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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

‘MC FLEXIBILIDADE” DA JORNADA DE TRABALHO



Jefferson José da Conceição 
Maria da Consolação Vegi da Conceição 

O plano em curso consiste em realizar a Reforma Trabalhista em pedaços. Não se trata de um “pacote” só. São vários minipacotes com medidas e leis que o governo, os partidos da base aliada e as representações empresariais, como CNI e FIESP, pretendem aprovar. Além do tema da jornada de trabalho – objeto deste artigo –, cabe destacar também:

a) O Projeto de Lei que estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado;

b) A tentativa de desmantelamento do movimento sindical por meio de Projetos de Lei que, sem qualquer negociação prévia com o movimento sindical, tornam facultativa a contribuição sindical;

c) O Projeto de Lei que autoriza a terceirização em todas as áreas da empresa;

d) A PEC que trata o jovem entre 14 e 16 anos de idade como empregado em tempo parcial;

e) O Simples Trabalhista, que cria as condições para a legalização de trabalhadores de “segunda categoria” nas micro e pequenas empresas, já que será possível haver acordos coletivos específicos com pisos diferenciados (menores), bem como supressão do adicional de horas extras, PLRs diferenciados (mais reduzidos) e trabalho aos sábados e domingos;

f) O Estatuto das Estatais, que proíbe que o representante dos empregados nos Conselhos de Administração dessas empresas sejam também dirigentes sindicais;

g) A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial;

h) O mesmo STF já pautou também o julgamento do Recurso extraordinário 958.252, que discute a constitucionalidade da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho – súmula esta que é a única salvaguarda do ordenamento jurídico que impõe certa trava à terceirização generalizada em todas as áreas da empresa, em especial na atividade-fim;

i) A proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho escravo, que propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado);

j) O Projeto de Lei nº 5230/2013, que tem como foco as relações de trabalho nos salões de beleza.

Neste artigo, vamos tratar de mais uma pérola deste mosaico de reformas. Trata-se da possibilidade de se lançar medida provisória para se constituir uma nova versão de “jornada de trabalho flexível”, desta vez “móvel e intermitente”. Com esta medida, diz o Governo, seriam criados mais empregos.

Pela proposta ventilada na imprensa, a jornada móvel, flexível e intermitente funcionaria da seguinte forma: o empregado seria contratado com a limitação da jornada máxima prevista na lei (44 horas semanais e 8 horas diárias, prorrogáveis por mais 2 horas extras diárias), mas não existiria um limite mínimo de jornada.

Assim, um empregado poderia trabalhar 44 horas em uma semana, 20 horas em outra ou até mesmo não trabalhar em determinado mês. No final do mês, receberia somente as horas que efetivamente tivesse trabalhado.

Não há nenhuma novidade neste tipo de jornada. O Mac Donald’s adotava sistema semelhante. Essa jornada foi objeto de várias ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público.
No final, o Mac Donald’s fez acordo, acabando com a referida modalidade de jornada flexível (Processo nº 1040-74.2012.5.06.0011, perante a 11ª Vara do Trabalho do Recife). É importante ressaltar, porém, que o TST, em dezembro de 2015, ao julgar uma destas ações, concluiu que, desde que garantido o salário mínimo por hora, trabalhadores submetidos a essa jornada podem ganhar menos que o salário mínimo ou o piso mensal (Processo nº TST-E-ED-RR-9891900-16.2005.5.09.0004).

Cabe registrar que a via que se cogita de se fazer essa alteração na legislação trabalhista por medida provisória, sem discussão prévia com os principais interessados - os trabalhadores e as representações sindicais - está sendo alvo de inúmeras críticas. De fato, não se justifica que uma medida que modifica de tal monta o Direito do Trabalho ocorra por meio de medida provisória.

A justificativa do Governo é a urgência em apresentar medidas que contenham o desemprego crescente no Brasil. Entretanto, não existe nenhuma comprovação empírica de que tal medida criará empregos. E o que é pior: a tendência é a precarização dos empregos que já existem. Caso aprovado algo assim, muitas empresas buscarão, pouco a pouco, transformarem contratos de trabalho menos flexíveis em contratos “flexíveis, móveis e intermitentes”.

Na proposta em discussão pelo Governo, o empregado ficaria a disposição da empresa, que poderá convocá-lo para trabalhar a qualquer momento. Ou até mesmo, não chamar o empregado. Neste caso, o empregado poderia até não receber salário no mês, se ele não tiver sido convocado nenhuma vez.

De acordo com o Governo, na modalidade da “jornada flexível, móvel e intermitente”, o empregado poderá ter outros empregos, diminuindo a sua ociosidade.

