Pesquisar este blog

domingo, 26 de março de 2017

CONTEÚDO LOCAL VERSUS “ESCANCARAMENTO JÁ!"



Jefferson José da Conceição (jeffdacsenior@gmail.com)

Roberto Vital Anav (rovitan@ig.com.br)

Em fevereiro de 2017, o Governo Federal reduziu os índices de Conteúdo Local que serão exigidos na 14ª rodada de licitações de blocos para exploração de petróleo e gás natural (prevista para setembro). Esta redução de índices de conteúdo local acontecerá também na terceira rodada de leilões de blocos no Pré-sal (novembro). Até então, exigia-se, em média, 65% de compras de equipamentos e serviços nacionais para quem quisesse explorar o petróleo no Brasil. Com as novas medidas do Governo Federal, estes índices cairão para apenas 25%, em média. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) estima que esta redução do conteúdo local exigido possa gerar o enfraquecimento da cadeia produtiva no Brasil, com a queda da produção local, o fechamento de empresas e a geração de cerca de 1 milhão de desempregados este ano.

Esta decisão tomada no setor de petróleo e gás tende a orientar a direção da política para vários outros setores da economia brasileira, como a indústria automobilística, eletrônicos, calçados, vestuário, farmacêutica entre tantos outros.

Isto, justamente no momento em que as ações do Presidente Donald Trump, recém-empossado para comandar os EUA, apontam para a construção de um muro na fronteira com o México e de depoimentos do novo presidente americano, tais como “as empresas que demitirem americanos e levem suas operações para o exterior terão uma punição substancial (...). Brigarei por cada um dos empregos americanos”. Trump disse também, na campanha eleitoral, que sobretaxaria produtos feitos no exterior em nações que tivessem custos de produção menores e que, a partir desses países, viessem a exportar para os EUA.

Claro, não estamos aqui nos alinhando entre aqueles que veneram Donald Trump. Ao contrário. Entendemos que os EUA e o “resto do mundo”, com Trump, viverão uma instabilidade política e econômica acentuada. Queremos apenas com isto destacar que o cenário internacional tornou-se muito complexo e não nos parece que uma política de liberalismo extremado seja a mais inteligente das políticas neste momento.

Neste artigo - que é uma versão ajustada de outro que publicamos em 5/1/2016-, pretendemos evidenciar que o plano do Governo Temer parece ser exatamente este: intensificar a abertura econômica, de modo a internacionalizar a economia brasileira (por meio da desnacionalização dos setores), mesmo que isto sacrifique empresas, produção e empregos nacionais.

Mais: que esta direção já estava sinalizada em um artigo escrito por Gustavo Franco, um dos expoentes do neoliberalismo e uma das referências em Economia ouvidas pelo novo governo. O artigo de Franco foi publicado em O Estado de São Paulo, em 29/11/15, e intitulado “Abertura Já!”.

Gustavo Franco é Professor de Economia da PUC do Rio de Janeiro. Foi secretário de política econômica adjunto do Ministério da Fazenda, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do Banco Central. Foi um dos membros que discutiu e elaborou o Plano Real.  Franco faz parte dos economistas alinhados com os princípios do neoliberalismo. Pregando as benesses do livre mercado, Franco e outros neoliberais brasileiros também orientam o Governo Temer nos atuais projetos de reforma trabalhista, previdenciária e de Privatizações (estas reformas, entretanto, não são objeto deste artigo).

O Artigo de Gustavo Franco, “Abertura Já!”

No referido artigo do final de 2015, Franco defende “a revisão da estratégia de inserção externa, de nossas crenças sobre o conteúdo local, adensamento das cadeias produtivas e acordos internacionais. (...)”.

Franco parte para o ataque contra gestões desenvolvimentistas que estiveram à frente do País entre 2003 até 2015, momento em que escrevia seu artigo. Diz ele: “Na verdade, a proteção tarifária, as reservas de mercado, as desonerações (...) parecem se amontoar em tempos recentes no contexto do ‘capitalismo de quadrilhas’ que aqui se quis implantar, e que a operação Lava jato se empenha em combater”.

Quanto aos adjetivos raivosos de Franco, vamos deixa-los de lado. Faremos apenas dois breves registros.

