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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

“DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E INOVAÇÃO”: LIVRO OPORTUNO


Jefferson José da Conceição (jefferson.pmsbc@gmail.com)
Realizar uma boa gestão governamental nem sempre garante a reeleição dos seus principais governantes ou dos seus indicados para a continuidade. Este foi o caso de muitos dos governos do Partido dos Trabalhadores neste pleito de 2016. 
Em vários dos municípios governados pelo Partido, a população, independentemente de uma avaliação do governo municipal em si, decidiu meramente trocar os governantes e retirar o PT do seu comando, tenha feito ele uma gestão municipal exemplar ou não. Foi assim, por exemplo, em municípios do Grande ABC – casos de São Bernardo do Campo, Santo André e Mauá -, e em São Paulo, a maior cidade da América Latina.
Sobre as causas dos resultados negativos do PT nas eleições municipais de 2016 muito já foi escrito e certamente ainda o será. Isto não será objeto deste artigo.
Aqui, queremos apenas chamar a atenção para o fato de que, neste contexto, é bastante oportuno o lançamento do livro “Desenvolvimento, Trabalho e Inovação: a experiência da Cidade de São Paulo 2013-2016”, que ocorrerá no próximo dia 22 de novembro, às 19h, no “Café dos Bancários”, edifício Martinelli, em São Paulo. 
Publicado pela Editora da Fundação Perseu Abramo, o livro foi organizado por Artur Henrique da Silva Santos. Artur foi presidente nacional da CUT e é atual Secretário Municipal da Cidade de São Paulo. Trata-se de uma coletânea de artigos de secretários e secretárias da Gestão Haddad, bem como de assessores, que relata o amplo conjunto de políticas e ações inovadoras e inclusivas realizadas na Gestão da Cidade de São Paulo entre 2013 e 2016 em São Paulo. A obra é uma iniciativa própria do organizador e dos autores. Trata da ações do governo, mas não tem caráter oficial.
Todos os artigos foram escritos antes das eleições de outubro.
O livro é oportuno em primeiro lugar pela preocupação em registrar os desafios, os avanços e os limites das políticas implementadas. Isto é de grande utilidade para gestores, estudantes, pesquisadores e interessados em geral, especialmente aqueles voltados ao desenvolvimento inclusivo e avanços sociais. 
Mas, com a derrota nas urnas, a leitura do livro certamente contribuirá também para sublinhar a contradição – histórica, por que não? - entre tudo de positivo que foi realizado e a dura decisão popular - especialmente aquela proveniente dos grandes contingentes beneficiados pela maioria das políticas realizadas - pela não continuidade do governo.
Gestão Inovadora, inclusiva e de participação
Certamente uma das marcas mais conhecidas da Gestão Haddad (ainda que modo parcial e em meio a um bombardeio de desinformações pela grande mídia), no período 2013-2016, foi a “revolução” que realizou em áreas como mobilidade. Mas vale também destacar o enfrentamento determinado de todo o governo no ataque à exclusão social e na valorização da participação social na definição e execução dos projetos governamentais prioritários. 
No campo da mobilidade, as ciclovias estiveram na “vitrine” mais visível e comentada pela mídia. Mas a elas se complementam a redução de velocidade nas marginais (com a consequente redução das fatalidades nestas vias); o fechamento de avenidas como a Paulista, para o lazer aos domingos; a opção por priorizar os corredores exclusivos de ônibus; a renovação da frota de ônibus; a regularização das linhas no período da madrugada; a permissão para que mulheres e idosos possam descer do ônibus fora do ponto nas madrugadas, entre outras ações.
O esforço de inclusão e de inovação esteve presente em todas as áreas: educação, saúde, habitação, transporte, planejamento, desenvolvimento, políticas sociais, políticas para as mulheres; políticas de igualdade racial; direitos humanos, entre outras. Apenas para citar alguns poucos exemplos: O Programa de Braços Abertos; a implantação da iluminação a LED primeiramente nas periferias; a instalação de 12 FabLabs livres e gratuitos em comunidades de baixa renda;  a disponibilização de WiFi Livre em 120 praças e espaços públicos municipais, atendendo todos os 96 distritos e as 32 subprefeituras da Capital, democratizando o acesso à Internet e estimulando o acesso à cultura digital em toda a cidade, a começar pelas áreas periféricas.
Igualmente marcante foi o intenso esforço de busca de diálogo e participação social. Para uma maior eficácia nas ações e resultados deste diálogo, promoveu-se uma estrutura articulada das várias iniciativas de participação que aconteciam nas várias secretarias e instancias de governo. Foram criadas instâncias colegiadas para garantir a ação integrada do governo. 
Assim, foram importantes: o ciclo participativo de planejamento e orçamento; o Conselho da Cidade; a utilização de novos “espaços” de participação, como as ferramentas digitais; a territorialização e a descentralização da participação; a criação dos Conselhos Participativos Municipais; os Conselhos Transversais (LGBT, idosos, p*opulações de rua, imigrantes, mulheres, povos indígenas, Juventude, Criança e adolescentes); o Comitê Intersecretarial de Articulação Governamental da Política Municipal da Participação Social as audiências públicas do Programa de Metas, que, de forma fácil e clara, buscou traduzir para a população em 100 metas o que a gestão pretendeu fazer em seus quatro anos à frente do executivo municipal.
O foco maior da obra reside nas políticas de desenvolvimento, trabalho, economia solidária, empreendedorismo e segurança alimentar, comandadas por Artur Henrique desde 2014. Neste sentido, destacam-se projetos como a criação da Agência São Paulo de Desenvolvimento (Adesampa) e o Projeto Vaitec, que estimula, na área de tecnologia, o surgimento de projetos de empreendedores que contribuam para solucionar problemas do cotidiano da cidade; as “Arenas de Inovação”; o Programa Operação Trabalho; a criação da Incubadora de Economia Solidária em São Paulo; a Agenda Municipal do Trabalho Decente; a Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; a constituição dos Centros de Referência em Segurança Alimentar e do Banco de Alimentos; o decreto municipal de compras públicas, que abre oportunidades às pequenas e microempresas com o uso do poder de compra do Estado no âmbito municipal, entre outros projetos.
Em suma, o livro é peça que, juntamente com outras, contribui para dar a devida dimensão da gestão municipal paulistana entre 2013 e 2016, e do seu expressivo legado no campo da administração pública.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. 

