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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

CONTRIBUIÇÕES PARA A SAÍDA DA CRISE


Jefferson José da Conceição (jefersondac@ig.com.br)
Roberto Vital Anav (rovitan@ig.com.br)

O debate sobre alternativas de política econômica tem se acentuado desde a saída do ex-ministro Joaquim Levy. A CUT, o PT, economistas de diversos matizes ideológicos têm vindo a público apresentar propostas de saídas para a presente crise. Este artigo pretende contribuir nessa discussão.

Comecemos pelo cenário previsível. As consultorias financeiras costumam divulgar regularmente suas projeções econômicas. Não se observam discrepâncias significativas nas perspectivas para 2016. Em grandes números, projetam-se: uma retração do PIB do Brasil entre 2,5% e 3%; inflação (IPCA) em torno de 7%; taxa de juros Selic entre 12% e 16,5%; taxa de câmbio (R$/US$) entre 4,2 e 4,4; exportações anuais subindo para US$ 209 bilhões; importações em torno do mesmo patamar de 2015 (US$ 170 bilhões); saldo da balança comercial para US$ 36 bilhões (quase o dobro dos US$ 19,7 bilhões de 2015); resultado primário do governo negativo em 0,9% (menos de metade dos -2,1 % em 2015); dívida líquida do setor público de 36,2% do PIB (contra 34,3% em 2015). Por conseguinte, trata-se de um cenário ainda recessivo para a economia brasileira.

Frente a esse cenário, apresentamos alternativas viáveis para retomar o crescimento econômico com distribuição da renda.

O avanço dos direitos sociais desde a "Constituição cidadã" de 1988 e as expressivas conquistas sociais nos últimos doze anos (2003-2015) não eliminaram a necessidade de prosseguir a luta pela inclusão social. Novas e antigas agendas se combinam e os movimentos sociais, as lutas das minorias e novas formas de mobilização se expressam publicamente. A recessão traz mais demandas por emprego, por salários, por políticas públicas, somando-se às anteriores. O Brasil precisa retomar o desenvolvimento, readquirido nas gestões do presidente Lula (2003-2010), após o longo domínio de políticas neoliberais do período FHC (1995-2002). Para tanto, é imperioso que a presidenta Dilma recoloque na ordem do dia uma agenda positiva de crescimento, que traga otimismo e unidade mínima entre as várias frações da sociedade brasileira.

O período que vai de 2003 a 2014 teve o PT como partido principal na condução da economia do país. Quaisquer que sejam as avaliações – mais elogiosas ou mais críticas - é difícil negar a ocorrência real da inclusão das camadas mais pobres, por meio de programas como a política de valorização do salário mínimo, o Programa Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a construção de um milhão de cisternas no Nordeste, o Prouni, a ampliação do Fies e a utilização do Enem nas universidades públicas, entre outros. Associadas à vigorosa expansão do emprego (em contraste com os 20 anos anteriores) e também à forte ampliação da rede de escolas técnicas federais e universidades públicas, essas políticas geraram um grande mercado consumidor interno, redução da pobreza, ampliação das oportunidades socio-profissionais e queda na desigualdade. Expressão maior desse processo foi a exclusão do Brasil do Mapa da Fome no Mundo em 2014, motivo de orgulho para todos os brasileiros.

O crescimento econômico, a expansão dos negócios e a geração de lucros em geral foram decisivos para reduzir as críticas da elite brasileira a essas políticas de inclusão social das camadas mais pobres. No entanto, quando, nos últimos dois anos, o país passou a enfrentar reduções na taxa de crescimento e, mais recentemente, taxas negativas do PIB, as críticas voltaram com força. A insatisfação das elites com as políticas de inclusão está estampada nas manifestações e nas redes sociais, bem como nos veículos de comunicação controlados pelo oligopólio da mídia, sempre hostil àquelas políticas e aos governantes que as implantaram.

O crescimento é condição essencial para a realização de políticas que visem reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil. A institucionalização das conquistas sociais alcançadas (muitas vezes isso significa transformá-las em lei), com vistas à colocação de travas a eventuais retrocessos em função da conjuntura econômica ou de mudanças na composição política dos governos, é outro pilar necessário. Igualmente importante é o resgate da memória das transformações recentes, especialmente para os mais jovens, que não vivenciaram os períodos de desemprego em massa e elevada exclusão social e inclusive acadêmica; isso deve estimular a valorização dessas conquistas pela sociedade, para além de preferências partidárias. Em face de situações que requerem ajustes econômicos, é premente a necessidade de evitar retrocessos sociais, escolhendo caminhos que penalizem mais o vértice do que a base da pirâmide social.

O forte ajuste proposto pelo governo sofreu críticas dos diversos setores da sociedade brasileira, mas as motivações foram distintas. Entidades como a CUT criticam o formato recessivo do ajuste e defendem a necessidade de uma reforma tributária que leve a maior justiça social. Por outro lado, o sistema Fiesp-Ciesp e outras entidades patronais, com campanhas como “Eu não vou pagar o pato”, centram suas críticas exclusivamente sobre a carga tributária, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, pedem maiores investimentos públicos em infraestrutura. Esse tipo de visão elitista sobre a questão tributária levou, por exemplo, a Fiesp a posicionar-se contra a inédita e avançada política do IPTU Progressivo defendida pelo Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2013.

Entendemos que o debate do Ajuste Fiscal e da Reforma Tributária não tem apenas como arena o Congresso Nacional. É essencial que seja retomado o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, para abarcar o diálogo com outros atores e instituições organizadas da sociedade brasileira. Vimos com otimismo a notícia da retomada das reuniões do CDES.

Em termo das propostas em si, consideramos que uma possibilidade é “abrir” o leque dos impostos indiretos, de forma que os produtos e serviços consumidos pelas camadas sociais mais ricas da população sejam mais taxados, ao passo que os produtos e serviços da população de menor renda tenham suas alíquotas mantidas baixas ou até mesmo reduzidas.

É essencial realizar estudos que analisem, setor a setor, essa possibilidade. Sabe-se que os produtos e serviços das camadas mais ricas são menos sensíveis ao aumento de impostos.

Assim, por exemplo, poder-se-ia estudar a viabilidade de, no segmento automobilístico, aumentar a tributação dos veículos mais luxuosos, ao passo que se manteriam ou até mesmo se reduziriam as alíquotas tributárias sobre os veículos mais básicos. Caberia investigar os efeitos de uma política desse tipo sobre a arrecadação. O sucesso de uma ação dessa natureza, nesse e em outros setores, poderia ser importante para a retomada da produção e do emprego, sem que isso representasse uma política contraditória com o ajuste fiscal.

No caso do setor automotivo ainda, uma agenda extremamente positiva e que pode contribuir para a retomada do crescimento econômico é o Programa de Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos, que vem sendo discutido pelo governo em conjunto com representantes da cadeia automotiva, incluindo os sindicatos. O Programa, provisoriamente denominado de "Programa de Sustentabilidade Veicular", da forma como está sendo construído, agrega estímulos à produção e ao emprego sem se opor ao ajuste fiscal em curso.

Somos favoráveis também à proposta que acaba de ser apresentada pela bancada do PT na Câmara Federal, de maior progressividade nas alíquotas do IRPF e restabelecimento da tributação sobre lucros e dividendos, cuja isenção desde o governo FHC nos deixa na incômoda companhia exclusiva da Estônia, entre os países da OCDE. Em momento em que até o Fundo Monetário Internacional (FMI), em estudo divulgado em junho de 2015, contesta o benefício econômico do alívio tributário aos mais ricos, tão caro aos argumentos neoliberais, não é cabível pensar um ajuste fiscal que perpetue as injustiças tributárias até hoje inalteradas.

O restabelecimento da CPMF também pode contribuir para o ajuste. Observamos que ela incide mais fortemente nos produtos com maior encadeamento econômico (maior número de transações no seu processo de fabricação). Possui, por esse lado, caráter parcialmente progressivo, isto é, de incidência maior sobre os bens mais elaborados e, por conseguinte, das camadas sociais que os consomem, geralmente de renda média e superior. Sugerimos que, em contrapartida, sejam adotadas medidas de desoneração tributária parcial para bens de consumo popular, contribuindo para afirmar mais claramente a progressividade desejada.

O pragmatismo leva-nos a considerar que as linhas gerais do ajuste fiscal serão mantidas. Ainda assim, há possibilidades de ação em termos de geração de produção, emprego e renda.
Um dos focos centrais deve ser aprofundar a estratégia de incremento das exportações e de substituição de importações (nacionalização de produtos completos, componentes e partes), visto que a melhoria do balanço de pagamentos também é uma das prioridades atuais do governo.
A desvalorização do câmbio é um dos instrumentos mais importantes para atingir esses objetivos em relação ao comércio exterior. Mas não é o único. A ousadia de inovar é bem-vinda nessa área. Entendemos que a adoção da experiência do câmbio múltiplo deveria ser tentada. O Brasil já viveu, com relativo sucesso, essa prática na década de 1950.

