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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

FALÊNCIAS: EUA, BRASIL e GRANDE ABC


autores: Jefferson José da Conceição e Sandra Gonsales

Artigo publicado no Diário do Grande ABC, Coluna ABC da Economia,
25/1/2019.

A atual Lei de Falências e Recuperação Judicial no Brasil, Lei nº 11.101/05, teve como inspiração a Lei norte-americana (Bankruptcy Code), por esta última ser considerada dinâmica, ser mais célere e dar maior proteção aos credores.

Entre os objetivos da lei americana está a superação da crise econômica financeira da empresa, a retomada da atividade e a manutenção de empregos da empresa. Nos EUA, a lei busca fazer com que uma empresa em dificuldades financeiras continue funcionando. A lei viabiliza um tempo razoável para que a empresa chegue a um acordo com seus credores. Entre os casos emblemáticos submetidos a esta lei desde 2009 estão o da GM e da Chrysler, do Lehman Brothers (banco de investimentos), das empresas do setor aéreo United Airlines, US Airways, Delta Airlines e Northwest, da WorldCom (comunicações), da Kmart (distribuição) e da Enron (energia).

Apesar da flexibilidade obtida com a recuperação judicial, ainda é baixa a taxa de sucesso de recuperação das empresas no Brasil. Segundo o Ministério da Fazenda, apenas 1% das empresas consegue sair da recuperação, retomando a regularidade dos negócios, sem passar para o estágio da falência. Em trabalho publicado no Observatório da USCS, pesquisamos 67 empresas do Grande ABC em recuperação judicial no período de 2012 a 2018. Destas, 21 empresas tiveram sua falência decretada e apenas 1 foi recuperada.  Nos EUA, a literatura aponta que 30% das empresas seguem em atividade após a recuperação judicial.

Uma das principais diferenças entre as legislações é a figura do devedor possuidor (“debtor in possession”). No Brasil, o devedor e seus administradores se manterão na administração, juntamente com o administrador judicial nomeado pelo juiz. Nos EUA, o administrador judicial participa na administração somente em caso de fraude.

Nos EUA, o plano de recuperação da empresa deve ser submetido à aprovação do Securities and Exchange Commissions (SEC). No Brasil, a elaboração do plano é feita pela própria empresa, não submetendo ao crivo de nenhum órgão regulador. O prazo para a apresentação do plano de recuperação nos EUA é de 120 dias, o dobro permitido pela lei brasileira, de 60 dias.

O “Cram Down” é outro elemento importante da legislação americana. Por ele, é possível uma decisão da corte de falências sem o consentimento dos credores, com a finalidade de que o plano de recuperação seja justo e igualitário para todos os credores, defendendo os direitos das classes dissidentes. Na crise imobiliária americana de 2008, este dispositivo foi bastante utilizado, o que ajudou a evitar que várias residências pudessem ser tomadas de um grande contingente de pessoas, o que agravaria ainda mais a crise naquele momento.

Uma diferença importante entre as legislações dos EUA e do Brasil repousa na abrangência. A lei dos EUA é mais ampla, servindo para todos os tipos de organizações: empresas, municípios e pessoas físicas. Um caso bastante divulgado foi o pedido de falência de Detroit em 2013. No Brasil, somente as pessoas jurídicas podem requerer a recuperação judicial e falência. Bancos, instituições financeiras, planos de saúde e empresas de seguro não podem requerer a recuperação judicial e falência.

A lei brasileira não permite a inclusão de impostos em atraso no processo de recuperação judicial. Estes somente serão renegociados após a aprovação do processo e início do pagamento dos tributos das operações correntes. Atendidas as condições para o parcelamento, este será efetivado com prazo máximo de 84 meses. O prazo para as empresas que não solicitaram recuperação judicial é de 120 meses, condição mais favorável do que a que se aplica àquela que busca a proteção legal para suportar a recuperação do seu negócio.

O fisco na lei americana participa do plano de recuperação. Todas as execuções fiscais são suspensas, como as outras execuções não fiscais. O fisco financia o devedor como os outros credores, parcelando os débitos fiscais e até concedendo descontos.

Para maior eficácia da lei brasileira sugerimos: submeter o plano de recuperação judicial a um órgão capacitado, que examinaria o plano de recuperação e viabilidade econômico-financeira; a participação do fisco na recuperação judicial e a criação de um fundo específico que atenda a demanda por crédito das empresas em recuperação.

O conteúdo desta coluna foi elaborado pelo Coordenador e pela Pesquisadora do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Jefferson José da Conceição e Sandra Gonsales.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Salário mínimo vai a R$ 998 neste ano

Matéria publicada pelo Diário do Grande ABC,  em 2/1/2019, que contem entrevista do Coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS. 

