Até alguns anos atrás, ninguém no
Brasil ousaria se dizer de direita. Os defensores dos argumentos e das
propostas desta linha de pensamento e ação política tinham certa timidez em
defendê-las. Em parte, isto se devia ao fato de o Brasil ter vivido um quarto
de século sob uma ditadura militar que contou com amplo apoio e mobilização da
direita no período. De outra parte, porque é muito difícil ser assumidamente
conservador em um país que se encontra no grupo dos países que apresentam pior
distribuição de renda no mundo.
Como reflexo, praticamente nenhum
partido se assume de direita no Brasil. Somente alguns partidos nanicos, como
PRTB e PSC, assumem esta ideologia. Dos partidos maiores, poder-se-ia dizer que
o DEM seria o mais próximo do que se classifica de direita. As ações e
propostas do PSDB também aproximam o partido do campo da direita, apesar da
expressão “Social Democracia” constar no nome do partido. Contudo, nenhum
deles, nem DEM nem PSDB, se assumem publicamente como de direita.
Este quadro vem mudando
rapidamente no Brasil. No último período, é crescente o número de pessoas que
defendem abertamente teses clássicas da direita e que se autodeclaram de
direita. Os atos de panelaço e as mobilizações verde-amarelas pelo impeachment da Presidente Dilma tiveram
verniz predominantemente de direita, não obstante a existência de vários perfis
e de discursos entre os manifestantes.
1. O que é ser de direita?
Façamos um rápido desvio para, de
modo geral, entender melhor o que é ser de “direita”. Em seguida, voltaremos ao
caso brasileiro recente.
Diversos autores relatam que,
historicamente, os termos “direita” e “esquerda” originaram-se no processo da
Revolução Francesa (1789-1799). Os termos guardam relação com a posição em que
se sentavam, na assembleia francesa, aqueles mais simpáticos ao Antigo Regime
(Monarquia) em comparação com o lugar em ficavam os defensores da Revolução. Em
geral, os membros pró Antigo Regime sentavam-se à direita da cadeira do
Presidente do Parlamento; os favoráveis à Revolução, à esquerda. Note-se ainda
que os defensores do Antigo Regime buscavam preservar os direitos hereditários
da nobreza e as instituições estabelecidas. Eles também se opunham às mudanças
velozes trazidas pelo iluminismo e pela nova era industrial.
Evidentemente, não é o caso aqui,
no espaço breve deste artigo, de dissertar sobre a evolução e as nuanças da
Direita no Brasil e no mundo desde a Revolução Francesa. Cabe dizer apenas que, assim como acontece
com a esquerda, há hoje um amplo gradiente de visões e posicionamentos
políticos da chamada direita no Brasil e no mundo. A Direita, por exemplo, vai
da direita democrática até a ultradireita fascista; da defensora do Estado
Mínimo até aquela que defende um Estado forte e autoritário.
Entretanto, para fins didáticos,
e correndo o risco da superficialidade, destacaremos os principais elementos
que caracterizam o pensamento e o posicionamento da Direita. De modo geral, os
membros da Direita:
a) aceitam
a hierarquia e ordem social (o “status
quo”). Portanto, em geral as revoluções populares não fazem parte da linha
de pensamento da Direita;
b) defendem
as tradições e as instituições como a família patriarcal e a igreja;
c) muitos
têm posição contrária a temas que possam afetar as instituições família e
igreja, como são os casos do aborto, eutanásia e homossexualidade;
d) tratam
a questão da desigualdade social como natural e até desejável;
e) valorizam
o mérito individual, a iniciativa e o empreendedorismo;
f) consideram
que as mudanças devem, em geral, ocorrer lentamente, gradualmente, sem rupturas
com a ordem social – salvo quando a mudança for para “restabelecer a ordem”;
g) defendem
o “Estado Mínimo”, isto é, o Estado deve buscar intervir o mínimo possível na
economia e na sociedade. O Estado deve restringir ao máximo seu desejo de
produzir, regulamentar, induzir e fomentar a economia. Não cabe ao Estado
produzir bens e serviços, à exceção de algumas áreas da educação e da saúde, e
mesmo assim de modo restrito;
h) como
defensores do Estado Mínimo, argumentam também que a carga de impostos sobre a
iniciativa privada deve ser mínima;
i)
economicamente, defendem a propriedade privada,
o livre mercado, a privatização e a desregulamentação. Apoiam o capitalismo;
j)
são contrários às políticas de welfare state, que representam
intervenções do Estado na economia, como fixação de salário mínimo, políticas
sociais, etc;
k) opõem-se
à social-democracia, ao anarquismo, ao socialismo e ao comunismo;
l)
em sua fração mais radical (ultradireita), são
contrários à democracia e favoráveis a um Estado forte; possuem discurso
racistas, nacionalistas e contrários à imigração. Partem da filosofia de que
devem prevalecer (sobreviver) os mais fortes (nações, raças). O fascismo e o
nazismo enquadram-se neste campo.
