Desenvolvimento econômico e indicadores
Jefferson José da Conceição1
jefferson.jose@saobernardo.sp.gov.br
Ronaldo Tadeu Ávila de Paula2
ronaldo.tadeu@saobernardo.sp.gov.br
Roberto Vital Anau3
roberto.vital@saobernardo.sp.gov.br
Resumo
Este artigo aborda aspectos teóricos e práticos da relação entre desenvolvimento
econômico e construção de indicadores. Inicialmente, o artigo apresenta breve revisão
teórica do tema do desenvolvimento econômico, incluindo suas diversas conceituações.
Faz também uma síntese histórica de como a questão dos indicadores esteve associada
com o debate do desenvolvimento brasileiro. Por fim, o texto reflete sobre o
planejamento de longo prazo e suas repercussões no tocante à produção de indicadores.
O trabalho explora ainda a utilização de indicadores sócio-econômicos, nas seguintes
áreas: a) como instrumentos para tomada de decisões de investimentos; b) como
subsídios para a formulação de políticas públicas de desenvolvimento econômico e
social; c) como patrimônio público; d) como instrumento de controle da sociedade sobre
as políticas governamentais. O texto aponta também para a necessidade da elaboração
de novos indicadores associados a temas de largo interesse contemporâneo, como a
inovação.
Palavras-chave: desenvolvimento, indicadores, planejamento, acompanhamento,
tomada de decisões, cidadania
Economic development and indicators
Abstract
This paper discuss theoretical and practical aspects of the relationship between
economic development and construction of indicators. Initially, the article presents brief
theoretical review of the theme of economic development, including its various
concepts. It also makes a historical review of how the issue of indicators was associated
with discussion of Brazilian development. Finally, it reflects on the long-term planning
and its implications regarding the production of indicators. The paper also explores the
use of socioeconomic indicators in the following areas: a) as tools for investment
decisions, b) as subsidies for the formulation of public policies for economic and social
development, c) as public property, d ) as an instrument of social control over
government policies. The text also points to the need of developing new indicators
related to issues of broad contemporary interest, such as innovation.
Key words: development, indicators, planning, monitoring, decision making,
citizenship
1 Economista e doutor em Ciências Sociais, Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e
Turismo da Prefeitura de São Bernardo do Campo.
2 Cientista social e mestre em Administração Pública, Secretário adjunto de Desenvolvimento
Econômico, Trabalho e Turismo da Prefeitura de São Bernardo do Campo.
3 Economista, mestre em Urbanismo (FAU-USP). Docente no ensino superior há dez anos. Trinta anos
como técnico, assessor e consultor econômico. Atualmente, assessor econômico da Prefeitura de São
Bernardo do Campo - Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo.
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Introdução
A oportunidade deste artigo decorre do recente lançamento do Sumário de
Dados de São Bernardo do Campo – 2009 pela Prefeitura municipal.
Os autores do artigo possuem em seus currículos fortes ligações com a geração,
divulgação e interpretação de indicadores sócio-econômicos. Seja no Dieese – órgão de
assessoria técnica aos sindicatos de trabalhadores -, seja em instituições públicas,
entidades do setor privado ou no meio acadêmico, adquiriram significativa experiência
nessa atividade.
Por essa razão, consideram fundamental destacar a complexidade do trabalho
realizado. Com efeito, a simples vista da publicação pode deixar passar despercebidas as
dificuldades técnicas e o grau de operosidade requerido para a sua produção. A
elaboração de uma coletânea de informações estatísticas e textuais como o Sumário de
Dados equivale a uma “linha de montagem”.
Dizemos isso, porque a montagem de indicadores é uma atividade que demanda
equipe, divisão de trabalho e é feita passo-a-passo: a seleção dos temas, entre tantos da
nossa realidade; a seleção das informações relevantes sobre esses temas; a identificação
das fontes; a coleta (instrumentos, freqüência, armazenamento etc.); o processamento e
tratamento (percentuais; cruzamentos; tabelas e gráficos); a análise por meio de textos
explicativos e interpretativos; e, finalmente, a publicação propriamente dita.