O câmbio múltiplo estabelece valores distintos para a compra do dólar de acordo com a essencialidade do produto e as metas a serem atingidas. Ele permite uma utilização mais “cirúrgica” do câmbio como ferramenta de política industrial.

Retomar, sob a coordenação do governo, as câmaras setoriais (com a participação de entidades representativas de empresários, de trabalhadores e de outras instituições, como as universidades e centros de pesquisa), para discutir essa estratégia de aprofundamento do comércio exterior brasileiro, faz parte também do conjunto de medidas da política industrial em tempos de crise.
Discutir com profundidade as ações em ambas as direções (incremento de exportações e substituição de importações) pode gerar uma profícua e duradoura pauta de competitividade nacional dialogada entre os atores envolvidos. Contribuirá para isso a notícia auspiciosa de promulgação, pela Presidente Dilma, do marco legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, necessário para a modernização do setor produtivo. Sua aplicação deve ser item prioritário de debate entre os principais envolvidos: empresariado, trabalhadores, universidades e governo.

Diante do agravamento da crise e da elevação da taxa de desemprego, a política industrial deve também ter como meta a manutenção e geração de empregos. Assim, além de apoiar a adoção de programas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) antes de qualquer demissão massiva, a política industrial deve cobrar que as empresas beneficiárias se comprometam com a preservação e ampliação de empregos.

As políticas de crédito das instituições financeiras públicas (como o BNDES) devem estar associadas à fixação de metas de emprego por parte das empresas beneficiárias dos financiamentos.
Ainda visando a geração de postos de trabalho, o governo poderia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando, por tempo determinado, a lei de licitações (Lei nº 8666), de modo a constituir um percentual mínimo obrigatório de compras governamentais destinado às empresas instaladas no país, sejam nacionais ou estrangeiras. Trata-se de uma margem de preferência, com tempo determinado, para a produção nacional.

Por fim, um dos pontos estruturais de “estrangulamento” da economia brasileira reside na dissociação entre instituições financeiras privadas e crédito ao setor industrial. A expansão dos lucros dos bancos não pode se dar “descolada” do fortalecimento da indústria. Não cabe apenas ao BNDES apoiar o setor industrial. Esta também deve ser uma tarefa obrigatória dos bancos comerciais privados. É fundamental estabelecer as regras do crédito dirigido para apoio ao setor industrial.

As diretrizes de políticas apontadas brevemente neste artigo não resolverão sozinhas os graves problemas atuais da economia brasileira. Elas podem, no entanto, ajudar a criar um horizonte de saída para a crise sem afetar a estratégia austera da atual política econômica. E permitem abrir o debate sobre um conjunto mais robusto de medidas que combinem o ajuste fiscal e a retomada do crescimento. Para tanto, é essencial uma flexibilidade da equipe que conduz a política econômica, o que torna auspiciosa a indicação do ministro Nelson Barbosa, que já se mostrou cioso da responsabilidade fiscal, sem se deixar escravizar aos férreos princípios de uma ortodoxia monetarista.
Como evidenciado ao longo de todo o artigo (e anteriores), não comungamos com a tese ortodoxa de que o “inferno” (recessão e desemprego) é o único caminho para o “céu” (desenvolvimento e melhoria das condições sociais). Preferimos a flexibilidade econômica, com balanceamento adequado do ajuste das contas públicas e da preservação do mínimo indispensável de crescimento e de políticas sociais, evitando a piora do quadro social.

Ao contrário do discurso neoliberal, esse caminho por nós defendido, além de menos perverso, é também o mais rápido para o crescimento, graças à manutenção do potencial interno de consumo como base para a retomada da atividade econômica e dos empregos, ainda mais em vista das limitações do mercado externo neste momento. E, mesmo muito tardio, é bem-vindo o estudo do FMI citado, em que os autores sugerem que, em vez de concentrar esforços em medidas de austeridade, cujos efeitos prejudicam os setores mais vulneráveis da sociedade, o caminho para o mundo voltar a crescer estaria nas mãos dos pobres e da classe média, cuja perda de poder de compra na austeridade afeta o consumo, o que resulta em um baixo crescimento econômico.

Adotado esse caminho, assim que retomado o crescimento, será necessário prosseguir nos avanços sociais e na redução das desigualdades, tendo em vista que o passivo social acumulado ao longo de cinco séculos apenas começou a ser enfrentado. Ainda temos um longo caminho a percorrer nessa direção.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Diretor Superintendente do SBCPrev.

Roberto Vital Anav é Prof. Ms da USCS e Assessor Econômico da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

Artigo publicado em 25/1/2016 no site do ABCDMaior, coluna blog


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

RELAÇÃO GOVERNO-UNIVERSIDADE-EMPRESA: AVANÇO, MAS TAMBÉM GRANDES DESAFIOS


 Jefferson José da Conceição

Em 11/1/2016, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que estabelece o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, que consta do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/2015. O conteúdo do PLC havia sido aprovado por unanimidade no Senado Federal em 9/12/2015. A lei estabelece as novas regras da relação entre universidades (públicas e privadas) e empresas. Entre seus objetivos, está o de garantir maior transparência e segurança jurídica à relação, bem como reduzir a burocracia. Esta notícia é uma das agendas positivas e necessárias para o Brasil na atual conjuntura. Mais: ela foi acompanhada de outra boa nova, que é o lançamento de chamada pública, promovida pelo MCTI e pelo CNPq, que dispõe de R$ 200 milhões para apoiar projetos de pesquisa científica e tecnológica nos próximos dois anos, em qualquer área do conhecimento.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) apoiou a sanção do novo marco legal, embora tenha destacado suas ressalvas. Representantes da entidade criticaram os vetos feitos pela Presidente ao texto. Sublinharam em especial três pontos: a exigência de pagamento de contribuição previdenciária sobre as bolsas concedidas pelas empresas comparativamente à isenção sobre as bolsas oferecidas pelas universidades públicas; o veto às isenções e redução de impostos sobre as matérias primas e insumos para pesquisas adquiridos pelas empresas; o veto à dispensa de licitação para contratação de microempresas (que, na visão da CNI, atingirá o apoio às startups). De outro lado, a Fiesp, cega e ensurdecida por sua campanha pelo impeachment da Presidente Dilma, praticamente ignorou o lançamento do novo marco legal. Não consta sequer referencia ao tema em sua página oficial.

Mesmo com eventuais ponderações que podem ser feitas, o Marco Legal é um avanço. É preciso agora que o texto se traduza efetivamente em ações concretas em prol das empresas, das universidades e do País. Há muito a avançar neste relacionamento tripartite, que, no Brasil, é historicamente marcado pelo distanciamento entre as partes. Poder Público, Universidades e Empresas em nosso país ainda se caracterizam pelo trabalho isolado uns dos outros. Os avanços precisam acontecer em todos os níveis: no âmbito da União, estados e municípios. No quadro atual, há exceções dignas de nota, como é o caso, por exemplo, da “jovem” e inovadora Universidade Federal do ABC, que tem feito um esforço admirável de integração/interação, buscando, desde sua fundação, um intenso diálogo com Gestão Pública e empresas.

Nosso leitor bem poderia nos perguntar: por que é importante desenvolver a relação tripartite Governo-universidade-empresa? De imediato, porque isto levará ao incremento da competitividade nacional, traduzida em projetos e resultados concretos que aumentem a capacidade de competição das empresas brasileiras e seus produtos e serviços no cenário internacional. Uma boa relação entre as três partes permite o fomento ao empreendedorismo e incentiva a inovação. No cotidiano, a união de esforços favorece que o professor possa atuar mais tempo nas empresas. Por sua vez, o empresário pode dialogar e desenvolver seus interesses e projetos com o apoio da comunidade acadêmica. Outro resultado frequente desta interação é a transferência da universidade para a empresa da preocupação com a geração e aplicação de novos conhecimentos, com a agregação de valor. Por outro lado, as demandas e os desafios concretos do chamado “mundo real” das empresas, que muitas vezes precisam de soluções para os seus problemas, tornam-se alvo de reflexões, trabalhos e pesquisas acadêmicas. Tudo isto apoiado e fomentado pelo Poder Público. Portanto, há todo um círculo virtuoso derivado desta aproximação. Este é, ademais, um dos maiores ensinamentos dos países que avançaram para o desenvolvimento nas últimas décadas – a exemplo da Coreia do Sul-, como antes deles fizeram as atuais economias desenvolvidas, desde o final do séc. XIX.