Artigo publicado no site do ABCDMaior, www.abcdmaior,com.br, coluna blogs, seção "Ponto de (des)equilíbrio", em 21/11/2016.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: impacto na aposentadoria e no mercado de trabalho

Jefferson José da Conceição
 Luiz Cláudio Marcolino
Artur Henrique
O Governo Temer anuncia uma reforma na Previdência Social. A proposta de Projeto de Lei (ou medida provisória) que tratará do assunto ainda não foi apresentada publicamente pelo Governo. Mas a equipe de Temer já aponta as profundas mudanças que pretende realizar para resolver o suposto “rombo” das contas da previdência. As alterações no sistema são extremamente prejudiciais aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o País.
De acordo com o que membros do Governo já veicularam na imprensa, a Reforma da Previdência contemplará, entre outros pontos: elevação da idade mínima de aposentadoria para trabalhadores do setor privado e do funcionalismo; nova fórmula de cálculo do benefício; elevação do tempo mínimo de contribuição; redução da diferença de regras de idade de aposentadoria entre homens e mulheres, com a unificação futura; eliminação das aposentadorias especiais de professores, militares, policiais militares e bombeiros; redução dos benefícios da pensão por morte; contribuição obrigatória para trabalhadores rurais, bem como elevação da idade mínima para que estes se aposentem; desvinculação dos reajustes dos benefícios assistenciais (LOAS) e dos reajustes da pensão por morte da política de reajustes do salário mínimo; fim da paridade de reajuste entre servidores ativos e inativos.
Evidentemente, não cabe, nos limites deste artigo, tratar de todos estes pontos. Importantes estudos recentes contribuem para fazer a crítica a esta reforma não dialogada com todos os segmentos dos trabalhadores afetados (Centrais Sindicais, entidades de aposentados). Entre eles recomendamos a cartilha “Entender e defender a Previdência Social”, lançada pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, em julho deste ano. Neste trabalho, feito com rigor técnico e riqueza de informações, desmistifica-se a questão do “rombo” das contas da Previdência. Outro valioso estudo, divulgado em junho também deste ano, é a Nota Técnica nº 160 do DIEESE: “Os impactos das mudanças demográficas na seguridade social e o ajuste fiscal”.
Neste artigo, pretendemos simular o impacto que a Reforma da Previdência representaria sobre a aposentadoria dos trabalhadores e destacar a inconsistência da reforma em face das características do mercado de trabalho no Brasil, que não garante oportunidades de trabalho para as pessoas de idade mais avançada.

