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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

RELAÇÃO GOVERNO-UNIVERSIDADE-EMPRESA: AVANÇO, MAS TAMBÉM GRANDES DESAFIOS


 Jefferson José da Conceição

Em 11/1/2016, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que estabelece o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, que consta do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/2015. O conteúdo do PLC havia sido aprovado por unanimidade no Senado Federal em 9/12/2015. A lei estabelece as novas regras da relação entre universidades (públicas e privadas) e empresas. Entre seus objetivos, está o de garantir maior transparência e segurança jurídica à relação, bem como reduzir a burocracia. Esta notícia é uma das agendas positivas e necessárias para o Brasil na atual conjuntura. Mais: ela foi acompanhada de outra boa nova, que é o lançamento de chamada pública, promovida pelo MCTI e pelo CNPq, que dispõe de R$ 200 milhões para apoiar projetos de pesquisa científica e tecnológica nos próximos dois anos, em qualquer área do conhecimento.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) apoiou a sanção do novo marco legal, embora tenha destacado suas ressalvas. Representantes da entidade criticaram os vetos feitos pela Presidente ao texto. Sublinharam em especial três pontos: a exigência de pagamento de contribuição previdenciária sobre as bolsas concedidas pelas empresas comparativamente à isenção sobre as bolsas oferecidas pelas universidades públicas; o veto às isenções e redução de impostos sobre as matérias primas e insumos para pesquisas adquiridos pelas empresas; o veto à dispensa de licitação para contratação de microempresas (que, na visão da CNI, atingirá o apoio às startups). De outro lado, a Fiesp, cega e ensurdecida por sua campanha pelo impeachment da Presidente Dilma, praticamente ignorou o lançamento do novo marco legal. Não consta sequer referencia ao tema em sua página oficial.

Mesmo com eventuais ponderações que podem ser feitas, o Marco Legal é um avanço. É preciso agora que o texto se traduza efetivamente em ações concretas em prol das empresas, das universidades e do País. Há muito a avançar neste relacionamento tripartite, que, no Brasil, é historicamente marcado pelo distanciamento entre as partes. Poder Público, Universidades e Empresas em nosso país ainda se caracterizam pelo trabalho isolado uns dos outros. Os avanços precisam acontecer em todos os níveis: no âmbito da União, estados e municípios. No quadro atual, há exceções dignas de nota, como é o caso, por exemplo, da “jovem” e inovadora Universidade Federal do ABC, que tem feito um esforço admirável de integração/interação, buscando, desde sua fundação, um intenso diálogo com Gestão Pública e empresas.

Nosso leitor bem poderia nos perguntar: por que é importante desenvolver a relação tripartite Governo-universidade-empresa? De imediato, porque isto levará ao incremento da competitividade nacional, traduzida em projetos e resultados concretos que aumentem a capacidade de competição das empresas brasileiras e seus produtos e serviços no cenário internacional. Uma boa relação entre as três partes permite o fomento ao empreendedorismo e incentiva a inovação. No cotidiano, a união de esforços favorece que o professor possa atuar mais tempo nas empresas. Por sua vez, o empresário pode dialogar e desenvolver seus interesses e projetos com o apoio da comunidade acadêmica. Outro resultado frequente desta interação é a transferência da universidade para a empresa da preocupação com a geração e aplicação de novos conhecimentos, com a agregação de valor. Por outro lado, as demandas e os desafios concretos do chamado “mundo real” das empresas, que muitas vezes precisam de soluções para os seus problemas, tornam-se alvo de reflexões, trabalhos e pesquisas acadêmicas. Tudo isto apoiado e fomentado pelo Poder Público. Portanto, há todo um círculo virtuoso derivado desta aproximação. Este é, ademais, um dos maiores ensinamentos dos países que avançaram para o desenvolvimento nas últimas décadas – a exemplo da Coreia do Sul-, como antes deles fizeram as atuais economias desenvolvidas, desde o final do séc. XIX.

Ainda na condição de Secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo do Campo (2009 a junho 2015), coordenei, em setembro de 2014, conforme orientação do Prefeito Luiz Marinho, importante Missão à Suécia, formada por gestores públicos, representantes das universidades, sindicatos e empresários. Lá, pudemos conhecer em detalhes um dos modelos de relação Governo-universidade-empresa mais bem sucedidos do mundo, que eles denominam de “Tríplice hélice”. Visitamos e dialogamos com gestores públicos, universidades, laboratórios, parques tecnológicos, empresas. Trata-se de experiência ímpar, que relaciona fatores históricos, econômicos, sociais, políticos e culturais. Entretanto, ficou claro que o essencial no modelo consiste em que os principais projetos nacionais em desenvolvimento na Suécia são pensados e planejados, desde o seu início, em conjunto pelas três partes. Ao Governo, cabe dar as grandes diretrizes, regulamentar e apoiar financeiramente os projetos estratégicos. Às universidades e centros de pesquisa, cabe, no seu tempo, formar conhecimento, dar soluções para as questões complexas e desenvolver os projetos. Às empresas, cabe transformar os projetos em negócios e mercados. Este modelo permitiu que a Suécia, de um país agrário no final do século XIX, pulasse para o topo do ranking internacional no campo tecnológico, nas mais diferentes áreas. Voltarei a tratar desta missão que realizamos e dos seus resultados em próximo artigo.

Registro ainda que, em nossa gestão no desenvolvimento econômico de São Bernardo, procuramos implementar uma série de políticas, em âmbito municipal e regional, que trabalharam na perspectiva do modelo de “Tríplice hélice”, ainda que com os devidos ajustes à nossa realidade. Aprovamos uma Lei Municipal de Apoio à Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento. Demos o primeiro passo para a estruturação do Parque Tecnológico de São Bernardo, com a constituição de uma associação formada pela Prefeitura, Universidades, empresas, sindicatos. Organizamos e coordenamos onze Arranjos Produtivos Locais (APLs), respectivamente nos setores de ferramentaria, defesa, gráfica, químico, têxtil, autopeças, economia criativa, panificação, turismo, bares e restaurantes e pesqueiros. Estes APLs tinham a participação das três partes (Governo, universidades e empresas), ampliados com a inclusão dos sindicatos de trabalhadores. Entre os vários pontos da agenda de discussões dos APLS estavam a solução de desafios tecnológicos dos setores e empresas. Incentivamos e apoiamos ainda a Agencia de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC na realização de um Inventário de Oferta Tecnológica da Região do ABC. Vale, por fim, atentar para a estratégia da estruturação de “anel do conhecimento” na cidade e região. Conforme exposto no livro ‘A Cidade Desenvolvimentista’ (que acabamos de lançar pela Editora da Fundação Perseu Abramo*), o anel do conhecimento "consiste na existência de um grande número de instituições de formação profissional e de P&D circundando a cidade; a partir delas, criam-se sinergias para incrementar a competitividade da mão-de-obra e estimular um arco de relacionamentos entre as instituições, as cadeias produtivas e a gestão pública”.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS, Diretor Superintendente do SBCPrev. É o responsável também pelo "Blog do Jeff - reflexões desenvolvimentistas". Acesso: blogjeffdac.blogspot.com. Vários textos escritos pelo autor para o ABCDMaior encontram-se no referido blog.

*Os interessados podem acessar o livro "A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015", clicando em http://novo.fpabramo.org.br/…/A-cidade-desenvolvimentista-o….

**Artigo publicado no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), em 18/1/2016, na coluna blog.

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