grande ABC há muito tempo (...) mas cada uma em seu sítio. Falta só a gente criar um túnel para uni-las. Ou seja, fazer com que as Universidades entendam que elas podem resolver problemas, os problemas da Indústria (...). As indústrias também precisam saber o que elas precisam (...) e procurar universidades locais para resolver um problema que ela tem. Acho que há um problema de comunicação a ser enfrentado; superando-o, o resto é mais facilitado.

Thiago Matsumoto: Vejo que as empresas têm que sentir que isso dá certo. A partir do momento que o empresário vê que é legal se conectar com a universidade, conectar-se com o governo e que isso dá resultado (...).Cabe as universidades, as empresas e os governos criarem políticas para isso. Por exemplo, na PEC das Startups, que está para sair, o Governo está enfatizando  isso: a universidade estimulando seus professores e pesquisadores a conectarem seus projetos com inovação. A empresa também tem que entender que, implementando isso, ela está contribuindo e fazendo inovação. Para funcionar, a tríplice hélice, assim como qualquer hélice,  tem que estar no mesmo tamanho. Se uma hélice estiver menor que a outra, ela não consegue girar. Não adianta nada o governo querer e a universidade e o empresário, não. Pelo conceito de tríplice hélice, eles têm que andar unidos e no tamanho certo. Volto à mensagem anterior: cada um deve “varrer a sua calçada”. Conforme isso se dê, vamos fazer mais ações e junções entre as partes. A Universidade de Lisboa entendeu isso e chamou poder público e empresas e, juntas, decidiram fazer algo.

Entrevistadores: Tomemos aqui como exemplo a Universidade Municipal de São Caetano do Sul, a USCS, com quem vocês, do ITESCS, estão conversando e buscando fazer parcerias. O que você sugere em termos de ações, visando à criação deste “túnel”. Que sugestões concretas você daria para constituir esse modelo tríplice hélice?

Luiz Schimitd: Primeiro começar a conexão envolvendo a indústria local. A universidade tem que ter um comitê previamente estabelecido, para que possa buscar e captar nas indústrias locais os problemas a serem resolvidos. Os professores têm que estar nesse comitê, de modo que estejam bem qualificados para resolver o problema da indústria. Não só qualificados tecnicamente. Isto (...) para que eles tenham uma atenção plena para o projeto, de modo mais funcional dentro da universidade para captar a indústria (...). E que a universidade busque as indústrias e fale com elas: “Temos aqui um pessoal pronto para resolver problemas; vocês têm algum problema para que ajudemos a resolver?” Criar um comitê; criar um fórum, chamando essas Indústrias, para que elas conheçam esse trabalho, que foi previamente desenvolvido; eventos para que as indústrias possam tomar conhecimento do portfólio de serviços que a universidade está disposta a resolver. Primeiramente, trata-se de um trabalho interno para montar esse portfólio. Depois, um trabalho de divulgação. Temos uma estrutura pronta para o resto. Não é uma questão de formatar inteiramente o produto, projetos prontos para serem vendidos como soluções.

Entrevistadores: Na sua experiência, qual a maior necessidade das empresas que já atuam no mercado em termos de inovações e soluções para os seus desafios concretos? É na área da tecnologia, gestão de pessoas e recursos, mudança de valores culturais...?

Luiz Schimitd: Nós, do ITESCS, estamos desenvolvendo um projeto para qualificação de mão de obra de empresas de tecnologia junto com escolas, porque tem uma demanda de trabalho dentro das áreas de tecnologia, mas falta mão de obra qualificada para isso. Segundo informação do Sindicato das empresas de informática, somadas as vagas existentes no Brasil mais de 400 mil vagas poderiam ser preenchidas. Mas não se tem capital intelectual para isso. Por conseguinte,