Em cada uma destas etapas, é fundamental o rigor técnico, a acuidade no trato
das informações. É este rigor em todas as etapas que garante a credibilidade da
informação que está sendo apresentada.
Além dessas considerações, o momento em que o Sumário de Dados é dado a
público suscita diversas reflexões sobre o vínculo entre desenvolvimento local e
indicadores. É sobre elas que este artigo se detém.
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II – Conceito de desenvolvimento, ontem e hoje
A seleção dos indicadores depende e decorre do conceito de desenvolvimento
dos responsáveis por essa escolha.
Cada concepção de desenvolvimento implica em atribuir relevância a
determinado conjunto de indicadores. Mudando a concepção, muda a lista dos
indicadores prioritários. Com eles, também mudam as fontes e o tratamento estatístico
dos dados disponíveis.
Para conceituar o desenvolvimento, vale repassar sinteticamente a sua evolução,
para compreender esse conceito na atualidade.
A visão mais tradicional equipara desenvolvimento à acumulação de riquezas.
Isto significa igualar crescimento e desenvolvimento econômico.
Essa visão foi compartilhada pelos mercantilistas, por Adam Smith e os
economistas clássicos, e pela Escola Neoclássica.
No Brasil, essa concepção predominou especialmente nos anos 1960 e 1970, sob
o regime militar. As taxas extraordinárias de crescimento econômico entre 1967 e 1973
– período chamado de “milagre econômico brasileiro” - e de 1974 a 1980, mais baixas
que as do “milagre”, porém superiores às de muitos países em desenvolvimento,
fortaleceram esse conceito (desenvolvimento = crescimento).
Em contraposição, existem concepções que diferenciam desenvolvimento e
crescimento, principalmente pela ótica social e cultural:
• Schumpeter (BRUE, 2005: 465-470) apresenta o desenvolvimento econômico
como um processo de “destruição criadora”: novos produtos, processos ou
mercados deslocam os antigos, causando fechamento de empresas e desemprego,
enquanto capital e trabalho são atraídos para os novos segmentos produtivos.
Regiões mais antigas são devastadas, enquanto outras entram em fase de
prosperidade. A base desse processo é a inovação: o empresário aposta em uma
descoberta científica, capta recursos junto aos bancos ou a acionistas e mobiliza a
empresa para viabilizar o invento no mercado. Empresário inovador, pesquisador
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científico, fornecedor de recursos e ambiente inovador na empresa são elementos
fundamentais do desenvolvimento
• Keynes preocupou-se prioritariamente com os problemas de curto prazo das
economias desenvolvidas, em especial com a explicação da Grande Depressão e
com os instrumentos para superá-la. Sua teoria foi tão inovadora que inspirou
outros economistas a pensarem no longo prazo, isto é, no desenvolvimento
econômico, utilizando os conceitos keynesianos (BRUE, 2005: 469-465). Surgiram
assim teorias e modelos que privilegiam o investimento, a distribuição de renda e a
ação do Governo no processo de desenvolvimento
• François Perroux, engajado na reconstrução das economias européias após a IIa
Guerra Mundial, forja o conceito de “pólos de crescimento” (agrupamentos de
empresas-chave, cuja atividade gera crescimento ainda maior nas empresas do seu
entorno). Perroux diferencia desenvolvimento e crescimento: o primeiro requer
mudanças sociais e culturais que capacitem a população a participar do processo de
forma ativa (ANDRADE, 1977: 59-70)
• Raúl Prebisch e a escola da CEPAL (Comissão Econômica Para a América Latina)
criticam as teorias liberais e neoclássicas sobre as “vantagens comparativas”, que
preconizavam a especialização do subcontinente na exportação de matérias-primas
agropecuárias e minerais. Criam a Teoria da Deterioração dos Termos de
Intercâmbio: ao longo do tempo, os produtos primários exportados perdem valor
frente aos produtos industriais importados, empobrecendo os países latinoamericanos
e mantendo-os vulneráveis a crises originadas no setor exportador.
