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segunda-feira, 7 de março de 2016

CAI O TABU: MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL

Jefferson José da Conceição e Flávia Beltran

Neste mês internacional de luta das mulheres pela igualdade de gênero, este artigo pretende destacar que mais um tabu que separava homens e mulheres segue progressivamente caindo no Brasil. Trata-se das Forças Armadas como área de atuação que antes era exclusiva do gênero masculino.

A presença exclusivamente masculina nestas instituições associadas à Defesa Nacional, felizmente, já não ocorre mais. Nos últimos quarenta anos, cresceu a participação das mulheres no efetivo total de militares das três Forças Armadas Brasileiras: Marinha, Exército e Aeronáutica. É verdade que as 23.787 mulheres presentes nas Forças Armadas (2014) representam apenas 7% do efetivo total e isto está longe de corresponder ao peso das mulheres na sociedade brasileira e sua presença nos vários outros órgãos da administração pública. Mas também é fato que a participação das mulheres nas Forças Armadas do Brasil é tendencialmente crescente e são promissoras as perspectivas de avanços rápidos.

Cresce igualmente a participação das mulheres nos postos com patentes mais altas na hierarquia de comando militar. Veremos que em 2012 uma mulher alcançou pela primeira vez o generalato no Brasil, com grau de Contra-Almirante. Isto, é claro, sem deixar de apontar que a Comandante em Chefe das Forças Armadas é hoje uma mulher, a Presidenta Dilma Rousseff – que, a propósito, tem tomado medidas para aumentar a participação e o comando das mulheres nas Forças.

Este quadro de tendências é bom para o Brasil, não apenas por melhorar o equilíbrio quantitativo da presença de homens e mulheres nas Forças, mas também por melhorar o processo seletivo de composição das Forças em qualidade, competência e eficiência.

Por outro lado, é evidente que o avanço quantitativo e qualitativo das mulheres na estrutura militar trará novas contradições e desafios para a real equidade de gênero, como é o caso da quase ausência de participação das mulheres nos cenários de conflito (guerra) e da baixa presença delas em forças de paz da ONU. Outro desafio é elevar o número de mulheres em postos de comando.

Um pouco de história

Cabe inicialmente mencionar que a presença de mulheres em atividades militares no Brasil não é tão recente. Conforme apontam as publicações militares, entre as pioneiras de destaque estão a Tenente Maria Quitéria de Jesus, primeira infante do Exército Brasileiro, que esteve na frente de combate em 1822 na luta pela Independência do Brasil; e a Capitão Anna Nery, enfermeira, que atuou na Guerra do Paraguai, em 1865.

Registre-se também que mais de setenta enfermeiras voluntárias, após treinamento, atuaram em hospitais europeus em áreas de combate na Segunda Guerra Mundial. Ao fim do conflito, elas foram condecoradas com a patente de oficiais e licenciadas do serviço militar ativo.

Vale notar que, nas duas Grandes Guerras Mundiais, as tropas americanas e europeias também limitavam a presença das mulheres apenas a poucas funções, como a enfermagem. Em tempos de guerra, o mais corrente eram as mulheres ou cuidarem da casa e dos filhos ou/e substituírem a mão-de-obra masculina na produção industrial, inclusive de itens de guerra.

Os marcos no avanço da participação das mulheres nas Forças Armadas

A luta das mulheres nas várias frentes de batalha pela igualdade de gênero no Brasil, combinada com novas legislações específicas relacionadas às Forças Armadas, permitiram, de 1980 para cá, um novo perfil da presença das mulheres na vida militar no Brasil. Cumpre notar que a legislação autorizou o ingresso feminino na Marinha do Brasil a partir de 1980.

A seguir, reproduzimos os principais momentos de avanço de participação das mulheres nas Forças Armadas Brasileiras, conforme consta do quadro elaborado pela estudiosa do assunto Renata Avelar Giannini, em seu artigo “Promover Gênero e Consolidar a Paz: a experiência brasileira”, a partir de informações por ela coletadas das páginas web do Exército, Aeronáutica e Marinha:

1980: Criação do Corpo Auxiliar Feminino de Reserva da Marinha
1982: Criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica
1992: Mulheres ingressam na Escola de Administração do Exército
1995: Mulheres ingressam no Quadro de Oficiais de Intendência da Aeronáutica
1995-1996: Mulheres integram quadros de funções não-combatentes da Marinha
1996: Mulheres ingressam no Serviço Militar Feminino do Exército
1996: Mulheres ingressam no Instituto Tecnológica da Aeronáutica
1997: Mulheres ingressam no Instituto Militar de Engenharia do Exército
1997: Lei 9.519 regulamenta a presença de mulheres nos quadros da Marinha
2001: Mulheres ingressam no Curso de Formação de Sargentos da Saúde do Exército
2003: Mulheres ingressam no Curso de Formação de Oficiais Aviadores
2011: Mulheres podem ocupar posições no Comando e Estado Maior do Exército
2012: A primeira mulher alcança o generalato: grau de Contra-Almirante
2012: Lei 12.705 regulamenta a entrada de mulheres nas academias do Exército
2014: Primeiras aspirantes mulheres ingressam na Escola Naval do Rio de Janeiro
2017: Primeiras mulheres ingressarão nas academias militares do Exército.