O primeiro é que Franco não tem a mesma virulência crítica com relação ao período neoliberal no qual compartilhou a gestão econômica do País. Assim, ele não consegue avistar qualquer tipo de atos de quadrilha em relação à forma como se deu o processo de privatização no Brasil da segunda metade dos anos de 1990. Isto, em que pese o fato de que a privatização permitiu verdadeira liquidação, fatiamento e apropriação privada do patrimônio público, da ordem de mais de R$ 100 bilhões, como noticiaram vários órgãos e especialistas à época e livros como “O Brasil Privatizado”, de Aloysio Biondi, entre outros.

O segundo registro é que, de acordo com o relatório final da CPI do Banestado, apresentado no final de 2004, o próprio Gustavo Franco foi responsável pela evasão de mais de R$ 30 bilhões entre os anos de 1996 e 2002, pois foi o criador dos mecanismos que legalizaram as contas CC5. O relator da CPI mista chegou a sugerir o indiciamento de 91 pessoas, entre elas o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Pergunta: não seria, isto sim, um típico “capitalismo de quadrilhas”?

Mais importante aqui, porém, é destacar que o artigo de Franco já defendia um retorno aos princípios que nortearam as políticas dos anos de 1990, de Estado Mínimo, abertura indiscriminada às importações, desnacionalização, privatizações, livre entrada e saída de capitais (especialmente os especulativos, que fizeram uma festança nos tempos de Franco no Banco Central).

O que defendemos

Em artigos anteriores já mostramos nossa posição contrária ao retorno destas políticas neoliberais. Defendemos a intensificação do diálogo social por meio de fóruns como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, as Câmaras Setoriais, os Arranjos Produtivos Locais-APLs.

Somos favoráveis à elaboração e a execução de políticas industriais gerais e setoriais indutoras do processo de crescimento. Vemos sentido sim em medidas como conteúdo local, adensamento das cadeias produtivas, acordos internacionais, incentivos fiscais. A questão é como fazê-los de forma a melhor beneficiar o nosso desenvolvimento, e não apenas grupos individuais.

Apostamos em políticas ativas de inclusão social, incorporando a população de baixa renda ao mercado interno, como a Política de Valorização do Salário Mínimo, entre outras. Portanto, uma linha diametralmente oposta à defendida por economistas como Gustavo Franco.

Para Franco, as Políticas de Substituição de Importações após 1930 foram um “lixo” de que o Brasil precisava se libertar

Franco escreveu um livreto nos anos de 1990, no qual pretendeu desconstruir a racionalidade e o legado dos mais de 50 anos de Políticas de Substituição de Importações (PSI), experimentadas pelo País entre 1930 e 1980, e que se constituíram na força motriz de nossa industrialização. Para Franco, as políticas protecionistas nada mais eram do que um lixo de que o Brasil precisava se libertar para avançar. O mesmo tom de escracho reaparece no artigo de novembro passado.

Um economista de viés liberal tem várias maneiras de combater uma linha de pensamento como a que embasou a PSI. A pior das maneiras, porém, é a que fez Franco em seu referido artigo. Ele buscou, ardilosamente, distorcer os argumentos e ações e montar debates irreais no passado para, então, saltar até o presente e mostrar como "os dados provam" a verdade de um dos lados daquele debate distorcido. Para dar mais credibilidade, Franco coloca-se a si mesmo no passado no que chama de "lado errado", isto é, o dos defensores da PSI. Assim o artigo contém uma espécie de "mea culpa".

A intenção do livreto de Franco foi mostrar que ele mesmo (Gustavo Franco) já teria flertado com o “pecado” no passado, isto é, com o protecionismo, mas que há anos mudou de lado. Para Franco, é hora agora de o País mudar de lado também e avançar para estar em consonância com o mundo moderno, especialmente dos países avançados.

O exemplo da Coréia

No artigo de novembro de 2015, Franco faz referencia à Coreia, que teria aplicado a bíblia neoliberal, cujo ensinamento original reside na fiel adesão à Teoria das Vantagens Comparativas de David Ricardo (economista do início do séc. XIX).

É notável, neste sentido, a extraordinária omissão por parte de Gustavo Franco do papel da reforma agrária e do investimento pesado na Educação desde os anos 1950 na Coréia, conforme, entre outros, apontam Chris Freeman e Luc Soete, no livro “A Economia da Inovação Industrial”. No evangelho de Franco, tudo se resume a "Abertura ou Fechadura". Sobre a experiência da Coréia, vale a pena recuperar os trabalhos de Ha-Joon Chang, que apontam para uma interpretação muito distinta da visão superficial apontada por Gustavo Franco.

