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segunda-feira, 2 de maio de 2016

SUÉCIA, BRASIL E PARCERIAS TECNOLÓGICAS


Jefferson José da Conceição; Roberto Vital Anav; Cleo Duarte

Parcerias nacionais e internacionais na área tecnológica são vitais em qualquer política de desenvolvimento atual, sejam elas conduzidas pela União, Estado, Região ou Município. A educação e o desenvolvimento tecnológico são os melhores caminhos para se atingir o aumento da competitividade não espúria, isto é, aquela competitividade que não resulta de baixos salários ou apenas de desvalorizações cambiais. O aumento da competitividade real, por via de mão de obra altamente qualificada e da forte geração e desenvolvimento de novas tecnologias, traduz-se no aumento de valor adicionado por capital aplicado, na geração de empregos de qualidade, em salários mais elevados e melhor distribuídos, bem como em volume expressivo de riqueza gerada (Produto Interno Bruto).

Entretanto, para países como o Brasil (marcado por seu desenvolvimento retardatário, por suas desigualdades sociais e pelos acentuados estrangulamentos estruturais), estas parcerias tecnológicas internacionais são ainda mais necessárias. Elas podem contribuir para que reduzamos com maior celeridade os gaps tecnológicos que temos em comparação com os países avançados. Abrem também a possibilidade de alianças estratégicas em áreas como abertura de novos mercados e posicionamentos geopolíticos mais fortes, entre outras.

Por esta razão, é tão importante a aproximação e realização de parcerias dos três níveis de governo do Brasil (União, Estados e Municípios) e das nossas empresas e instituições com regiões, municípios, empresas e demais instituições de nações que possuem altos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Os Governos Lula e Dilma intensificaram as relações com estes países identificados com o desenvolvimento tecnológico, entre eles a Suécia, como veremos mais adiante.

1.1 A Competitividade Sueca

A Suécia, pequeno país nórdico da Europa, com população de 9,7 milhões de habitantes (2014), certamente é uma dessas nações que se encontram hoje na fronteira do conhecimento tecnológico. O alto grau de desenvolvimento sueco tem muito a ver, evidentemente, com fatores estruturais amplos como o elevado investimento em educação (em todos os níveis), o reduzido grau de desigualdade econômico e social e a marcante igualdade de gênero.

Este quadro de fatores estruturais resulta em um sistema econômico nacional que tem elevada competitividade em áreas e setores estratégicos, como os de informação e comunicações; saúde; meio ambiente; indústria de defesa entre outros.

A posição da Suécia no ranking internacional de competitividade depende do indicador que se toma, mas, em qualquer um deles, o país está entre os dez melhores colocados. No anuário de competitividade IMD de 2009, a Suécia situou-se na sexta posição. Já no Índice de Competitividade Global 2010-2011 do Forum Econômico Mundial o país ocupou a segunda colocação.

É claro o papel de liderança de empresas multinacionais suecas nos seus respectivos setores de atuação. São os casos por exemplo da Volvo, Ericsson, Scania, Saab, Eletrolux, Sandvik, SKF, Skanska, Vattenfall, Hennes & Mauritz, Skanska, Sony Ericsson Mobile Communications AB, Svenska Cellulosa Aktiebolaget, IKEA, Volvo Personvagnar, TeliaSonera, ICA, Nordea, Preem, Atlas Copco, Securitas e Nordstjernan.

Entretanto, a maioria destas grandes empresas multinacionais mantem estreitas relações com as médias e as pequenas empresas não apenas como apoio ou fornecedoras, mas também em áreas estratégicas como desenvolvimento e inovação. As pequenas start ups são parte constitutivas do sucesso de muitos dos projetos. Muitas delas encontram-se em Parques Tecnológicos suecos apoiados pelo Governo, universidades e empresas.

De fato, o país é conhecido por seu bem-sucedido “modelo de tríplice hélice”, isto é, de forte envolvimento conjunto de governo, empresas (grandes, médias e pequenas) e universidades em projetos de inovação tecnológica. Via de regra, o Governo define em parceria com as grandes empresas quais os projetos de fronteira tecnológica a serem desenvolvidos; em diálogo com as universidades (e por esta via, com os laboratórios e parques tecnológicos), os projetos transformam-se em pesquisa básica e aplicada; e, em um estágio mais avançado, as grandes empresas transformam estes projetos em produtos e serviços a serem comercializados e exportados.