Ainda na condição de Secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo do Campo (2009 a junho 2015), coordenei, em setembro de 2014, conforme orientação do Prefeito Luiz Marinho, importante Missão à Suécia, formada por gestores públicos, representantes das universidades, sindicatos e empresários. Lá, pudemos conhecer em detalhes um dos modelos de relação Governo-universidade-empresa mais bem sucedidos do mundo, que eles denominam de “Tríplice hélice”. Visitamos e dialogamos com gestores públicos, universidades, laboratórios, parques tecnológicos, empresas. Trata-se de experiência ímpar, que relaciona fatores históricos, econômicos, sociais, políticos e culturais. Entretanto, ficou claro que o essencial no modelo consiste em que os principais projetos nacionais em desenvolvimento na Suécia são pensados e planejados, desde o seu início, em conjunto pelas três partes. Ao Governo, cabe dar as grandes diretrizes, regulamentar e apoiar financeiramente os projetos estratégicos. Às universidades e centros de pesquisa, cabe, no seu tempo, formar conhecimento, dar soluções para as questões complexas e desenvolver os projetos. Às empresas, cabe transformar os projetos em negócios e mercados. Este modelo permitiu que a Suécia, de um país agrário no final do século XIX, pulasse para o topo do ranking internacional no campo tecnológico, nas mais diferentes áreas. Voltarei a tratar desta missão que realizamos e dos seus resultados em próximo artigo.

Registro ainda que, em nossa gestão no desenvolvimento econômico de São Bernardo, procuramos implementar uma série de políticas, em âmbito municipal e regional, que trabalharam na perspectiva do modelo de “Tríplice hélice”, ainda que com os devidos ajustes à nossa realidade. Aprovamos uma Lei Municipal de Apoio à Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento. Demos o primeiro passo para a estruturação do Parque Tecnológico de São Bernardo, com a constituição de uma associação formada pela Prefeitura, Universidades, empresas, sindicatos. Organizamos e coordenamos onze Arranjos Produtivos Locais (APLs), respectivamente nos setores de ferramentaria, defesa, gráfica, químico, têxtil, autopeças, economia criativa, panificação, turismo, bares e restaurantes e pesqueiros. Estes APLs tinham a participação das três partes (Governo, universidades e empresas), ampliados com a inclusão dos sindicatos de trabalhadores. Entre os vários pontos da agenda de discussões dos APLS estavam a solução de desafios tecnológicos dos setores e empresas. Incentivamos e apoiamos ainda a Agencia de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC na realização de um Inventário de Oferta Tecnológica da Região do ABC. Vale, por fim, atentar para a estratégia da estruturação de “anel do conhecimento” na cidade e região. Conforme exposto no livro ‘A Cidade Desenvolvimentista’ (que acabamos de lançar pela Editora da Fundação Perseu Abramo*), o anel do conhecimento "consiste na existência de um grande número de instituições de formação profissional e de P&D circundando a cidade; a partir delas, criam-se sinergias para incrementar a competitividade da mão-de-obra e estimular um arco de relacionamentos entre as instituições, as cadeias produtivas e a gestão pública”.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS, Diretor Superintendente do SBCPrev. É o responsável também pelo "Blog do Jeff - reflexões desenvolvimentistas". Acesso: blogjeffdac.blogspot.com. Vários textos escritos pelo autor para o ABCDMaior encontram-se no referido blog.

*Os interessados podem acessar o livro "A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015", clicando em http://novo.fpabramo.org.br/…/A-cidade-desenvolvimentista-o….

**Artigo publicado no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), em 18/1/2016, na coluna blog.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos no Brasil: Agenda Positiva e Pauta Histórica

autor: Jefferson José da Conceição

Com alegria e expectativa, vemos os meios de comunicação anunciarem que as entidades do setor automotivo (Anfavea, Sindipeças, Fenabrave, Confederação Nacional dos Transportes,  Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sindicato dos Metalúrgicos de SP, representantes de recicladores, empresas de siderurgia entre outros), juntamente com o Governo Federal (coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior), realizam negociações visando os acertos finais para o lançamento do “Programa de Sustentabilidade Veicular”. Trata-se do nome provável do programa que visa renovar e reciclar a frota nacional de veículos. Independentemente do nome, torço para que estas negociações cheguem a um bom termo. O Brasil precisa urgentemente de agendas positivas, construídas em parceria envolvendo poder público, setor privado, sindicatos e outras entidades da sociedade brasileira. Certamente esta é uma dessas agendas, especialmente porque acontece no setor industrial, um dos mais atingidos pela atual crise econômica. Mais: a possibilidade de efetivação deste programa, cujas discussões se intensificaram nos últimos três anos, concretizará um antigo sonho da cadeia automotiva brasileira, da qual este articulista se orgulha de ter participado.

De acordo com o noticiado na mídia, o programa ora em negociação criará condições para que o proprietário de um veículo antigo (que tenha idade de uso acima de um determinado número de anos) entregue seu veículo em troca de uma carta de crédito com um determinado valor médio. Este proprietário, da posse da carta de crédito, poderia então dar entrada em um veículo Zero KM nas concessionárias. A criação de um fundo com recursos oriundos da própria cadeia automotiva de consumo seria o funding principal desta operação. O veículo antigo seria enviado a um centro de reciclagem, para desmonte e reciclagem. Ainda de acordo com o veiculado na imprensa, o programa objetiva incentivar a retirada de circulação de automóveis com mais de 15 anos de uso, bem como de caminhões e ônibus com mais de 30 anos. Estima-se que o programa possa impactar uma produção adicional entre 200 mil e 600 mil veículos por ano.

Segundo estimativas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), baseada em ajustes nos dados do Denatran, a frota de veículos brasileira é hoje de aproximadamente 39,7 milhões de autoveículos (sendo 32,7 milhões de automóveis; 6,3 milhões de comerciais leves; 2,1 milhões de caminhões e 640 mil ônibus). O Sindipeças calcula que a idade media dos veículos em circulação no país é de aproximadamente 8 anos e 8 meses (2014); e que 18% do total de veículos da frota têm mais de 15 anos de uso.  Por conseguinte, é expressivo o número de veículos que podem ser retirados de circulação em um programa desta natureza. Mais: a relação habitante por veículos no Brasil é de 5,1, o que permite prever um forte crescimento da produção e das vendas internas para os próximos anos. Em outros países, esta relação é bem menor: EUA, 1,2; Itália, 1,4; Alemanha, Espanha e Japão, 1,7; Coréia do Sul, 2,6; México e Argentina, 3,3. Alguns dos nossos leitores, com razão, poderiam perguntar: como reduzir a relação de habitantes por veículo em um país, como o Brasil, em que as regiões metropolitanas já estão travadas pelo excesso de transito e de carros em circulação? A resposta está justamente na melhoria do transporte público e na execução de Programas como o da Renovação e Reciclagem da Frota, que viabiliza o aumento da produção e vendas sem o necessário incremento da frota.

A propósito, em artigo de minha autoria aqui no ABCDMaior, em 30/11/2015, intitulado “Contribuições para a política automotiva brasileira”, já ciente das negociações em andamento, afirmei: “a instituição de um ‘Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos’ é projeto estruturante de uma política de médio e longo prazo para a indústria automotiva no Brasil. Este Programa, que alia a expansão da produção com a sustentabilidade ambiental e a segurança e eficiência dos veículos, vem sendo discutido no Brasil desde os anos de 1990. Entretanto, não se consegue tira-lo ‘do papel’. Diante dessa realidade, parece-nos que é importante ‘começar começando’. Isto quer dizer que, se ainda não temos condições de ter completa e acabada a arquitetura do Programa como um todo, então devemos realiza-lo por partes. De modo que uma etapa bem-sucedida (ainda que seja uma etapa simbólica, pequena) desencadeie a necessidade de se por adiante novas etapas. A formação de centros recicladores com o apoio do Poder Público e da Cadeia Automotiva seria um bom início para o Programa”.

De fato, este é um programa que vem sendo discutido no Brasil há longo tempo.  Neste sentido, vale atentar-se para dois estudos publicados pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, elaborados pela Subseção Dieese do Sindicato. O primeiro estudo (95 páginas), de novembro de 1998 – de cuja elaboração tive a felicidade de participar como técnico do Dieese à época - intitula-se “Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos: as propostas dos Metalúrgicos do ABC”. O segundo estudo, mais específico para o caso de caminhões, denomina-se “O setor de caminhões no Brasil – as propostas de Renovação da Frota dos Metalúrgicos do ABC”. Ambos os estudos encontram-se disponíveis em www.smabc.org.br/dieese/publicações.

