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terça-feira, 10 de novembro de 2015

PROPOSTAS PARA A POLÍTICA INDUSTRIAL EM TEMPOS DE CRISE

Jefferson José da Conceição

A Política Industrial é aquela pela qual o Estado, por meio dos diversos instrumentos de que dispõe - gastos em infraestrutura, financiamento, incentivos tributários, subsídios sobre os insumos, política de comércio exterior, apoio à P&D, capacitação profissional, entre outros - orienta, incentiva, regula e financia os setores e empresas privadas, bem como as empresas e órgãos públicos, visando a que a expansão da indústria siga em uma determinada direção planejada.

Por sua natureza indutora, ela não é uma política consensual entre os economistas. Os economistas de formação liberal consideram que a melhor política industrial é a “antipolítica industrial”, isto é, aquela em que o Estado atua e interfere o menos possível. O papel de protagonismo e direção seria, neste caso, do “mercado” e de sua “mão invisível”. Não compartilho desta visão. Entendo que a politica industrial é, juntamente com outras, uma forma do Estado apontar ao mercado e à acumulação privada os objetivos conscientes da sociedade.

A política industrial é a concretização do conceito de planejamento no âmbito específico do setor industrial. Por conseguinte, ela pode e deve fomentar a acumulação de capital, ativar os negócios e incrementar os lucros privados, mas isto articulado a um conjunto de objetivos maiores da sociedade, que podem ser diversos: crescimento de determinadas áreas até então menos desenvolvidas, melhoria do balanço de pagamentos, inovação tecnológica, geração de empregos entre outros. Por ser pública, a Política Industrial não deveria refletir apenas a visão de instituições como CNI, Fiesp, Firjan e Fiemg, mas também de sindicatos, universidades, ONGs, entre outras instituições.

Sendo a economia capitalista cíclica e sujeita a diferentes conjunturas econômicas, a Política Industrial enfrenta distintas circunstancias também. Hoje, a indústria brasileira vive momento bastante difícil. No acumulado do ano até setembro, a produção industrial havia caído 7% em média, que é resultado da crise econômica nacional e internacional e do forte ajuste fiscal interno. Isto reduz bastante as margens de possibilidades para a elaboração e execução de uma política industrial, na medida em que esta política é eminentemente associada ao crescimento econômico. Em uma conjuntura em que a política econômica considera como “dada” a necessidade premente da elevação de tributos, manutenção de juros altos, elevação das tarifas públicas e redução dos investimentos públicos há um estreitamento das políticas possíveis. Salvo no caso em que explicitamente se pretende utilizar a política industrial como instrumento “anticíclico” de combate à recessão e de retomada do crescimento, a política industrial tem dificuldades de conviver com uma economia desaquecida e em processo de ajuste fiscal.

Não é minha intenção entrar no debate sobre a questão do ajuste fiscal. Tenho, sim, ponderações quanto ao tamanho e forma do ajuste em curso. Neste artigo, porém, consideramos que neste momento esta política é a que está em curso. Por conseguinte, e pragmaticamente, é com ela que estamos lidando. Queremos mostrar que, ainda assim, isto não significa que não se pode fazer nada em termos de política industrial. Entendemos que, neste cenário, a Política Industrial deve buscar o “diálogo” com a política econômica, que é a do ajuste fiscal. Assim, um dos itens prioritários deveria ser aprofundar ao extremo a estratégia de incremento das exportações e de substituição de importações (nacionalização de produtos completos, componentes e partes), tendo em conta que a melhoria do balanço de pagamentos também é uma das prioridades atuais do governo.

A desvalorização do câmbio certamente é uma dos instrumentos mais importantes para atingir estes objetivos em relação ao comércio exterior. Mas não é o único. A ousadia de inovar é bem vinda nesta área. Entendemos que a adoção da experiência do câmbio múltiplo deveria ser testada. O Brasil já viveu, com relativo sucesso, esta experiência na década de 1950. O câmbio múltiplo estabelece valores distintos para a compra do dólar de acordo com a essencialidade do produto e as metas a serem atingidas. Ele permite uma utilização mais “cirúrgica” do câmbio como ferramenta de política industrial.