Existem várias universidades e faculdades importantes na Suécia. Entre as mais antigas e maiores estão as de Estocolmo, Gotemburgo, Uppsala e Lund. Universidades como a de Linköping também estão entre as de melhor performance em rankings internacionais. Todas elas, em geral, estão conectadas a estruturas laboratoriais avançadas e a Parques Tecnológicos, onde se desenvolvem concretamente etapas importantes dos projetos estratégicos selecionados no modelo tríplice hélice.

1.2 São Bernardo do Campo e as parcerias recentes com a Suécia

Em São Bernardo do Campo, a Gestão Municipal, liderada pelo Prefeito Luiz Marinho desde 2009, também tem buscado aprofundar a relação com a Suécia. Os co-autores deste artigo acompanharam e participaram desta experiência. Um dos co-autores era o então Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo da cidade (cargo que ocupou entre 2009 e julho de 2015) e os demais, membros de sua equipe de trabalho.

Em 2010, o prefeito Marinho foi convidado pelo rei da Suécia para uma viagem àquele país, com vistas a conhecer o Projeto Gripen, da empresa Saab, um dos três competidores na licitação internacional aberta pelo Brasil para compra de aeronaves supersônicas para a área da Defesa. O co-autor deste artigo, então Secretário de Desenvolvimento Econômico da Cidade, acompanhou o Prefeito nesta visita juntamente com outros secretários municipais.

No final de 2010, na sequência da viagem do Prefeito à Suécia, foi realizado, em São Bernardo do Campo, workshop envolvendo a Prefeitura de São Bernardo do Campo, a Saab e instituições convidadas – como Universidades e empresas da região. A intenção foi dialogar em torno dos projetos e possíveis contrapartidas oferecidas ao Brasil e à Região do ABC, caso a aeronave Gripen fosse a escolhida.

Em 18 de maio de 2011, como resultado deste conjunto de aproximações com a Suécia, foi inaugurado, na cidade de São Bernardo do Campo, o Centro de Inovação Sueco- Brasileiro – CISB. A inauguração teve a participação de universidades locais e da Suécia, entidades empresariais, dos Presidentes da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e da Innova (da Suécia), do Prefeito Luiz Marinho e da então Prefeita de Linköping, Ann-Catherine Hjerdt. O CISB desenvolve articulações para apoio a projetos que envolvam pesquisas tecnológicas que integrem instituições (empresas, universidades, entre outras) dos dois países.

Em seguida, São Bernardo do Campo tornou-se cidade irmã de Linköping, cidade sueca onde se localiza a sede da empresa Saab e que possui importante universidade e Parque Tecnológico.

Em 2013, os co-autores deste artigo estiveram na coordenação do Seminário Brasil-Suécia de Segurança Veicular, organizado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo em parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia.

Em dezembro de 2013, ocorreu o anúncio pela Presidente Dilma Rousseff, da escolha do Projeto Gripen, da empresa sueca Saab, como ganhador da licitação internacional aberta pelo Brasil para a compra de aeronaves supersônicas. Entre as principais justificativas apresentadas para a decisão estava a maior abertura de parcerias tecnológicas que este projeto apresenta, em comparação com os outros competidores.

Na sequência desta definição, a empresa Saab anunciou que instalaria uma unidade de fabricação (denominada de São Bernardo Tecnologia Aeronáutica - SBTA) em São Bernardo. Esta unidade fabricará parte das peças do Gripen no Brasil.