No estudo de 1998, afirmávamos na conclusão do trabalho (página 70): “[São] enormes vantagens [de um Programa de] de renovação da frota. Em grandes linhas, elas são as seguintes: maior segurança no trânsito; redução do consumo de combustível por veículo; decréscimo da emissão de poluentes por veículo; reciclagem de materiais [aço, plásticos, vidros, carpetes, baterias, entre outros]; aproveitamento de matérias-primas não renováveis; aumento da velocidade média nas cidades; ganhos de eficiência no transporte urbano e rodoviário; ganho na qualidade de vida dos habitantes; melhoria do transporte coletivo; estímulo à produção de veículos populares e de caminhões e ônibus; geração de emprego e renda; manutenção/aumento da arrecadação de impostos. (...). [O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC propõe] uma negociação para a renovação da frota [que deve] ocorrer no contexto de uma negociação ‘multipartite’, envolvendo empresas montadoras, autopeças, fornecedores, novos empreendedores para a montagem de centros de reciclagem, Estado (Governo Federal, Governo Estadual e Municípios), Sindicatos de trabalhadores e associações de consumidores, além de outras entidades diretamente envolvidas no tema. Nesta negociação, a aquisição de veículos novos, em troca de reciclagem de velhos, seria alcançada por meio de: a) redução do ‘preço líquido de comercialização’ (custo de produção + lucros); b) redução da carga tributária (IPI, ICMS, IPVA), aplicada sobre os veículos populares e caminhões e ônibus; c) abertura de linhas de financiamento com taxas de juros e prazos de pagamento mais favoráveis à compra de veículos novos. Existem diversas alternativas dentro dos pressupostos acima descritos para a aquisição de veículo novo (Zero KM). É preciso escolher aquela que melhor alcance o objetivo da renovação gradual da frota com a preservação da arrecadação, maximização da geração de emprego, incremento da produção, melhoria do transporte coletivo, estabilização dos preços e reciclagem de materiais.”

Registre-se que, no final da década de 1990, mais precisamente entre 1998 e 1999, o Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos foi bastante discutido pelos atores que compõem a cadeia de produção automobilística – com destaque para as participações da Anfavea, Sindipeças, Fenabrave e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, junto com o Governo Federal e o Governo do Estado de São Paulo [à época, conduzido pelo Governador Mário Covas]. A base destas negociações foi a proposta apresentada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e cujos eixos centrais encontram-se no referido estudo de 1998. Na época, o Sindicato – que tinha como então presidente o atual Prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho - propunha um Programa que concedesse estímulos creditícios e fiscais para a troca dos veículos com mais de 15 anos por veículos zero-quilômetro. Os veículos velhos participantes do programa seriam encaminhados para “dar baixa” no Departamento Nacional de Transito e serem sucateados e reciclados (com o reaproveitamento de materiais como vidro, ferro, aço, plásticos, borracha) em centros de reciclagem que deveriam ser constituídos no país. Esse projeto de 1998, no entanto, não teve apoio do Ministério da Fazenda do Governo Fernando Henrique Cardoso. Como as reduções das alíquotas de impostos e das taxas de juros nos financiamentos tinham elevado peso na composição do incentivo, o programa acabou sendo emperrado, apesar do avanço das negociações na cadeia automobilística. Exemplo de um desses progressos foi o interesse, manifestado na época, de empresas como Votorantim e Gerdau em montar os primeiros centros de reciclagem na Região do ABC ou em seu entorno.

Sublinho que o Brasil carece, neste momento, de agendas como esta. O sucesso do programa de renovação da frota de veículos pode abrir espaço para outro programa também necessário, e de grande impacto, que é o da “Renovação do Parque de Máquinas e Equipamentos”, o “Modermaq”. Este programa também vem sendo discutido há algum tempo entre Governo e entidades como Abimaq, Anfavea, Sindipeças, sindicatos dos trabalhadores, entre outras entidades.

Torcemos para que estes programas se tornem realidade e deem uma guinada na pauta de discussões, substituindo campanhas infelizes como a do patinho e do (ilegal) impeachment da Presidente, conduzidas hoje por uma importante entidade representativa da indústria brasileira.


Jefferson José da Conceição. Prof.Dr.em Economia Brasileira da USCS e Diretor do SBCPrev.

*Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, na seção blogs. Data da publicação: 12/1/2016

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A Economia Brasileira em 2015 e os caminhos alternativos para 2016


Jefferson José da Conceição
Roberto Vital Anav

Definitivamente, 2015 não foi bom para a economia brasileira. De janeiro a dezembro, o ambiente econômico piorou gradativamente ao longo do ano. A revisão periódica dos indicadores públicos e privados, quase sempre no sentido da piora destes, somada ao conturbado quadro político nacional, explicam as expectativas pessimistas que se espraiaram entre os agentes econômicos em 2015. Incertezas quanto ao futuro e pessimismo tiveram o efeito de uma fila de pedras de dominó em queda: retração de investimentos, queda da produção, diminuição de consumo, redução de vendas, aumento do desemprego, contração da renda, retração de investimentos... Um círculo vicioso e descendente.

Neste artigo, apresentamos, na primeira parte, alguns dos principais indicadores da economia brasileira, que nos ajudam a traçar um quadro do que foi esse ano que, para usar uma expressão popular, deveria ser esquecido. Em seguida, fazemos algumas considerações sobre como o governo poderia reverter as expectativas também pessimistas para 2016 e iniciar um processo de recuperação de nossa economia. Nessa parte, recorremos a trechos de artigos anteriores de nossa autoria sobre o assunto.

De início cabe deixar claro nossa visão de que a crise econômica vivida em 2015 foi amplificada em grande medida pela crise política, em que pesem eventuais erros cometidos na condução da política econômica recente. E mais: infelizmente, embora derrotado nas urnas em 2014, o discurso da oposição, amplamente propagado à população, com amplo apoio da mídia, quer fazer crer que a crise seria supostamente uma irresponsabilidade das políticas desenvolvimentistas implementadas nos últimos anos (desde o governo Lula) e da corrupção cometida exclusivamente nos governos petistas.

Fatores importantes como o cenário externo de desaceleração, a queda dos preços das commodities, o esgotamento do padrão de crescimento centrado no consumo interno e o excesso de desonerações tributárias, especialmente na forma de incentivos fiscais ao setor privado, são “esquecidos” ou minimizados por esse discurso. Entretanto, governo e economistas ligados ao atual modelo não conseguiram enfrentar os ataques vindos de várias frentes. Mais ainda: o governo, acuado pelo rápido agravamento dos indicadores no final de 2014 e pelo discurso do “cenário caótico”, viu-se na condição de dar resposta à crise por meio de uma política de ajuste fiscal draconiana, que agravou o cenário recessivo. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

a)    Economia internacional

As baixas taxas de crescimento das economias avançadas nos últimos anos são agora acompanhadas de um elemento adicional de dificuldades para o Brasil no período recente: a desaceleração do crescimento da China (cujas taxas de crescimento do PIB caíram de 9% ao ano em média para os atuais 6,5%), com reflexos no fluxo de comércio internacional e na redução dos preços das commodities (produtos primários com preços internacionais, como é o caso da soja e do minério de ferro). A recuperação dos EUA tarda em mostrar robustez, enquanto a Europa, exceto a Alemanha, patina e o mesmo ocorre no Japão. Por fim, nossos parceiros do Mercosul não apresentam desempenho animador. Esse quadro indica a necessidade de, além de apostar nas exportações, também reforçar o mercado interno para sairmos da recessão.

b)      PIB e PIB per capita

No contexto de baixo crescimento das economias dos países avançados, a economia brasileira mostrou um encolhimento proporcionalmente ainda maior. O Produto Interno Bruto (PIB), que é o somatório econômico de toda a produção de bens e serviços realizada no país, deverá apresentar “crescimento negativo” superior a 3% em 2015. É como se toda a massa do “bolo” produzido no Brasil tivesse diminuído em 3% comparado a 2014. Esse resultado é o pior apresentado pelo Brasil nos últimos 25 anos. Em 1990, a queda foi de 4,35%.

Levantamento realizado pela Agência Rating mostra que, para 42 países que já divulgaram o resultado do PIB até o terceiro trimestre do ano, houve um crescimento médio de 3,1%. Portanto, bem acima do desempenho brasileiro. No grupo analisado, países da América do Sul como Peru e Chile tiveram performance também melhor que a nossa: 2,9% e 2,2%, respectivamente.