1.Como é a exigência de tempo mínimo para aposentadoria hoje

De acordo com as regras atuais, o trabalhador pode se aposentar por tempo de contribuição. São necessários 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens, independentemente da idade. Podem se aposentar também por idade as mulheres (aos 60 anos) e os homens (aos 65 anos), desde que tenham contribuído com a Previdência por no mínimo 15 anos.
Em 1999, o Governo FHC introduziu o fator previdenciário, que teve o objetivo de forçar o trabalhador a contribuir por mais tempo e se aposentar com mais idade. Esse mecanismo de cálculo reduz em média 40% o valor da aposentadoria. Entretanto, se o trabalhador e a trabalhadora contribuir por mais tempo que o mínimo necessário (e, consequentemente, com mais idade), o valor do benefício aumenta gradativamente.
Com a introdução do fator previdenciário, a média de idade das concessões de aposentadoria do setor privado subiu de 51,8 anos em 1999 para 54,5 em 2014 (Folha de São Paulo, 10/10/2016).
Por fim, a Lei 13.183/2015, sancionada pelo Governo da Presidenta Dilma, amenizou em parte os efeitos deletérios do fator previdenciário. A mudança permitiu ao trabalhador se aposentar sem a incidência do fator previdenciário, se a somatória de tempo de contribuição e da idade resultasse em 85 pontos para mulher e 95 para o homem.

2. A mudança planejada: aumento e fixação da idade mínima para a aposentadoria

Dentre as alterações anunciadas pelo Governo Temer está o aumento e a fixação da idade para aposentadoria. A partir da aprovação, a idade mínima passaria a ser de 65 anos para homens e mulheres, desde que eles e elas contribuam com no mínimo 25 anos de contribuição (hoje, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos). Ninguém poderá se aposentar com idade inferior a 65 anos. Na prática, esta mudança acaba com a aposentadoria (somente) por tempo de contribuição.
De acordo com as regras veiculadas na imprensa, pode-se deduzir que, no caso do trabalhador que tem até 50 anos de idade no momento das mudanças, a regra aplicável seria integralmente a nova – embora haja declarações de membros do Governo que apontem para a criação de uma regra adicional de transição para aqueles que têm menos de 50 anos e que têm tempo de contribuição alto. A regra de transição viria na forma de uma “bonificação”. Mas nada está muito claro até o momento.
Veicula-se que o governo também planeja uma regra de transição para aquele que contar com mais de 50 anos de idade. Haveria uma espécie de “pedágio”: o trabalhador teria que contribuir com 50% a mais no tempo que falta para ter direito à aposentadoria nas regras atuais. O Governo estima que, em 15 anos, todos os novos aposentados estariam enquadrados na nova regra. Ou seja, o período de transição seria curto.
Registre-se que, em entrevista à Folha de São Paulo, de 28/8/2016, o Pesquisador do Centro de Pesquisas para a Aposentadoria do Boston College, Matthew Rutledge, defendeu a necessidade de políticas para “garantir que os profissionais mais velhos tenham postos de trabalho no futuro”. Rutledge afirma que, “se um país aumenta a idade de Aposentadoria, deve dar oportunidades extras aos seus trabalhadores”. Segundo o pesquisador, os Estados Unidos levarão 44 anos (até 2027) na transição da idade de aposentadoria mínima de 66 para 67 anos. “O país também permite uma aposentadoria precoce, aos 62 anos, mas neste caso há uma série de restrições para quem opta por sair da ativa mais cedo”.