Vamos tentar imaginar como isso se dará na prática. Suponhamos que o empregado tenha realmente dois empregos. Assim, se os horários destes dois empregos entrarem em conflito, como será resolvido? Caberá ao empregado definir a sua escala de trabalho?

Não sejamos ingênuos em imaginar que esse trabalhador terá alguma independência ou autonomia para definir suas jornadas. Ao final, esse trabalhador do nosso exemplo se verá obrigado a ter apenas um emprego para evitar tais conflitos e a perda do próprio emprego.

A exemplo do que já ocorria com os trabalhadores do Mac Donald’s, não há, na proposta, sequer turno de trabalho fixo. Os empregados do famoso fast food americano trabalhavam de manhã, de tarde ou a noite. Tal escala móvel e flexível não permite, é claro, a conciliação com os estudos e prejudica a vida social e financeira destes trabalhadores. Não há como planejar o futuro, pois não sabe quando será chamado a trabalhar e sequer quanto terá de salário no final do mês, e se terá.  

Atualmente está em curso no Senado Federal o PLS nº 218/2016, do Senador Ricardo Ferraço, do PSDB/ES, disciplinando o mesmo tipo de jornada. Em um dos seus artigos, menciona-se que “É vedado ao empregado laborar durante o período livre, para empregadores concorrentes, salvo se de comum acordo celebrado em contrato pelo empregado e seus empregadores, individualmente”.

Se a medida provisória proposta pelo Governo Federal trouxer essa previsão, o que não está descartado, o trabalhador estará submetido a um regime de semi-escravidão.

Esse tipo de jornada atenta contra a proteção ao trabalhador, a parte mais frágil na relação trabalhista. Ele atende exclusivamente os interesses da empresa e a sazonalidade de sua produção. Ele transfere ao empregado o risco do negócio. A empresa diminui o seu custo fixo na mesma proporção em que transfere o prejuízo da ociosidade de sua produção para o trabalhador. Esse trabalhador terá ou não salário no final do mês, conforme as vendas/produção da empresa. Se a empresa vender ou produzir, o empregado recebe; se não, o prejuízo fica com o empregado.

Esta é, sem sombra de dúvida, medida que só pode surgir em tempos de crise e em processos de enfraquecimento do movimento sindical, como hoje.  A medida não tende a gerar empregos. Ela permitirá, isto sim, que empresas reduzam seus prejuízo com a queda da produção e das vendas, transferindo parte deste prejuízo aos empregados. Por sua vez, as empresas que estão produzindo ou vendendo muito não têm interesse neste tipo de jornada, pois preferem extrair o maior esforço humano do trabalhador durante as suas 8 horas diárias de trabalho normalmente acrescidas das horas extraordinárias. 

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017).

Maria da Consolação Vegi da Conceição é Coordenadora do Departamento Jurídico do Sindicato dos Bancários do ABC

Artigo publicado no site do ABCDMaior em 31/1/2017, colunas Blogs, seção "Ponto de (des)equilíbrio".

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

POLÍTICA DE EMPREGO: NÚMEROS, MESMICE E INSENSIBILIDADE



Jefferson José da Conceição

Acabam de serem divulgados os dados do nível de emprego formal (isto é, com carteira assinada) no Brasil em 2016. O anúncio foi feito pelo Ministério do Trabalho, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED.

O Ministério emitiu um “comunicado” oficial com a apresentação e interpretação destes números. Aqui, desde já, cabe um registro: entendo que estes dados sobre a evolução do emprego deveriam ser expostos e analisados publicamente pelo Ministério da Economia (Fazenda, no caso), que é o principal responsável pela formulação e execução da Política Econômica do País. Cabe ao Ministério da Fazenda responder pelos números negativos ou positivos em relação ao tema do emprego. Certo que a intermediação de mão-de-obra (disponibilização pública de ofertas e procuras de empregos por meio do sistema público de emprego) é de responsabilidade do Ministério do Trabalho, mas a intermediação, em que pese sua elevada importância, não é geradora de atividade econômica. Não é a intermediação que determina o volume total de vagas de trabalho disponíveis. Isto é função da política macroeconômica, de responsabilidade do Ministério da Fazenda.

Posto este registro, voltemos ao anúncio feito pelo Ministério do Trabalho, em nome do Governo. Uma vez mais, como de outras vezes, impactou-me pelo eufemismo, falta de cuidado e mesmice em relação a tema tão sensível ao ser humano, que é o do emprego.

Por que eufemismo?  Porque os dados, inequivocamente, mostram que houve um grande corte de empregos no ano passado. Em 2016, foram eliminados 1.321.994 empregos! Mas, o quadro é ainda pior, porque, em 2015, o País já havia ceifado 1.534.989 empregos! Por conseguinte, no biênio 2015-2016, foram cortados no total 2.856.983 empregos formais! Ou seja, em 2016 foram expulsos do mercado de trabalho um grande número de pessoas que se soma a um enorme contingente já existente. Entretanto, em nenhum momento, o comunicado do Governo cita esta somatória simples e trágica ao mesmo tempo.