uma grande demanda que se tem de empresas é captar pessoas formadas, com conhecimento técnico bom e pronto. Quando a gente fala de gestão de pessoas, de mudanças, de recursos e de valores, eu não vejo que há uma grande mudança de valores. Eu vejo que se abre uma perspectiva para um jovem, por exemplo, de escola pública do Brasil, de qualquer um desses lugares. Ele pode passar de um patamar de salário base para um salário melhor e ter uma qualidade de vida melhor. Talvez ele não tenha essa visão. Digo isso porque eu vim de escola pública. Só tive essa visão porque eu tive contatos com famílias que tinham ou que me falaram: “ou você estuda ou você vai ficar aqui”. E eu resolvi estudar. Então, eu acho que esta provocação, principalmente, com o ensino público de base, é fundamental, para que esses jovens possam entender e procurarem essa formação intelectual. Temos grandes cursos públicos que já oferecem esse conhecimento. Às vezes falta o interesse dos jovens para isso. Mas falta porque não tem pessoa ativa ou o jovem ainda não está vendo. Hoje a demanda é o capital intelectual novo para trabalhar na indústria. Para chegar aí, para trabalhar nas empresas de inovação, tem que fazer um trabalho na base, não tem jeito.

Thiago Matsumoto: Considero que todas as áreas precisam inovar; todas as áreas necessitam de inovação. Aquilo que “sempre foi assim”... a gente consegue mudar. Só que agora são pessoas mais qualificadas e gabaritadas que mudam. Por exemplo, a startup Contabilizei. Foram contadores que montaram essa Startup. Não foi preciso inovar na contabilidade. Então, conforme as pessoas são mais qualificadas, se criam as startups, as empresas com a tecnologia, as pessoas e os recursos.

Entrevistadores: Você acha que esse empresariado, dos mais diferentes setores, está preparado para trabalhar com as startups? Há resistências? Quais?

Luiz Schimitd: É muito difícil para a empresa grande e média receber uma startup. É como se  você fosse pegar um ovo delicado e colocar na bolsa de um elefante, para ele andar. Há um pintinho aí dentro que você tem que cuidar. Você coloca uma inovação em um ambiente que muda a burocracia do ambiente. Claro, vão sufocar aquilo. Eu até ouvi de uma grande empresa trabalhando com inovação, que me falou assim: “não dá para dar cavalo de pau em transatlântico”, que é a grande empresa. O cenário que se propõe é de botes que buscam inovação e levam para o transatlântico. Não são todas as empresas que estão preparadas. Pouquíssimas estão. Tem que ter pelo menos algumas pessoas (...) prontas para captar inovação e a sua cultura interna pronta para receber essa inovação. (...) Não adianta nada você ter aquela pessoa que vai lá com um monte de coisa nova e, quando entra, a cobrança é a mesma, a meta é a mesma. Muitas vezes a meta não está relacionada à inovação (...). É importante que as grandes e médias empresas tenham as suas áreas de inovação como centro da sua mudança. E a inovação sendo aberta: um hackathon feito dentro da empresa. Trata-se de uma mudança  cultural.

Entrevistadores: Esse departamento de inovação das empresas que “vai lançar o bote” trazendo as ideias de startups, você acha que o melhor caminho é a Arena Aberta de Inovação? Ou seja, um encontro entre a grande empresa com os seus problemas e as startups, universidade e outros atores e instituições.

Luiz Schimitd: Esse é um grande desafio. Ter uma arena aberta de inovação. A indústria estar pronta para colocar seus problemas “à mesa”. É fundamental que a indústria tenha um pessoal pronto para pegar esses problemas e soluções desenvolvidos por uma startup e levar para dentro da indústria; comprar e levar para dentro da empresa (...). Essa é a grande dificuldade da grande empresa: colocar o seu nome associado a uma startup, que irá ajudá-la a resolver o seu problema. E o desafio da startup é chegar na grande empresa e conseguir validar esse problema que a startup está se propondo a resolver. (...). Por exemplo, uma startup que foi conosco para uma missão em Portugal no ano passado. Ela se propôs a resolver um problema de uma grande indústria. Apresentou como solução um óculos, pelo qual você olhava a máquina, e ele dizia o status da manutenção da máquina, qual era o nível de óleo etc. Foi grande a dificuldade para ele chegar à grande empresa, do gestor de área até o CEO. Há um custo até que ele consiga.


Entrevistadores: E a empresa, sob o ponto de vista do direito à propriedade intelectual?

