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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

DETROIT E A VITÓRIA DE TRUMP


Jefferson José da Conceição

O empresário magnata do ramo imobiliário, David Trump, venceu em estados tradicionalmente democratas. Na reta final das eleições presidenciais americanas, o republicano, que concorreu pela primeira vez a um cargo público, buscou votos entre os indecisos em regiões como a Grande Detroit, com um discurso que buscava dar respostas aos pleitos daquela região por geração de empregos. 

Para as áreas fortemente industrializadas (...), acompanhar o que acontece em Detroit é importante, porque, desde meados do século XX, as transformações que acontecem naquela região metropolitana americana apontam tendências para outras áreas semelhantes em todo o mundo.

Mais adiante neste artigo voltaremos a tratar da vitória de Trump no Estado de Michigan, no qual se localiza Detroit. Antes, façamos uma breve apresentação sobre Detroit e sua evolução no século XX.

Detroit: palco da produção automobilística

Com área de 370 Km2, Detroit é a cidade de maior população do Estado do Michigan. Em 2010, de acordo com o censo, a cidade tinha cerca 701.415 habitantes, e a região metropolitana da Grande Detroit, cerca de 4,5 milhões de moradores. Entre todas as cidades dos EUA, Detroit é a 18ª mais populosa.

O quadrilátero formado por Nova York, Pensilvania, Illinois e Michigan, no nordeste dos EUA, constitui o cinturão industrial americano (manufacturing Belt). Em razão, sobretudo, da abundância de matérias-primas, e da presença de um porto importante, aglomerou-se no interior desse quadrilátero, no século XX, grande parte da indústria mecânica pesada e da indústria fornecedora de insumos básicos (siderurgia, petroquímica).

Situada no estado de Michigan, a região de Detroit (formada por dez pequenas cidades), concentra-se a sede e as maiores fábricas das três grandes empresas automobilísticas do país – GM, Ford e Chrysler. A indústria automobilística é a principal atividade econômica da região. A região é o maior cluster automobilístico mundial. 

O rápido crescimento da produção automobilística americana entre as décadas de 1920 e 1970, associado à constituição de fábricas bastante verticalizadas, atraiu para a região imigrantes de diversos países e grande contingente da população negra do sul dos Estados Unidos. 

Tome-se, por exemplo, o caso da Ford, em Daerborn, chamada de Complexo Industrial Rouge (situa-se na confluência dos rios Rouge e Detroit). Esse complexo fabricava não apenas o automóvel, mas também processava o carvão em fornos próprios, laminava o aço, produzia o vidro e transportava matérias-primas e veículos em locomotivas próprias. Para esse complexo funcionar, a Ford chegou a ter, na década de 1930, cerca de 100 mil empregados, tanto para produção como para apoio (havia inclusive um hospital).

O ambiente econômico e social explica, em grande parte, a força da organização sindical. O United Auto Workers (UAW), sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística, marcou sua história por grandes mobilizações que se traduziram em conquistas, muitas das quais incorporadas aos contratos coletivos de trabalho.

O quadro favorável às conquistas sindicais, entretanto, alterou-se bastante a partir da década de 1980, calamitosa para a região do ponto de vista econômico e social. A concorrência dos carros japoneses, cuja competitividade explicava-se em boa medida pelos novos métodos de produção adotados nas empresas daquele país oriental, levou ao desemprego, ao fechamento de fábricas e à descentralização maciça da produção automobilística para outras áreas do país, com destaque para o sul e o oeste dos Estados Unidos (sobretudo Flórida, Texas e Califórnia) – também chamada de Sun Belt (“cinturão do sol”). 

Assim, em 1970, havia 282 mil empregados na produção de veículos automotivos na região metropolitana de Detroit, ante 206 mil em 1990. O mesmo complexo Rouge, que, na década de 1930 tinha 100 mil empregados, em 2006, contava com cerca de 6 mil empregados apenas. 

Na década de 1980, Detroit perdeu metade da população branca, o que fez com que a cidade se tornasse majoritariamente formada por negros. A maior parte da população passou a residir nos subúrbios, em cidades vizinhas. Este fenômeno da migração da população para os subúrbios acontece desde a década de 1950, e se intensificou nos últimos quarenta anos. Os cerca de 701 mil habitantes atuais da cidade representam 63% do total de habitantes que havia na década de 1950.  

É visível a existência de diversos terrenos e galpões vazios no centro e na periferia da região, que vem sendo denominada de Rust Belt (“cinturão da ferrugem”). Matéria recente do Jornal O Globo veiculou que há 78 mil prédios comerciais abandonados por toda a cidade e 13 mil residências não têm moradores. Nos últimos 20 anos, vários projetos de revitalização de Detroit vêm sendo discutidos por representantes do governo local e pela iniciativa privada.  

Em razão da crise, Detroit é considerada uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos. Ocupa a primeira posição em homicídios. O famoso filme americano RoboCop, de 1987, é uma ficção científica que se passa em Detroit, contaminada pela onda de crimes. Outro problema grande é má distribuição de renda: cerca de 22% das famílias vivem abaixo da linha de pobreza.

Ainda no campo do cinema, vale a pena assistir ao filme documentário “Roger and me” [Roger e eu], de 1989, do famoso Diretor independente Michael Moore. O filme retrata o crescimento, auge e a crise da cidade de Flint (na Grande Detroit), terra natal de Moore, com a expansão da indústria automobilística desde as primeiras décadas do século XX até os anos de 1980, com a invasão de carros importados japoneses. Os impactos do fechamento de onze fábricas da GM na vida das pessoas da cidade, e na economia do local, são tratados com enorme sagacidade por Moore.