A partir daí a administração municipal de São Bernardo do Campo intensificou uma série de ações visando maximizar os resultados dessa decisão. No campo específico da estratégia conduzida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a estratégia implementada no período entre 2009 e meados de 2015 (no qual tivemos participação direta), os objetivos eram:

a) aumentar as parcerias tecnológicas na área de Pesquisa e Desenvolvimento, especialmente com as universidades e empresas locais;

b) constituir o Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa do Grande ABC, com a participação de empresas e entidades empresariais, universidades, sindicatos e o governo municipal, cujas reuniões contaram frequentemente com membros do Ministério da Defesa e do Governo Federal;

c) contribuir para que as indústrias locais tivessem volumes de encomendas associadas ao Projeto Gripen;

d) incrementar a nacionalização de itens estratégicos;

e) estruturar, no Brasil (com possibilidade de ser na Região do ABC), um Centro de Simulação;

f) capacitar mão de obra especializada.

1.3 A Missão de São Bernardo do Campo/ ABC Paulista para aprofundar o conhecimento do Modelo Tríplice Hélice da Suécia

É também importante resgatar que, em setembro de 2014, o co-autor deste artigo, na qualidade de então Secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo do Campo, coordenou missão quadripartite à Suécia, formada por representantes da Gestão Pública, Empresários, Sindicatos (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) e Universidades (professores da UFABC, FEI, Instituto Mauá e Universidade Metodista).

Outra missão anterior, mas apenas composta de secretários municipais de São Bernardo, já havia sido realizada, sob coordenação do Secretário Tarcisio Secoli.

O objetivo da missão por nós coordenada foi o de buscar entender o funcionamento do modelo “tríplice hélice”, que, como citado, reúne gestão pública, universidades e setor privado em projetos estratégicos, como é o caso da aeronave supersônica Gripen.

O modelo tem sido uma das bases do sucesso da Suécia. No final do Século XIX, a Suécia era um dos países mais pobres da Europa, centrada na produção agrícola. Grande parte da população emigrou, principalmente para os EUA. Após a Segunda Guerra, a Suécia passou a estar entre as nações mais avançadas do mundo.

A missão teve a oportunidade de dialogar com universidades, parques tecnológicos, laboratórios de pesquisas, empresas da área aeroespacial e de defesa e de siderurgia. Como dito, os principais projetos suecos iniciam-se com decisões governamentais, avançam para a pesquisa básica e aplicada nas universidades, e, por fim, tornam-se negócios. Governo, universidades e indústria interagem em todas as fases. 

Muitas parcerias foram construídas pela missão: parcerias entre as universidades suecas e as brasileiras; parcerias entre parques tecnológicos da Suécia e a Associação Parque Tecnológico de São Bernardo; parcerias entre as gestões públicas (Linköping e São Bernardo).

Fruto também da missão, ocorreu a assinatura, em abril de 2015, de um Memorando de Entendimento entre a ABIMDE (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Defesa) e a SOFF (entidade que representa a indústria sueca de defesa). O memorando estabelece que São Bernardo do Campo e São José dos Campos serão objeto das primeiras ações de parceria das entidades.

A experiência da Prefeitura de São Bernardo do Campo, em especial da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo do Município, entre 2009 e julho de 2015, foi relatada detalhadamente no livro “A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015”, lançado no final de 2015 pela Editora da Fundação Perseu Abramo. Dois dos co-autores deste artigo são organizadores da obra, em parceria com mais dois autores. O livro se encontra disponível gratuitamente no site da Fundação Perseu Abramo.

1.4 O avanço mais recente: o novo Laboratório de Motores da Scania

No último dia 26 de abril de 2016, na fábrica da Scania situada naquela cidade, a Direção da empresa Scania (representada pelo CEO da Scania Latin America, Per Olov Svedlung), a Prefeitura de São Bernardo do Campo (representada pelo Prefeito Luiz Marinho) e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (representado pelo seu Presidente, Rafael Marques), inauguraram o novo laboratório de desenvolvimento, testes e certificação de motores mais eficientes na utilização de combustíveis alternativos, durabilidade e consumo.

Trata-se de investimento de R$ 40 milhões e, o que é mais importante, representa o primeiro laboratório do tipo da empresa fora da Suécia.  A Scania é um dos principais fabricantes de caminhões pesados, de ônibus e de motores industriais e marítimos do mundo. A companhia possui cerca de 44,4 mil colaboradores em todo o mundo (presença em mais de 100 países), com linhas de produção na Europa, Ásia e América Latina e com possibilidade de intercâmbio global de componentes e veículos completos.