Ao contrário, o governo quer nos fazer acreditar que a situação melhorou! Diz a nota oficial:

“Apesar dos números ainda serem negativos, a comparação já mostra uma diminuição significativa no fechamento de vagas. A crise começou a perder fôlego em abril de 2016, quando o país registrava o pico de 1.825.609 vagas fechadas em um período de 12 meses. Mas esse número começou a cair mês a mês. No final do ano, a perda em 12 meses já estava menor em 503.615 postos. Em dezembro, mês que historicamente apresenta forte aumento no número de demissões, a perda foi de 462.366 vagas, 22,4% menor do que no mesmo período de 2015, outro dado que mostra o arrefecimento na crise do emprego”.

Além de pintar o quadro mais próximo da realidade, portanto menos róseo do que pintou, a nota do Ministério do Trabalho deveria também ser mais cuidadosa, mais completa. Apoiando-se também em outras pesquisas oficiais do mercado de trabalho (mesmo que o foco seja apresentar os dados do CAGED), a nota deveria deixar claro que, de modo preocupante, vem caindo o número de pessoas ocupadas no Brasil.

Assim, de acordo com a pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), em 2015, o país já havia verificado pela primeira vez desde 2004 a queda no número de pessoas ocupadas (redução de 3,9%, que significa um total de 3,8 milhões de pessoas ocupadas a menos). E este processo de redução da ocupação continuou em 2016: a última informação disponível da PNAD evidenciou que no trimestre encerrado em outubro de 2016 a ocupação era de 89,9 milhões de pessoas, contra 92,2 milhões em julho daquele ano.

Como consequência, o Brasil tem atualmente (mais precisamente, os números são de outubro de 2016) um total de mais de 12 milhões de desempregados! A taxa de desocupação saltou de 6,5% no trimestre out-dez de 2014 para 11,8% no trimestre ago-out de 2016! Há estimativas que apontam que até o meio do ano ela deve ser superior a 14%. 

Em um quadro como este, os efeitos são em cascata:  cai a arrecadação da previdência, reduz a renda média da população, aumentam os problemas de saúde física e mental da população, cresce a violência...

Em outras palavras, não cabe a menor sensação de conforto porque, comparando-se 2016 com 2015, o tamanho do corte foi 14% menor em 2016 (1,3 milhão contra 1,5 milhão de eliminação de empregos em 2016 e 2015, respectivamente). 

A queda dos investimentos públicos (agravada pela aprovação da PEC 55, que limita os gastos públicos nos próximos vinte anos) e privados, a retração da renda e do consumo e a ainda tímida redução da taxa de juros são fatores que nos levam a acreditar que 2017 representará ainda um corte expressivo do número de empregos no Brasil.

Sair da mesmice em relação à temática do Emprego

Há muito acredito que a temática do emprego, em termos de pesquisa, análise e formulação de políticas públicas, carece de uma perspectiva mais ampla e abrangente, isto é, de uma visão interdisciplinar.

Evidentemente, a política econômica é chave na determinação do nível de atividade e, por conseguinte, no nível de empregos disponíveis. Mas a temática do emprego – tão sensível na vida das pessoas – não se resume ao número de empregos ofertados e demandados. Há a legislação que a norteia, os elementos educacionais e de formação, os aspectos sociais e de sociabilidade, as questões de saúde e de natureza psicológica envolvidos, entre outras áreas de especialização.

Por conseguinte, esta visão multidisciplinar tem que se refletir na constituição de grupos técnicos multidisciplinares (organizados nas universidades, no setor privado, no governo) que elaborem pesquisas conjuntas, analisem e divulguem resultados conjuntos, formulem políticas públicas de modo conjunto.

A visão multidisciplinar, por si, isolada, não resolve a questão da necessária geração de empregos no país. Mas certamente ajudará  em muito a sair da mesmice e mediocridade que hoje nos situamos em relação à temática do emprego. Isto permitirá também que o emprego não seja tratado apenas como uma comparação limitada e mal feita de números.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017).

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs, em 23/1/2017.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

INFLAÇÃO EM QUEDA: OS DOIS LADOS DA QUESTÃO


Jefferson José da Conceição (jeffdacsenior@gmail.com)

Os jornais veiculam que o Governo comemora o fato de que a taxa de inflação (IPCA) de 2016 ficou em 6,29%, portanto abaixo do teto da meta de 6,5% e de que as projeções indicam que, em 2017, ela deverá ficar ainda menor. Algumas estimativas do mercado financeiro calculam que a taxa de inflação será de 4,9%. Em 2015, a taxa de inflação foi de 10,67%.

