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quinta-feira, 31 de maio de 2018

DEVO, NÃO TENHO CERTEZA, PAGO SE EU SOUBER O QUÊ!

Hoje, 31/5/2018, vamos, em nosso blog, incentivar a publicação de jovens pesquisadores. 

O texto abaixo trata da Dívida Pública e da necessidade dos cidadãos terem conhecimento sobre a importância deste tema em suas vidas.

O artigo é de Luiara Cássia, graduanda em Políticas Públicas na USP.

Devo, não tenho certeza, pago se eu souber o quê!

Luiara Cássia Soares de Souza
luiara.souza@usp.br

“O Brasil é um país grande, uma das maiores economia do mundo”. “O Brasil tem tudo para crescer, mas (...)“. “O Brasil era pra ter sido potência”. Presumo que você leitor, sendo brasileiro, já tenha ouvido, ao menos uma vez na sua vida, tais frases ou outras semelhantes, seja em conversas politizadas com amigos, em matérias midiáticas, nas aulas de história ou mesmo nos seus questionamentos internos. O fato é: por que o Brasil não alavancou, o que houve na nossa trajetória como país que nos impediu de alcançar o desenvolvimento econômico, social e financeiro desejável.

Sugiro que uma trilha para a resposta a este questionamento já foi versada, há alguns anos atrás, pelo cantor e compositor Renato Russo, numa de suas canções de maior sucesso: Nas favelas, no Senado/Sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a Constituição/Mas todos acreditam no futuro da nação/ Que país é esse?/Que país é esse? Que país é esse?(...)

Mesmo que apelativo este refrão nos permite inquirir, de um lado, se cumprir a constituição faz um país prosperar. E, de outro, se é necessário que o Estado revele o que ele faz com o dinheiro da população.

Não sei se sua resposta à primeira pergunta é sim, mas ouso apostar que a resposta para a segunda tenha sido afirmativa. Tomando minha aposta como verdadeira afirmo que o “sim” na primeira pergunta é condição necessária para a realização da segunda questão. Quero dizer, cumprir a Constituição é essencial para que se esclareça em que se gasta os recursos financeiros que o governo arrecada dos cidadãos.

Poderíamos falar de vários dispositivos constitucionais que não são aplicados realmente na prática, porém desejo destacar o dispositivo 26 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que versa sobre a dívida pública brasileira. Nele há a exigência da realização de uma auditoria na dívida pública nacional, que hoje consome aproximadamente 40% do orçamento público anual do governo federal.

Art.26. No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro.

Destaco a importância desse artigo constitucional, que deveria ter vigorado um ano após a promulgação da Constituição que aconteceu em ainda em 1988, dado que o volume de recursos financeiros que se direciona ao pagamento da dívida é assombrosamente grande, maior do que os direcionados à saúde, educação e previdência social.

Antes de tudo, é preciso que se entenda que a Dívida Pública Federal (DPF) é resultado da contração de empréstimos pelo governo, seja por títulos ou contratos com organismos multilaterais, devido à necessidade de financiamento do déficit orçamentário, isto é, quando o governo não conseguiu arrecadar o suficiente para arcar com seus compromissos. Criando um ciclo vicioso o cálculo da dívida pública anual soma o estoque de dívida anterior com a nova dívida multiplicando pelo valor dos juros naquele ano. De tal modo o endividamento é acumulativo, o que significa que hoje pagamos dívidas realizadas, há muitos anos atrás. Fato que alerta, ainda mais, para a primordialidade de que possamos ter conhecimento da origem do endividamento público e como ele vem sendo administrado.

Além disso, é inegável que o governo brasileiro tenha uma preocupação imensa em arcar com o pagamento dos juros da dívida, basta olhar alguns artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal, tais como Art.9 §2°, Art.17 §6°, Art.23 §2° III, Art.31 §1° II, Art.32 §2 e Art.33, ou mesmo se atentar ao fato de que o Brasil é adepto ao superávit primário, que é nada menos que uma economia nas contas públicas, no interesse de utilizar o dinheiro economizado para pagar os juros da dívida. 