Luiz Schimitd: Nós temos, dentro do quadro de associados, alguns que são advogados. Eles estão preparados para trabalhar com esse tipo de discussão, seja com a internacionalização das startups, seja na relação dela com a indústria. Eles já estão entendendo esse mercado, como funciona. A gente acaba indicando, o que não é propósito do ITESCS. Mas estas empresas são associadas e prestam esse tipo de serviço. (...) Quando a gente fala em contrato de startup, tem alguns termos específicos, que foram criados no mercado de inovação e que geram e tranqüilidade no contato com a indústria. Já existem algumas cláusulas de grife, que são cláusulas específicas para isso.

Entrevistadores: Qual é a importância da constituição de um (ou mais) Parque Tecnológico no ABC para o ecossistema de inovação regional? A seu ver, como deveria funcionar, na prática, um Parque Tecnológico no ABC, isto é, setores e projetos prioritários, interação com as universidades, startups etc?

Luiz Schimitd: É muito importante um parque tecnológico para que a gente tenha densidade nos projetos desenvolvidos. Como eu acredito que isso deve funcionar na prática? Primeiro, após ter constituído o parque, digo o parque fisicamente ou não, captar projetos para serem desenvolvidos (...). De uma maneira geral, deve-se comunicar à sociedade que existe esta atividade no parque. Com esses projetos captados, a gente começa a usar as universidades do Brasil, as startups, os empreendedores, visando resolver esses problemas... É como eu vejo que acontece em outros lugares. Primeiro, eles começam com uma densidade de eventos tratando da temática da inovação (...), trazendo grandes nomes para a discussão, montando fóruns, oferecendo a conexão com os agentes que a gente tem na região. Fazer um debate com as universidades sobre o problema na educação. Um debate com a indústria sobre o problema na indústria. E, é claro, montando um corpo de profissionais prontos para captar esses projetos e repassar esses projetos para os agentes do ecossistema (...). O parque tecnológico tem que ser o conector. Ele não desenvolve o projeto necessariamente lá dentro. Ele vai conectar esse projeto para ser desenvolvido talvez pela USCS, pela Mauá, UFABC, FEI. Onde tiver mais aderência com aquele projeto. Às vezes é um projeto para a gente desenvolver com o SENAI. É importante também constituir um grande “hub” de conexão entre os parques tecnológicos. Vejo que eles funcionam bem como um grande concentrador de informação e um grande conector de pontas. Porque ele não vai fazer sozinho. Tem que conectar o ecossistema mesmo.

Thiago Matsumoto: Vejo que para montar um parque tecnológico tem que ter uma estratégia muito bem forte com a cidade e com as demandas das empresas. Estive em vários parques tecnológicos fora da cidade de São Paulo. Às vezes era afastado da região metropolitana. Por questão do espaço onde foi cedido, as pessoas não conseguiam acessar. O Parque Tecnológico tem que estar muito atrelado a cidade e com a política de desenvolvimento local. Eu acho que não precisa ser algo exatamente grandioso. Acho que dá para começar a pensar como se fosse uma startup, começar com o MVP e coisas pequenas. Aí sim o parque vai aos poucos tomando uma projeção maior (...) que tenha áreas de aluguel para as fábricas. Como ocorre em vários modelos. Eu vejo que o ABC e as diversas prefeituras estão criando leis para ter seu parque tecnológico e aproveitar todos os incentivos que o governo estadual e federal está dando neste sentido. Esse parque tem que ser aberto para qualquer pessoa, startup, empresa, que queira acessar e participar, contribuir. Tome-se como “benchmarking” o modelo da Acate, que é uma associação de empresas de Florianópolis. Lá eles têm o Parque Tecnológico. E como foi feito isso?Eles tinham um prédio e uma associação comercial que era apoiada pelo governo. Não tinha muito o que fazer. Então, o que eles fizeram: um projeto de três anos, onde as startups poderiam fazer o que queriam desse prédio. E isso deu muito certo. As startups começaram a povoar e a melhorar o prédio. Hoje, se formou algo maior do que Acate. As empresas gigantes estruturaram-se numa entidade fora da acate. Mas ainda são as startups que gerenciam e trazem melhorias para esse prédio. (...).


Entrevistadores: O ITESCS vem promovendo parcerias e intercâmbio entre investidores e startups do Brasil e de Portugal. Como essa interação e troca de experiências poderia ajudar a fortalecer a Região do Grande ABC Paulista?