A notícia de que a taxa de inflação desacelerou é, sim, uma boa notícia. As famílias sabem bem o valor que representa uma inflação mais baixa. Elas sabem a importância disto quando, por exemplo, vão ao supermercado (os alimentos foram os que mais contribuíram para a desaceleração da inflação em 2016). A relativa estabilidade de preços permite organizar melhor os gastos e reduz a impressão de perda permanente no volume de itens que compõem os carrinhos de compra.

Mas, no atual quadro econômico do Brasil, nada é róseo, mesmo com essa boa notícia.

Além de comemorar, o governo deveria, pelo menos, ter feito referencia ao outro lado desta história – até para dizer que está tomando medidas cabíveis.

Expliquemos. Para isto, buscaremos ser didáticos.

O que é inflação?

Inflação é o aumento generalizado e contínuo dos preços. É o oposto de deflação, que é a redução generalizada e contínua dos preços.

De modo geral, a inflação é um problema, isto é, algo negativo, em qualquer sociedade mercantil. Ela retira poder aquisitivo do dinheiro. Em outras palavras, quando há um processo de inflação, uma mesma unidade de dinheiro (por exemplo, uma nota de R$ 10,00) adquire cada vez menos bens e serviços. Esta perda será tanto maior e preocupante quanto mais alta for a taxa de inflação e se ela estiver em aceleração.

Sendo a inflação um fenômeno monetário, poder-se-ia pensar que apenas a política monetária tem o poder de reduzir a inflação. Muitos economistas pensam assim, é verdade. Bastaria acionar uma política monetária contracionista (de juros altos; redução do crédito; redução da emissão de moeda) que a inflação cederia. Esta linha de pensamento foca apenas na política monetária o “remédio” para a “doença” inflacionária.

No entanto, não é bem assim que funciona ou que deveria funcionar. O objetivo da redução da inflação não é ou não deveria ser o único objetivo buscado pelo governo. Geração de empregos também deve estar entre estes objetivos - assim como a obtenção de saldos no comercio exterior, promoção de rápido desenvolvimento educacional e tecnológico, entre outros. Pesar os custos de uma política monetária restritiva é uma decorrência natural, quando se levam em conta também estes outros objetivos.

O Brasil tem um histórico e aprendizado importante em relação à inflação. Já chegamos a atingir 90% de inflação anual às vésperas do golpe militar em 1964; 220% em 1985, em pleno período de “estagflação” (estagnação mais inflação); 2490% de inflação em 1993, após todas as experiências de “pacotes econômicos” que visavam derrubar a inflação.

Por estes números, podemos perceber que já convivemos até mesmo com o fenômeno da hiperinflação, que é o estado de coisas em que a inflação atinge patamares tão altos que faz com que as pessoas literalmente queiram ficar longe do dinheiro nacional, trocando-o por dinheiro estrangeiro forte (exemplo, dólar) ou adquirindo bens, como ouro e imóveis.

Quais as causas da inflação?

A inflação pode ocorrer por três motivos básicos. O primeiro ocorre quando a demanda total da economia (que chamamos de “demanda agregada”) está demasiadamente elevada, e não é acompanhada no mesmo ritmo pelo incremento da oferta agregada de bens e serviços. Este quadro gera pressões que resultam na elevação de preços. Excesso de gastos públicos, política de crédito facilitado, juros muito baixos são exemplos de fatores que podem incrementar exageradamente a demanda agregada.

O segundo motivo da inflação ocorre quando há uma pressão de determinado custo importante que entra na composição de preços de vários outros bens e serviços. Neste caso, a pressão não é de demanda, e sim de custo. Um exemplo disso é o aumento do preço da gasolina, que acaba afetando o reajuste de inúmeros outros bens e serviços (frete, passagens de ônibus, custos de deslocamentos de carro para o trabalho etc).

O terceiro motivo reside na própria “inércia” da inflação. Trata-se da auto reprodução da elevação dos preços pela indexação dos vários contratos, que acaba carregando a inflação passada, ao incorporar a correção monetária. Em outras palavras, Governo, empresas e demais agentes econômicos fixam os reajustes de seus serviços e produtos simplesmente levando em conta a inflação passada (correção monetária), independente se há pressões de demanda ou aumento de algum custo específico.

Registre-se também que o grau de oligopolização (domínio de um segmento econômico por reduzido número de empresas, em luga de muitos concorrentes entre si) e de abertura do país à concorrência internacional são elementos que igualmente explicam a maior ou menor tendência de um país a processos inflacionários.

Quais os efeitos negativos da inflação e porque sua queda é tão importante?