Retomar, sob a coordenação do governo, as Câmaras Setoriais (com a participação de entidades representativas de empresários, de trabalhadores e de outras instituições, como as universidades e centros de pesquisa), para discutir esta estratégia de aprofundamento do comércio exterior brasileiro faz parte do também do conjunto de medidas da Política Industrial em tempos de crise. Discutir com profundidade as ações em ambas as direções (incremento de exportações e substituição de importações) pode gerar uma profícua e duradoura pauta de competitividade nacional dialogada entre os atores envolvidos.

É preciso ousar também no campo tributário. Uma possibilidade – já mencionada em artigo anterior de nossa autoria – é “abrir” o leque dos impostos indiretos, de forma que os produtos e serviços consumidos pelas camadas sociais mais ricas da população sejam mais taxados, ao passo que os produtos e serviços da população de menor renda tenham suas alíquotas mantidas baixas ou até mesmo reduzidas. É essencial realizar estudos que analisem, setor a setor, esta possibilidade. Sabe-se que os produtos e serviços das camadas mais ricas são menos sensíveis ao aumento de impostos.

Assim, por exemplo, poder-se-ia estudar a viabilidade de, no segmento automobilístico, aumentar a tributação do veículos mais luxuosos, ao passo que se manteriam ou até mesmo se reduziriam as alíquotas tributárias sobre os veículos mais básicos. Caberia investigar os efeitos de uma política deste tipo sobre a arrecadação. O sucesso de uma ação desta natureza, neste e em outros setores, poderia ser importante para a retomada da produção e do emprego, sem que isto representasse uma política contraditória com o ajuste fiscal.

Diante do agravamento da crise e da elevação da taxa de desemprego, a política industrial deve também ter como meta a questão da manutenção e geração de empregos. Assim, além de apoiar a adoção de programas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) antes de qualquer demissão massiva, a Política Industrial deve forçar as empresas a se comprometerem com a preservação e ampliação de empregos. As políticas de crédito das instituições financeiras (como o BNDES) devem estar associadas com a fixação de metas de emprego por parte das empresas beneficiárias dos recursos governamentais.

Ainda visando a geração de postos de trabalho, o Governo poderia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando, provisoriamente (por tempo determinado), a lei de licitações (lei nº 8666) de modo a constituir um percentual mínimo obrigatório de compras governamentais destinado às empresas internamente instaladas, sejam elas nacionais ou estrangeiras. Trata-se de uma margem de preferência, com tempo determinado, para a produção nacional.

Por fim, um dos pontos estruturais de “estrangulamento” da economia brasileira reside na dissociação entre instituições financeiras privadas e crédito ao setor industrial. A expansão dos lucros dos bancos não pode se dar “descolada” do fortalecimento da indústria. Não cabe apenas ao BNDES apoiar o setor industrial. Esta também deve ser uma tarefa obrigatória dos bancos comerciais privados. É fundamental estabelecer as regras do crédito dirigido de apoio ao setor industrial.

As diretrizes de políticas apontadas brevemente neste artigo não resolverão sozinhas os graves problemas atuais da economia brasileira. Elas podem, isto sim, ajudar a criar um horizonte de saída para a crise sem afetar a estratégia “austera” da atual política econômica. Para isto, entretanto, é essencial uma flexibilidade da equipe que conduz a política econômica, que está hoje presa aos férreos princípios de uma ortodoxia monetarista.

Jefferson José da Conceição é Superintendente do SBCPREV e Prof.Dr. da USCS, responsável pela Disciplina de Economia Brasileira.

 Artigo publicado na coluna "Blogs" do site www.abcdmaior.com.br, em 10/11/2015.

#politicaindustrial#industria

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