O neoliberalismo possui grande poder de persuasão, mas deve parte disso à distorção sistemática de argumentos e fatos do passado. Infelizmente, os economistas heterodoxos têm sido menos agressivos no desmascaramento desses mecanismos, muitas vezes sinuosos e escorregadios. Uma das tentativas nesse sentido pode ser lida no artigo de Roberto Vital Anav, “Estado e mercado: uma resenha histórica” (disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/085/85anau.htm).

Neoliberalismo e ideologia

O neoliberalismo é uma ideologia, muito mais que uma teoria. Teorias, por suposição, devem ser expostas ao teste empírico (da prática) e sofrer alterações ou refutações em face desse teste. Todas as grandes crises e mudanças econômicas ensejaram mudanças de paradigmas teóricos. Da Grande Depressão emergiu a Revolução Keynesiana; da estagflação do final dos 1970 surgiram os novos clássicos e sua Teoria das Expectativas Racionais, a matriz neoliberal.

Estamos em uma época crítica para economistas e historiadores econômicos. Vivenciamos, em 2008, uma crise mundial de grandes proporções, desde a Depressão de 1929. Sua relação com o paradigma neoliberal, de desregulamentação geral, foi testemunhada pelo próprio Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central dos EUA durante a era neoliberal, que afirmou no Senado daquele país, assim que a crise financeira eclodiu: "estamos incrédulos, em estado de choque" (BBC Brasil, 23/10/2008).

Entretanto, os defensores do neoliberalismo, tão entrelaçado com as causas da crise, nada alteraram em suas análises e suas recomendações. Ao contrário, parecem estar ainda mais convencidos de que o mundo necessita "mais do mesmo".

Em entrevista à Revista Carta Maior, Maria da Conceição Tavares, uma das maiores economistas do Brasil, clama: “Vivemos um colapso neoliberal sob o tacão dos ultra-neoliberais. Não estamos falando de gente normal, é preciso entender isso. Não são neoliberais comuns. (...) É a treva! Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos ultra-neoliberais: isso é a treva! E ela se espalha desagregando, corroendo”.

Essas palavras de Maria da Conceição nos alertam para os riscos do retorno das ideias de Gustavo Franco, o “revisor” da história sob o ponto de vista do dogma neoliberal.

Não custa lembrar que foi sob o comando da equipe da qual fazia parte Gustavo Franco que o Brasil teve uma segunda "década perdida" em termos de crescimento econômico e geração de empregos. Também foi ele que manteve por longo período a valorização cambial (1994-1998) que asfixiou e fechou centenas de empresas, eliminou cerca de 50% dos empregos industriais, e nos manteve reféns do capital especulativo, agora necessário para fechar o Balanço de Pagamentos, inchado pelo excesso de importações.

O resultado da política pregada e aplicada por Franco é que acabamos voltando à UTI do FMI no final de 1998, momento em que ele se retirou do Governo e voltou à universidade para pregar "mais do mesmo" e, não por acaso, montar, em 2000, empresa - Rio Bravo Investimentos – com o objetivo de prestar serviços na área de investimentos financeiros, aquisições, fusões, securitizações.

Esperamos que o credo neoliberal persistente de Franco, incorporado ao Governo Federal, incorporado ao Governo Federal, seja objeto de outras críticas, além desta, visando a defesa da economia, das empresas e dos empregos brasileiros.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Adm,, Cienc. Cont, Econ. e Com. Ext.) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

Roberto Vital Anav é Prof. Ms na USCS, doutorando na UFABC e Prof. da USCS.

Artigo a ser publicado no site do ABCDMaior em 27/3/2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

HERÓI E ANTI-HERÓIS DO BANCO CENTRAL


Jefferson José da Conceição

No último dia 26 de fevereiro, em sua coluna na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari escreveu artigo intitulado “Ivan Shipov, um herói do Banco Central”.  

O que me chamou a atenção no texto foi o fato de que Gaspari faz uma defesa implícita da autonomia do Banco Central – autonomia esta que tem sido alvo de intenso debate nos dias de hoje, inclusive no Brasil – a partir do relato de um suposto ato de heroísmo de um burocrata russo, que dirigia o Banco do Estado da Rússia em 1917.