Defendem a industrialização induzida pelo Estado (investimentos públicos,
protecionismo cambial, crédito à produção industrial, legislações sobre o mercado
de trabalho etc.), que traria melhor distribuição de renda, com a migração das
populações rurais para as cidades e com o crescimento da produtividade, liderado
pela indústria (BIELSCHOWSKY, 2000: 11-32). A aplicação dessas diretrizes
levou a níveis diferenciados de industrialização e urbanização na América Latina.
(o Brasil à frente). Mas a ausência de reforma agrária, o ensino elitizado e a adoção
de modelos industriais intensivos em capital e não em mão-de-obra, bem como a
ausência de políticas sociais ativas e de planejamento urbano, mantiveram o
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subcontinente com índices muito altos de desigualdade e marginalidade social,
além de levar ao nosso característico caos urbano e metropolitano.
2.1 Política econômica e debate sobre indicadores nos últimos 45 anos no Brasil
Durante o “milagre econômico”, economistas de oposição nacionalizaram as
concepções teóricas sobre a distinção entre crescimento e desenvolvimento econômico.
Um momento emblemático foi o debate Hoffman X Langoni: a crítica do primeiro
recaía na piora da distribuição de renda, explicada pela política salarial de arrocho, além
de outros fatores; o segundo argumentava com as diferenças educacionais e a demanda
mais forte por trabalho qualificado como base das diferenças, que somente seriam
atenuadas com a ampliação do sistema educacional (BORGES, MARQUES et al, 2005:
122-123). Todo o debate se apoiou em indicadores de renda per capita, salários reais,
educação e outros.
Uma segunda polêmica, na qual o tema dos indicadores foi central e adquiriu
publicidade, ocorreu no final do “milagre econômico”. Um intenso debate ocorreu entre
o Dieese (órgão de assessoria técnica aos sindicatos), por um lado, e a Fundação Getúlio
Vargas, sobre a verdadeira taxa de inflação de 1973. O Dieese argumentava que os
preços tabelados pelo Governo não refletiam a realidade, dada a prática generalizada de
sobrepreços dissimulados. No início de 1974, o Banco Mundial – insuspeito de
hostilidade ao regime militar brasileiro da época – endossou a taxa indicada pelo
Dieese, equivalente ao dobro daquela informada pela Fundação Getúlio Vargas. Embora
privada, a FGV – cujo Índice Geral de Preços era considerado uma espécie de taxa
oficial de inflação no Brasil - sofrera pressão política para coletar apenas os preços
tabelados. Tratava-se de uma conjuntura marcada por pressões inflacionárias
perturbadoras para um regime autoritário, cuja pretensão à legitimidade consistia na
combinação de forte crescimento com inflação cadente. Nasceu desse conflito de
indicadores - FGV X Dieese/Banco Mundial – a famosa luta dos sindicatos brasileiros
pela reposição dos índices surrupiados da inflação oficial nos salários, luta na qual
adquiriu expressão nacional, pela primeira vez, um futuro Presidente da República da
primeira década do século XXI. O assunto se referia menos à escolha de indicadores e
mais à sua qualidade e confiabilidade.
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Os anos 1980 se iniciaram com profunda recessão. Em seguida, o debate
econômico permaneceu centrado em nossa inflação endêmica. Planos heterodoxos e
ortodoxos se sucederam, sem sucesso (BORGES, MARQUES et al., op. cit.: 184-195).
O desenvolvimento e o longo prazo saíram de foco. A maioria dos indicadores
utilizados pelo mercado referia-se aos índices de preços, aos agregados monetários e às
finanças públicas, onde todos localizavam a fonte da instabilidade econômica. Outros
levantamentos, especialmente de órgãos públicos, envolviam um conjunto maior de
indicadores. Contudo, o predomínio das preocupações de curto prazo limitava essa
abrangência.