3. A idade mínima de 65 para aposentadoria versus a expectativa média de vida de 75 anos no Brasil

O Governo alega que a expectativa de vida do brasileiro aumentou e a quantidade de jovens que sustentam o regime da Previdência Social diminuiu, comprometendo o equilíbrio dos gastos. Esta seria uma das principais razões para a Reforma da Previdência, segundo o governo.
O que salta aos olhos, porém, é que o Governo pretende estabelecer uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria quando a expectativa de vida média, hoje, é de 75 anos!
Em muitos países avançados que aumentaram a idade para a aposentadoria - como Japão, Austrália, França, Espanha, Canadá, Noruega, Suécia e Alemanha - a expectativa média de vida da população entre 2010 e 2015 situava-se acima de 80 anos de idade (Cartilha do Sindicato dos Bancários de São Paulo). Além disso, na maioria desses países, as pessoas começam a trabalhar mais tarde, normalmente depois de concluir seus estudos.

4. Redução do valor do benefício da aposentadoria

A fórmula do cálculo do valor do benefício é outro ponto de destaque no projeto do governo que vem sendo anunciado.
Pelo que se discute, a regra seria alterada visando um tempo maior de contribuição para o trabalhador e a trabalhadora. O valor da aposentadoria equivaleria a 50% da média das contribuições, acrescido de 1% a cada ano adicional de contribuição.
Assim, no caso de uma pessoa que se aposentar aos 65 anos com 25 anos de contribuição o benefício será de 50% da média das contribuições. Se a mesma pessoa tivesse começado a contribuir com 20 anos de idade, aos 65 anos teria completado 45 anos de contribuição. Com isso, o benefício de 50% teria um acréscimo de 20 pontos percentuais, e seria elevado para 70% da média das contribuições.
Para se ter uma ideia do quanto essa regra é prejudicial aos trabalhadores e trabalhadoras, tomemos o mesmo exemplo nas já draconianas regras que temos hoje do fator previdenciário. Esse mesmo trabalhador do nosso exemplo acima teria, no atual sistema, direito a um benefício correspondente a quase 130% da média das suas contribuições. Em outras palavras, ele receberia praticamente o dobro do valor do benefício que a reforma pretende implantar.

5. A Reforma da Previdência de Temer é inconsistente com as atuais características do mercado de trabalho no Brasil

Países que fizeram alterações em suas legislações, como Alemanha, Dinamarca e Reino Unido, previram prazos de 10, 20 anos ou mais, para que tais mudanças fossem gradualmente implantadas. Trata-se de um período necessário para que a sociedade se adapte e crie condições sócio- econômicas que amenizem os seus impactos.
Se aprovada a Reforma da Previdência de Temer, com as regras que vêm sendo veiculadas na imprensa, o mercado de trabalho no Brasil terá que absorver a mão-de-obra daqueles trabalhadores e trabalhadoras com mais de 54 anos de idade - que é a média atual da idade dos aposentados -, até que estes completem 65 anos de idade. Contudo, essa mudança de padrão de comportamento das empresas está muito longe da nossa atual realidade.
No mercado brasileiro atual, o grupo de trabalhadores ocupados acima dos 60 anos é minoritário (superior apenas as pessoas entre 14 a 17 anos). Mais: de acordo com estudo do IPEA, cerca de 1 milhão de pessoas com mais de 59 anos de idade estavam desempregados no País em junho de 2016.
Com as mudanças propostas pelo Governo na reforma da Previdência, para o trabalhador conseguir se aposentar aos 65 anos, parte do estoque de empregos existentes (por exemplo, dos jovens entre 25 e 59 anos de idade) terá que migrar para a faixa dos que tem mais de 60 anos de idade. Isto em uma economia em que o estoque de empregos reduziu drasticamente nos últimos anos, em função da crise!
Acrescente-se a isso a dramática situação dos jovens que surgem a cada ano para disputar a mesma quantidade de vagas de emprego. O quadro é bastante preocupante. Assim, e a despeito dos índices alarmantes de desocupados, a Reforma da Previdência de Temer “injetará” neste contingente todos os trabalhadores que conseguiam se aposentar aos 54 anos de idade. Não haverá emprego para todos.