A participação das mulheres nas Forças Armadas em números

Como resultado deste processo, o quadro de ínfima participação das mulheres na vida militar brasileira observado até 1980 deu lugar a um cenário atual de 7% de participação média, conforme já dissemos. Esta participação ainda é baixa e não representa a presença das mulheres na sociedade brasileira. Mas já sinaliza os novos tempos. E isto é ainda mais nítido quando se observam os números mais desagregados por Força.

Assim, em 2014, enquanto no Exército a participação de mulheres ainda era muito baixa com apenas 6.009 mulheres contra um total de 186.722 de efetivo, representando 3,2% apenas, o quadro é distinto na Marinha e na Aeronáutica. Na Marinha, havia 6.922 mulheres contra 68.604 no efetivo, o que significava uma representação de 10,1%. Na Aeronáutica, eram 9.322 mulheres em um efetivo total de 67.614, ou seja, uma participação de 13,8%. Em parte, a explicação das diferenças dos números do Exército em relação às outras duas Forças parece residir em ser o Exército força terrestre e por sua tradicional e longínqua associação com a ideia de uma instituição composta por homens fortes e poderosos.

Estes números que ilustram a participação das mulheres nas Forças Armadas no Brasil, especialmente os verificados no Exército, estão distantes dos índices observados nas tropas de países avançados. Nos EUA, de acordo com matéria da Revista Carta Capital, de 12/3/2015, intitulada “Qual o papel das mulheres nas guerras pós anos 2000?”, o percentual de mulheres no total das tropas fixas do Exército é de 15,7%. No Canadá e Austrália, 12%. Em Israel, onde o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres, o percentual é de 33%.

Vale registrar que os números em relação ao Exército Brasileiro tendem a mudar, positivamente. Em agosto de 2012, a presidenta Dilma sancionou a Lei nº 12.705 que permite o ingresso de mulheres em áreas que antes eram exclusivas para homens no Exército. Assim, em função da nova legislação, o Exército passará a permitir o ingresso de mulheres na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), e na Escola de Sargentos das Armas (EsSa), em Três Corações (MG). Para que isso ocorra, a instituição tem prazo de cinco anos para adaptar suas estruturas físicas (dormitórios, banheiros) visando viabilizar este ingresso.

Conteúdo do Trabalho das Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras

Em termos de setores de trabalho, a presença das mulheres nas Forças Armadas ocorre mais nas áreas administrativas, técnicas e de saúde. As formações mais encontradas entre as mulheres militares estão: farmácia, medicina, odontologia, fonoaudiologia, veterinária, biologia, engenharia, arquitetura, economia, contabilidade, estatística, Direito e Pedagogia.

Assim, a presença das mulheres ocorre em áreas importantes, mas fora do centro das operações de guerra e defesa, que, digamos assim, seria a “atividade fim” das Forças Armadas.

Entretanto, cabe registrar que aqui também há avanços. Na Aeronáutica, por exemplo, já existem mulheres no quadro de pilotos de caças e helicópteros. A tenente Carla Alexandre Borges tornou-se, em 2011, a primeira aviadora a assumir o comando de uma aeronave de caça de primeira linha da Força Aérea, o modelo A-1 (AMX). Também em 2011, a tenente Juliana Barcellos Silva, da primeira turma de aviadoras da AFA, foi a primeira mulher a assumir a função de instrutora. Já a Tenente Aviadora Vitória Bernal Cavalcanti tornou-se, em março de 2015, a primeira mulher do País a comandar voo de um helicóptero de ataque. Vitória realizou a sua primeira instrução no cockpit da aeronave AH-2 Sabre, na Base Aérea de Porto Velho. Após o voo, ela disse: “É uma grande honra e responsabilidade ser a primeira mulher a pilotar um helicóptero de ataque da Força Aérea Brasileira. Espero que isso sirva de inspiração para todas as mulheres, mostrando que, por meio do esforço e da dedicação, nós podemos alcançar qualquer objetivo”.Vale notar que a FAB forma aviadoras desde 2003.

A Participação das Mulheres em postos de comando

Conforme os dados do Ministério da Defesa, a maioria das mulheres militares brasileiras têm graduação e são oficiais subalternas, compondo a base da hierarquia militar. A maior parte das mulheres é formada de profissionais graduadas (médicas, advogadas, etc) e, por isto, estão no Quadro de Oficiais.

Na Marinha, das 6.922 mulheres, cerca de 46% são oficiais; 54% são praças. Havia 23 capitão-de-mar-e-guerra; 168 capitão-de-fragata; 342 capitã-de-corveta.

No Exército, das 6.009 mulheres, 71% são oficiais; 29%, praças. Havia 282 major; 532 capitão e 415 tenentes.

Na Força Aérea Brasileira, das 9.322 mulheres, 38% são oficiais; 62%, praças. Havia 77 tenente-coronel; 113 major; 247 capitão e 3.028 tenentes.