Nos anos 1990, a agenda neoliberal desembarcou no Brasil. Em meados da
década, o Plano Real logrou domar a inflação. Privatizações e redução das funções do
Estado constituíram o único eixo político com pretensões de permanência. A política
econômica continuou presa a temas imediatos, como a taxa de juros e a vulnerabilidade
cambial. O prolongamento para a nova década de taxas medíocres de crescimento
econômico provocou uma retomada da preocupação com o desenvolvimento e seus
entraves (BORGES, MARQUES et al., op. cit.: 205-237). Alguns sistemas de
indicadores econômicos e sociais foram aperfeiçoados e ampliados, mas ainda sem um
foco específico nos elementos-chave do desenvolvimento.
Na última década, especialmente desde 2003, o País retomou o crescimento
econômico e iniciou políticas distributivas. Também buscou recuperar a capacidade de
ação do Estado e passou a formular políticas indutoras da atividade econômica. O perfil
macroeconômico brasileiro tornou-se bem mais favorável. Nesse contexto, o debate
sobre o desenvolvimento foi retomado. No seu núcleo, três preocupações se destacam:
geração de empregos formais, educação (incluindo, mas não se restringindo à
qualificação profissional) e inovação. Ainda há algumas questões macroeconômicas
pendentes, mas o ambiente é o melhor, em muitas décadas, para se pensar e agir com
propósitos desenvolvimentistas. Contribui em muito para isso o rápido e decidido
enfrentamento da crise mundial, cujos efeitos já estão superados - sucesso inédito no
último século de nossa história.
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Vale lembrar o aperfeiçoamento, em anos recentes, dos levantamentos da RAIS
(Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho e Emprego) junto às
empresas, acrescentando, por exemplo, o total de horas mensais efetivamente
trabalhadas pelos empregados, inclusive horas extras, e o município da prestação do
trabalho, caso distinto daquele em que se situa a empresa. Também aumentaram as
exigências em relação à indicação de todas as verbas pagas na rescisão, como férias
indenizadas, acréscimo salarial negociado em dissídio e pago somente na rescisão e
gratificações, visando evitar erros de cálculo sobre as médias salariais para pagamento
do abono salarial. Assim, verifica-se um refinamento, uma busca de maior aderência
dos indicadores às práticas efetivas do mercado de trabalho.
Neste último período, ampliou-se o consenso sobre as relações entre
desenvolvimento econômico, investimento público e privado, inovação – conceito
abrangente, que inclui, mas não se limita à tecnologia -, políticas indutoras, distribuição
de renda e igualdade de oportunidades, bem como a preservação do meio ambiente. Na
atualidade, a expressão desenvolvimento sustentável abrange muitas dessas dimensões
e pressupõe as demais.
III- Planejamento de longo prazo e indicadores
O Brasil está voltando a exercitar o planejamento de longo prazo, tão marcante
nas etapas-chave de nossa industrialização. Os Governos da Era Vargas (1930-45 e
1950-54) e o Governo Juscelino Kubitschek (1956-60) desenvolveram ações orientadas
para o futuro e não apenas para a semana, o mês ou o ano seguinte. Esse olhar motivou
a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE – atual BNDES), da Eletrobrás e da Petrobrás. O
mesmo enfoque embasou o Plano de Metas de JK, no qual a atração da indústria
automotiva e eletroeletrônica e a construção de Brasília acompanhavam o lema
“cinqüenta anos em cinco”. Mais tarde, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND – 1974-79) retomou a prática, por meio de instrumentos e ações em busca do
fortalecimento dos setores de insumos básicos e bens de capital (BORGES, MARQUES
et al., op. cit.: 70-103).
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A “década perdida” afastou esse enfoque. Nos anos 1990, ele foi afugentado
pela nova dogmática neoliberal, a qual, traduzida ao jargão popular, atribuía ao
planejamento de longo prazo características “jurássicas” ou pré-históricas. A história
contemporânea estaria, no entender de alguns dos ideólogos e dirigentes do processo,
passando por um novo Renascimento comandado pelo mercado globalizado,
dispensando a atuação estatal na indução do desenvolvimento.