6. Para uma Reforma da Previdência que aumente a idade mínima da aposentadoria é fundamental a Garantia de Emprego

Uma reforma que aumente a idade da aposentadoria, em função das mudanças demográficas, jamais pode estar dissociada da garantia de emprego para os empregados que se encontram com idade mais avançada.
Sabemos que as empresas estão habituadas a trocar profissionais mais experientes, geralmente com salários maiores, por outros que, em início de carreira, aceitam receber metade destes salários.
Neste caso, a ratificação da Convenção 158 da OIT, que trata da regulamentação das dispensas arbitrárias, deve voltar ao debate nacional. Aliás, a regulamentação da dispensa arbitrária está pendente há 28 anos no Brasil.
O Governo Temer omite que muitos países avançados onde foi instituída a elevação da idade mínima para a aposentadoria contam com uma rede de proteção ao trabalhador, como saúde e educação de qualidade, não raro gratuitos. Alguns destes países também ratificaram a Convenção 158 da OIT, como a França, Espanha, Portugal, Austrália e Suécia.
No Brasil, temos uma rotatividade de mão-de-obra de cerca de 40%. Em alguns setores como construção civil e agricultura, esse índice é superior a 100%. Metade dos desligamentos de empregados é feita sem justa causa. Ou seja, os trabalhadores são dispensados sem qualquer motivo.
Em um país com esse perfil de mercado de trabalho, uma reforma previdenciária, como a que vem sendo planejada pelo Governo Temer, tende a ser um desastre. Se o trabalhador e a trabalhadora não tiverem nenhuma garantia de emprego, ele (e ela) engrossará a fila dos desempregados ou dos informais. Nestas duas hipóteses, o trabalhador nunca conseguirá se aposentar.
Cabe lembrar ainda, que, nas atividades penosas e insalubres, a exigência de que o trabalhador se aposente aos 65 anos (na maioria das vezes contribuindo por mais de 40 anos) dificilmente poderá ser cumprida. A capacidade laboral do trabalhador e da trabalhadora não conseguirá chegar até lá. Além disso, haverá um aumento de afastamentos médicos e aumento dos gastos com aposentadoria por invalidez.

7. A PEC 241 e a redução dos benefícios da aposentadoria para os trabalhadores já aposentados

Digno de registro também é o fato de que aqueles que hoje se encontram aposentados também não estão imunes às mudanças que o Governo pretende fazer.
A aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos pela inflação, traz a redução dos valores da aposentadoria.
A PEC 241 trará um futuro catastrófico nas políticas sociais e refletirá diretamente no reajuste da aposentadoria.
O cálculo é simples. Haverá um valor fixo para os gastos destinados ao pagamento de benefícios, que será corrigido apenas pela inflação. Entretanto, se, a cada ano, novos aposentados são inseridos neste orçamento, os rendimentos daqueles que já se encontram aposentados tendem a encolher para conseguir pagar os novos benefícios. Assim, as aposentadorias não conseguirão ter aumento sequer da inflação, corroendo o poder de compra dos atuais aposentados.
Tudo isto mostra, uma vez mais, que, também em relação ao tema da Previdência Social, temos que buscar resistir aos tempos sombrios e cinzentos que se instalaram em nosso País.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016.
Luiz Claudio Marcolino é economista. Foi presidente do Sindicato dos Bancário; Diretor da Agência São Paulo de Desenvolvimento; Superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo; Deputado estadual na legislatura 2010-2014.
Artur Henrique da Silva Santos, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A ECONOMIA DO GOLPE E A ‘FINANCEIRIZAÇÃO’



