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quarta-feira, 18 de maio de 2016

MINHA APOSTA: TERCEIRIZAÇÃO, UMA DAS PRIMEIRAS FATURAS


Jefferson José da Conceição
Minha aposta é que, infelizmente, haverá em breve a aprovação do Projeto de Lei 4330 no Congresso, que permite a ampla terceirização pelas empresas (inclusive em suas atividades-fins). Em seguida, o governo de Michel Temer sancionará a Lei. Esta lei, que facilita a terceirização, deverá ser uma das primeiras faturas a serem cobradas com sucesso pelas entidades empresariais que apoiaram o golpe branco de Estado que acaba de ser impetrado no Brasil.
Entidades empresariais - entre elas as ligadas ao setor industrial - comandaram mobilizações na Av. Paulista pelo impeachment. A bandeira mais visível foi a gritaria contra o aumento dos impostos. À frente das manifestações estava o patinho que nada tinha de ingênuo. O fim da corrupção e o término da “desordem da economia” foram bandeiras também empunhadas.
Mas a campanha “eu não vou pagar o pato” terá que ser desinflada. O novo governo já anunciou que estuda o aumento da CPMF, bem como de outros impostos e contribuições. Desinflada, mas não sem ter alcançado outros êxitos para além do próprio impeachment da Presidente eleita. Com o novo governo, aumentos de impostos não deverão estar associados a critérios de progressividade, pelos quais “quem ganha mais, paga mais; quem ganha menos, paga menos”.
Além disso, o movimento empresarial já havia alcançado sucesso antes mesmo da decretação do impeachment: refiro-me à retirada do centro do debate das alterações no chamado “sistema S”, seja no que se refere a travar possíveis investidas do governo visando a redistribuição dos recursos (que somam a mais de R$ 20 bilhões por ano), e a maior transparência na prestação de contas. Com o discurso de que qualquer mudança acabará com o sistema e a formação profissional no País, lideranças empresariais, especialmente aquelas ligadas à Av. Paulista, conseguiram manter o “sistema S” como uma caixa fechada. Conforme relatos diversos veiculados na imprensa, esta falta de transparência permite o uso desses recursos para fins que estão muito longe da formação profissional.
Apesar desses “êxitos”, ainda assim cabe a pergunta: se a fatura da redução da carga tributária não poderá ser cobrada pelo patinho golpista, por que lideranças do empresariado apoiaram o impeachment?
Ouso dizer que a elite brasileira, recorrentemente, vive o dilema “entre o bolso e a cabeça”. Explico. Por um lado, tendem a ser grandes os ganhos econômicos (bolso) que a elite tem com as políticas e mudanças que tornam a sociedade brasileira menos desigual e mais inclusiva. Com isto, via de regra, aumentam os seus mercados e seus lucros. Por outro, estas políticas de inclusão e redução da desigualdade costumam chocar-se com a cultura (cabeça) enraizada desde os tempos coloniais de considerar que o povo deve estar distante dos núcleos de poder e da participação nos ganhos do crescimento.
Se analisado o conjunto das ações das Gestões Federais entre 2003 e 2016, em favor da indústria brasileira, especialmente entre 2003 e 2013, pode-se dizer que estes governos favoreceram em muito o setor empresarial. O empresariado ganhou bastante com o ciclo de crescimento econômico dos últimos anos. Mas a elite brasileira tem dificuldade em aceitar que lideranças populares estejam entre as protagonistas do processo de desenvolvimento.
Em “Formação Econômica do Brasil”, sua obra mais famosa, Celso Furtado destaca as contradições da elite brasileira do processo de libertação dos escravos. De um lado, fazia todo o sentido o fim da escravidão, e sua substituição pelo trabalho assalariado, em função das expectativas de incremento da produção e da rentabilidade dos negócios. De outro, em se tratando da escravidão como parte de um sistema de vida secular, “a abolição do trabalho servil assumiu a proporção de uma ‘hecatombe social’ (...). Prevalecia a ideia de que um escravo era uma ‘riqueza’ e que a abolição da escravatura acarretaria o empobrecimento do setor da população que era responsável pela criação de riqueza no país. Faziam-se cálculos alarmistas das centenas de milhares de contos de réis de riqueza privada que desapareceriam instantaneamente por um golpe legal” (afirma Celso Furtado, na obra citada). Prevaleceu a lógica econômica. O crescimento e a acumulação de capital e dos lucros ajudaram no processo de aceitação da nova realidade. Entretanto, a efetiva inclusão dos negros na sociedade brasileira ainda é um processo em aberto.
Transformações comandadas por partidos populares, e tendo a frente ex-sindicalistas (...) fizeram com que a elite vivesse novamente o dilema. O crescimento propiciou que o bolso prevalecesse sobre a cabeça. Mas, como um pêndulo, isto se alterou quando a economia passou a enfrentar forte retração econômica como acontece no momento. Neste caso, a cabeça passou a sobrepujar o bolso.
Isto posto, volto ao ponto que deu início a este artigo. Na minha visão, uma das primeiras faturas a ser cobrada pelo empresariado será a aprovação da terceirização.
A aprovação da terceirização representará grande perda para os trabalhadores e redução expressiva de custos com o trabalho.
O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado. Basicamente, este PL:
a) autoriza a terceirização em qualquer etapa da empresa, inclusive na atividade-fim, desde que o serviço terceirizado ocorra por meio de terceiras “especializadas” – com toda a dificuldade desta definição nas decisões judiciais futuras;
b) respalda a inexistência de vínculo empregatício entre a contratante e os trabalhadores da terceira;
c) prevê a responsabilidade solidária da contratante, mas isto só vale para algumas obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados da terceira;
d) diz que não se aplica à administração pública, mas, em seu artigo 26, estende os direitos ali previstos aos terceirizados do serviço público.
O PL chega mesmo a admitir a quarteirização ao permitir que a terceira subcontrate “serviços técnicos especializados”. 
Em face da heterogeneidade das empresas, das dificuldades maiores de organização dos trabalhadores nas terceiras e da falta de proteção do trabalhador nas políticas de redução de custos das empresas, entendemos que o PL traz grande abertura para um aumento da precarização do trabalho. Esta se traduz em perda de empregos qualificados, incremento da jornada média, redução da massa salarial e riscos à saúde entre outros efeitos, bem como no atrofiamento dos setores que fornecem para estes mercados.
Jefferson José da Conceição é Prof.Dr.da USCS.
Artigo publicado no ABCDMaior, em 18/5/2016, na coluna blogs. 

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