Gaspari narra que “Dado o golpe [isto é, a Revolução de 1917], os bolcheviques precisavam de dinheiro e mandaram buscar dez milhões de rublos com Shipov. A comitiva do comissariado foi recebida pelo burocrata e ele explicou que a instituição tinha ‘autonomia’ e não podia liberar dinheiro desrespeitando as normas da responsabilidade fiscal. Os revolucionários deviam pedir os rublos ao Tesouro, a quem caberia transferir o ervanário para a contado Soviet dos Comissários do Povo, e só então teriam o dinheiro”.

Após a prisão de Shipov (que teria sido ordenada por Lenin), ocorreu uma greve dos funcionários do Banco, a primeira do regime, que se espraiou para todo o sistema bancário de Petersburgo.

Ivan Shipov “perdeu o emprego e pouco se sabe dele. Teria morrido em 1919, de tifo ou de tiro. De sua passagem pelo serviço público restam apenas as bonitas notas de rublos com sua assinatura”. Assim, nas palavras de Gaspari, shipov tornou-se ‘heróido Banco Central’.

Segundo Gapari, o caso foi extraído do livro History‘s Greatest Heist: the lootign of Russia by the Bolsheviks (O maior Assalto da História: O Saque da Rússia pelos Bolsheviques), de Sean McMeekin.

Não tenho como testar a veracidade do episódio ocorrido na Revolução Russa, menos ainda quais de fato eram as intenções de Shipov com este ato, já que, como o próprio Gaspari diz, ele era “membro da elite do país”. O que se pode presumir é que sua resistência aos bolcheviques era absolutamente previsível, já que passar o comando político ao controle dos sovietes eleitos pelos operários nas fábricas, em lugar do capital internacional em aliança com os aristocratas russos, era uma abominação.

Entretanto, quero aqui rejeitar qualquer derivação que aponte para os dias de hoje e conclua que os atuais diretores de Bancos Centrais são os novos heróiscontemporâneos de nossa sociedade, simplesmente por defenderem a autonomia do Banco Central. Os diretores de hoje estão mais para anti-heróis do que para heróis do Banco Central.

Os Diretores do Banco Central hoje

A história reproduzida por Gaspari, que empresta um toque de bom mocismo e de defesa extrema do serviço público ao diretor do banco russo, não guarda, a meu ver, relação com o debate dos dias de hoje, nem com o perfil dos atuais diretores do Banco Central.

Se é verdade que os atuais diretores do Banco Central, tal como Shipov em 1997, continuam a se posicionar contrários à inflação e zelando pela “responsabilidade fiscal” e monetária, eles hoje o fazem assim não porque são “burocratas” zelosos pela coisa pública, mas porque, também, são oriundos do mercado financeiro e para lá voltam após passarem pelo Banco Central. Isto é o que mostra o escritor Christopher Adolph em seu livro Bankers, Bureaucrats and Central Bank Politicas (Banqueiros, Burocratas e Políticas do Banco Central), publicado pela Cambridge Press.

Assim, no Banco Central, estes diretores atuam em favor dos interesses do mercado financeiro. Isto significa, entre outros, a defesa da manutenção de juros elevados e a prioridade ao equilíbrio a todo custo das contas públicas, de forma a garantir o pagamento da dívida do Estado com os bancos, ainda que isto retraia investimentos produtivos, gastos de infraestrutura e programas sociais.

Tomemos o caso do Brasil. Não se pode dizer que hoje os diretores do Banco Central “perdem emprego” e que são perseguidos por governos, sejam estes governos de esquerda ou direita.

Ao contrário: se alguma relação há entre Shipov e os atuais diretores do Banco Central no Brasil, esta reside no fato de que os diretores tupiniquins continuam a ser tratados como grandes heróis nacionais, especialmente por setores formadores de opinião como a grande imprensa.

O que notamos, isto sim, é o enorme entrelaçamento entre os diretores e o mercado financeiro. 

De fato, com base na trajetória que levantei das origens e dos destinos dos nove Presidentes do Banco Central do Brasil desde 1994, antes e depois de suas respectivas passagens pelo Banco Central, é possível perceber este entrelaçamento da Direção do Banco com os interesses do mercado financeiro. Senão vejamos:

a) Ilan Goldfajn (gestão 2016 até o momento): Itaú Unibanco; Gávea Investimentos;

b) Alexandre Tombini (gestão 2011/2016):Diretor Executivo do FMI;

c) Henrique Meirelles (gestão 2003/2011): Bank Boston; J&F Investimentos; Banco Original;

d) Armínio Fraga (gestão 1999/2003): JP Morgan; China Investment Corporation; Banco de Investimentos Solomon Brothers; Soros Fund Management; Quantum Group of Investments; Gavea Investimentos; BM&Bovespa;

e) Gustavo Franco (1997/1999); Rio Bravo Investimentos;

f) Gustavo Loyola (gestão 1999/2003); Planibanc Corretora de Valores; Banco de Investimentos Planibanc

Pérsio Arida (gestão 1995/1999); Banco Oportunity; Oportunity Fund; BTG Pactual;

h) Gustavo Franco (gestão 1994/1995); Rio Bravo Investimentos;

i) Pedro Malan (gestão1993/1994); Unibanco.