Jefferson José da Conceição (jefferson.pmsbc@gmail.com)

No artigo “A Direita saiu do armário”, de 23/5/2016, tratei, no campo da politica, do processo de “endireitização” da sociedade brasileira no período recente. As marchas do movimento “verde e amarelo”; a campanha “eu não vou pagar o pato”; o impeachment da Presidente reeleita Dilma Rousseff; a caçada judicial ao ex-Presidente Lula; a criminalização dos movimentos sociais; as vitórias avassaladoras das candidaturas conservadoras nos pleitos municipais – são algumas das manifestações evidentes desse processo em curso.

A consequência desta endireitização da sociedade brasileira é a estruturação da perversa economia do golpe, que ocorre na forma de “reformas”.  A extinção de pastas na área social e o corte de cerca de 30% das verbas dos programas sociais no Orçamento 2017 estiveram entre as primeiras medidas desta “nova” economia. 

Também foi marcante a aprovação, no Congresso, do projeto de lei que desobriga a Petrobrás de participar com pelo menos 30% de todos os consórcios de exploração dos campos do pré-sal, abrindo desta forma a possibilidade de que outras empresas (especialmente as estrangeiras) possam ampliar sua participação no pré-sal.

As mudanças continuaram com a aprovação, no Congresso, da proposta do Governo expressa na PEC 241, que limita os gastos públicos por vinte anos, e que afetará diretamente direitos sociais em áreas essenciais como saúde, educação e previdência, mas não só.

As Reformas trabalhistas (feita em “pedaços”) e a Reforma Previdenciária igualmente se constituem em objetivos deste governo. No artigo “As Reformas Trabalhistas: ataque aos direitos”, publicado em 26/9/2016, abordei as reformas trabalhistas. Já no artigo “Reforma da Previdência: impactos na aposentadoria e no mercado de trabalho”, de 11/10/2016, tratei de alguns aspectos da reforma previdenciária. Tanto as Reformas Trabalhistas quanto a Reforma Previdenciária retiram direitos duramente conquistados.

Neste artigo, quero chamar a atenção para outro efeito nocivo derivado deste “cerco por todos os lados”, gerado pelo ambiente político conservador. Refiro-me ao fortalecimento do processo de “financeirização” da economia brasileira, isto é, o predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo, com efeitos perversos não apenas para o empresariado ligado à atividade produtiva, mas também e principalmente para a classe trabalhadora, segmento mais vulnerável deste conjunto de retrocessos. 

Ressalve-se desde logo que a financeirização da economia é processo que já vem ocorrendo há décadas, e não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. No entanto, no Brasil, entre 2004 e até aproximadamente 2012, a estruturação e execução de uma política de crescimento econômico associada à uma Política Industrial ativa levou a certo freio no processo de financeirização, incluindo a expansão da retomada dos investimentos industriais, a geração de postos de trabalho na atividade produtiva e a interrupção da queda da participação relativa da indústria no PIB. Ainda assim cabe notar que em praticamente todos esses anos até hoje os bancos tiveram lucros estratosféricos. Em 2015, por exemplo, os lucros do banco Itaú alcançaram R$ 23 bilhões, e do banco Bradesco, R$ 15 bilhões.

A partir das mudanças conduzidas pelo Governo Temer, baseadas na plataforma “Uma Ponte para o Futuro”, verifica-se novamente um ambiente bastante favorável ao fortalecimento da financeirização no Brasil, com todos os efeitos nocivos em termos de aumento da volatilidade, desigualdade, desemprego e desnacionalização.