Na segunda metade do Século XX,
entre os políticos de Direita que influenciaram o rumo dos seus países
estiveram Francisco Franco (Espanha), Augusto Pinochet (Chile), Margaret
Thatcher (Reino Unido), Ronald Reagan e George Bush (EUA).
Para a Direita, um momento
particularmente simbólico, de vitória sobre a Esquerda, ocorreu em 1989, com a
simbólica queda do muro de Berlim, o fim do chamado socialismo real no bloco
soviético e a suposta vitória do capitalismo. Com o fim da Guerra Fria,
chegou-se mesmo a falar em “fim da história”. Nos anos de 1980 e 1990, as
políticas neoliberais foram implantadas em várias partes do mundo, comandadas
na maioria das vezes por Partidos ligados à Direita. A partir daí a Esquerda
entra em crise em todo o mundo e, de certa forma, ela ainda discute as bases de
sua reconstrução.
No entanto, como sabemos, a crise
da economia capitalista em 2008/2009 mostrou com clareza que a história não
havia acabado. As políticas neoliberais, uma vez mais, foram postas em xeque.
Os processos históricos são dinâmicos, dialéticos, e não permitem o uso da
palavra “fim” como se fosse um filme de cinema.
2. A “endireitização” recente no Brasil
Ainda são poucas as pesquisas que
buscam identificar o perfil ideológico dos brasileiros e brasileiras. Uma delas
é a que vem realizando o Datafolha, instituto de pesquisa pertencente ao Grupo
Folha.
Em 8 de setembro de 2014, o
Datafolha divulgou pesquisa na qual buscou identificar o perfil dos eleitores
brasileiros em face de diferentes temas relacionados a comportamento, valores e
economia. Foram entrevistados 10.054 eleitores em 361 cidades em todas as
regiões do Brasil. A margem de erro foi de 2 %, para mais ou para menos. O
mesmo instituto havia realizado pesquisa semelhante em novembro de 2013.
Os resultados mostraram “uma
mudança na opinião dos brasileiros”. O percentual de brasileiros afinados com
os temas defendidos pela Direita era de 45%, contra uma parcela de 35%, que se
alinhava com o temário da Esquerda. Em pesquisa anterior (novembro de 2013), a
Esquerda tinha percentual superior à Direita (41% contra 39%). Nas duas
pesquisas, cerca de 20% se situa ao centro do espectro ideológico.
Pesquisa de Opinião
dos Brasileiros frente a temas diversos
Nov.
2013
|
Set.
2014
|
|
Possuir
arma legalizada deve ser um direito de todo cidadão para se defender
|
30%
|
35%
|
Posse
de arma deve ser proibida
|
68%
|
62%
|
Pobreza
está ligada à preguiça de pessoas que não trabalham
|
32%
|
37%
|
Pobreza
está ligada à falta de oportunidades iguais para que todos possam subir na
vida
|
65%
|
58%
|
Governo
deve atuar com força na economia para evitar os abusos de empresas
|
58%
|
51%
|
Quanto
menos o Governo atrapalhar a competição entre as empresas, melhor para todos
|
31%
|
35%
|
Sindicatos
são importantes para defender os trabalhadores
|
49%
|
42%
|
Sindicatos
servem mais para fazer política do que para defender os trabalhadores
|
45%
|
50%
|
Adolescentes
que cometem crimes devem ser reeducados
|
26%
|
22%
|
Adolescentes
que cometam crimes devem ser punidos como adultos
|
72%
|
76%
|
Homossexualidade
deveria ser aceita por toda a sociedade
|
67%
|
64%
|
Homossexualidade
deveria ser desencorajada por toda a sociedade
|
25%
|
27%
|
Pessoas
pobres de outros países e Estados que vão para as cidades do entrevistado
contribuem para o desenvolvimento e cultura desses locais
|
67%
|
63%
|
Pessoas
pobres de outros países e Estados que vão para as cidades do entrevistado
criam problemas para a cultura e desenvolvimento das cidades
|
25%
|
26%
|
Pena
de morte como melhor forma de punição para indivíduos que cometem crimes
graves
|
47%
|
43%
|
Não
cabe à Justiça matar uma pessoa, mesmo que ela tenha cometido um crime grave.
