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terça-feira, 1 de março de 2016

O BNDES E O CRÉDITO EM SITUAÇÕES DE CRISE


Jefferson José da Conceição

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico foi criado, em 1952, com a sigla “BNDE”. Somente a partir de 1982 o banco incluiu o social no seu nome, tornando-se “BNDES”, de forma a refletir o interesse da instituição em apoiar projetos na área social.

A história do Banco guarda íntima relação com a visão desenvolvimentista, que dominou o país entre as décadas de 1930 e de 1970. O BNDE nasceu com a missão imediata de contribuir para ajudar a superar os “pontos de estrangulamento” que impediam a continuidade do crescimento da economia brasileira (na década de 1950, identificados na escassez de energia, transportes e infraestrutura) e apoiar os “pontos de germinação” que, no planejamento, propiciariam efeitos de sinergia no crescimento dos demais setores (à época, entre os pontos de germinação, estava a implantação da indústria automobilística).

Inserido como peça importante na estratégia de política de desenvolvimento nacional, o BNDES tem como papel primordial fomentar o crescimento econômico e a competitividade das empresas por meio do crédito de longo prazo. Sua função principal é a de apoiar as empresas em seus planos de implantação, expansão e modernização, por intermédio de empréstimos com menores taxas de juros e prazos mais longos do que os observados nos financiamentos dos bancos comerciais.

Não é objetivo deste artigo abordar os diferentes momentos da experiência do BNDES nas políticas econômica e industrial do país. Reafirmamos que o papel público e desenvolvimentista do Banco sempre foi essencial para o Brasil.  Registre-se, porém, que há economistas de formação liberal que consideram não caber mais ao Governo, por meio de uma instituição como o BNDES, guiar a Política de Desenvolvimento, nem dirigir o crédito com juros diferenciados entre setores e empresas selecionadas. Na visão desses economistas, caberia às instituições privadas competir por conceder crédito mais barato ao setor produtivo.  Este tipo de argumento coloca o BNDES na mira da privatização.

Não concordamos com essa visão liberal sobre o BNDES. Vemos que esta instituição cumpriu e deve continuar cumprindo papel central na estratégia de desenvolvimento econômico nacional. A existência de um banco público desta natureza deu à economia brasileira um grande diferencial quando comparado com as experiências da industrialização de outros países da América Latina. Com sua sempre competente equipe técnica, o BNDES é um órgão ao mesmo tempo elaborador de políticas e braço operacional do governo. O banco, por meio do crédito de longo prazo, executa as diretrizes de política de desenvolvimento determinadas pelo governo.

Estamos, assim, mais próximos do que Joseph Stiglitz, famoso Prêmio Nobel de Economia, sustentou ao citar o BNDES quando entrevistado, em 2014, sobre a criação do Banco dos Brics: "o Brasil demonstrou na prática como um país pode, sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito efetivo. Há aí um aprendizado (...). E essa noção de como se cria um banco de desenvolvimento efetivo, que promova desenvolvimento real, sem todas as condicionalidades e armadilhas que permeiam as velhas instituições, será uma parte importante da contribuição do Brasil."

Posto isto, a ponderação crítica que fazemos a seguir tem o objetivo não de minimizar o papel do banco na política de desenvolvimento nacional, mas de reforçar e ampliar este papel.  Trata-se de crítica a partir da perspectiva desenvolvimentista que temos.

Neste contexto, cabe, pois, perguntar se, nos momentos de crise, o BNDES tem apresentado agilidade suficiente para contribuir com políticas anticíclicas na dimensão que muitas vezes o País precisa, como no momento atual.

Sabemos que, de meados da década de 1950 até hoje, o Brasil vivenciou crises econômicas agudas, tais como a da primeira metade da década de 1960; as das décadas de 1980 e 1990; a do biênio 2008-2009; o momento atual. Verifica-se, na maior parte destas crises, uma certa dificuldade do BNDES em ter uma atuação mais influente e de impacto na reversão das crises.