Os defensores do Banco Central Autônomo procuram justificar a autonomia argumentando que isto garantiria o papel estritamente “técnico” do Banco e dos seus diretores. A autonomia serviria para “dar maior confiança ao mercado”, “alinhar as expectativas não inflacionárias”, “tornar o Banco Central não vulnerável às interferências políticas”.

Mas o que a autonomia vai garantir de fato é a total e exclusiva dependência das ações do Banco Central aos interesses do sistema financeiro.

Quem sabe, em lugar de supostos heróis pouco conhecidos do público brasileiro, não fosse melhor explicar com mais detalhes e menos mistificação a quem se prefere que o Banco Central seja subordinado: à sociedade brasileira e seus representantes, ou aos antigos e futuros empregadores da diretoria “independente” do Banco Central?”.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Adm,, Cienc. Cont, Econ. e Com. Ext.) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). Economista licenciado do DIEESE.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 6 março 2017

quinta-feira, 2 de março de 2017

A REFORMA TRABALHISTA E O ATAQUE AOS DIREITOS


Jefferson José da Conceição

O Governo Temer pretende fazer reformas na legislação trabalhista e previdenciária. Estas reformas surgem por pressão especialmente dos segmentos empresariais – como a Fiesp, de Paulo Skaff - que apoiaram Temer no processo que levou ao impeachment da Presidenta Dilma.

A cobrança desta fatura política começou logo após o afastamento de Dilma, mas já estava prevista no programa “Uma ponte para o futuro”, lançado em outubro de 2015. Este Programa já prenunciava a política que é agora abraçada por Temer.

Desde o ano passado, inúmeros projetos de lei surgiram no Congresso Nacional tratando de alterações na legislação trabalhista e previdenciária.

Neste artigo, vamos nos restringir aos projetos da reforma trabalhista. Analisaremos apenas os projetos enviados ao Congresso entre 2015 e 2016, bem como alguns anteriores que começam a ter sua tramitação agilizada agora. Registre-se que o DIAP apontou 55 projetos que tramitam no Congresso e que são prejudiciais à classe trabalhadora1.

As Centrais Sindicais foram as primeiras a se posicionarem contra as propostas em discussão pelo Governo. Dezenove Ministros do Tribunal Superior do Trabalho de um total de vinte e sete2 produziram manifesto que aponta para a precarização das relações de trabalho e denuncia os cortes de gastos especialmente com a Justiça do Trabalho, que, segundo o manifesto, é um “declarado propósito de retaliação contra o seu papel social e institucional, levando à inviabilização do seu funcionamento”. Na mesma época, o Deputado Nelson Marchesan Jr, do PSDB, defendeu na Comissão de Trabalho da Câmara o fim de Justiça do Trabalho.

Retrocesso na Jornada de Trabalho

Em recente reunião com Temer e mais 100 empresários, o presidente da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), ao sair do encontro, sugeriu que a jornada do trabalhador deveria ser de 80 horas semanais e 12 diárias. Segundo ele, a jornada seria a mesma que a da França.

Entretanto, o Presidente da CNI preferiu ocultar que, na França, o limite de jornada é de 35h semanais. Naquele país, foi aprovada recentemente a realização de horas suplementares em caráter excepcional totalizando, no máximo, 60h semanais. No Brasil, atualmente temos 44h semanais e 8h diárias. Esta jornada pode ser prorrogada por mais 2h extras diárias, totalizando, no máximo, 60h semanais.

Uma jornada de 80h semanais e 12h diárias nos remeteria às condições de trabalho existentes no século XIX.  Um retrocesso que poderia levar mais 200 anos para voltarmos ao patamar atual. Elevar a carga horária para este nível implica em sobrecarregar quem está trabalhando, piorando suas condições sociais e de saúde, além de elevar o desemprego.

A elevação da jornada é incompatível com um país que precisa criar empregos. No Brasil, a taxa de desemprego já alcança 11% da população ativa em busca de trabalho. 