O que é o processo de financeirização?

A partir da década de 1970, a economia capitalista passou a enfrentar um intenso processo de mudanças. De um lado, as políticas keynesianas, calcadas no gasto público e nas políticas de bem estar social (welfare State), como seguro desemprego, fixação do salário mínimo, regulamentação da jornada de trabalho, Previdência Social, entre outras, não conseguiram mais responder à crise do déficit público, ao aumento da inflação e à crescente perda de competitividade estrutural das economias ocidentais frente aos novos competidores asiáticos. 

De outro, as companhias japonesas passaram a colocar em xeque as parcelas de mercados das grandes empresas tradicionais do ocidente cuja produção estruturava-se segundo o modelo de produção fordista. A estabilidade dos anos gloriosos dá lugar à volatilidade do sistema.

Alguns analistas vão buscar no próprio modelo de produção as raízes da crise. Para alguns, o que se constituía na “força” do modelo de produção fordista era agora a sua “fraqueza”:  os problemas do fordismo repousariam na rigidez do processo produtivo e na fabricação de produtos padronizados. 

Em contrapartida, a flexibilidade podia então ser encontrada no “modelo toyotista de produção” ou “modelo de produção enxuta” (lean production). Este modelo se constitui no conjunto de novas práticas e métodos adotados em empresas japonesas, como aquela que emprestou seu nome ao modelo e que será difundida em todo o mundo – ainda que, algumas vezes, na forma de ‘japonização de ocasião’.

O debate que se estabeleceu a partir daí é se o novo modelo de produção constitui-se ou não como ‘neo-fordismo’ ou modelo híbrido.

Em termos do ambiente econômico mais amplo, observa-se a difusão das ideias liberais e da globalização, cuja agenda é composta pela abertura dos mercados, integração dos processos produtivos e financeiros, menor intervenção do Estado na economia, privatização e desregulamentação. Intensifica-se a pressão pela competitividade, traduzida em menores custos, redução de preços e melhor qualidade. É crescente a mobilidade do capital. O capital financeiro e as multinacionais são os atores protagonistas desta nova fase. Emerge uma nova economia internacional e, com ela, novas economias nacionais.

A acumulação financeira passa a ser preponderante, sobrepondo-se à acumulação produtiva ou industrial. Neste novo estágio do capitalismo, a lucratividade da indústria passa a ser inferior à da área financeira. Os interesses dos grupos ligados ao mercado financeiro passam a ser identificados como iguais aos interesses nacionais e tomados como prioritários nas políticas públicas. A ideia do desenvolvimento associado à industrialização é substituída pelo discurso da sociedade ‘pós-industrial’ que é representado pelo segmento de serviços, e, em particular, as finanças.

Como consequência dessa comparação de taxas e da instabilidade reinante no mercado, as empresas buscam fugir dos riscos da ‘iliquidez’. Ou seja, o capital procura agora sua metamorfose quase direta do dinheiro que gera mais dinheiro (D-D’), situando-se o menos possível na forma imobilizada de instalações e maquinários, ou na forma mutante de matérias-primas, insumos e força de trabalho, ou ainda em elevados estoques de produtos acabados. Esta fuga da ‘iliquidez’ está associada à busca de ‘giros’ mais rápidos de capital e sua aplicação no mercado financeiro. A organização enxuta e flexível é funcional nesta lógica de valorização do capital.

Flexibilidade, a peça-chave do novo modelo

A palavra ‘flexibilidade’ torna-se peça-chave do novo modelo de produção, mas cujas repercussões vão muito além da fábrica, atingindo até mesmo a vida pessoal dos indivíduos, ao gerar instabilidade e insegurança. A flexibilidade vai do contrato de trabalho à organização da produção e do trabalho, passando por itens fundamentais como jornada e salários.  A generalização da precarização e da insegurança trazidas pela flexibilização inclui os países avançados, que se caracterizaram no Pós-Guerra pelas políticas de bem estar social.