É justamente nos momentos de crise, nos quais muitas empresas apresentam necessidade de crédito do BNDES, que cresce o obstáculo de acesso a este crédito.  A barreira torna-se quase intransponível. Isto, em função, entre outros, de dificuldades crescentes das empresas em estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias (condição necessária para tomar empréstimo no BNDES); queda de encomendas e do faturamento, piora na avaliação de risco dos empréstimos etc.  Neste quadro, as empresas apontam para as grandes dificuldades de acesso ao crédito do BNDES, seja para investimentos seja para capital de giro.

Evidentemente, parte dos motivos da incapacidade do BNDES em ser mais ágil nestas situações, deve-se às próprias normas legais que o Banco público deve cumprir.

A título de reflexões preliminares, discutem-se a seguir alternativas visando uma atuação de maior impacto do BNDES nas conjunturas econômicas adversas.  Claro, a primeira ação é anterior ao próprio Banco: o governo deve liberar recursos para que o BNDES possa deles se valer para ampliar os empréstimos. Em outras palavras, trata-se de aumentar a liquidez da economia em épocas de crise de nível de atividade produtiva. No entanto, não raro o que se verifica é o oposto: o governo aperta a liquidez, reduzindo o volume de recursos para o crédito para o BNDES , com o consequente aumento das taxas de juros, e, assim, agravando o problema das empresas.

A partir daí é papel do BNDES fazer com que o incremento de recursos para crédito efetivamente chegue as empresas que mais precisam. Sabemos que este tema já é há muito objeto de atenção do BNDES. Mas as soluções devem ser aprimoradas e aceleradas.

Muitas das empresas que necessitam de crédito são de médio e pequeno porte. Mesmo nas fases de expansão do ciclo econômico, elas têm dificuldade de acesso ao crédito do BNDES. Tradicionalmente, a instituição não prioriza os empréstimos de menor valor. Nas fases de crise, o distanciamento do BNDES em relação a estas empresas tende a se acentuar. Em parte, porque ainda são poucas as linhas de crédito disponíveis a elas. Noutra parte porque, cumprindo o que diz a lei, o Banco exige situação de adimplência fiscal e previdenciária. Dificilmente, estas empresas conseguem atender as exigências.

Como exposto, na crise é quando mais estas empresas precisam de ajuda. Talvez, mais até do que nas fases de crescimento. É aí que o País precisa repensar a estratégia de atuação do BNDES nestas fases de crise, criando condições econômicas e legais para uma atuação mais eficaz do Banco.

Possibilitar que as empresas - por meio do próprio empréstimo do BNDES – consigam regularizar suas dívidas e obter suas certidões negativas de débito fiscal e previdenciário é tarefa que, desde há muito, Governo, Legislativo e BNDES têm que resolver juntos.

As soluções passam também pela construção de novas “engenharias” financeiras do BNDES para essas empresas.

Uma dessas novas engenharias financeiras consiste nos empréstimos estruturados com base na participação da empresa em uma cadeia produtiva. Muitas empresas de pequeno e médio porte participam de cadeias produtivas como fornecedoras diretas (chamados fornecedores de primeiro nível) ou indiretas (fornecedores de primeiro nível, ou sistemistas) de uma grande empresa. O mais frequente é ter empresas de médio e pequeno porte participarem como fornecedoras indiretas.

Já há algum tempo o BNDES discute a alternativa dessa engenharia de empréstimos respaldados em participação na cadeia produtiva. O modelo em discussão é mais ou menos este: a grande empresa apresentaria ao BNDES a lista das empresas que participam de sua cadeia fornecedora em seus diferentes níveis; essas empresas fornecedoras adquiririam uma senha do BNDES, permitindo-lhes, pela internet, apresentar os valores dos contratos de fornecimento futuro à cadeia produtiva ligada à grande empresa. Portanto, tratam-se dos recebíveis dessas empresas, que poderão ser confirmados pela grande empresa. Como garantia dos empréstimos, o BNDES ficaria com estes recebíveis, podendo cobrá-los da grande empresa no seu vencimento, se houver necessidade.