Como o PIB do Brasil cairá em torno de 3% e a população brasileira crescerá algo próximo de 1% em 2015, o país sofrerá uma queda em seu PIB per capita (por pessoa) superior a 4% no ano.

c) Nível de atividade por setor

Vejamos a retração da atividade por setor.

A indústria de transformação foi o setor a apresentar a maior queda em sua produção. De acordo com os indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no geral a produção industrial cairá em torno de 7,7% em 2015. Entretanto, visto por categoria de uso, a retração apresenta uma variação bastante grande: enquanto a indústria de bens intermediários deverá reduzir algo próximo a 4,5%, a indústria de bens de capital sofrerá retração de 24,2% e a de bens de consumo, queda de 9,5%. Entre os bens de consumo, a indústria de bens de consumo duráveis é a que apresentará maior queda, 17,2%, enquanto a de bens de consumo não duráveis terá diminuição da produção em 7,2%.

Esta recessão vivida pelo setor industrial pode ser medida também por outros indicadores, como o da utilização média da capacidade instalada, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em outubro de 2014, o grau médio de utilização da indústria de transformação brasileira era de 83,2%; um ano depois (outubro de 2015), o grau médio caiu para 77,7%.

A queda acentuada da produção do setor industrial – com especial destaque para as retrações das indústrias de bens de capital e de bens de consumo duráveis, como apontadas acima – é explicada pela forte queda dos investimentos e do consumo de itens de maior valor. Especificamente em relação às inversões, setor público e setor privado literalmente “pisaram no freio”. Além da já mencionada queda da produção de bens de capital em 24,2%, o fenômeno da retração dos investimentos pode ser medido também pela queda das importações de bens de capital, em 18,5%, e pela retração da produção de insumos para a construção civil, em 12,3%.

Como o setor de serviços é fortemente dependente do nível de renda, também viveu retração em 2015. Até outubro, o IBGE calculava uma queda de 2,5% no nível de atividade deste setor. Especialistas estimam que, no ano como um todo, os serviços deverão cair em mais de 3,5%.  E isto em praticamente todos os segmentos que o compõem: serviços profissionais, administrativos, complementares, entre outros.

Dos três setores de atividade (indústria, serviços e agropecuária), a agropecuária é a única que apresentará crescimento em 2015. De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), a agropecuária deverá crescer 2,4% em 2015, em grande parte devido ao aumento do faturamento da pecuária. Também foram importantes as exportações do agronegócio, favorecidas pela desvalorização do real. As exportações de soja, milho e produtos florestais subiram em até 16%. Entretanto, o agronegócio continua a enfrentar a queda dos preços internacionais das commodities. Conforme informações veiculadas pela CNA, entre as dezessete culturas acompanhadas pela entidade, aumentaram o faturamento em 2015: cebola (116%), batata (16%), laranja (9%), café (4%), cana-de-açúcar (1%) e fumo (1%). Conforme a entidade, apenas café e batata aumentaram seu faturamento como resultado da elevação da cotação (respectivamente, 7% e 19%).

d) Exportações, importações e saldo da balança comercial

A retração da atividade no Brasil não foi ainda pior porque o setor externo ajudou a reduzir o impacto negativo sobre estas variáveis. Este foi um dos efeitos benéficos da expressiva desvalorização cambial em 2015.

A taxa R$/US$, que era de 2,6556 em janeiro de 2014, fechou o ano em 3,9017. Considerando-se junho de 1994 como índice 100, a taxa de câmbio real passou do índice de 96,7 em dezembro de 2014 para 121,1 em novembro de 2015. Por conseguinte, houve uma desvalorização efetiva de 24,4%.  Em tese, uma desvalorização desta natureza contribui para estimular as exportações e desestimular as importações.

No caso brasileiro, em 2015, o impacto positivo da desvalorização se deu, em realidade, na geração de saldo positivo na balança comercial brasileira (diferença entre exportações e importações), da ordem de US$ 19,7 bilhões (no acumulado do ano), contra um déficit de US$ 4,0 bilhões em 2014. Isso significa que houve um “deslocamento” de parte das importações pela produção nacional. O superávit de 2015 foi o maior desde 2011.

Entretanto, em termos de valores brutos, tanto as exportações quanto as importações caíram. A média diária das exportações foi de US$ 764,5 milhões, 14,1% abaixo da média diária registrada no ano anterior (US$ 889,7 milhões). Já a média diária das importações foi de US$ 685,8 milhões, desempenho 24,3% menor que o registrado em 2014 (US$ 905,7 milhões, em média, por dia útil).Esses números corroboram a retração do mercado externo para as commodities brasileiras, que avançaram 10% em quantidade, mas perderam 22% nos preços internacionais. Ao mesmo tempo, eles indicam a recessão e o encarecimento do dólar como fatores de queda das importações.

à A melhora dos saldos comerciais do Brasil, graças à desvalorização cambial, pode ser um dos eixos de recuperação econômica. Entretanto, esses saldos comerciais não têm a mesma solidez da década passada, em virtude da redução das importações chinesas e da fraqueza econômica de outros nossos importantes parceiros comerciais.

e) Emprego

A retração da atividade econômica, gerada pela redução dos investimentos, produção e consumo, refletiu-se na piora dos indicadores de emprego. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, o índice de nível de emprego formal no Brasil, em 2015, mostrou piora no total em cerca de 1,86%. Apenas o setor de serviços apresentou pequena expansão, com taxa positiva de 0,21%. Os setores de construção civil (-10,41%) e indústria de transformação (-4,68%) foram os que apresentaram maiores queda do nível de emprego formal. O comércio teve retração do nível de emprego em 0,28%.

A taxa de desemprego é outro indicador preocupante. A taxa de desemprego aberto, medida pelo IBGE em seis regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador) passou de 4,3% em média em dezembro de 2014 para 7,5% em novembro de 2015 (sendo 12,% em Salvador; 10,8% no Recife; 7,4% em São Paulo; 6,7% em Porto Alegre; 6,1% em Belo Horizonte; e 5,9% no Rio de Janeiro).

f) Inflação

Além do nível de atividade em recessão, a economia brasileira voltou a conviver, em 2015, com inflação anual acumulada superior a dois dígitos. Em 2015, o IPCA deverá registrar aproximadamente 10,7% de janeiro a dezembro. O acumulado da inflação não superava os dois dígitos desde 2002, quando o índice atingiu 12,53%. Em 2015, a alta expressiva de preços foi puxada pelos preços administrados (energia, água, telefone, combustível, tarifa de ônibus) e pelos serviços em geral.

O Brasil adota o sistema de metas de inflação. No início de 2015, o Banco Central almejava alcançar uma meta de 4,5% de inflação anual, com intervalo de tolerância de 2% para mais ou para menos. Portanto, para a autoridade monetária seria aceitável uma inflação em 2015 entre 2,5% e 6,5%. A provável taxa de 10,7% ao ano representará uma superação do teto da meta pela primeira vez desde 2003. Isso significa que, pelo mecanismo de funcionamento atual do sistema de metas, e mantendo-se a meta de 4,5% em 2016, o Banco Central deverá prosseguir com uma política monetária restritiva, baseada em juros altos e controle do crédito.

g) Consumo das famílias

Que efeitos imediatos esse quadro econômico negativo, de retração da atividade econômica e aumento dos preços, teve sobre as famílias?

O primeiro deles foi a retração do consumo. De acordo com o IBGE, o consumo das famílias, de janeiro a setembro, reduziu em 3%. Até mesmo as vendas dos supermercados tiveram retração de 1,6% no ano, tomando como base os dados da Abras, Fecom-RJ e Fecom-MG.

Infelizmente, porém, o empobrecimento das famílias é ainda maior que a queda do PIB per capita (por pessoa) porque os entes das esferas governamentais (união, estados e municípios), diante da crise fiscal, passam a buscar parcelas ainda maiores do PIB, na forma do aumento da carga tributária.

Registre-se ainda a redução na poupança e o crescimento do endividamento e da inadimplência das famílias. No Brasil, informações do Banco Central apontam que em setembro de 2015 o percentual de cheques devolvidos por insuficiência de fundos / cheques compensados foi de 7,2%, contra 5,9% em setembro de 2014 . Ressalve-se que este indicador de 7,2% é médio. O percentual é mais elevado em regiões como o Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

h) Finanças públicas

O primeiro indicador importante é o resultado primário, que representa a economia de recursos arrecadados pelo governo para pagar o serviço da dívida pública. Considerando o setor público consolidado, isto é, a União, os estados e os municípios, o resultado primário acumulado no ano foi deficitário em R$20 bilhões até outubro de 2015, ante déficit de R$11,6 bilhões no mesmo período de 2014. No acumulado em doze meses (nov/2014 a out/2015), registrou-se déficit primário de R$40,9 bilhões (0,71% do PIB), comparativamente a déficit de R$25,7 bilhões (0,45% do PIB) em setembro.

