autor: Jefferson José da Conceição
Com alegria e expectativa, vemos os
meios de comunicação anunciarem que as entidades do setor automotivo (Anfavea,
Sindipeças, Fenabrave, Confederação Nacional dos Transportes, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sindicato
dos Metalúrgicos de SP, representantes de recicladores, empresas de siderurgia
entre outros), juntamente com o Governo Federal (coordenado pelo Ministério do
Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior), realizam negociações visando os
acertos finais para o lançamento do “Programa de Sustentabilidade Veicular”.
Trata-se do nome provável do programa que visa renovar e reciclar a frota
nacional de veículos. Independentemente do nome, torço para que estas
negociações cheguem a um bom termo. O Brasil precisa urgentemente de agendas
positivas, construídas em parceria envolvendo poder público, setor privado,
sindicatos e outras entidades da sociedade brasileira. Certamente esta é uma
dessas agendas, especialmente porque acontece no setor industrial, um dos mais
atingidos pela atual crise econômica. Mais: a possibilidade de efetivação deste
programa, cujas discussões se intensificaram nos últimos três anos, concretizará
um antigo sonho da cadeia automotiva brasileira, da qual este articulista se
orgulha de ter participado.
De acordo com o noticiado na
mídia, o programa ora em negociação criará condições para que o proprietário de
um veículo antigo (que tenha idade de uso acima de um determinado número de
anos) entregue seu veículo em troca de uma carta de crédito com um determinado
valor médio. Este proprietário, da posse da carta de crédito, poderia então dar
entrada em um veículo Zero KM nas concessionárias. A criação de um fundo com
recursos oriundos da própria cadeia automotiva de consumo seria o funding principal desta operação. O
veículo antigo seria enviado a um centro de reciclagem, para desmonte e
reciclagem. Ainda de acordo com o veiculado na imprensa, o programa objetiva
incentivar a retirada de circulação de automóveis com mais de 15 anos de uso,
bem como de caminhões e ônibus com mais de 30 anos. Estima-se que o programa
possa impactar uma produção adicional entre 200 mil e 600 mil veículos por ano.
Segundo estimativas da Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), baseada em ajustes nos
dados do Denatran, a frota de veículos brasileira é hoje de aproximadamente
39,7 milhões de autoveículos (sendo 32,7 milhões de automóveis; 6,3 milhões de
comerciais leves; 2,1 milhões de caminhões e 640 mil ônibus). O Sindipeças
calcula que a idade media dos veículos em circulação no país é de
aproximadamente 8 anos e 8 meses (2014); e que 18% do total de veículos da
frota têm mais de 15 anos de uso. Por
conseguinte, é expressivo o número de veículos que podem ser retirados de
circulação em um programa desta natureza. Mais: a relação habitante por
veículos no Brasil é de 5,1, o que permite prever um forte crescimento da
produção e das vendas internas para os próximos anos. Em outros países, esta
relação é bem menor: EUA, 1,2; Itália, 1,4; Alemanha, Espanha e Japão, 1,7;
Coréia do Sul, 2,6; México e Argentina, 3,3. Alguns dos nossos leitores, com
razão, poderiam perguntar: como reduzir a relação de habitantes por veículo em
um país, como o Brasil, em que as regiões metropolitanas já estão travadas pelo
excesso de transito e de carros em circulação? A resposta está justamente na
melhoria do transporte público e na execução de Programas como o da Renovação e
Reciclagem da Frota, que viabiliza o aumento da produção e vendas sem o
necessário incremento da frota.
A propósito, em artigo de minha
autoria aqui no ABCDMaior, em 30/11/2015, intitulado “Contribuições para a
política automotiva brasileira”, já ciente das negociações em andamento,
afirmei: “a instituição de um ‘Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da
Frota de Veículos’ é projeto estruturante de uma política de médio e longo
prazo para a indústria automotiva no Brasil. Este Programa, que alia a expansão
da produção com a sustentabilidade ambiental e a segurança e eficiência dos
veículos, vem sendo discutido no Brasil desde os anos de 1990. Entretanto, não
se consegue tira-lo ‘do papel’. Diante dessa realidade, parece-nos que é importante
‘começar começando’. Isto quer dizer que, se ainda não temos condições de ter
completa e acabada a arquitetura do Programa como um todo, então devemos
realiza-lo por partes. De modo que uma etapa bem-sucedida (ainda que seja uma
etapa simbólica, pequena) desencadeie a necessidade de se por adiante novas
etapas. A formação de centros recicladores com o apoio do Poder Público e da
Cadeia Automotiva seria um bom início para o Programa”.
De fato, este é um programa que
vem sendo discutido no Brasil há longo tempo.
Neste sentido, vale atentar-se para dois estudos publicados pelo
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, elaborados pela Subseção Dieese do Sindicato.