Além de reduzir as exigências formais por parte das médias e pequenas empresas e de desburocratizar o processo de empréstimo, este modelo cria a possibilidade de diminuir as taxas de juros cobradas nas operações. Considere-se como exemplo o caso da cadeia de produção automotiva. Os créditos seriam estruturados a partir dos títulos gerados pela participação das empresas na cadeia fornecedora da montadora. Em outras palavras, várias empresas da indústria de autopeças (componentes, peças individuais, ferramentarias, usinagens, forjarias, fundições etc) teriam acesso ao crédito do BNDES. Tais recursos seriam viabilizados rapidamente com base no cadastramento pela internet das empresas e dos recebíveis da cadeia produtiva.

Na prática, hoje, as montadoras, quando demandadas, respaldam apenas os recebíveis dos grandes sistemistas. O modelo de recebíveis estruturado na lógica de cadeia produtiva ainda não favoreceu às médias e pequenas empresas.

Outra engenharia financeira de apoio às médias e pequenas empresas é a constituição de produtos financeiros para apoiar Arranjos Produtivos Locais (APLs). Estes produtos financeiros seriam montados com base em fundo de aval, que ajudariam a reduzir o risco de inadimplência nos empréstimos do BNDES.

Neste mesmo sentido, podem ser incentivadas engenharias financeiras envolvendo recursos do governo federal, bancos comerciais, associações empresariais, Agências de Desenvolvimento e outros parceiros.  Desta forma, uma empresa que apresente dificuldades financeiras, mas que esteja respaldada no conhecimento destes parceiros, poderia se valer dos empréstimos do BNDES lastreados neste fundo de aval.

Outra possibilidade é de constituir, em áreas de maior densidade industrial, agência do BNDES especificamente voltado a entender mais de perto os problemas e dar respostas mais ágeis para o setor industrial.

A melhoria da eficácia das modalidades de crédito por parte do BNDES voltadas ao financiamento do capital de giro é também uma necessidade. Não resta dúvida de que o Cartão BNDES representa uma ação de sucesso que vai nesta direção apontada. Mesmo aqui, entretanto, são necessários ajustes. Muitas empresas alegam que têm dificuldades de acessar o cartão por via dos intermediários financeiros que operam com o Cartão. Igualmente ainda há necessidade de diálogo com as cadeias produtivas para reforçar o cadastramento do maior número de empresas possíveis. A inclusão de empréstimos, por via do Cartão BNDES, para pagamento de folhas de pagamento também deveria ser estudada.

Na mesma linha, é preciso romper com as amarras ainda existentes ao financiamento do BNDES à economia solidária e ao cooperativismo, embora neste caso algum avanço já tenha se verificado nos últimos anos.

Igualmente importante tem sido a proposição feita especialmente pelo movimento sindical nos últimos anos quanto à necessidade de o BNDES estabelecer contrapartida social mais clara para as empresas que usufruem dos empréstimos. A principal contrapartida relaciona-se com a manutenção e geração de empregos. Além do emprego ser prioridade de qualquer governo em época de crise, a contrapartida social justifica-se ainda mais no Brasil, em função do fato de que boa parte dos recursos utilizados pelo BNDES provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT.

Não raro o Banco e as representações empresariais argumentam que a contrapartida social, como condição para a confirmação do empréstimo, pode restringir o volume de empresas a serem ajudadas, o que agravaria o quadro da crise.  Uma solução para esta questão repousa na apresentação pelo BNDES de grades diferenciadas de juros e prazos de pagamentos. As empresas que se comprometessem com a contrapartida social teriam condições mais vantajosas nos empréstimos, em termos de taxas de juros e prazos de pagamento.

O tratamento que o BNDES dá as empresas em épocas de crise – especialmente as médias e pequenas empresas – ainda é um desafio a ser encarado no Brasil.

 Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. Da USCS e Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento, ADE SAMPA.
 
Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 1/3/2016.

 

 

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