O que gera empregos é justamente a redução da jornada e não a sua elevação. De acordo com estudo do DIEESE3, a diminuição da carga horária para 40 horas semanais geraria 2,2 milhões de novos postos de trabalho. A eliminação de horas extras teria o potencial de criar mais 1,2 milhões de postos de trabalho.

A redução da jornada de trabalho não impede o incremento da competitividade. O mesmo estudo do DIEESE indica que, entre os anos de 1990 e 2000, o nível de produtividade do Brasil aumentou em 6,5%. Isto, embora a jornada de trabalho tenha diminuído de 48 para 44 horas semanais com a Constituição Federal de 1988.

Prevalência do Negociado sobre o Legislado

O atual Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, defende claramente em suas manifestações públicas a prevalência do negociado sobre o legislado. Esse mecanismo, se transformado em lei, fará com que os acordos coletivos firmados entre empregadores e Sindicatos tenham validade, mesmo que viessem a estabelecer regras contrárias à CLT.

O Projeto de Lei 4.962/2016, do Deputado Júlio Lopes (PP/RJ), é o projeto que representa essa proposta. De acordo com o referido projeto, o artigo 618 da CLT, que dispõe sobre os acordos coletivos4, seria alterado. Assim, desde que respeitados os direitos previstos na Constituição Federal e nas normas de medicina e segurança, o acordo prevaleceria sobre a lei ordinária.

O projeto ignora princípios elementares do Direito do Trabalho, como o da proteção ao trabalhador. Por esse princípio, qualquer alteração do contrato de trabalho só é lícita com o consentimento do empregado e desde que não traga prejuízos a ele. Assim, alterações que visem, por exemplo, aumentar competitividade via diminuição de direitos trabalhistas jamais podem ser objetos destes acordos. Entretanto, como exposto, o PL 4962 joga este princípio no “lixo”.

Acrescente-se que o artigo 7º da Constituição Federal5 estabelece os direitos mínimos dos trabalhadores. O artigo menciona ainda que outros direitos infraconstitucionais poderão ser criados a fim de melhorarem as suas condições sociais. Não para piorarem ou restringirem essas condições.
Mas não é só isso. A questão da falta de representatividade de inúmeros sindicatos também é fator que torna ainda mais grave os efeitos do projeto que faz prevalecer o negociado sobre o legislado.
Temos no Brasil mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores6. A maioria foi criada apenas com o propósito de receber contribuições sindicais. Esse tipo de sindicato não detém legitimidade para negociar direitos de trabalhadores, conquistados há mais de um século.

A tentativa de desmantelar o movimento sindical

Recentemente foram apresentados o PL 6148/2016, do Deputado Paulo Martins (PSDB/PR), e o PL 4977/2016, do Deputado Alberto Fraga (DEM/DF), que tratam da contribuição sindical. O primeiro projeto torna a contribuição sindical facultativa. O segundo determina a prestação de contas dos Sindicatos, Federações, Confederações e Centrais ao Tribunal de Contas da União, em razão de receberem a contribuição sindical, imposto de natureza obrigatória.

O fim da contribuição sindical obrigatória não pode ocorrer por uma canetada e no contexto de uma política antisindical.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores), historicamente, desde a sua criação na década de 1980, defendeu o fim do imposto sindical. Criado no Governo Lula, o Fórum Nacional do Trabalho, no qual participaram representantes dos empresários, trabalhadores e governo, chegou a um relativo consenso na formulação de proposta de um novo modelo sindical7, após intensas discussões sobre o tema. Pela proposta, a contribuição sindical seria extinta gradativamente. Os sindicatos receberiam a mensalidade sindical dos seus sócios, e também a taxa negocial, conforme os acordos coletivos que fizessem.  Ou seja, somente sindicatos comprometidos com os trabalhadores é que conseguiriam sustentação financeira.

A partir dos projetos de lei acima referidos, é possível afirmar que o claro intuito dos referidos projetos é acabar com a organização sindical e atrelar o seu controle ao Estado. Isto contraria a liberdade sindical duramente conquistada na Constituição Federal de 1988.

A terceirização

O projeto da terceirização (PLC 30/2015, antigo PL 4330) tem sido objeto de intenso debate já há algum tempo. Entretanto, este projeto, com essa sinalização do Governo atual de flexibilizar direitos, vem agora com toda força. Para prejuízo dos trabalhadores.