Flexibilidade, por consequência, é considerada como ferramenta essencial para o alcance da eficiência do novo modelo de produção. Na produção, uma série de iniciativas é difundida me âmbito mundial, como ‘one best way’, única forma de gestão competitiva da empresa. Entre essas iniciativas estão: focalização no ‘core business’, desverticalização, terceirização, subcontratação, compra de componentes em módulos, enxugamento de fornecedores, contratação temporária, jornada flexível de trabalho, automação, just in time, entre outras.

Essas mudanças organizacionais, implementadas por meio da “best practices” que constituem o novo paradigma da produção, trazem acentuados impactos nas relações de trabalho. Em alguns casos, os sindicatos têm conseguido estabelecer negociações para a implantação da reestruturação produtiva, reduzindo seus efeitos mais negativos; na maioria dos casos, contudo, a flexibilização combinou-se com a precarização do contrato de trabalho e o enfraquecimento das negociações coletivas.

Mudou o próprio conceito de empresa, cuja ênfase não pode mais ser dada apenas ao seu conjunto de bens tangíveis (maquinário, edificações). Elementos intangíveis como a marca e o ‘know how’ têm, hoje, valor muitas vezes mais elevado que os primeiros.

De igual forma, o termo ‘fábrica’ parece pouco adequado para descrever o novo espaço de produção flexível que emerge a partir daí, inserido em ‘cadeias produtivas’ e em ‘complexos industriais’, esse espaço tem hoje estrutura enxuta, ‘limpa’ e ‘ágil’. Relações de trabalho participativas, processo produtivo automatizado, novo ‘lay out’ de equipamentos, novas formas de organização do trabalho, fornecedores localizando-se próximos ou atuando até mesmo dentro da linha de montagem – são elementos que, a diferentes passos, foram introduzidos nas empresas. Em suma esta nova ‘planta’ ou ‘unidade industrial’, que tem elevada produtividade e baixo contingente de trabalhadores (dos quais muitos têm contratos ‘flexíveis’) está longe de lembrar a ‘fábrica’ do período fordista, das chaminés e dos macacões.

Por que a “financeirização” se fortalece na economia do golpe?

A financeirização da economia brasileira tende a se fortalecer no Governo Temer por um conjunto de fatores. O primeiro e o principal deles é que a lógica que norteia o governo é a da redução da presença do Estado na Economia. Isto significa incrementar a desregulamentação do mercado financeiro e reduzir o papel de políticas ativas como a Política Industrial. A redução do papel da Política Industrial será resultado também do forte ajuste fiscal, que deve reduzir o total de incentivos e desonerações tributárias que fazem parte de qualquer Política Industrial. 

O segundo fator é que o conjunto de políticas implementadas pelo Governo, como a redução das políticas sociais, o fim da Política de Valorização do Salário Mínimo e as Reformas trabalhistas e previdenciária, combinados com o crescente desemprego gerado por este ambiente, contribuem para a continuidade da redução do mercado interno. 

Um dos resultados da queda do mercado interno é que a lucratividade do setor produtivo é rebaixada. Isto, no mesmo momento em que a Política Monetária tende a manter os juros altos. Por conseguinte, a comparação das taxas de rentabilidade produtiva e das taxas de juros deverá, estruturalmente, favorecer a aplicação financeira.

Uma conclusão do exposto neste artigo é que a defesa da valorização produção e do emprego, e, por conseguinte, o combate à financeirização da economia, deverá fazer parte do rol de bandeiras mobilizadoras da parcela da sociedade brasileira que luta contra os efeitos do forte processo de endireitização que vivemos. 

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do DIEESE.

Observação: Parte deste artigo foi extraída de minha tese de doutoramento, defendida em 2005, e intitulada “Quando o apito da fábrica silencia: sindicatos, empresas e poder público diante do fechamento de indústrias e da eliminação de empregos na Região do ABC”.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs (Ponto de (des)equilíbrio), em 7/11/2016,