Jefferson José da Conceição
O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico foi criado, em 1952, com a sigla “BNDE”. Somente a
partir de 1982 o banco incluiu o social no seu nome, tornando-se “BNDES”, de
forma a refletir o interesse da instituição em apoiar projetos na área social.
A história do Banco guarda íntima
relação com a visão desenvolvimentista, que dominou o país entre as décadas de
1930 e de 1970. O BNDE nasceu com a missão imediata de contribuir para ajudar a
superar os “pontos de estrangulamento” que impediam a continuidade do
crescimento da economia brasileira (na década de 1950, identificados na
escassez de energia, transportes e infraestrutura) e apoiar os “pontos de
germinação” que, no planejamento, propiciariam efeitos de sinergia no
crescimento dos demais setores (à época, entre os pontos de germinação, estava
a implantação da indústria automobilística).
Inserido como peça importante na
estratégia de política de desenvolvimento nacional, o BNDES tem como papel
primordial fomentar o crescimento econômico e a competitividade das empresas
por meio do crédito de longo prazo. Sua função principal é a de apoiar as
empresas em seus planos de implantação, expansão e modernização, por intermédio
de empréstimos com menores taxas de juros e prazos mais longos do que os
observados nos financiamentos dos bancos comerciais.
Não é objetivo deste artigo
abordar os diferentes momentos da experiência do BNDES nas políticas econômica
e industrial do país. Reafirmamos que o papel público e desenvolvimentista do
Banco sempre foi essencial para o Brasil.
Registre-se, porém, que há economistas de formação liberal que
consideram não caber mais ao Governo, por meio de uma instituição como o BNDES,
guiar a Política de Desenvolvimento, nem dirigir o crédito com juros
diferenciados entre setores e empresas selecionadas. Na visão desses
economistas, caberia às instituições privadas competir por conceder crédito
mais barato ao setor produtivo. Este
tipo de argumento coloca o BNDES na mira da privatização.
Não concordamos com essa visão
liberal sobre o BNDES. Vemos que esta instituição cumpriu e deve continuar
cumprindo papel central na estratégia de desenvolvimento econômico nacional. A
existência de um banco público desta natureza deu à economia brasileira um
grande diferencial quando comparado com as experiências da industrialização de
outros países da América Latina. Com sua sempre competente equipe técnica, o
BNDES é um órgão ao mesmo tempo elaborador de políticas e braço operacional do
governo. O banco, por meio do crédito de longo prazo, executa as diretrizes de
política de desenvolvimento determinadas pelo governo.
Estamos, assim, mais próximos do
que Joseph Stiglitz, famoso Prêmio Nobel de Economia, sustentou ao citar o
BNDES quando entrevistado, em 2014, sobre a criação do Banco dos Brics: "o Brasil demonstrou na prática como um
país pode, sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito efetivo. Há aí um
aprendizado (...). E essa noção de como se cria um banco de desenvolvimento
efetivo, que promova desenvolvimento real, sem todas as condicionalidades e
armadilhas que permeiam as velhas instituições, será uma parte importante da
contribuição do Brasil."
Posto isto, a ponderação crítica
que fazemos a seguir tem o objetivo não de minimizar o papel do banco na
política de desenvolvimento nacional, mas de reforçar e ampliar este
papel. Trata-se de crítica a partir da
perspectiva desenvolvimentista que temos.
Neste contexto, cabe, pois,
perguntar se, nos momentos de crise, o BNDES tem apresentado agilidade
suficiente para contribuir com políticas anticíclicas na dimensão que muitas
vezes o País precisa, como no momento atual.
Sabemos que, de meados da década de
1950 até hoje, o Brasil vivenciou crises econômicas agudas, tais como a da
primeira metade da década de 1960; as das décadas de 1980 e 1990; a do biênio
2008-2009; o momento atual. Verifica-se, na maior parte destas crises, uma
certa dificuldade do BNDES em ter uma atuação mais influente e de impacto na
reversão das crises.
É justamente nos momentos de
crise, nos quais muitas empresas apresentam necessidade de crédito do BNDES,
que cresce o obstáculo de acesso a este crédito. A barreira torna-se quase intransponível.