A falência de Detroit

A perda de empresas, empregos e população fez cair expressivamente a arrecadação de Detroit. Em 2006, a cidade revelou um grande déficit no sistema de previdência local. Então, nos últimos anos, para fechar as contas, a cidade cresceu seu endividamento, por meio de emissões crescentes de títulos públicos. 

Neste contexto, o ano de 2013 foi mais um marco importante na história de crise vivida pela cidade nas últimas décadas. No mês de julho daquele ano, a cidade declarou falência. O valor da dívida atingia entre 18 a 20 bilhões de dólares, de acordo com as matérias da imprensa.

Em novembro de 2014, a Justiça americana aprovou o plano da Cidade de Detroit para sair da falência. A proposta elimina US$ 7 bilhões do total da dívida de US$ 18 bilhões; prevê ainda investimento de US$ 1,7 bilhão na revitalização da cidade.

“Resolver isso é uma questão muito importante para criar um ótimo ambiente para a cidade. Não só a cidade, mas para o estado. Isso leva a um contexto de normalidade, a uma estrutura de governo tradicional novamente”, afirmou o governador de Michigan, Rick Snyder (Republicano), segundo o jornal “New York Times”.

“Estamos começando essa jornada, não a encerrando. A concordata é só um ajuste de dívida, mas não é uma solução. O que você realmente precisa é de um plano de recuperação. Não podemos perder isso de vista. Não vamos saber por cinco, dez, quinze anos se Detroit resolveu seu problema estrutural”, disse o advogado James Spiotto, especialista em falência municipal, ao “NYT”.

Trump vence na Grande Detroit

O Estado de Michigan e a Região Metropolitana de Detroit em particular jogaram papel importante na vitória de Trump. 

Trump – que foi apresentador do programa americano “The apprentice” [“O aprendiz”], cuja principal atração era demitir as pessoas a qualquer momento - convenceu a população da Grande Detroit com seu discurso em prol da retomada da força da economia americana e da manutenção/ geração de empregos dentro dos EUA. Vale lembrar que, em 2013. A cidade da Detroit, formada por grande maioria negra, já havia elegido, em 2013, após 40 anos, seu primeiro prefeito de cor branca.

Trump afirmou que eliminaria o excesso de regulamentações, impostos e burocracia que prejudicam os empregos. 

Reproduzindo frase famosa de Reagan, disse que “o melhor programa social será um emprego”, atacando programas sociais como o “Obamacare”, pelo qual todos os americanos têm direito a um plano de saúde.

"Vou pedir a todas as agências federais para prepararem uma lista de todas as regulamentações [tais como as que são fixadas pela política de energia limpa e de redução de emissões de carbono] que se impõem sobre os americanos e que não sejam necessárias, que não melhorem a segurança pública, e que desnecessariamente matam muitos empregos. Essas regras serão eliminadas rapidamente", disse Trump na campanha.

"A regulamentação excessiva está custando à nossa economia até US$ 2 trilhões por ano", disse.

"Tudo que Hillary Clinton tem a oferecer é mais do mesmo: mais impostos, mais leis, mais burocratas, mais restrições à energia americana e à produção americana. Se você fosse uma potência estrangeira buscando enfraquecer a América, não poderia fazer coisa melhor do que a agenda econômica de Hillary".

Ainda como elementos de convencimento aos trabalhadores americanos, Trump afirmou que retiraria os EUA do Tratado Transpacífico (TPP), pactuado em 2015 com outras nações da Bacia do Pacífico (Japão, Austrália, Canadá, Brunei, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã; e possibilidade de se estender para a Coréia do Sul, Taiwan, Filipinas e Colômbia). O acordo, cujos países membros representam aproximadamente 40% da produção mundial, visa reduzir e eliminar as tarifas comerciais entre os países. Na mesma linha, disse que renegociaria o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que, nos últimos vinte anos, envolve EUA, México e Canadá. Trump disse que, nos últimos anos, a maioria dos empregos americanos haviam sido perdidos para a China e México.

Além de prometer menos impostos para ricos e pobres nos EUA, Trump declarou que, se vencesse, aumentaria os tributos sobre as empresas que não empregassem preferencialmente americanos.

Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata, por sua vez, dizia que as desregulamentações e reduções de impostos beneficiarão especialmente os mais ricos e as grandes corporações. Mas este argumento não foi suficiente para convencer a maioria dos eleitores:

“Muita gente das cidades industriais ficou para trás, e Trump é quem reconheceu pela primeira vez a dimensão do que sofreram. Não sei até que ponto as pessoas gostam dele ou se querem dar uma sacudida em Washington”, disse Sid Smith, um professor da cidade de Sterling Heights, vizinha à Detroit, em matéria de “El País”.

A vitória do discurso de Trump acontece em um momento de “endireitização” do mundo, com a expansão da xenofobia, da exacerbação de ódios, do princípio do Estado mínimo, da desregulamentação e flexibilização de direitos em todo o mundo. Vivemos claramente a predominância do discurso conservador da Direita Política.

Em movimento pendular, Regiões industriais como Detroit, ABC e mesmo o Brasil como um todo vivem tentativas de novas soluções para seus problemas. 

Não sou otimista quanto aos resultados dessas apostas.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do Dieese.

artigo publicado no Jornal ABCDMaior, em 5/12/2016. 
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