O Plano de Aceleração do Crescimento, lançado pelo Governo Lula ainda em
seu primeiro mandato, reatou com o planejamento de longo prazo, apontando para a
superação de nossas fortes lacunas na infra-estrutura. Sua reedição também indica
preocupações sociais, como a redução do déficit habitacional e a mobilidade urbana,
sempre incidindo sobre o crescimento econômico. Não há margem para dúvidas quanto
ao impacto positivo do PAC, não apenas nas taxas mais elevadas do crescimento
econômico recente, como na criação de milhões de novos empregos na parte mais
recente desta década. Não é o único fator, mas exerceu influência positiva em ambos os
processos.
A volta do desenvolvimento ao plano das preocupações da sociedade e dos
governantes traz implicações na construção de indicadores(4). A primeira delas é que o
desenvolvimento é um processo de longo prazo e requer a prática de planejamento das
ações públicas e privadas no mesmo intervalo de tempo. Por sua vez, planejar significa
observar a realidade, identificar os pontos sobre os quais atuar e definir metas para essa
atuação. Isso só é possível por meio de indicadores que expressem a realidade atual,
nesses pontos prioritários, e indiquem qual o valor ou a magnitude desejada para os
mesmos indicadores após certo número de anos. Esse passo condiciona a seleção dos
planos e instrumentos de ação, bem como a sua dosagem.
Uma vez iniciada a ação planejada, requer-se um acompanhamento regular dos
indicadores que a nortearam, para observar sua mudança. Ela confirma as previsões?
Caminha no sentido e ritmo desejados? Isso é indispensável para reforçar ou corrigir
rumos, quando necessário.
(4) Para uma análise das relações entre desenvolvimento e indicadores, ver FAVARETO, MAGALHÃES
e BRANCHER, 2005; IPEA, 2010; e JANUZZI, 2004.
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Esse processo se aplica a todas as esferas de Governo. Portanto, cabe também às
prefeituras e governos estaduais. Também as instâncias de articulação
intergovernamental e as instituições de parceria público-privada – como são os casos,
respectivamente, do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e da Agência de
Desenvolvimento Econômico do ABC – não podem prescindir de sistemas bem
arquitetados de indicadores físicos, demográficos, sociais e econômicos para suas
atividades de planejamento e execução.
À medida que o processo se generalize, como parece ser a tendência atual, será
inevitável adentrar outra atividade a partir dos indicadores: a projeção do futuro com
base em relações conhecidas entre políticas públicas, estratégias privadas e fatores
sócio-econômicos(5). Técnicas de regressão, para projetar o futuro com base em
hipóteses sobre as variáveis nas quais se pretende atuar ou com as quais é necessário
contar, tendem a se tornar mais freqüentes como instrumentos para o planejamento de
médio e longo prazo.
IV- As várias dimensões da informação
4.1 Informação como orientadora da tomada de decisões de investimentos
A construção de indicadores físicos e sócio-econômicos tem importância
estratégica para o desenvolvimento sustentável(6). Decisões de investimento apóiam-se
em avaliações do ambiente produtivo, de seu entorno e do mercado local, bem como da
infra-estrutura, da acessibilidade e dos fluxos comerciais com outros mercados, regiões
e países. A disponibilidade e qualidade dos fatores de produção locais (terra e trabalho)
é outra informação relevante para as decisões locacionais de investimentos.
Quanto mais detalhado e abrangente for um sistema de indicadores, mais ele
possibilitará avaliações realistas do potencial de um país, de uma região ou de uma
cidade para hospedar investimentos produtivos, com impactos locais no emprego, na
renda, na tributação e na qualidade de vida. Além disso, um sistema eficiente de
(5) A respeito da importância de bons indicadores para a elaboração de cenários futuros, ver
MALHEIROS, PHILIPPI JR. e COUTINHO, 2008; e Portal ODM, 2009.
(6) Sobre a relação entre o debate sobre sustentabilidade e indicadores, ver VEIGA, 2006 e 2008.