Os dados assustam! No último ano, 2017, foram gastos com o pagamento dos juros da dívida 986 BILHÕES, 110 MILHÕES, 833 MIL REAIS, cerca de 40% do orçamento público, contra um gasto de cerca de 5% destinado a saúde.  Tal contraste é ainda mais chocante quando percebemos que o discurso do governo à época narrava que as áreas sociais ocupavam um espaço exorbitante no gasto público. Assumindo esse viés a proposta foi congelar orçamentos em áreas sociais, em vista de cortar altas despesas, para se recuperar o crescimento econômico do país. Houve em algum momento o alerta da despesa crescente com a dívida naquele momento? O crescimento prometido se tornou realidade?

O ponto é: como nós enquanto cidadãos brasileiros devemos agir diante deste cenário de escassez de recursos financeiros. Há duas possíveis saídas. Exigimos a suspensão do pagamento da dívida e assumimos consequências como o descrédito financeiro internacional, o fechamento do mercado econômico nacional, além do risco de desabastecimento interno?

Ou, melhor, exigimos com o poder que nos é emanado pela constituição em seu artigo primeiro, que prevê que todo poder emana do povo e é exercido mediante representantes ou diretamente, que nossos políticos desenvolvam um movimento de auditoria. Isto é, exigir exame sistemático das ações do governo quanto a dívida pública federal para averiguar a legalidade da dívida, quem exatamente são os credores, a origem da dívida. De modo que possamos reconhecer a lisura dos passivos e avaliar o quão justo é pagar a dívida, assim mantendo a soberania do país e o foco nos gastos mais importantes para o desenvolvimento do país.
         
       Experiências como a do Equador, que em 2007 realizou uma auditoria de sua dívida, mostram a eficácia desse mecanismo. Com a renegociação de algumas dívidas e suspensão de outras, o país conseguiu aumentar, em mais de 2 vezes, os investimentos na área social, em contrapartida da redução de gastos com o serviço da dívida.

Todos os brasileiros, certamente, querem que o Governo faça uma boa aplicação do dinheiro público, possibilitando um desenvolvimento econômico e social que favoreça a sociedade. Assim, certamente bilhões de reais destinados ao compromisso de pagar uma dívida que se quer os brasileiros conhecem fariam uma grande diferença, em áreas como, por exemplo, a educação. Temos hoje uma carga considerável de impostos e, como se presume, o Brasil é um país com enorme capacidade produtiva, portanto, não há que se falar em escassez de recursos, mas em prioridades de gasto.  A crença no futuro da nação passa, primeiramente, pelo respeito à Constituição: cumpra-se o Art.26 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias





A NECESSIDADE DE CONTROLAR QUEM CONTROLA

Hoje, 31/5/2018, vamos, em nosso blog,  incentivar a publicação de jovens pesquisadores. O primeiro artigo, que trata do Tribunal de Contas, é de Marcelo Vegi da Conceição, graduando em Políticas Públicas na USP.

A necessidade de controlar quem controla
Marcelo Vegi da Conceição (marcelo.conceicao@usp.br)