O referido projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados, permitirá que as empresas terceirizem toda a sua atividade econômica. Um banco, por exemplo, poderá terceirizar os caixas, os gerentes, os departamentos. Os banqueiros ficarão apenas com a parte que mais lhes interessa: o domínio da marca.

A terceirização representa a fragmentação da classe trabalhadora. Ela dificulta a organização sindical, promove a perda de identidade da classe, diminui os salários, aumenta a jornada média, causa doenças. E os trabalhadores terceirizados demitidos têm grandes dificuldades em receber seus direitos trabalhistas, mesmo na Justiça. É o caos para os trabalhadores.

Contrato de Trabalho Intermitente

Vale também mencionar o PL 218/2016, do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que cria o contrato de trabalho intermitente.

O contrato intermitente prevê que o empregado irá permanecer a disposição da empresa e pode ser chamado a qualquer momento para trabalhar. Apesar de ficar à disposição da empresa, o trabalhador não tem direito a receber as horas que permanecer de sobreaviso. O trabalhador receberá somente aquelas que efetivamente trabalhar.

Em resumo, na semana que tiver serviço, o trabalhador vai trabalhar e recebe por isto. Do contrário, fica em casa, sem nada receber. No final do mês, é garantido ao trabalhador apenas o salário mínimo por hora trabalhada. Ou seja, se o empregado trabalhou pouco, ele poderá receber menos de um salário mínimo no mês.

Mas a precarização não para por aí. Se a lei prevê plena flexibilidade do trabalhador, que fica à disposição da empresa, ela, por outro lado, estabelece plena rigidez ao empregado, que é impedido de prestar serviço a outra empresa sem a anuência do seu empregador8.

Jovem entre 14 e 16 anos como empregado em tempo parcial

A PEC 18/2011, de autoria de vários deputados, voltou a ser cogitada. Essa PEC altera a Constituição Federal ao permitir que o jovem entre 14 e 16 anos possa trabalhar como empregado em tempo parcial. Atualmente, a Constituição Federal permite o trabalho nesta idade somente para jovens enquadrados como aprendizes.

Ou seja, não contentes que os trabalhadores se aposentem somente depois dos 65 anos de idade (que é o que pretende a reforma previdenciária, que abordaremos em próximo artigo), os defensores das atuais reformas trabalhistas querem “sugá-los” desde os 14 anos de idade.

Simples Trabalhista

O PL 450/2015, de autoria do Deputado Júlio Delgado (PSB/MG), cria o Simples Trabalhista para pequenas e microempresas. Este Simples Trabalhista institui na prática o trabalhador de segunda categoria - aquele que tem direitos reduzidos.

O PL prevê que haverá acordos coletivos específicos que poderão prever piso diferenciado (menor), supressão do adicional de horas extras, PLR diferenciado (mais reduzido) e trabalho aos sábados e domingos.

O PL possibilita também que empresas e empregados possam fazer acordos individuais (entre empresa e empregado), sem a assistência do sindicato, em itens como horário normal durante o cumprimento do aviso prévio; parcelamento em até 6 vezes do 13º salário; concessão de férias em até três períodos.

Para todos os trabalhadores, o FGTS, segundo o referido Projeto de Lei, será de 2%. Além disso, o contrato poderá ser por prazo determinado, independentemente da situação. Os conflitos poderão ser resolvidos por arbitragem.

A decisão do STF sobre a Greve no Serviço Público

No final de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial.

Trabalho Escravo

A proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho escravo, propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado).

Salão Parceiro e Profissional Parceiro

O Projeto de Lei nº 5230/2013: ao invés de “patrão” e “empregado”, teremos o “Salão Parceiro” e o “Profissional Parceiro”

O Projeto de Lei nº 5230/2013, do Deputado Ricardo Izar (PSD-SP), foi apresentado em março de 2013, e, após ter tramitado sem muito alarde na Câmara e no Senado, aguarda agora a sanção do Presidente Michel Temer. O Projeto de Lei apresenta-se como uma proposta “simpática”, que pretende “beneficiar” categorias específicas que atuam em salões de beleza, formadas por cabeleireiros, barbeiros, manicures, esteticistas e outros profissionais. Contudo, como mostramos neste artigo, por trás deste ato de “simpatia”, e em que pese até a sua boa fé, esconde-se um grande perigo para as conquistas da classe trabalhadora brasileira como um todo, e não apenas para os profissionais do segmento de beleza.