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indicadores reduz as incertezas e aumenta a previsibilidade econômica, benéfica aos
investimentos.
4.2 Informação como subsídio à formulação de políticas públicas
Outra utilidade fundamental de um sistema de indicadores refere-se à
formulação de políticas públicas pró-desenvolvimento. O Poder Público local, assim
como as esferas mais amplas da federação, devem ter clareza dos pontos fortes e fracos
do território sob sua administração, em relação às possibilidades e oportunidades
econômicas. O resultado pode ser a construção de políticas de reforço e divulgação dos
aspectos favoráveis e de correção ou minimização das desvantagens locais.
A combinação entre fatores econômicos, sociais, culturais e ambientais implica
na construção de sistemas interligados de indicadores em todas essas áreas. Há muitos
aspectos favoráveis, como a disseminação de informações na internet, com bancos de
dados públicos e semi-públicos (tais como de entidades empresariais e sindicais).
Graças a isso, podemos dispor, com pouca ou nenhuma dificuldade técnica, de
informações tais como o PIB municipal, total, setorial e per capita, inclusive com a
possibilidade de compará-lo e relacioná-lo a outras áreas para análise (Estado, País,
outros municípios, regiões). O mercado de trabalho formal, medido pela RAIS e pelo
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged, do mesmo Ministério citado),
é outro campo em que é possível construir inúmeros indicadores, inclusive
comparativos, evolutivos, com cruzamento de atributos etc. . Há ainda, como sabem
todos os que pesquisam dados econômicos na web, informações tributárias do Tesouro
Nacional, que permitem comparações e rankings entre municípios e Estados, e dados
relevantes sobre comércio exterior no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), inclusive em âmbito municipal. Essa é apenas uma
amostra, com os sistemas mais conhecidos na área econômica, do vasto potencial que se
encontra na rede virtual.
Uma dimensão essencial é a criação de uma cultura de informações nos órgãos
públicos, que permita compilar dados e construir indicadores relevantes para cada
realidade local. Os serviços públicos devem incorporar cada vez mais uma ótica de
registro com intenções estatísticas, e não meramente de controles individuais ou
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parciais. Um exemplo: quais as maiores causas de óbitos em nosso município? Quais as
maiores incidências de moléstias? O que motiva a maior procura nos postos de saúde e
hospitais? Como esses fatores se distribuem entre os bairros? Como relacioná-los a
indicadores existentes sobre renda, acesso a saneamento, coleta regular de lixo etc.?
Esta série de indicadores relacionada à saúde requer a prática regular de registro de
informações de forma padronizada, em formulários elaborados com o propósito
explícito de consolidar estatisticamente os dados, de forma a orientar ações e decisões
de políticas públicas. É importante integrar o conjunto dos serviços prestados à
população a essa nova cultura, com etapas definidas a partir dos órgãos e serviços
considerados prioritários, em termos de políticas públicas que se pretende alimentar
com informações para a tomada de decisões.
Um exemplo adicional, relacionado às dificuldades vividas pelo nosso e por
muitos municípios próximos e distantes nos meses recentes, pode ser buscado nas
enchentes e inundações durante as fortes chuvas de verão. O levantamento metódico dos
locais mais afetados, dos danos materiais e humanos por bairro e região, o cruzamento
destes dados com a rede física de equipamentos de drenagem e com a freqüência dos
serviços preventivos (limpeza de bueiros, coleta de lixo e outros) pode indicar as
medidas mais urgentes, os locais prioritários de intervenção e as políticas de curto e
médio prazo para enfrentar o problema.
É verdade que se trata de um aspecto estrutural ligado à forte urbanização, com
sua seqüela de impermeabilização do solo, e também a falhas no planejamento urbano,
além de aspectos culturais referentes ao descarte de resíduos e à própria maneira de
disposição do lixo pelos cidadãos. Se estes fatores requerem políticas estruturantes de
médio e longo prazo, discutidas com a sociedade, eles não dispensam a ação mais
imediata para minimizar os impactos desses eventos, cuja efetividade será tanto maior
quanto mais estiver apoiada em informações como as citadas.