Luiz Schimitd: Já tem ajudado e a gente acredita que vai ajudar bem mais. Eu estive em Portugal no ano passado. Estive em uma universidade que se chama INOVA. Essa universidade é totalmente em inglês. Ela começa com um conceito diferente. Ela é uma universidade pública com certo valor a ser pago. Quem paga é a indústria. A indústria paga para resolver um problema dela. Então, o formato é totalmente diferente. Parte do subsídio é a indústria que paga. Então, tem a sala Oracle, a sala Google...Só que elas estão ali para resolver os problemas que a própria Oracle, a própria Google propõe. Então, o aluno já chega para resolver um problema que a indústria já colocou. Ela tem um conceito muito bem aplicado (...). Que ensinamentos isso traz para a nossa região? A gente tem aqui algumas conexões. O ITESCS está retomando algumas dessas parcerias juntamente com Portugal. A gente tem tido o interesse de alguns empresários que querem se internacionalizar. (...). É muito importante que a gente tenha esse pensamento de que eu posso resolver um problema no mundo inteiro, se eu for validar isso no mundo todo. Assim, será que o problema que existe aqui, Nova Iorque também tem? Vamos conectar com o ecossistema de lá, para saber se eu posso validar isso por internet. Às vezes, eu posso. Eu consigo validar. (...) Hoje a gente já tem conexão com um parque de eletro-mobilidade em Lisboa para resolver problemas de lá. A gente já sabe que, se eu tenho um problema aqui, nós podemos validá-lo com eles lá. É importante primeiro a gente ter a noção de amplitude mundial que os nossos problemas podem ser resolvidos, a conexão com outros ecossistemas para oferecer esse caminho e oferecer essas validações. Então, essa ponte pode ajudar a fortalecer a Região do Grande ABC, oferecer um pensamento que a gente pode e deve ser mundial e que a gente tem conexões perfeitas para isso.

Thiago Matsumoto: A minha a empresa, chamada Atlantic Hub (na tradução é Hub do Atlântico), é exatamente isso: uma relação entre Brasil e Portugal. Eu falo muito sobre transcultura para uma empresa que dá certo. Se eu pegar uma empresa que dá certo, por exemplo, eu não posso levar ela “fechadinha” para Portugal. Eu tenho que saber da cultura. Assim como uma empresa de Portugal não pode vir diretamente para o Brasil. Tem que haver uma tropicalização. Vou dar um exemplo de uma empresa que foi para lá, que é de venda de açaí. O açaí deu muito certo aqui no Brasil, porque as pessoas vêem como uma parte da cultura gourmet aqui no Brasil. Só que lá, quando o açaí chega a Portugal, o açaí é mais um sabor de sorvete. O português vê que é um sabor de sorvete gostoso, legal, mas é sorvete. E aí várias empresas já foram para lá e não deram certo. A Oakberry foi agora, revolucionou o conceito, e estão conseguindo entrar no mercado, porque entenderam o que os portugueses querem e como se posicionar. E é isso que a Atlantic Hub faz: ajuda o brasileiro a como entrar em Portugal; e, no caso dos portugueses, como vir para o Brasil. É isso que a gente faz, mas a gente fala muito que não é para deixar as operações aqui no Brasil e abrir em Portugal. E, sim, aumentar os seus recursos, aumentar a sua oferta de mercado. Você atua no mercado aqui e se expande, melhora o seu posicionamento. Você consegue aumentar o conhecimento tecnológico entre os colaboradores. (...). É muito fácil um colaborador ir para outra empresa. Quando você tem uma empresa com filial em Portugal, por exemplo, você pode falar para ele que, trabalhando aqui, depois de um ano a gente pode mandar você para Portugal, para ficar um tempo lá. Aí você retém os seus colaboradores, eliminando o êxodo, promovendo o intercâmbio do ABC com Portugal. É muito bom isso. Eu sempre falo nas minhas palestras, que eu sou brasileiro, japonês, que tem uma empresa em Portugal. Essa mistura dá muito certo para as empresas.

Entrevistadores: Quais as características que você vê na Região do Grande ABC que podem contribuir com essa parceria? Isto é, tanto nacional como internacionalmente.