2/01/2019 às 07:26
Salário mínimo vai a R$ 998 neste ano 
Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC

Recém-empossado como presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) assinou decreto, na noite de ontem, com o valor do salário mínimo vigente para 2019: R$ 998. Tradicionalmente, o ato ocorria nos últimos dias do ano, porém, o ex-presidente Michel Temer (MDB) deixou a missão para seu sucessor.
Após dois anos com reajuste abaixo da inflação, o piso do mercado de trabalho volta a receber aumento real. A correção de 4,61% no valor do salário mínimo – de R$ 954 para R$ 998, ganho de R$ 44 – supera a estimativa do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) realizada pelo Banco Central, de 3,5%. O percentual exato da inflação de 2018 será divulgada apenas no dia 11.
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Apesar do aumento, a expectativa era a de que o piso fosse a R$ 1.006, e pela primeira vez na história ultrapassasse a casa dos R$ 1.000. O montante havia sido aprovado pelo Congresso Nacional no dia 19 de dezembro, como parte do Orçamento da União para 2019. Dessa forma, o reajuste seria de 5,45% ou R$ 52.
No Orçamento, o governo havia projetado elevação de 4,20% na inflação, mas a variação acumulada em 12 meses até novembro está em 3,56%. Além disso, será adicionado valor residual de R$ 1,75, porque o INPC em 2017 ficou acima do que foi considerado na definição do mínimo de 2018. No ano passado, a correção de 1,81% (R$ 17), o menor percentual de correção em 24 anos, ou seja, desde o início do Plano Real.
A fórmula que atualiza o salário mínimo é composta pelo PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos atrás mais a inflação medida pelo INPC. Em 2016, porém, a geração de riquezas apresentou queda de 3,6%, a pior recessão da história. Conforme a regra, quando isso ocorre, o PIB é desconsiderado do cálculo. Neste ano, foi somado o crescimento da economia em 2017, de 1%, com a expectativa da inflação.
IMPACTO - Na avaliação do economista e coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição, embora tenha sido concedido aumento acima da inflação, o fato de Bolsonaro não ter aprovado os R$ 1.006 mostra, já no primeiro dia de mandato, a tônica dos próximos quatro anos de governo: reduzir cada vez mais a intervenção do Estado na Economia. E, dentro desta lógica de reduzir despesas e investimentos públicos, a política de valorização do salário mínimo vai deixando de existir. “Com isso, o piso do mercado de trabalho vai deixando de ser referência aos valores pagos por serviços prestados, e quem irá valorizar ou não o salário será o mercado, pagando o quanto ele acha que vale o trabalho realizado”, avalia. “Ao estabelecermos um valor mínimo menor do que o esperado, temos menor quantidade de dinheiro circulando na economia, o que reduz suas chances de expansão. Esta é a âncora do crescimento.”
Para ele, embora a projeção do PIB deste ano seja de alta de 2,5%, ele não acredita que passe de 1,5%.
O impacto dos R$ 8 que deixam de ser pagos, segundo Conceição, é o achatamento, em vez da valorização, dos vencimentos de categorias que têm como referência o salário mínimo, a exemplo de agricultura, comércio, vigilância e limpeza, entre outros.

Ao menos R$ 2,8 bi deixam de girar na economia
Hoje no Brasil, 27 milhões de aposentados e pensionistas recebem o equivalente a um salário mínimo. Conforme cálculos do coordenador do Conjuscs, Jefferson José da Conceição, com a decisão do governo de fixar em R$ 998 o piso do mercado de trabalho, em vez dos R$ 1.006 aprovados pelo Congresso, pelo menos R$ 2,8 bilhões deixarão de circular na economia neste ano.
O governo, por sua vez, projeta que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo gera incremento de cerca de R$ 300 milhões ao ano nas despesas da União.
Ou seja, com o aumento de R$ 44, o impacto neste ano será de cerca de R$ 13,2 bilhões. Caso o montante maior tivesse sido aprovado, a diferença de R$ 55 elevaria o desembolso adicional para R$ 15,6 bilhões, uma diferença de R$ 2,4 bilhões.
“Esse já é um dos indícios do teor da reforma da Previdência, em que o objetivo é cortar gastos a todo custo”, assinala Conceição.
Ele pondera, ainda, que o montante está muito aquém do necessário para se viver com dignidade. “Com o mínimo acima de R$ 1.000 diminuiríamos um pouco a distância entre a realidade do mercado de trabalho e dos benefícios previdenciários. De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), para manter uma casa com dois adultos e duas crianças, conforme valores de novembro, seriam necessários R$ 3.959, mais de quatro vezes acima do piso”, exemplifica.
INTERMITENTE - O economista também alerta para o fato de que Bolsonaro já deixou claro que é favorável à maior informalidade do mercado de trabalho. Com isso, a tendência é que cresçam contratos de emprego intermitente, regulamentado pela reforma trabalhista, nos quais o empregado é contratado para atuar apenas mediante convocação ou demanda e recebe uma remuneração conforme o período pelo qual trabalhou.
Tanto que, no decreto assinado ontem, estão previstos os valores mínimos de R$ 33,27 para a diária de trabalho e de R$ 4,54 para a hora. “A tendência é que, com a popularização desta modalidade, os profissionais recebam até menos do que um salário mínimo”, sentencia.