Outra dimensão chave é a colaboração entre esferas distintas de governo. Dados
e informações da maior relevância se referem a atividades e serviços prestados em
âmbito supra-municipal. Tomando o campo econômico como exemplo, informações
sobre Valor Adicionado Fiscal, de posse da Fazenda estadual, e de arrecadação de
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tributos federais como o IPI por segmento industrial, podem dar uma perspectiva mais
realista sobre a atividade produtiva no território municipal. Se ampliarmos nosso raio de
visão aos aspectos sociais, os sistemas estaduais nas áreas de saúde, educação,
habitação, saneamento e meio ambiente, apenas para citar os mais relevantes, também
precisam ser fontes de informações para se alcançar uma visão abrangente de cada área.
O caso da saúde, citado acima, é expressivo: implantar a cultura de informação nos
serviços municipais é fundamental, mas integrar os serviços estaduais e os da rede
privada constitui um passo complementar importante para se construir um perfil
municipal mais realista das condições de saúde do município. E isso requer a realização
de convênios, parcerias, acordos e protocolos formais entre as diversas esferas de
governo.
A parceria com o setor privado e as entidades associativas do setor produtivo é
mais uma dimensão necessária. Informações sobre produção, emprego, salários e outras
remunerações, utilização de capacidade, vendas e outras, distribuídas setorialmente,
permitem acompanhar mais de perto o desempenho dos segmentos econômicos mais
relevantes no território municipal. Na área de serviços, já foi citado o segmento de
saúde; haveria que considerar ainda os de educação e habitação (incorporações, vendas
e locação de imóveis). A interface público-privada sempre terá que estar presente, nos
casos compartilhados ou complementados entre ambos os grupos. O campo imobiliário
é emblemático, na medida em que a compilação de informações sobre alvarás e Habitese’s
tem papel essencial para o conhecimento do movimento imobiliário local,
completando-se com as informações das associações representativas dos agentes
privados. E há que buscar a integração dos ramos integralmente tocados por
empreendedores privados: o comércio e os diversos segmentos de serviços, através de
suas instituições associativas. Eles completam de forma mais definida as informações
que devem ser extraídas de forma sistêmica dos cadastros fiscais da municipalidade.
Um aspecto de maior relevância para a construção e o próprio planejamento de
um sistema abrangente de indicadores úteis ao desenvolvimento é o contato mais
estreito com o segmento acadêmico local e da região do ABC. A elaboração de uma
arquitetura de dados públicos dinâmicos, úteis à sociedade e aos agentes econômicos,
assim como aos tomadores de decisão na administração pública, tem tudo a ganhar se
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puder contar com a colaboração e as sugestões dos especialistas das universidades
locais. Ademais, informações de grande importância podem e devem ser levantadas em
campo com a participação dessas instituições. Já existem levantamentos desse tipo no
ABC, a exemplo da Pesquisa Sócio-Econômica da USCS, bem como bases de dados
relevantes, como as do Laboratório de Regionalidades da mesma instituição e dos
estudos e teses produzidos pelas Cátedras de Gestão de Cidades e Unesco para o
Desenvolvimento Regional, da Universidade Metodista. Uma programação de médio
prazo de pesquisas de campo, prevendo sua regularidade anual ou com maiores
intervalos de tempo, conforme o caso, fortaleceria esse esforço de compor uma forte
base de informações úteis às decisões públicas e privadas, rumo ao desenvolvimento
sustentável da cidade e da região do ABC.
4.3 Informação como patrimônio público e instrumento de controle social
A sociedade tem, não apenas o direito, mas o dever de se apoderar das
informações sobre seu município, seu Estado e o País. Cidadania consciente e
participativa é um requisito impreterível de uma verdadeira democracia. As informações
devem ser encaradas como patrimônio de toda a população, a qual deve estar vigilante e
ser exigente no tocante a esse respeito. Mais que isso, uma vez que a prática dos
Orçamentos participativos vem se ampliando, as decisões adotadas em plenárias
populares e as leis aprovadas pelos Legislativos locais devem ser acompanhadas e
cobradas, de forma a fazer valer as escolhas realizadas.