A inflação tem tamanho impacto em qualquer sociedade, que o famoso economista inglês John Maynard Keynes assim escreveu:

“(...) Na medida em que a inflação avança e o valor real da moeda flutua selvagemente de um mês para outro, todas as relações permanentes entre os devedores e credores, que formam o fundamento último do capitalismo, se tornam tão completamente desordenadas que passam a não ter sentido; e o processo de aquisição da riqueza degenera em jogo e loteria (...). Não há meio mais sutil nem seguro de revirar a base da sociedade do que corromper a moeda. O processo mobiliza, para a destruição, todas as forças ocultas da lei econômica - e o faz de tal modo que nem mesmo um só homem em um milhão é capaz de diagnosticar”.

De fato, a inflação alta e crescente provoca um problema grave na economia que é a comparação de preços e o mecanismo gerador de equilíbrio entre eles. Por exemplo: quantas dúzias de ovos devem equivaler a um sapato da marca “tal”, tendo em vista as dificuldades técnicas, tempo de trabalho exigido e custos em geral? Uma passagem de ônibus deve corresponder a quantos pãezinhos de 100gr? Um corte de cabelo em um salão mediano deve valer quanto medido em ingressos no cinema?

É esta estrutura de comparações que os economistas denominam de “estrutura de preços relativos”.  Esta estrutura é a base do funcionamento de uma economia de trocas e de mercado.

A inflação alta e crescente, porém, contribui para minar a estrutura de preços relativos. Ela impede que saibamos se um produto ou serviço está “caro” ou “barato”. Deixamos de poder comparar porque os preços de determinado item podem ter subido meramente pela inflação.  Na prática, com uma inflação alta e crescente vai desaparecendo uma estrutura de preços relativos em nossas mentes.

Há ainda o efeito da inflação sobre a distribuição de renda. Em um contexto inflacionário, os mais pobres tendem a ter mais dificuldades que os mais ricos de preservarem suas rendas. Os mais ricos aplicam seu patrimônio e renda em títulos que rendem pelo menos a correção monetária. Já os pobres não costumam ter estas aplicações. Com seus salários e rendas, eles vão diretamente as compras adquirir cada vez menos produtos.

A inflação cria também dificuldades de planejamento das empresas. Em ambiente inflacionário, os cenários ficam mais instáveis e o cálculo do retorno dos investimentos mais difícil.

Por fim, ela tem efeito negativo também sobre as finanças públicas, na medida em que a arrecadação é recebida com defasagem em relação ao fato gerador. Além disso, os produtos adquiridos pelo Governo sobem com a inflação, mas suas receitas tributárias não podem ser aumentadas automaticamente, pois dependem de autorização legislativa e os aumentos sofrem pressões contrárias da sociedade. Ao final, os mais pobres, que necessitam mais dos serviços públicos, são prejudicados com a piora desses serviços, em quantidade e qualidade.

Apesar de boa notícia, por que a queda da inflação tem outro lado não tão bom?

Apesar de ser uma notícia boa, a queda da inflação no Brasil em 2016 revela também um lado que não é nada bom para o país. Trata-se da forte retração do nível de atividade econômica e consequente expansão do desemprego. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas produzidas, foi negativo em -3,8% em 2015 e -3,6% em 2016. A projeção é de uma retração de -0,5% em 2017.

A queda acentuada da produção e consumo de bens e de serviços no país contribui, é claro, para estabilizar os preços: a retração diminui o número de compradores, o que obriga os vendedores a reduzirem margens de lucro, adiarem reajustes e promoverem promoções. Tudo isto gera pressões para baixo nos preços.

A forte retração da atividade traz consigo um ambiente de incerteza e pessimismo em todos os setores: indústria, agricultura, serviços, construção civil etc.

Em outubro de 2016, a taxa de desemprego no Brasil, segundo o IBGE, atingiu 11,8%, representando 12,1 milhões de pessoas desempregadas. E o que é pior: as estimativas são de que, em 2017, a taxa de desemprego alcance 12,4% ao final do ano.

A escolha entre “mais empregos” ou “mais inflação”

A existência de dois lados da queda da inflação expressa o que os economistas denominam de “trade off”(escolha) da autoridade econômica: ter uma taxa de inflação mais baixa e, consequentemente, uma taxa de desemprego mais alta?; ou assumir uma meta de inflação mais alta e, por outro lado, reduzir  em alguns pontos a taxa de desemprego?

Pessoalmente, acho, em consonância com alguns economistas heterodoxos, que a política econômica pode e deve buscar os dois objetivos simultaneamente: ter inflação mais baixa e reduzir a taxa de desemprego. Entretanto, trataremos deste tema em artigo futuro, pois isto exige uma reflexão mais detalhada de nossa parte.

Aqui o que importa é que parece que as autoridades do Banco Central acreditam na necessidade de fazer esta escolha. E fizeram! A opção foi por ter a redução mais acentuada da taxa de inflação, ainda que à custa de maior desemprego.