Isto, em função, entre outros, de dificuldades crescentes das empresas em estar
em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias (condição necessária para
tomar empréstimo no BNDES); queda de encomendas e do faturamento, piora na
avaliação de risco dos empréstimos etc.
Neste quadro, as empresas apontam para as grandes dificuldades de acesso
ao crédito do BNDES, seja para investimentos seja para capital de giro.
Evidentemente, parte dos motivos
da incapacidade do BNDES em ser mais ágil nestas situações, deve-se às próprias
normas legais que o Banco público deve cumprir.
A título de reflexões
preliminares, discutem-se a seguir alternativas visando uma atuação de maior
impacto do BNDES nas conjunturas econômicas adversas. Claro, a primeira ação é anterior ao próprio
Banco: o governo deve liberar recursos para que o BNDES possa deles se valer
para ampliar os empréstimos. Em outras palavras, trata-se de aumentar a
liquidez da economia em épocas de crise de nível de atividade produtiva. No
entanto, não raro o que se verifica é o oposto: o governo aperta a liquidez,
reduzindo o volume de recursos para o crédito para o BNDES , com o consequente
aumento das taxas de juros, e, assim, agravando o problema das empresas.
A partir daí é papel do BNDES fazer
com que o incremento de recursos para crédito efetivamente chegue as empresas
que mais precisam. Sabemos que este tema já é há muito objeto de atenção do
BNDES. Mas as soluções devem ser aprimoradas e aceleradas.
Muitas das empresas que necessitam
de crédito são de médio e pequeno porte. Mesmo nas fases de expansão do ciclo
econômico, elas têm dificuldade de acesso ao crédito do BNDES.
Tradicionalmente, a instituição não prioriza os empréstimos de menor valor. Nas
fases de crise, o distanciamento do BNDES em relação a estas empresas tende a
se acentuar. Em parte, porque ainda são poucas as linhas de crédito disponíveis
a elas. Noutra parte porque, cumprindo o que diz a lei, o Banco exige situação
de adimplência fiscal e previdenciária. Dificilmente, estas empresas conseguem
atender as exigências.
Como exposto, na crise é quando
mais estas empresas precisam de ajuda. Talvez, mais até do que nas fases de
crescimento. É aí que o País precisa repensar a estratégia de atuação do BNDES
nestas fases de crise, criando condições econômicas e legais para uma atuação
mais eficaz do Banco.
Possibilitar que as empresas - por
meio do próprio empréstimo do BNDES – consigam regularizar suas dívidas e obter
suas certidões negativas de débito fiscal e previdenciário é tarefa que, desde
há muito, Governo, Legislativo e BNDES têm que resolver juntos.
As soluções passam também pela
construção de novas “engenharias” financeiras do BNDES para essas empresas.
Uma dessas novas engenharias
financeiras consiste nos empréstimos estruturados com base na participação da
empresa em uma cadeia produtiva. Muitas empresas de pequeno e médio porte
participam de cadeias produtivas como fornecedoras diretas (chamados
fornecedores de primeiro nível) ou indiretas (fornecedores de primeiro nível,
ou sistemistas) de uma grande empresa. O mais frequente é ter empresas de médio
e pequeno porte participarem como fornecedoras indiretas.
Já há algum tempo o BNDES discute
a alternativa dessa engenharia de empréstimos respaldados em participação na cadeia
produtiva. O modelo em discussão é mais ou menos este: a grande empresa
apresentaria ao BNDES a lista das empresas que participam de sua cadeia
fornecedora em seus diferentes níveis; essas empresas fornecedoras adquiririam
uma senha do BNDES, permitindo-lhes, pela internet, apresentar os valores dos
contratos de fornecimento futuro à cadeia produtiva ligada à grande empresa.
Portanto, tratam-se dos recebíveis dessas empresas, que poderão ser confirmados
pela grande empresa. Como garantia dos empréstimos, o BNDES ficaria com estes
recebíveis, podendo cobrá-los da grande empresa no seu vencimento, se houver
necessidade.