Luiz Schimitd: A gente já tem metal-mecânica, química, logística, embalagens, borracha, o desenvolvimento de tecnologia local, que faz isso aqui e vende via mercado comum. Mas esse desenvolvimento de tecnologia das indústrias locais - na química, por exemplo - não serviria para resolver problemas no mundo todo? Uma startup pode se propor a resolver problemas na área química (...). Então as características que eu vejo aqui é que nós temos o conhecimento de várias


cadeias industriais que o mundo inteiro precisa. Só que hoje a gente produz só parte dessa manufatura. Eu poderia desenvolver o projeto aqui. Este é o grande valor do negócio. A gente tem, principalmente no Grande ABC, muitos projetos da metal-mecânica que são desenvolvidos aqui e são escolhidos na região pelo know-how pelo capital intelectual. Isso tem que se ampliar. Temos que ter essa provocação do que podemos desenvolver de tecnologia aqui. E não simplesmente deixar a tecnologia que nasce aqui ir para outro lugar. Tirar o protagonismo regional, que acontece bastante, infelizmente.

Thiago Matsumoto: O Grande ABC tem esse “DNA” de inovação das engenharias e das universidades. É um grande formador de pessoas qualificadas. Isso contribui muito. Essa “pegada” de inovação, aliada a um pólo tecnológico aqui, isso será muito bom para o ABC. Temos que continuar com uma política forte nas Universidades, tanto privadas quanto públicas, para que cresça isso. Devemos ter esse posicionamento das universidades. Os alunos que se formam na universidade devem continuar aqui no ABC e depois vão para o mundo.

Entrevistadores: O ITESCS está ajudando a USCS a realizar hackathons com os alunos de todas as faculdades e cursos que compõem a Universidade, ajudando a resolver desafios colocados pelas coordenações das áreas. É intenção da Universidade uma maior presença do empreendedorismo nas grades de todos os cursos. Neste sentido, que ações você recomendaria para o sucesso desta empreitada?

Luiz Schimitd: A gente está se propondo a levantar soluções para os problemas da vida cotidiana, soluções estas propostas pelos alunos através da metodologia de hackathon. Esta discussão sobre o empreendedorismo deve fazer parte de uma grade que “costure” todos os cursos. (...) A gente quer fazer com que o aluno tenha vontade de participar, empreender. Mas esse pensamento empreendedor que se está tendo nos hackathons tem que fazer parte do dia a dia. O que a gente não pode fazer é um hackathon, no qual o aluno vai ver uma realidade, mas, no dia a dia do seu curso, aquilo não faz sentido para ele. Esse é um grande receio: que a gente gere um choque entre inovação e academia, entre hackathon e aula. Essas coisas têm que ficar mais ou menos alinhadas. A aula é a base para inovação. Sem o conhecimento ele não vai ter capacidade intelectual para inovar. Mas a inovação tem que fazer parte do dia a dia da universidade, seja em um desafio final de curso, seja num projeto integrado que vai se conectar por meio do empreendedorismo.

Thiago Matsumoto: A pergunta é (...) como levar a inovação para as escolas e universidades?  Não adianta só o departamento de inovação falar de inovação dentro da universidade. Não adianta só um departamento, uma área, tratar de empreendedorismo e inovação. (...) Agora a universidade está (...) oferecendo curso de empreendedorismo. Você tem que ter toda a  instituição participando de certa forma, o assunto deve ser institucional. A Reitoria tem que estar à frente disso. Os professores devem ser capacitados a entender disso. Assim começa a se formar uma cultura empreendedora. Não adianta impor. Tem que estar na cultura. Como fazer com que essa cultura empreendedora vá se alastrando entre os alunos? Tem que ser uma estratégia viral. E aí sim fazer cursos, ações estruturadas para receber e perceber essas demandas. A USCS está num caminho muito correto ao trazer os professores e alunos para essas ações. E não só isso. Haverá a fase do apoio ao surgimento de startups. Um exemplo que eu posso dar refere-se à Universidade Inova, em Lisboa. Lá eles perceberam a importância dessa veia de inovação e empreendedorismo. Eles mesmos conseguiram fazer esse modelo tríplice hélice dentro da Universidade. A própria universidade é um laboratório para as grandes empresas trazerem para dentro dela os seus problemas. Os TCCs são para ajudar essas grandes empresas. Alguns prédios e departamentos são patrocinados pelas empresas e isso ajuda muito. Essa conexão, quando tem uma empresa que desenvolve um produto, o campo de teste é a própria universidade. O campus é um hub de conexões de pessoas que querem fazer novas startups.