Hora de exigir do Governo uma redução acentuada da taxa de juros

Desde 1999, o Brasil adota o chamado “Sistema de Metas” de inflação. Este sistema fixa um intervalo de inflação máxima a ser admitida pela política econômica. Mais: estabelece também um mecanismo que faz subir a taxa de juros Selic toda vez que a inflação projetada ameaçar situar-se em patamar superior à meta. A política monetária é condicionada a este objetivo principal, que é atingir a meta da inflação.

A adoção deste mecanismo não é algo tão pacífico entre os economistas. A preocupação com a atividade econômica e o nível de emprego não deveria ser tomada como secundária, para os economistas keynesianos, estruturalistas e desenvolvimentistas, entre os quais este articulista se inclui. Por isto, por exemplo, defendi, em artigo anterior, que o Conselho Monetário Nacional seja alargado, com a participação de representantes do empresariado produtivo, do setor sindical e das universidades. Isto ajudaria a refletir também outros interesses e não apenas os do mercado financeiro.

Entretanto, se, no sistema de metas, o mecanismo da elevação de juros funciona em situações de aumento da inflação (e isto tem um custo social alto para o país), por outro lado, ele também deve funcionar plenamente quando a inflação cai.

Assim, é hora da sociedade - trabalhadores, empresários e famílias em geral - exigir do Governo uma redução acentuada das elevadíssimas taxas de juros vigentes no Brasil.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017).

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs, em 17/1/2017.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

ELE ESTÁ DE VOLTA

ELE ESTÁ DE VOLTA

Jefferson José da Conceição (jeffdacsenior@gmail.com)

Em 2015, estive em Berlim e fiquei impressionado com a capacidade dos alemães em terem reconstruído, de modo tão sutil e futurista, uma cidade literalmente arrasada pelos bombardeios na Segunda Guerra. Pude também visitar o campo de concentração de Sachsenhausen, bem próximo de Berlim (45 minutos de trem). Uma das visitas emocionalmente mais fortes que pude viver.

Hoje, acabo de ler o livro “Ele está de volta” de Timur Vermes (Editora Intrinseca, 2014, 304 p.). Recomendo a leitura. O livro foi a base do filme homônimo, de David Wnendt.

A obra é uma sátira inteligente do mundo em que vivemos nesta segunda década do século XXI, a partir de um acontecimento naturalmente absurdo, que é a presença, neste novo século, em pleno exercício de suas funções físicas e mentais, de um dos personagens mais fortes, fatídicos e monstruosos da história mundial, que viveu na primeira metade do século XX: Adolf Hitler.

Pense que, por algum motivo, Hitler, o “Führer”, acorda, no ano de 2011, em um terreno baldio no centro de Berlim, sem qualquer tipo de abrigo ou estafe para ajudá-lo. Assim começa o livro, o que gera no leitor uma série de curiosidades e interrogações naturais.

Inicialmente atordoado, sem entender o que aconteceu e com muito estranhamento sobre tudo a sua volta, Hitler vai, pouco a pouco, tomando noção das mudanças que ocorreram na sociedade desde os tempos da Segunda Guerra Mundial.

Ajudado por pessoas que, claro, consideram que estão diante não do verdadeiro Hitler, mas sim de um ator convincente e apaixonado pelo seu papel, a tal ponto de parecer bastante com o personagem histórico, Hitler se depara com as cores da nova Cidade de Berlim, os novos prédios, hábitos de moradores e transeuntes, novos automóveis. Conhece a TV, o computador, a internet, o email, o youTube, as redes sociais.

Durante todo o livro, Hitler faz a análise das mudanças ocorridas nos últimos setenta anos a partir dos valores que tinha no período de ascensão do nazismo. Assim é o caso, por exemplo, a expansão dos imigrantes na Europa atual. Hitler a analisa a partir da perspectiva da supremacia da raça alemã e do seu desprezo pela democracia.

Ainda que visto de uma maneira cômica, seu poder de persuasão é tão grande que Hitler acaba ganhando um programa de TV, atingindo altos índices de audiência.

O discurso ditatorial e sua propagação em um ambiente econômico e social propício

Sim, o mundo mudou muito nos últimos setenta anos. Mas há fatores econômicos e sociais que se recolocam a olhos vistos. Se extrairmos os detalhes factuais de cada momento, observaremos que a essência dos acontecimentos se reconstituem na história.

Façamos uma breve recuperação dos fatores que levaram à propagação do discurso ditatorial do Führer. Em grande medida, a difusão do discurso se deve a forte crise econômica, desemprego, inflação, falta de expectativas quanto ao futuro e fragilidade das instituições naquele momento. No caso mais específico, uma Alemanha arrasada pelos efeitos da derrota na Primeira Guerra Mundial e com uma profunda crise durante a década de 1920.