Um exemplo é o Plano PluriAnual (PPA) participativo realizado em São
Bernardo do Campo no ano passado, com plenárias em todos os bairros, participação de
milhares de cidadãos e eleição de delegados por bairros. As metas e os gastos
prioritários ali decididos expressam um planejamento de médio prazo para o município.
Compete à população acompanhar e discutir as políticas públicas, observando seu efeito
nos indicadores municipais.
Temas do atual Programa de Governo, aprovado pelo eleitorado do município,
podem ser objeto de indicadores específicos. Por exemplo, a proposta de humanização
do atendimento na rede municipal de saúde, ou de garantia de uma sensação de maior
segurança aos munícipes, requerem a realização de pesquisas qualitativas junto à
população.
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Este aspecto liga-se à idéia anterior de criação de uma cultura informacional no
serviço público. O treinamento e qualificação dos funcionários responsáveis pela coleta,
tratamento e divulgação das informações, de forma a assegurar confiabilidade no
momento de efetuar entrevistas e pesquisas e o máximo apuro técnico ao compilar e
tratar os resultados, é um requisito importante. Por outro lado, a própria divulgação
deve revestir esse caráter de interesse público. O Governo não está fazendo um favor,
mas cumprindo uma obrigação com a sociedade. Assim, a escolha das informações e
indicadores não pode obedecer a critérios de conveniência, como privilegiar apenas os
itens favoráveis ou convenientes e omitir os demais. A aparência, a linguagem acessível
e o uso de gráficos e ilustrações que facilitam o entendimento passam a ser elementos
componentes dessa estratégia voltada a tratar os indicadores como patrimônio público.
Dessa forma, os indicadores contribuirão para o desenvolvimento sustentável,
entendido de forma abrangente, o que inclui o apoderamento dos cidadãos sobre as
informações referentes à realidade de seu município, à atuação do setor privado e ao
desempenho de seus governantes.
4.4 Uma última questão: indicadores de inovação
Por fim, registramos um aspecto ainda pouco explorado, mas com papel de
primeira ordem no processo de desenvolvimento: a inovação. Não se trata apenas (mas
também!) de inovação tecnológica, mas de processos de organização da produção, de
gestão de pessoas e materiais, de inovações na área do crédito e das finanças
corporativas, no marketing e nas estratégias de obtenção de insumos e de vendas. Como
apropriar-se desses processos, identificar lacunas e oportunidades? Há algumas
iniciativas bem-sucedidas, como a Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE, que visa
explicitamente a construir um sistema de informações sobre inovação no País. É
necessário avançar na construção de indicadores que apontem o caminho já trilhado, os
obstáculos existentes, a parcela inovadora entre as empresas locais e sua dimensão
relativa. Para isso, a colaboração das instituições acadêmicas é ainda mais fundamental.
Este assunto foi tratado amplamente na recente Conferência Paulista de Ciência,
Tecnologia e Inovação, promovida pela FAPESP, em 13/04/10.
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ReFAE – Revista da Faculdade de Administração e Economia, v. 2, n. 2, p.168 - 183, 2010
Desde já, é necessário apropriar-se do número de marcas e patentes registradas
por empresas e pessoas físicas de São Bernardo do Campo e da magnitude da adoção de
novos processos de produção e gestão e de lançamentos de novos produtos no mercado.
Não são estatísticas disponíveis; elas terão que ser garimpadas e construídas. E, a partir
dessas, outras variáveis terão que ser buscadas. Esse processo é essencial para
construirmos políticas locais de estímulo à inovação, que fortaleçam São Bernardo do
Campo e o ABC como pólo de desenvolvimento regional e local, incluindo a construção
de um Parque Tecnológico e a aprovação de uma lei municipal de estímulo à inovação.
Referências
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