Entrevistadores: Qual a importância de se levar aos estudantes uma educação empreendedora? No que isto contribui a eles a curto e médio prazo?


Luiz Schimitd: Eu tenho visto algumas universidades e até colégios colocando o empreendedorismo como parte dos seus conhecimentos e de seus cursos. Por que isso? A gente entende que a universidade não forma só empreendedores para que eles tenham as suas empresas. Mas para que eles tenham um mindset, uma forma de pensar empreendedora. Isso é fundamental, mesmo para quem é empregado. (...) Seja como empregado, seja como empreendedor. Isto, para que, no seu dia a dia, ele possa buscar a melhor vantagem, a melhor relação custo-benefício para a sua empresa. Se você falar disso no setor público, você vai ver como é drástico. A gente tem ótimos servidores. Só que às vezes falta um conhecimento sobre empreendedorismo, sobre sua aplicação de uma forma diferente. No ambiente corporativo, também temos grandes empresários que não olham a empresa com um olhar empreendedor e sim com um olhar restrito à atividade dela. É o olhar holístico que é o grande ganho do empreendedorismo.

Entrevistadores: Gostaria de acrescentar algoa entrevista?

Luiz Schimitd: A única coisa que a gente gostaria de acrescentar é que muitas indústrias que estão no Grande ABC existem há mais de 30 anos, 40 anos. Inovar é algo que, sem sair da zona de conforto, não acontece. A gente tem muito empreendedor, muito empresário da Região, reclamando do contexto econômico. Mas eles não fazem cursos de capacitação, não procuram a universidade para resolver um problema; não procuram uma startup para ver o que ela oferece de soluções. Nem sequer o cliente dele é consultado, para ver o que o cliente acha do produto ou serviço. Às vezes, o cliente dele já está olhando a concorrência e falando “nossa, antes eu pagava 500 reais para fazer isso; agora eu pago 59,90 reais por mês a uma startup o cara faz a mesma coisa” e fala “eu vou trocar”. Então aquele primeiro empresário reclama da economia. A inovação começa a partir de a pessoa aceitar e querer sair da zona de conforto. Aqui, no ABC, temos uma característica que eu acho muito bacana: muitas empresas vão passando de geração para geração. A gente tem a geração que nasceu nos anos 1980 e 1990 e que está assumindo agora com uma cabeça diferente. Está havendo um choque entre o contexto de inovação mundial e a observação regional. Muitos daqueles tornos CNCs que ainda há na indústria funcionavam muito bem em 2008. Agora, boa parte já é feita por importação e exportação. O filho fala para o pai: “poxa, mas a gente poderia inovar aqui”. Mas o pai fala: “não, isso aqui já existe há 30, 40 anos”. Inovar é isso. É você sair da zona de conforto. Temos muita história e densidade das instituições da Região. Só falta a vontade de inovar.


Jefferson José da Conceição. Coordenador do Observatório CONJUSCS. Graduado em Economia pela UFRJ; Mestre em Administração pelo IMES; Doutor em Sociologia pela USP. Assessor da Pró-Reitoria de Graduação e Professor da USCS. Professor Colaborador do Mestrado em Economia da UFABC. Secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo (2009-2015). Superintendente do SBCPrev (2015-2016). Diretor da Agência São Paulo de Desenvolvimento (2016). Economista do Dieese (1987-2009). Blog: www.blogdojeff.com.br. Curriculo Lattes http://lattes.cnpq.br/2840533692107428.

Gisele Yamauchi. Economista formada pela USCS. Turismóloga pela Universidade São Judas Tadeu. MBA Empresarial e Industrial pela USCS. Mestranda. Foi bolsista pelo Governo Japonês em Programa de Extensão da Japan International Cooperation Agency (JICA), no curso de Kaizen e 5S´s. Pesquisadora do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS – CONJUSCS. Currículo latteshttp://lattes.cnpq.br/4460896561663794.


Ana Paula LazariFerreira - Formada em Jornalismo (2004) pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), com pós-graduação em Comunicação (Master Business Communication), pela mesma Universidade. Atua profissionalmente na USCS, como Assessora de Imprensa desde 2012.