No acumulado no ano, os juros nominais alcançaram R$426,2 bilhões, comparativamente a R$230,7 bilhões no mesmo período do ano anterior. Essa elevação está relacionada à elevação da taxa Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Essa taxa é a que o governo paga aos detentores de títulos da dívida pública. Em doze meses, os juros nominais (isto é, sem considerar a inflação) atingiram R$506,9 bilhões (8,79% do PIB). O aumento da taxa Selic é a principal – na verdade, quase a única – medida de combate à inflação em uso pelo governo. Dessa forma, são transferidos recursos vultosos do orçamento público, financiado por todos os contribuintes de impostos (pessoas físicas e jurídicas), aos possuidores de títulos públicos, que constituem uma camada restrita da sociedade, parte deles no exterior.

O volume dos juros tem excedido a reserva de recursos para o seu pagamento, por meio do superávit primário. Assim, parte dos juros é capitalizada, isto é, transforma-se em nova dívida. Isso pode ser observado no desempenho do resultado nominal, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados. Em 2015, até outubro, o déficit nominal totalizou R$446,2 bilhões, comparativamente ao déficit de R$242,2 bilhões no mesmo período de 2014. No acumulado em doze meses, o resultado nominal registrou déficit de R$547,9 bilhões (9,50% do PIB) (informações extraídas do site do Banco Central).

Vale ressaltar que até novembro, em termos reais (isto é, descontada a inflação), a arrecadação total do governo federal, tomada isoladamente, registrou redução de 6,6%, explicada principalmente pela evolução dos indicadores macroeconômicos relevantes para arrecadação de tributos, desonerações tributárias, compensações tributárias e queda na receita de dividendos. As despesas totais no acumulado do ano em termos reais apresentaram redução de 3,4%, especialmente as despesas de custeio e capital (informações extraídas do site do Tesouro Federal). A queda da arrecadação expressa claramente o impacto da recessão. Por sua vez, as despesas, mesmo sofrendo também os efeitos da economia em queda, são mais rígidas, em virtude dos gastos obrigatórios do governo, determinados por lei, e pelos compromissos do governo com políticas sociais como o aumento real do salário mínimo e o Programa Bolsa Família.

Como resultado dessa trajetória das receitas e despesas, a dívida pública tem sofrido uma piora, embora não atinja as proporções dramáticas que alguns anunciadores de catástrofes têm alardeado. A dívida líquida do setor público (DLSP) alcançou R$1.972,5 bilhões em outubro, o que representa 34,2% do PIB – taxa muito inferior à de muitos países desenvolvidos e muitos países de renda intermediária, mesma classificação do Brasil.

No ano, a relação DLSP/PIB, que relaciona a dívida com a riqueza produzida, elevou-se 0,1 ponto percentual (p.p.), o que é uma notícia negativa, mas de pequena expressão. Ela foi influenciada pela incorporação de juros (+7,4 p.p.), isto é, a parcela de juros não paga e capitalizada (somada à dívida pré-existente); pelo déficit primário (+0,3 p.p.); pelo impacto da desvalorização cambial acumulada de 45,3% no período (-6,4 p.p.) – em vista do fato de parte da dívida pública ser externa; pelo efeito do decréscimo do PIB nominal (-1,5 p.p.); e por um fator residual. (informações extraídas do site do Banco Central).

Caberá ao governo, agora que alterou o comando da economia, definir uma estratégia que, ao mesmo tempo, melhore o resultado das contas públicas, preserve os programas sociais essenciais e permita criar condições para o investimento público. O consumo e o investimento, combinados com uma gestão fiscal prudente e eficaz, têm maior capacidade de ajustar as finanças públicas em um círculo virtuoso, do que o uso intensivo da recessão como instrumento de ajuste, que leva a atividade econômica, o emprego e as expectativas sociais a percorrer uma espiral descendente. Para que essa estratégia seja bem-sucedida, é necessário produzir uma reversão das expectativas negativas da sociedade, para a qual contribuíram tanto o catastrofismo da mídia, quanto as conspirações golpistas e sua propaganda nas redes sociais. Grupos econômicos que seriam favorecidos pelas políticas mais recessivas, ou que esperam tirar mais proveito se os derrotados de ontem assumirem o poder por meio do “golpe paraguaio” --cuja tentativa arrefeceu, mas não morreu –, estiveram por trás de algumas das manobras e manifestações nesse sentido. Evidentemente, parte do desempenho negativo tem suas próprias razões, explicadas aqui sinteticamente, mas os fatores mencionados acima amplificaram muito o seu impacto.

 

i) Reservas cambiais

 

O Brasil teve seu crescimento recente assentado, em parte, na exportação de commodities, que permitiram uma inédita folga na posição cambial do país, com reservas em moeda forte superiores a US$ 360 bilhões em 2014. Essas reservas cobrem toda a dívida externa brasileira e ainda dão uma folga, estimada pelo Banco Central em US$ 46,8 bilhões em setembro de 2015. Essa folga já foi maior: ao final de 2014, era de US$ 94,4 bilhões.

 

O país continua em situação “tranquila” neste aspecto, mas os números mostram uma piora. A valorização do real em relação ao dólar, ocorrida até 2013, prejudicou nossas exportações e fez aumentarem as importações, causando dificuldades tanto às empresas exportadoras, quanto àquelas voltadas ao mercado interno, assediadas por importações mais baratas. O cenário mudou em 2014, desde que o dólar voltou a se valorizar. Em consequência, como já dito, o saldo do comércio exterior melhorou no ano que se encerra, apesar das condições mundiais desfavoráveis.

 

j) Crise política, Operação Lava-Jato e crise econômica

Não é objetivo deste artigo tratar da crise política. Aqui cabe apenas registrar que ela foi, sem dúvida, fator importante no agravamento da crise econômica. Entre outros motivos, porque ficou bem clara, ao longo de todo o ano, a grande dificuldade do governo em aprovar qualquer projeto seu no Congresso Nacional, no atual quadro de correlação de forças. Uma visão rápida do ano mostra o seguinte: a derrota do candidato do governo (Arlindo Chinaglia, PT-SP) para o candidato Eduardo Cunha (PMDB-RJ) nas eleições à Presidência da Câmara; a derrota do governo na votação do Projeto de Lei da Terceirização (PL nº 4330/04), com a não inclusão por Eduardo Cunha das propostas apresentadas pelo Palácio do Planalto; a retomada da “PEC da Bengala” e a extensão da nova regra da idade mínima da aposentadoria do Judiciário para todos os servidores; a derrota na votação da maioridade penal, após manobra do presidente da Câmara Eduardo Cunha (que, após perder a votação, colocou o projeto em votação novamente no dia seguinte); a derrota do governo no PL nº 5069, de autoria de Eduardo Cunha, que dificulta o aborto após estupro; a abertura de processo de impeachment da Presidenta Dilma. É como se, em 2015, o país vivesse uma espécie de “terceiro turno”, após o acirrado segundo turno ocorrido nas eleições para a Presidência da República, em 2014.

Esse quadro de embate entre governo e frações importantes do Congresso Nacional, inclusive com membros que supostamente fariam parte de sua base aliada, somou-se ao bombardeio de informações quase diárias provenientes da Operação Lava-Jato da Polícia Federal, com divulgação e investigação de lista de políticos suspeitos de envolvimento com esquema de corrupção na Petrobras. Evidentemente, a crise política no Congresso e a crise gerada pelas consequências da Lava-Jato se mesclaram profundamente. O próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é um dos suspeitos de ser beneficiário de esquema de corrupção na Petrobras e o Conselho de Ética da Câmara discute a cassação de seu mandato de deputado.

Sem entrar no mérito da Operação Lava-Jato, o fato é que ela também contribuiu para aprofundar a crise econômica. Grandes empreiteiras do país tiveram membros da sua mais alta direção investigados, e alguns presos. Além da escassez de recursos, muitas obras públicas em andamento ou em processo de tramitação no país foram paralisadas, diante deste quadro de incertezas. Em dezembro, a Presidenta Dilma editou medida provisória para acelerar acordos de leniência com empresas investigadas em casos de corrupção. 