É no contexto de crise econômica que se dá a expansão das ideias nazistas. Assim, após ter participado da Primeira Guerra como um simples soldado (tendo sido inclusive ferido em combate), Hitler, em 1919, entra para o pequeno Partido Trabalhista Alemão. Um ano depois, este partido passa a denominar-se de “Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães”, o Partido Nazista. Em 1921, Hitler assume o comando do Partido. Em 1923, tenta ganhar o governo da Baviera por meio de um golpe malsucedido. É preso por nove meses, quando escreve o livro “Minha luta”, publicado em 1925.

Entre as principais bandeiras do Partido está a forte crítica ao Tratado de Versalhes, que decretou condições bastante duras para a Alemanha derrotada na guerra, e, por consequência, uma dívida pesada a ser paga por todo o povo alemão.

Ao longo de toda a década de 1920, as condições favoreceram o discurso de Hitler: agravou-se a recessão econômica na Alemanha; a inflação tornou-se incontrolável, alcançando uma hiperinflação; instalou-se um ambiente de caos social, especialmente após a crise internacional de 1929 com o crash da Bolsa de Nova York. Os culpados pela crise do País, segundo os nazistas, eram os judeus, o comunismo e as nações vencedoras da Primeira Guerra. Hitler pregava a autoestima e a superioridade do povo alemão, bem como a recuperação da economia. 

Neste contexto, e com esse discurso, o partido de Hitler conquista cerca de 1/3 dos votos nas eleições presidenciais de 1932. Perde para Hindenburg, mas mostra força. Em 1933, Hitler é nomeado Chanceler da Alemanha.

A geração de empregos (pela política armamentista), que os nazistas souberam capitalizar, associado ao acirramento das tensões, que atingiu seu ápice com o incêndio do Palácio de Reichstag, atribuído a um ato dos comunistas, fortalece o apoio ao Führer. Dias depois do incêndio, o partido nazista ganha as eleições. Esta sequência de fatos dá à Hitler plenos poderes ditatoriais.

A ditadura e o terror aumentam. Em 1935, são decretadas as Leis Raciais de Nuremberg, que aumentam a perseguição e segregação dos judeus. Ao final da guerra, seis milhões de judeus foram vítimas do holocausto.

Tendo o controle da nação, Hitler inicia sua política de expansão externa pela via militar. Em 1936, ocorre a formação do eixo Alemanha, Itália e Japão. Em 1938, a ocupação da Tchecoslováquia; em 1939, a invasão da Polônia, estopim para a Segunda Guerra. Em 1940, Hitler ocupa a França, Belgica, Países Baixos.

Após as conquistas iniciais, e com a entrada dos EUA na guerra (1941), que se unem à Inglaterra e à União Soviética, contra os países do Eixo, Hitler começa a perder a guerra. Em 1944, já derrotado, suicida-se em um bunker a cerca de dez metros abaixo da terra (vale a pena ver também “O Bunker”, filme de George Schaefer, com Anhony Hopkins).

Por que não de novo? Pergunta Hitler a si mesmo

A meu ver, um dos pontos fortes do livro e que nos remete a refletir sobre os riscos que corre a sociedade contemporânea é quando Hitler, já menos atordoado pelos fatos, passa a refletir sobre como poderia voltar a ter o domínio da sociedade e conduzir o seu povo à vitória.

Reproduzo a seguir este trecho do livro no qual Hitler se dá conta de que, mesmo neste novo mundo, é possível fazer tudo de novo, uma segunda vez:

“Em uma das primeiras noites, rolei inquieto na minha poltrona, insone após leituras exaustivas, resmungando do meu destino difícil, até que de repente tive um estalo. Imediatamente me levantei, os olhos abertos pela inspiração. Eles espreitaram os grandes vidros com confeitos coloridos e tudo o mais. Foi o próprio destino, como metal incandescente derramado diante dos meus olhos interiores, que interferiu com sua mão invisível no curso dos acontecimentos. Bati com a mão espalmada na testa; era tão óbvio que eu mesmo me xinguei por não ter pensado naquilo antes. E também porque o destino, pela primeira vez, não tomou as rédeas da situação para mudar os acontecimentos a seu favor. Não fora exatamente em 1919, na pior época de miséria alemã? Não foi nesse período que um cabo do exército desconhecido levantou a trincheira? Apesar da opressão das circunstancias pequenas, mínimas, na verdade, ele não acabou se revelando um orador de talento entre muitos, entre os desesperançados, logo ali, onde menos eu esperaria? Esse talento também não se revelou um tesouro surpreendente de conhecimento e experiência, reunido nos dias mais amargos de Viena, uma curiosidade insaciável que fazia o adolescente com mente aguda absorver, desde a mais tenra juventude, tudo o que tinha relação com a história e a política? Conhecimentos dos mais valiosos, aparentemente armazenados ao acaso, mas, na verdade, acumulados com cuidado, ponto a ponto, pela providência, em um único homem? E ele, esse cabo invisível do exército, em cujos ombros milhões depositaram suas esperanças, não arrancou as amarras de Versalhes e da Liga das Nações, e, com a facilidade emprestada pelos deuses, não resistiu às batalhas forçadas com os exércitos da Europa, contra a França, a Inglaterra, a Rússia? Este homem, apenas com a formação supostamente mediana, não levou a pátria ao píncaro mais alto da glória, enfrentando o julgamento unânime de todos os chamados especialistas?