Os impactos - positivos e negativos - do Projeto de Lei nº 5230/2013 já seriam grandes, se seus efeitos se circunscrevessem nos limites deste segmento. Veremos, contudo, que estes efeitos vão além e podem atingir vários outros segmentos também.

O Projeto cria a possibilidade de que a relação entre o dono do salão e o profissional deixe de ser encarada como uma relação de emprego sujeita às regras da CLT para ser tomada como uma relação de parceria, por escrito (comprovada por duas testemunhas), entre o “salão parceiro” e o “profissional parceiro”.

O Projeto de Lei nº 5230/2013, em sua justificativa, argumenta que ele contribuiria duplamente: ao formalizar parte do contingente de profissionais do segmento (ou manter sua formalização) e ao eliminar a insegurança jurídica para o dono do salão de beleza, retirando a possibilidade futura da alegação do vínculo trabalhista.

Na prática, no entanto, trata-se, a nosso ver, de mais uma porta de entrada para a flexibilização trabalhista com perda de direitos de uma categoria numerosa. Mas não só: o Projeto é uma porta ainda mais perigosa, porque sua aprovação certamente servirá de referência para que outros tantos profissionais, com funções muito distintas dos profissionais de beleza, sejam objeto de projetos de lei semelhantes.

Estatuto das Estatais

Recentemente o Congresso aprovou, em caráter de urgência, o Estatuto das Estatais, uma regulamentação que estava pendente há 28 anos, desde a Constituição Federal de 1988. O PL 4918/2016, que deu origem à lei, sofreu forte resistência do movimento sindical.

O caráter privatista do projeto original foi amenizado com a intervenção do movimento sindical. Esta intervenção conseguiu retirar a obrigatoriedade das estatais de se tornarem sociedades anônimas; acabou com a exigência de que as empresas estatais não podem ter ações preferenciais; e passou a exigir a aplicação do estatuto apenas para empresas com mais de 90 milhões de receita (caso este estatuto fosse aplicado para empresas com faturamento menor, essas empresas não conseguiriam cumprir o estatuto).

Apesar disso, houve retrocessos.

Um deles é que a lei aprovada proíbe que o representante dos empregados nos Conselhos de Administração destas empresas sejam também dirigentes sindicais. Trata-se de uma clara violação ao direito constitucional de representação dos sindicatos.

Conclusão

Como se pode ver, o que está em curso é o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores. A precarização do trabalhador é a tônica de todos os projetos que estão em curso. Sob a falsa alegação de enfrentamento da crise, o Governo atual e aqueles que representam esse ideário neoliberal pretendem continuar as mudanças que tiveram início na década de 1990, mas que foram interrompidas por 12 anos.

O ataque é feroz. Por isto, é importante estabelecer as trincheiras da resistência em todos os níveis da sociedade brasileira.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Adm,, Cienc. Cont, Econ. e Com. Ext.) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). Economista licenciado do DIEESE.

Notas:
1 A relação dos projetos está disponível em http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/25839-55-ameacas-de-direitos-em-tramitacao-no-congresso-nacional
2 O manifesto está disponível em http://s.conjur.com.br/dl/manifesto-ministros-tst-defesa-direito.pdf
3 DIEESE. Nota Tecnica nº 57. Disponível em http://www.dieese.org.br/notatecnica/2007/notatec57JornadaTrabalho.pdf Acessado em 25 set. 2016.
4 Tramita também na Câmara um PL ainda mais nocivo, o PL 8294/2014, que estabelece a negociação entre o empregado e a empresa sem a participação dos sindicatos, o que levaria fatalmente a total precarização do emprego.
5 Constituição Federal: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
6 Dados da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado no Diário Oficial da União em 09/04/2015.
7 Foi enviado também para a Câmara o PL 5795/2016, de autoria dos Deputados Paulo Pereira da Silva (SD/SP) e Bebeto (PSB/BA), que institui a taxa negocial em substituição à contribuição assistencial. Mas ele nada menciona sobre a contribuição sindical.
8 Este tipo de contrato era feito pelo McDonald’s (jornada móvel) e foi objeto de uma ação civil pública. De acordo com a decisão do TST, essa jornada transfere o risco do negócio para o empregado PROCESSO Nº TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004.


Este artigo é uma versão ampliada de artigo assinado em conjunto com Luiz Cláudio Marcolino e publicado originalmente no site do ABCDMaior.

Artigo publicado na Revista Teoria e Debate em 2/3/2017.