Neste ambiente de conflito acirrado entre Executivo e Legislativo e de permanente fluxo de novas informações da Lava-Jato, o governo enfrentou grandes dificuldades de tramitação, no Congresso, de sua proposta de ajuste fiscal. Na prática, as principais medidas tiveram suas decisões adiadas para 2016, tais como a da reintrodução da CPMF; dos novos impostos sobre bebidas, produtos de informática e venda de imóveis; a prorrogação e ampliação das Desvinculações sobre Receitas da União (DRU); as novas regras para pagamento de cobrança de débitos tributários, entre outras.

Vale registrar também que, fora do Congresso, o forte ajuste fiscal proposto pelo governo sofreu, evidentemente, críticas dos diversos setores da sociedade brasileira, mas as motivações foram distintas. Entidades como a CUT criticam o formato recessivo do ajuste e defendem a necessidade de uma reforma tributária que leve a maior justiça social. Por outro lado, o sistema Fiesp-Ciesp e outras entidades patronais, com campanhas como “Eu não vou pagar o pato”, centram suas críticas exclusivamente sobre a carga tributária, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, pedem maiores investimentos públicos em infraestrutura. Esse tipo de visão elitista sobre a questão tributária levou, por exemplo, a Fiesp a posicionar-se contra a inédita e avançada política do IPTU Progressivo defendida pelo Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2013.

Outra consequência importante da combinação explosiva da crise política com a crise econômica foi o rebaixamento da nota do Brasil pelas principais agências internacionais de avaliação de risco de investimentos estrangeiros nos países. Em setembro, a Standard and Poors  (S&P), uma das três grandes (as outras duas são a Fitch Rating e a Moody’s), anunciou que a nota do Brasil cairia de “BBB-” para “BB+”, com viés negativo. O fundamental é que a nota dessas agências é uma espécie de “selo” que garante ao País em questão a qualidade de bom pagador de seus débitos. Em outras palavras, a nota orienta os investidores internacionais em seus investimentos no exterior. Quanto melhor a nota, menor o risco de calote no pagamento dos títulos adquiridos em cada país.

Se a nota do país é rebaixada, alguns fundos internacionais não podem, pelas leis e regulamentos dos países dos investidores, aplicar dinheiro nos títulos do país em questão. É possível também uma espécie de “fuga” de investimentos já aplicados no país. Menos entradas e maiores saídas de capitais significam também pressões permanentes sobre o preço do dólar, que deve permanecer em patamares altos no próximo período. É o que acontece com o Brasil neste momento.

No rebaixamento da nota do Brasil, a S&P alegou a grande dificuldade do governo em aprovar proposta consistente de orçamento no Congresso, capaz de, em última instância, garantir o equilíbrio das contas públicas (e, por esta via, o compromisso com o pagamento dos títulos públicos). 

O Brasil havia adquirido uma nota alta (“Grau de investimento”) pela S&P e Fitch Rating em 2008, e pela Moody’s em 2009.

Caminhos alternativos para 2016

As consultorias financeiras costumam divulgar regularmente os seus cenários e as suas projeções econômicas. Há certa homogeneidade em relação às perspectivas para 2016. Em grandes números, projeta-se: uma retração do PIB do Brasil entre 2,5% e 3%; inflação (IPCA) em torno de 7%; taxa de juros Selic, entre 12% e 16,5%; taxa de câmbio (R$/US), entre 4,2 e 4,4; exportações anuais subindo para US$ 209 bilhões; importações mantendo-se em torno do mesmo patamar de 2015 (US$ 170,0 bilhões); aumento do saldo da balança comercial, para US$ 36 bilhões (contra os US$ 19,7 bilhões de 2015); resultado primário do governo negativo em 0,9% (contra -2,1 % em 2015); dívida líquida do setor público passando a 36,2% do PIB (contra 33,7% em 2015). Por conseguinte, trata-se de um cenário ainda recessivo para a economia brasileira.

Mas não nos consideramos neutros nesta história. Somos todos atores políticos participantes de um processo histórico. Nesse sentido, ousamos apresentar alguns caminhos alternativos que poderiam ser trilhados com o objetivo de recolocar o Brasil na rota do desenvolvimento. Para isso, sintetizamos o diagnóstico da última década e apontamos saídas viáveis.

No Brasil de hoje, o avanço dos direitos sociais desde a "Constituição cidadã" de 1988 e mais ainda as conquistas sociais nos últimos doze anos (2003-2015) não eliminaram a necessidade de prosseguir a luta pela inclusão social. Esses avanços e conquistas do período recente trouxeram ao primeiro plano as demandas de segmentos desde sempre marginalizados, massacrados ou discriminados: negros, mulheres, minorias sexuais, povos indígenas. O Brasil precisa retomar o desenvolvimento, readquirido nas gestões do presidente Lula (2003-2010), após o longo domínio de políticas neoliberais do período FHC (1995-2002). Isso somente ocorrerá se a presidenta Dilma recolocar na ordem do dia uma agenda positiva de crescimento, que traga o otimismo e unidade mínima entre as várias frações da sociedade brasileira.

O período que vai de 2003 a 2014 teve o PT como partido principal na condução da economia do país. Não é objeto deste artigo tratar dos erros cometidos nesse processo. O objetivo é destacar que houve de fato um processo de inclusão das camadas mais pobres, por meio de programas como a política de valorização do salário mínimo, o Programa Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a construção de um milhão de cisternas no Nordeste, o Prouni, a ampliação do Fies e a utilização do Enem nas universidades públicas, entre outros. Associado à vigorosa expansão do emprego (em contraste com os 20 anos anteriores) e também à forte ampliação da rede de escolas técnicas federais e universidades públicas, essas políticas geraram um grande mercado consumidor interno, redução da pobreza, ampliação das oportunidades sócio-profissionais e queda na desigualdade. Expressão maior desse processo foi a exclusão do Brasil do Mapa da Fome no Mundo em 2014, motivo de orgulho para todos os brasileiros.

O crescimento econômico, a expansão dos negócios e a geração de lucros em geral foram decisivos para reduzir as críticas da elite brasileira a essas políticas de inclusão social das camadas mais pobres. No entanto, quando, nos últimos dois anos, o país passou a enfrentar reduções na taxa de crescimento e, mais recentemente, taxas negativas do PIB, as críticas voltaram com força. A insatisfação das elites com as políticas de inclusão está estampada nas manifestações e nas redes sociais, bem como nos veículos de comunicação controlados pelo oligopólio da mídia, sempre hostil àquelas políticas e aos governantes que as implantaram.

Na atualidade, a elite empresarial não é homogênea. Parte dela valoriza os avanços sociais e compreende a insustentabilidade de uma sociedade em que o fosso entre ricos e pobres se amplia, como era o Brasil até 2002, com raras exceções em sua história. Uma parcela ainda expressiva desse segmento social não simpatiza com os avanços, mas não expressa diretamente seus preconceitos. Uma minoria se exprime por meio de falsa indignação moral – falsa porque é seletiva e porque poupa notórios corruptos e atos de corrupção de políticos não pertencentes ao PT – ou por meio do financiamento a grupos agressivos, defensores de golpes institucionais ou militares, como faz o principal integrante brasileiro da lista de bilionários da revista Forbes.

Assim, as manifestações mais explícitas de inconformismo com a ascensão social dos pobres acabam ficando por conta de membros da elite mais em evidência por suas posições de prestígio no meio acadêmico, artístico ou jornalístico. Três exemplos: a comparação pejorativa entre aeroporto e rodoviária por uma diretora da PUC-RJ, endossada por outros colegas de docência; a reclamação de colunista de tradicional jornal paulista sobre a “perda da graça” de viajar a Nova York ou Paris, dada a possibilidade de se encontrar com o porteiro de seu prédio; ou recente postagem de conhecido autor de novelas globais contra a nova classe média motorizada da era Lula.

É possível concluir, a partir de breves observações sobre o comportamento da elite brasileira, que:

• o crescimento é condição essencial para a realização de políticas que visem reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil;

• é importante institucionalizar (muitas vezes isto significa transformar em lei) as conquistas sociais alcançadas, com vistas à colocação de travas a eventuais retrocessos em função da conjuntura econômica ou de mudanças na composição política dos governos;

• é essencial resgatar e rememorar com frequência as transformações recentes, especialmente para os mais jovens, que não vivenciaram os períodos de desemprego em massa e elevada exclusão social e inclusive acadêmica, estimulando a valorização dessas conquistas pela sociedade, para além de preferências partidárias;

• é premente a necessidade de evitar retrocessos sociais em função de ajustes econômicos.

Posto isso, cabe tecer agora algumas possibilidades para a retomada do crescimento do setor industrial, especialmente porque, como vimos, este foi o setor mais atingido pela crise de 2015.