Além de reduzir as exigências
formais por parte das médias e pequenas empresas e de desburocratizar o
processo de empréstimo, este modelo cria a possibilidade de diminuir as taxas
de juros cobradas nas operações. Considere-se como exemplo o caso da cadeia de
produção automotiva. Os créditos seriam estruturados a partir dos títulos
gerados pela participação das empresas na cadeia fornecedora da montadora. Em
outras palavras, várias empresas da indústria de autopeças (componentes, peças
individuais, ferramentarias, usinagens, forjarias, fundições etc) teriam acesso
ao crédito do BNDES. Tais recursos seriam viabilizados rapidamente com base no
cadastramento pela internet das empresas e dos recebíveis da cadeia produtiva.
Na prática, hoje, as montadoras,
quando demandadas, respaldam apenas os recebíveis dos grandes sistemistas. O
modelo de recebíveis estruturado na lógica de cadeia produtiva ainda não
favoreceu às médias e pequenas empresas.
Outra engenharia financeira de
apoio às médias e pequenas empresas é a constituição de produtos financeiros
para apoiar Arranjos Produtivos Locais (APLs). Estes produtos financeiros
seriam montados com base em fundo de aval, que ajudariam a reduzir o risco de
inadimplência nos empréstimos do BNDES.
Neste mesmo sentido, podem ser
incentivadas engenharias financeiras envolvendo recursos do governo federal,
bancos comerciais, associações empresariais, Agências de Desenvolvimento e
outros parceiros. Desta forma, uma
empresa que apresente dificuldades financeiras, mas que esteja respaldada no
conhecimento destes parceiros, poderia se valer dos empréstimos do BNDES
lastreados neste fundo de aval.
Outra possibilidade é de
constituir, em áreas de maior densidade industrial, agência do BNDES
especificamente voltado a entender mais de perto os problemas e dar respostas
mais ágeis para o setor industrial.
A melhoria da eficácia das
modalidades de crédito por parte do BNDES voltadas ao financiamento do capital
de giro é também uma necessidade. Não resta dúvida de que o Cartão BNDES
representa uma ação de sucesso que vai nesta direção apontada. Mesmo aqui,
entretanto, são necessários ajustes. Muitas empresas alegam que têm
dificuldades de acessar o cartão por via dos intermediários financeiros que
operam com o Cartão. Igualmente ainda há necessidade de diálogo com as cadeias
produtivas para reforçar o cadastramento do maior número de empresas possíveis.
A inclusão de empréstimos, por via do Cartão BNDES, para pagamento de folhas de
pagamento também deveria ser estudada.
Na mesma linha, é preciso romper
com as amarras ainda existentes ao financiamento do BNDES à economia solidária
e ao cooperativismo, embora neste caso algum avanço já tenha se verificado nos
últimos anos.
Igualmente importante tem sido a
proposição feita especialmente pelo movimento sindical nos últimos anos quanto
à necessidade de o BNDES estabelecer contrapartida social mais clara para as
empresas que usufruem dos empréstimos. A principal contrapartida relaciona-se
com a manutenção e geração de empregos. Além do emprego ser prioridade de
qualquer governo em época de crise, a contrapartida social justifica-se ainda
mais no Brasil, em função do fato de que boa parte dos recursos utilizados pelo
BNDES provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT.
Não raro o Banco e as
representações empresariais argumentam que a contrapartida social, como
condição para a confirmação do empréstimo, pode restringir o volume de empresas
a serem ajudadas, o que agravaria o quadro da crise. Uma solução para esta questão repousa na
apresentação pelo BNDES de grades diferenciadas de juros e prazos de
pagamentos. As empresas que se comprometessem com a contrapartida social teriam
condições mais vantajosas nos empréstimos, em termos de taxas de juros e prazos
de pagamento.
O tratamento que o BNDES dá as
empresas em épocas de crise – especialmente as médias e pequenas empresas –
ainda é um desafio a ser encarado no Brasil.
Jefferson José da Conceição é
Prof. Dr. Da USCS e Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento,
ADE SAMPA.
Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 1/3/2016.
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