|
49%
|
52%
|
Crença
em Deus torna as pessoas melhores
|
86%
|
86%
|
Acreditar
em Deus não necessariamente torna uma pessoa melhor
|
13%
|
13%
|
Drogas
devem ser proibidas porque toda a sociedade sofre com as consequências
|
-
|
82%
|
Drogas
deveriam ser legalizadas porque é o usuário quem sofre com as consequências
do uso de drogas
|
-
|
15%
|
Maior
causa da criminalidade é a falta de oportunidades iguais para todos
|
34%
|
36%
|
Maior
causa da criminalidade é a maldade das pessoas
|
63%
|
60%
|
É
preferível pagar menos impostos ao governo e contratar serviços particulares
de educação e saúde
|
49%
|
49%
|
É
preferível pagar mais impostos ao governo e receber serviços gratuitos de
educação e saúde
|
43%
|
40%
|
Elaboração de Jefferson José da Conceição a partir de matéria
e dos dados do Instituto DataFolha. A referida matéria foi divulgada em
8/9/2014 e está disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/09/1512693-direita-supera-esquerda-no-brasil.shtml
Pode-se verificar pela Pesquisa
que ocorre, no período recente, o fenômeno da “endireitização” de parcela da
sociedade brasileira.
Este fenômeno se revela também no
discurso conservador que tem sido veiculado não apenas por lideranças políticas
das mais variadas áreas (empresariado, sindicatos, religiosos, acadêmicos,
artistas etc), mas também por pessoas comuns que se expressam nas redes
sociais, nos locais de trabalho e nas ruas.
A nosso ver, este fenômeno ocorre
especialmente após as manifestações de junho de 2013, apropriadas pela Direita,
e se intensifica após a forte crise econômica de 2015/2016. Como se sabe, a
crise impactou fortemente as ações do Governo Dilma.
3. Por que o fenômeno da recente “endireitização” é preocupante?
A rigor, em uma democracia, ser
de direita, esquerda, centro ou qualquer outro posicionamento, faz parte da
regra do jogo. Somente não faz parte da regra do jogo quando as posições
extremas (radicais) passam a questionar a própria democracia.
Portanto, a “endireitização”
recente no Brasil é algo que deveríamos conviver com certa naturalidade.
Especialmente porque a democracia funciona à base de um sistema de pêndulos
(ora a Esquerda está à frente do poder, ora a Direita, ora o Centro).
No entanto, é preocupante que
ocorra a “endireitização” em um país como o Brasil, por vários motivos. Aqui
destacamos dois:
1)
Primeiro, o Brasil ainda não consolidou
plenamente a democracia como sistema político após o longo período de Ditadura no
País (1964-1985).
2)
Segundo, o Brasil carece de transformações
aceleradas no seu processo de desenvolvimento – transformações estas que passam
necessariamente pela redução da desigualdade e incorporação de parcelas da
sociedade que ainda não foram plenamente integradas à vida política nacional e
ao mercado de consumo.
Dificilmente, no Brasil, os programas e
ações da Direita nos conduzirão ao desenvolvimento com o alcance simultâneo
destas condições mencionadas.
Em atos recentes, já pudemos verificar
esta impossibilidade da Direita atender a estes requisitos.
O primeiro desses atos foi o impeachment da presidente eleita, Dilma
Rousseff, sem a devida comprovação de crime de responsabilidade. Portanto, o
Brasil acaba de viver um golpe de Estado com verniz de legalidade. A meu ver, o
fato de o processo ter passado pelo Judiciário e pelo Parlamento Brasileiro não
garantem que não tenha havido golpe. Registre-se que processo semelhante já
havia ocorrido no Paraguai, com a destituição do Presidente Fernando Lugo, em
2012. O impeachment da Presidente no Brasil estimulará ações semelhantes em
outros países da América Latina.
Outra prova de que não seguiremos rumo
ao desenvolvimento é a imediata eliminação de uma série de programas sociais
pelo novo governo interino de Michel Temer. Programas como a Política de
Valorização do Salário Mínimo, o Bolsa Família, o Minha Casa, minha vida, o
Prouni, entre tantos outros carecem de continuidade e ampliação. Sua
interrupção certamente terá resultados bastante nefastos nos indicadores de
desigualdade do país.
Ao final, quero registrar que
extraí o título deste artigo da “orelha” do livro “Direita, volver!”, cujos
organizadores são Sebastião Velasco e Cruz, André Kaysel e Gustavo Codas,
lançado em 2015 pela Editora da Fundação Perseu Abramo. A leitura deste livro é
bastante oportuna e possibilita um melhor entendimento dos duros tempos pelos
quais passamos hoje em nosso país.
Jefferson José da Conceição é Prof.Dr. da USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo, de 2009 a julho 2015. Foi Superintendente do SBCPrev de 2016 a fevereiro 2016. Foi Diretor Técnico da
Agência São Paulo de Desenvolvimento- Adesampa, de março 2016 a janeiro 2017. Atualmente é o Coordenador (Gestor) da Escola de Negócios da USCS, que reúne os cursos de Graduação em Administração, Economia Ciências Contábeis e Comércio Exterior..
Artigo publicado no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), em 23/5/2016, na coluna blogs.
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