Em uma conjuntura em que a política econômica considera como “dada” a necessidade premente da elevação de tributos, manutenção de juros altos, elevação das tarifas públicas e redução dos investimentos públicos, há um estreitamento das políticas possíveis. Salvo no caso em que explicitamente se pretenda utilizar a política industrial como instrumento “anticíclico” de combate à recessão e de retomada do crescimento, esta política tem dificuldades de conviver com uma economia desaquecida e em processo de ajuste fiscal.

Não é nossa intenção entrar no debate sobre o ajuste fiscal. Temos, sim, ponderações quanto ao tamanho e forma do ajuste em curso. Este artigo é escrito em momento de mudança no comando da economia, em que o novo titular da Fazenda reafirma a necessidade do ajuste, mas, por outro lado, é visto como adepto do desenvolvimentismo e mais afinado com as ideias da Presidenta Dilma. Consideramos pragmaticamente que as linhas gerais do ajuste serão mantidas, mas poderá haver certa flexibilidade para evitar o aprofundamento da recessão e o sacrifício das políticas sociais mais estruturantes. Acreditamos que, ainda assim, isso não significa que não se pode fazer nada em termos de política industrial. Entendemos que, neste cenário, a Política Industrial deve buscar o “diálogo” com a política econômica, que é a do ajuste fiscal.

Assim, um dos itens prioritários deveria ser aprofundar ao extremo a estratégia de incremento das exportações e de substituição de importações (nacionalização de produtos completos, componentes e partes), tendo em conta que a melhoria do balanço de pagamentos também é uma das prioridades atuais do governo.

A desvalorização do câmbio certamente é uma dos instrumentos mais importantes para atingir estes objetivos em relação ao comércio exterior. Mas não é o único. A ousadia de inovar é bem vinda nesta área. Entendemos que a adoção da experiência do câmbio múltiplo deveria ser testada. O Brasil já viveu, com relativo sucesso, esta experiência na década de 1950.

O câmbio múltiplo estabelece valores distintos para a compra do dólar de acordo com a essencialidade do produto e as metas a serem atingidas. Ele permite uma utilização mais “cirúrgica” do câmbio como ferramenta de política industrial.

Retomar, sob a coordenação do governo, as câmaras setoriais (com a participação de entidades representativas de empresários, de trabalhadores e de outras instituições, como as universidades e centros de pesquisa), para discutir esta estratégia de aprofundamento do comércio exterior brasileiro, faz parte do também do conjunto de medidas da política industrial em tempos de crise. Discutir com profundidade as ações em ambas as direções (incremento de exportações e substituição de importações) pode gerar uma profícua e duradoura pauta de competitividade nacional dialogada entre os atores envolvidos.

É preciso ousar também no campo tributário. Uma possibilidade – já mencionada em artigo anterior de nossa autoria – é “abrir” o leque dos impostos indiretos, de forma que os produtos e serviços consumidos pelas camadas sociais mais ricas da população sejam mais taxados, ao passo que os produtos e serviços da população de menor renda tenham suas alíquotas mantidas baixas ou até mesmo reduzidas.

É essencial realizar estudos que analisem, setor a setor, essa possibilidade. Sabe-se que os produtos e serviços das camadas mais ricas são menos sensíveis ao aumento de impostos. Assim, por exemplo, poder-se-ia estudar a viabilidade de, no segmento automobilístico, aumentar a tributação dos veículos mais luxuosos, ao passo que se manteriam ou até mesmo se reduziriam as alíquotas tributárias sobre os veículos mais básicos. Caberia investigar os efeitos de uma política desse tipo sobre a arrecadação. O sucesso de uma ação dessa natureza, nesse e em outros setores, poderia ser importante para a retomada da produção e do emprego, sem que isso representasse uma política contraditória com o ajuste fiscal.


Diante do agravamento da crise e da elevação da taxa de desemprego, a política industrial deve também ter como meta a manutenção e geração de empregos. Assim, além de apoiar a adoção de programas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) antes de qualquer demissão massiva, a política industrial deve cobrar que as empresas beneficiárias se comprometam com a preservação e ampliação de empregos.

As políticas de crédito das instituições financeiras públicas (como o BNDES) devem estar associadas à fixação de metas de emprego por parte das empresas beneficiárias dos financiamentos.

Ainda visando a geração de postos de trabalho, o governo poderia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando, por tempo determinado, a lei de licitações (lei nº 8666) de modo a constituir um percentual mínimo obrigatório de compras governamentais destinado às empresas instaladas no país, sejam nacionais ou estrangeiras. Trata-se de uma margem de preferência, com tempo determinado, para a produção nacional.

Por fim, um dos pontos estruturais de “estrangulamento” da economia brasileira reside na dissociação entre instituições financeiras privadas e crédito ao setor industrial. A expansão dos lucros dos bancos não pode se dar “descolada” do fortalecimento da indústria. Não cabe apenas ao BNDES apoiar o setor industrial. Esta também deve ser uma tarefa obrigatória dos bancos comerciais privados. É fundamental estabelecer as regras do crédito dirigido para apoio ao setor industrial.

As diretrizes de políticas apontadas brevemente neste artigo não resolverão sozinhas os graves problemas atuais da economia brasileira. Elas podem, no entanto, ajudar a criar um horizonte de saída para a crise sem afetar a estratégia austera da atual política econômica. E permitem abrir o debate sobre um conjunto mais robusto de medidas que combinem o ajuste fiscal e a retomada do crescimento. Para tanto, é essencial uma flexibilidade da equipe que conduz a política econômica, o que torna auspiciosa a indicação do ministro Nelson Barbosa, que já se mostrou cioso da responsabilidade fiscal, sem se deixar escravizar aos férreos princípios de uma ortodoxia monetarista.

Como evidenciado ao longo de todo o artigo (e dos anteriores de nossa autoria) não comungamos com a tese ortodoxa de que o “inferno” (recessão e desemprego) é o único caminho para o “céu” (desenvolvimento e melhoria das condições sociais). Preferimos a flexibilidade econômica, com balanceamento adequado do ajuste das contas públicas e da preservação do mínimo indispensável de crescimento e de políticas sociais, evitando a piora do quadro social. Ao contrário do discurso neoliberal, este caminho por nós defendido, além de menos perverso, é também o mais rápido para o crescimento, graças à manutenção do potencial interno de consumo como base para a retomada da atividade econômica e dos empregos, ainda mais em vista das limitações do mercado externo neste momento. E, mesmo muito tardio, é bem vindo o estudo do FMI citado, cujos autores sugerem que, em vez de concentrar esforços em medidas de austeridade, cujos efeitos prejudicam os setores mais vulneráveis da sociedade, o caminho para o mundo voltar a crescer estaria nas mãos dos pobres e da classe média, cuja privação da capacidade de consumirem afeta o consumo, o que resulta em um baixo crescimento econômico.

Adotado esse caminho, assim que retomado o crescimento, será necessário prosseguir nos avanços sociais e na redução das desigualdades, tendo em vista que o passivo social acumulado ao longo de cinco séculos apenas começou a ser enfrentado. Ainda temos um longo caminho a percorrer nessa direção.

Referências:
CONCEIÇÃO, Jefferson José da; ANAV, Roberto Vital. “JK e o exemplo de como virar a página”. ABCDMaior, 26/10/2015. Disponível em:http://www.abcdmaior.com.br/materias/blogs/jk-e-o-exemplo-de-como-virar-a-pagina

______.;______. “O combate dos de cima quando os de baixo, por direito, sobem”. ABCDMaior, 3/11/2015. Disponível em:http://www.abcdmaior.com.br/materias/blogs/o-combate-dos-de-cima-quando-os-de-baixo-por-direito-sobem

CONCEIÇÃO, Jefferson José da. “Propostas para uma política industrial em tempos de crise”. ABCDMaior, 10/11/2015. Disponível em:http://www.abcdmaior.com.br/materias/blogs/propostas-para-uma-politica-industrial-em-tempos-de-crise

______. “Sete erros capitais da Fiesp com o impeachment”. ABCDMaior, 21/12/2015. Disponível em:http://www.abcdmaior.com.br/materias/blogs/sete-erros-
capitais-da-fiesp-com-o-impeachment  

Jefferson José da Conceição é professor doutor na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (jefersondac@ig.com.br)

Roberto Vital Anav é professor mestre na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e doutorando na UFABC  (rovitan@ig.com.br)

Ambos, juntamente com Nilza de Oliveira e Jeroen Klink, são autores do livro A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo, 2009-2015, lançado em dezembro de 2015 pela Fundação Perseu Abramo, disponível  para Download no site da instituição: http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/A-cidade-desenvolvimentista-ok.pdf .
 
*Artigo publicado na Teoria e Debate, em 7/1/2016.