Ou seja, este homem sou eu.(...)

No entanto, ainda havia uma pergunta a ser respondida: por que eu, se tantos grandes nomes da história alemã esperavam por uma segunda chance de conduzir seu povo a uma nova glória?  Por que não Bismarck, um Frederico II?  Um Carlos Magno? (...)

A resposta para essas perguntas chegou após as reflexões iniciais de forma tão tranquila que eu quase sorri de tão lisonjeado que estava. Pois a tarefa hercúlea que esperava ser cumprida de fato parecia adequada para colocar mesmo os homens mais corajosos, os grande e maiores alemães, no devido lugar. Sozinho, por conta própria, sem o aparato do partido, sem a força governamental, valia confiar àquele que já havia mostrado que estava em condições de limpar o estábulo de Augias democrático. A pergunta que deveria ser respondida neste momento era: eu queria assumir todo aquele sacrifício doloroso novamente, uma segunda vez? Engolir todas as privações, engolir em seco até mesmo todo o desprezo? Pernoitar em uma poltrona bem perto de uma chaleira, na qual durante o dia salsichas simples de carne bovina eram preparadas para serem consumidas? E tudo isso por um povo que já deixou seu Fuhrer ao léu na luta pelo seu destino? O que aconteceu mesmo com a intervenção do grupo de Steiner? Ou com o de Paulus, aquele patife desonrado?

Mas aqui o caso era refrear o ressentimento e separar estritamente a ira justificada da raiva cega. Assim como o povo precisa defender seu Führer, o Führer também deve defender seu povo. O soldado raso, sob a liderança correta, sempre deu o seu melhor. Não há acusação a se fazer contra ele se não marchar confiante até o fogo inimigo, pois essa ralé de generais medrosos, que se esquece de suas obrigações, pisoteia com as botas a honrada morte soldadesca.

- Sim! - gritei para a escuridão da banca. - Sim! Eu quero! E vou! Sim, sim e sim, mais uma vez!

Ao modo de conclusão

Este meu artigo resenha sobre o livro “Ele está de volta” me leva a manifestar a mesma preocupação por mim já expressa no artigo “A Direita ‘saiu do armário’”, publicado em 23 de maior de 2016.

Em uma democracia, é normal que ora a esquerda, ora a direita, ora o centro assuma o poder pela via das urnas. Isto faz parte das regras do jogo.

Nos últimos anos, há um processo de “endireitização” no Brasil e no mundo atualmente. Isto significa a defesa do capitalismo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação da economia e do Estado Mínimo (verdade que grupos mais radicais da Direita são defensores do "Estado Máximo", na linha das ideias nazifascistas: 'tudo pelo Estado, tudo para o Estado, tudo do Estado'). A redução das políticas de welfare state. A aceitação da desigualdade social como algo natural. A valorização do individualismo e do empreendedorismo. A defesa das tradições e da família patriarcal. O combate ao aborto, eutanásia e homossexualidade. Muitas vezes, são exaltados também a “limpeza” ética e o suposto combate ferrenho à corrupção.

Minha preocupação, no entanto, é que, em um ambiente de crise econômica, social e política, a defesa destes valores, por parte de grupos radicais, pode recolocar novamente a busca de culpados (esquerdistas, imigrantes, outras religiões) e de novos ´”heróis”.

No princípio, a sociedade tende a considerar estes “heróis” - como foi o caso de Hitler - como excêntricos e até cômicos. Há uma certa tolerância com eles. Aceita-se inclusive em “testar” a eficácia das suas propostas. Tudo como se, caso necessário, pudesse a sociedade freá-los quando bem quisesse.

Entretanto, sabemos que a sociedade pode perder controle dos processos e que, neste caso, os resultados são muito tristes e duros de serem esquecidos. 

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan 2009 e julho 2015; Superintendente do SBCPrev entre agosto 2015 e fevereiro 2016. Foi Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento entre 5 de fevereiro de 2016 e 6 de janeiro de 2017

Artigo publicado em 9 de janeiro de 2017 no site do ABCDMaior, coluna blogs (Ponto de (des)equilíbrio)