De acordo com o Presidente e CEO da Scania Latin America, Per Olov Svedlung:  “Com essa iniciativa inserimos o Brasil no contexto da mais alta tecnologia do setor automotivo, refletindo, ao mesmo tempo, nosso compromisso com o País e com um sistema de transporte sustentável”.

Para o vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento da fabricante sueca para América Latina, Henrik Alfredsson: “Com essa estrutura respondemos, por um lado, a uma demanda global em ascensão por testes de motores, impulsionada não apenas pela melhoria no rendimento, mas em busca de tecnologias mais sustentáveis. Por outro, reforçamos o posicionamento da Scania como empresa orientada pela inovação e pela engenharia, líder na utilização de combustíveis alternativos e no desenvolvimento de novos produtos”.

Já o diretor de Assuntos institucionais e governamentais da Scania Latin America, Rogério Rezende, acrescentou:  “Trouxemos para São Bernardo o estado da arte em tecnologia. Contar com esse tipo de equipamento nos ajuda a acelerar as pesquisas, consequentemente o desenvolvimento de novas soluções em transporte, traduzidas em menor consumo de combustível e em efetiva contribuição para um sistema de transporte sustentável”.

De acordo com o site da empresa, “O laboratório está preparado para testar qualquer tipo de motor a combustão, incluindo os propulsores Scania V8 e o novo modelo Euro 6, que ainda não tem legislação vigente na América Latina, mas a Scania começará a exportar partir do segundo semestre deste ano para mercados da Europa”.

Vale notar que este laboratório é também um dos resultados do Programa “Inovar Auto”, regime automotivo construído e implementado nos Governos Lula e Dilma.

Por fim, cumpre ainda registrar que, em período recente, já havia sido bastante importante também a inauguração pela própria Scania da nova unidade de pintura de cabines de caminhões. Neste caso, o investimento alcançou R$ 96 milhões, com vistas a possibilitar que a pintura alcance os padrões internacionais mais avançados: com menor geração de resíduos, maior eficiência no processo e melhor ergonomia dos trabalhadores.

Neste caso, cabe chamar a atenção para o papel da Prefeitura de São Bernardo do Campo, sob a gestão do Prefeito Luiz Marinho. O diálogo entre a Prefeitura e a empresa permitiu operação de permuta de áreas, contribuindo para a melhoria da competitividade da empresa e a construção do corredor Leste-Oeste na cidade de São Bernardo do Campo.

Em conclusão, reafirmamos a importância das parcerias internacionais nas áreas de tecnologia, engenharia e inovação, envolvendo nações já avançadas. O potencial brasileiro para essas parcerias é reconhecido por grande parte dos dirigentes políticos, empresariais e acadêmicos e por pesquisadores de muitos países avançados.

A Suécia é talvez o melhor exemplo, mas não o único, desse reconhecimento. Além do mais, o momento de dificuldades econômicas do Brasil deve ser mais um estímulo para impulsionar esses processos, tendo em vista que é nas crises que se gestam as oportunidades e os empreendimentos vitoriosos no próximo ciclo de crescimento. Esperamos que esse ciclo ocorra em breve. Entretanto, a espera deve ser ativa e não passiva, construindo os instrumentos de desenvolvimento e inovação que alavanquem posições mais competitivas do país no ambiente global. E o esforço, como demonstra o processo relatado neste artigo, deve envolver os segmentos empresarial, sindical e acadêmico, juntamente com todas as instâncias de governo, do local ao nacional.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS. Foi secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo (SDET) de São Bernardo entre janeiro de 2009 e julho 2015. Foi Diretor Superintendente do SBCPrev entre agosto 2015 e fevereiro 2016. É diretor técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento, ADESAMPA.
 
Roberto Vital Anav é Prof. Ms. da USCS.  É doutorando da UFABC. Foi assessor da SDET e da SOPP da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

Cleo Duarte viveu na Suécia durante 12 anos. Foi assessora da SDET. Co-responsável pelo site de treinamento cultural às relações Brasil-Suécia www.brsetraining.com.br

 
* Artigo publicado no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), na coluna blogs, em 2/5/2016.

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