Os Tribunais de Contas, pertencentes aos três níveis de governo, exercem a função de controlar a atividade financeira do Estado, em auxílio ao controle externo feito pelo Poder Legislativo, evitando as possíveis ilegalidades nessa área. Suas decisões devem ser técnicas e não jurisdicionais, ou seja, devem se ater a julgar as contas da Administração Pública, aprovando ou desaprovando-as. As ações perpetuadas por esses órgãos são resumidas por Kiyoshi Harada: "emitem parecer prévio sobre as contas anuais dos Chefes dos Poderes Executivos, julgam as contas dos administradores em geral, encetam inspeções e auditorias [...], aplicam sanções aos responsáveis pelas ilegalidades das despesas ou contas, dão início aos processos de responsabilização [...]". Atualmente, existem 34 tribunais desse tipo no país, sendo 6 em nível municipal.
É fato que os Tribunais de Contas exercem papel relevante na sociedade brasileira, até mesmo como defesa do Art. 1º da Constituição Federal, ou seja, a defesa do Estado Democrático de Direito, no sentido de que este "pressupõe a submissão do próprio Estado às leis que ele edita" (HARADA, 2009). No entanto, administradores públicos, políticos, membros do poder Judiciário e teóricos da área apontam algumas questões problemáticas concernentes à estes órgãos.
A primeira é a recorrente reclamação sobre a atuação desses tribunais, por parte de gestores públicos e políticos. Por vezes, estes tendem a enxergar que os Tribunais de Contas, ao efetuar sua missão de controlar a arrecadação, gestão e aplicação dos recursos públicos, acabam não somente coibindo ilegalidades, como também reprimem inovações no setor público, retardam obras, engessam projetos e intimidam a ação dos gestores.

A insatisfação desses atores se revela, por exemplo, em entrevista do atual presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, Milton Leite (DEM), à Folha de São Paulo, em que diz: "[...] há uma discussão muito forte nos bastidores, vários vereadores querem extinguir o TCM."1. O motivo da raiva dos políticos da base aliada do governo municipal seria a paralisação de uma série de projetos da gestão.

Não entrando no mérito da justiça dessa ação específica, é fato que a realidade da gestão pública é muito complexa, e pode ser que algumas atividades discricionárias, mesmo éticas e morais, não se enquadrem dentro do modelo de contas requerido pelos ministros/conselheiros desses tribunais.
Em relação à essa questão, o Prof. Dr. Marco Antonio Carvalho Teixeira indica, em recente entrevista ao jornal Nexo: "O grande problema é que criamos uma cultura de que órgãos de controle devem ser órgãos de polícia. Quando a finalidade principal é acompanhar a gestão para melhorar a qualidade das políticas públicas.".2
Uma segunda questão frequentemente criticada em relação à esses órgãos é a forma de indicação dos ministros e conselheiros que os compõe. A Constituição define, em seus Art. 73 e 75, as regras para a escolha dos membros dos Tribunais. No âmbito federal, 1/3 dos ministros é indicado pelo Presidente da República e 2/3 pelo Congresso Nacional. Já em esfera estadual, os sete conselheiros devem ser escolhidos de maneira simétrica ao TCU. Esse sistema de indicação gera deficiências na atuação dos tribunais, pois as Assembleias Legislativas e os Chefes de Executivo tendem a indicar politicamente "pessoas de notório saber" que estão alinhadas com a base aliada dos governos. Recentemente, 5 dos 7 conselheiros do TCE do Rio de Janeiro foram presos acusados de receberem propinas para não fiscalizarem obras e licitações do governo. Todos tinham sido indicação do legislativo.
Sobre o tema, embora haja erros no modelo de indicação, não se pode correr o risco de acreditar que um modelo totalmente técnico coibiria práticas corruptivas dentro desses órgãos. Deve se haver um equilíbrio entre o técnico e o político.
A PEC 329, proposta pelo deputado Francisco Praciano (PT), pode vir a solucionar partes dos 2 problemas apresentados nesse artigo. A proposta aumenta a quantidade de técnicos concursados dentre os indicados, equilibrando o sistema. Mais importante, ela sugere submeter os Tribunais de Contas ao controle externo do Conselho Nacional de Justica (CNJ), de modo que possíveis decisões que engessam excessivamente as políticas públicas possam ser fiscalizadas, diminuindo a arbitrariedade política ao mesmo tempo em que pode ocorrer também a fiscalização dos que tem a missão de fiscalizar a Administração Pública brasileira.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/ou-o-tcm-muda-ou-sera-extinto-diz-presidente-da- camara-municipal-de-sp.shtml