O primeiro estudo (95 páginas), de novembro de 1998 – de cuja elaboração tive a
felicidade de participar como técnico do Dieese à época - intitula-se “Renovação e Reciclagem da Frota
de Veículos: as propostas dos Metalúrgicos do ABC”. O segundo estudo, mais
específico para o caso de caminhões, denomina-se “O setor de caminhões no
Brasil – as propostas de Renovação da Frota dos Metalúrgicos do ABC”. Ambos os
estudos encontram-se disponíveis em www.smabc.org.br/dieese/publicações.
No estudo de 1998, afirmávamos na
conclusão do trabalho (página 70): “[São] enormes vantagens [de um Programa de]
de renovação da frota. Em grandes linhas, elas são as seguintes: maior
segurança no trânsito; redução do consumo de combustível por veículo;
decréscimo da emissão de poluentes por veículo; reciclagem de materiais [aço,
plásticos, vidros, carpetes, baterias, entre outros]; aproveitamento de
matérias-primas não renováveis; aumento da velocidade média nas cidades; ganhos
de eficiência no transporte urbano e rodoviário; ganho na qualidade de vida dos
habitantes; melhoria do transporte coletivo; estímulo à produção de veículos
populares e de caminhões e ônibus; geração de emprego e renda;
manutenção/aumento da arrecadação de impostos. (...). [O Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC propõe] uma negociação para a renovação da frota [que deve]
ocorrer no contexto de uma negociação ‘multipartite’, envolvendo empresas
montadoras, autopeças, fornecedores, novos empreendedores para a montagem de
centros de reciclagem, Estado (Governo Federal, Governo Estadual e Municípios),
Sindicatos de trabalhadores e associações de consumidores, além de outras
entidades diretamente envolvidas no tema. Nesta negociação, a aquisição de
veículos novos, em troca de reciclagem de velhos, seria alcançada por meio de:
a) redução do ‘preço líquido de comercialização’ (custo de produção + lucros);
b) redução da carga tributária (IPI, ICMS, IPVA), aplicada sobre os veículos
populares e caminhões e ônibus; c) abertura de linhas de financiamento com
taxas de juros e prazos de pagamento mais favoráveis à compra de veículos
novos. Existem diversas alternativas dentro dos pressupostos acima descritos
para a aquisição de veículo novo (Zero KM). É preciso escolher aquela que
melhor alcance o objetivo da renovação gradual da frota com a preservação da
arrecadação, maximização da geração de emprego, incremento da produção,
melhoria do transporte coletivo, estabilização dos preços e reciclagem de
materiais.”
Registre-se que, no final da
década de 1990, mais precisamente entre 1998 e 1999, o Programa Nacional de
Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos foi bastante discutido pelos atores
que compõem a cadeia de produção automobilística – com destaque para as
participações da Anfavea, Sindipeças, Fenabrave e do Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC, junto com o Governo Federal e o Governo do Estado de São Paulo [à época,
conduzido pelo Governador Mário Covas]. A base destas negociações foi a proposta
apresentada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e cujos eixos centrais
encontram-se no referido estudo de 1998. Na época, o Sindicato – que tinha como
então presidente o atual Prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho -
propunha um Programa que concedesse estímulos creditícios e fiscais para a
troca dos veículos com mais de 15 anos por veículos zero-quilômetro. Os
veículos velhos participantes do programa seriam encaminhados para “dar baixa” no
Departamento Nacional de Transito e serem sucateados e reciclados (com o
reaproveitamento de materiais como vidro, ferro, aço, plásticos, borracha) em
centros de reciclagem que deveriam ser constituídos no país. Esse projeto de
1998, no entanto, não teve apoio do Ministério da Fazenda do Governo Fernando
Henrique Cardoso. Como as reduções das alíquotas de impostos e das taxas de
juros nos financiamentos tinham elevado peso na composição do incentivo, o
programa acabou sendo emperrado, apesar do avanço das negociações na cadeia
automobilística. Exemplo de um desses progressos foi o interesse, manifestado
na época, de empresas como Votorantim e Gerdau em montar os primeiros centros
de reciclagem na Região do ABC ou em seu entorno.
Sublinho que o Brasil carece,
neste momento, de agendas como esta. O sucesso do programa de renovação da frota
de veículos pode abrir espaço para outro programa também necessário, e de
grande impacto, que é o da “Renovação do Parque de Máquinas e Equipamentos”, o “Modermaq”.
Este programa também vem sendo discutido há algum tempo entre Governo e
entidades como Abimaq, Anfavea, Sindipeças, sindicatos dos trabalhadores, entre
outras entidades.
Torcemos para que estes programas
se tornem realidade e deem uma guinada na pauta de discussões, substituindo
campanhas infelizes como a do patinho e do (ilegal) impeachment da Presidente,
conduzidas hoje por uma importante entidade representativa da indústria
brasileira.
Jefferson José da Conceição.
Prof.Dr.em Economia Brasileira da USCS e Diretor do SBCPrev.
*Artigo publicado no site www.abcdmaior.com.br, na seção blogs. Data da publicação: 12/1/2016
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