Vale destacar ainda que, em 2012, a capitão-de-mar-e-guerra Dalva Maria Carvalho Mendes tornou-se a primeira mulher a alcançar o generalato, com o grau de Contra-Almirante.

Por sua vez, em janeiro de 2015, a Coronel Médica Carla Lyrio Martins tornou-se a primeira mulher a comandar uma organização militar da Força Aérea Brasileira. Ela comanda, desde essa data, a Casa Gerontológica Brigadeiro Eduardo Gomes (CGABEG).

No Exército, a major Carla Clausi, assumiu em janeiro de 2015 direção do Hospital de Guarnição de João Pessoa. É a primeira mulher a comandar uma unidade militar do Exército nacional. Em uma entrevista concedida, a militar disse: “Existem muitas diferenças entre os homens e as mulheres e eu não discordo disto. É comprovado que o homem é mais forte fisicamente do que a mulher. Mas isso não quer dizer que eu não seja capaz de estar aqui. Eu li muitos dos comentários que foram postados na rede social e me orgulho de perceber que a maioria está me dando força e me apoiando. Quanto aos que acham que uma mulher não é capaz, eu só dou risadas”.

Em fevereiro de 2015, ocorreu a nomeação da primeira mulher a comandar uma Organização Militar de Saúde Operacional do Exército Brasileiro, a Major Yamar Eiras Baptista. Ela passou a comandar o Hospital de Campanha Oswaldo Cruz.

Participação nas forças de paz da ONU

Para a especialista Renata Avelar Giannini, a presença qualitativa (e quantitativa) das mulheres nas Forças Armadas de um País guarda relação direta com sua atuação nas forças de paz da ONU. Assim, para essa autora: “a ausência de mulheres em posições de combate nas forças armadas brasileiras, em particular no Exército (que mais envia efetivos a missões de paz), significa que são poucas as mulheres militares brasileiras enviadas a missões de paz e que nenhuma delas estaria em contato com a população local exercendo atividades de proteção. A exceção são as que atuam na área de saúde, principalmente, que têm algum contato com a população durante atividades civil-militares em locais como o Haiti”.

A referida reportagem da Revista Carta Capital mostrou também que as mulheres estão pouco representadas nas missões de paz das Nações Unidas, embora a organização tenha políticas para incluí-las em todas as suas funções. De acordo com a Revista, em dezembro de 2013, havia 98,2 mil soldados nas 18 missões de paz da ONU em todo o mundo, mas apenas 3,7 mil eram mulheres (3,8%).

Vale destacar que, em 2011, o Ministério da Defesa e a ONU Mulheres (Agência da Organização das Nações Unidas para as mulheres) assinaram Carta de intenções no intuito de aumentar a participação feminina do Brasil em operações de paz. Trata-se de documento inédito com este conteúdo assinado pelo organismo internacional com o Governo de um país. Para a representante da ONU, esta é “uma prova da vontade do Ministério da Defesa [do Governo Brasileiro] em ampliar a participação feminina”.

Recomendações

Em seu referido trabalho, Renata Giannini apresenta as seguintes recomendações para as Força Armadas no que tange à temática de gênero nas Forças:

“a) Designação de pontos focais de gênero nas principais organizações militares;

b) Ampliação do diálogo com outros órgãos do governo (como a Secretaria de Política Especial para as Mulheres, o Ministério da Justiça e o Ministério das Relações Exteriores), organizações da sociedade civil e a ONU Mulheres em prol de uma política pró-equidade de gênero;

c) Elaboração de estudos sobre a incorporação de mulheres em posições de combate e os impactos destas políticas;

d) Treinamento sobre gênero e violência sexual que inclua cenários e situações verossímeis;

e) Mapeamento de ações de tropas brasileiras no terreno que enfatizem a proteção da mulher e seu empoderamento, através de projetos CIMIC [civil military co-operation ou cooperação civil-militar], por exemplo; e

f) Promoção de ações CIMIC e ACISO [Ação Cívico-Social] que visem beneficiar mulheres e diminuir sua exposição à violência sexual e baseada em gênero”.

Concluímos este artigo afirmando que a luta pela igualdade na área da defesa teve, como se pôde ver, importantes avanços nos últimos anos.

Aqui cabe um breve desvio, para relatarmos a nossa própria experiência relacionada ao tema. Em São Bernardo do Campo, na gestão do Prefeito Luiz Marinho, constituímos o inédito Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa do Grande ABC, que reúne Prefeitura, empresas, sindicatos de trabalhadores, universidades, sistema “s”, instituições financeiras, entre outros, e que visa debater e implementar uma agenda de curto, médio e longo prazo para o setor. O principal objetivo é a reconversão, adensamento e participação da Região do ABC na base industrial de defesa. Os dois autores deste artigo estiveram bastante envolvidos até julho de 2015 com a constituição e funcionamento deste APL. A coordenação técnica dos trabalhos coube a uma mulher, a coautora deste artigo. Recorrentemente o APL foi citado pelas autoridades militares como um dos modelos a serem seguidos por outras regiões.

Mas ainda é longo o caminho a percorrer até que se possa falar em igualdade de gênero na área militar. As Forças Armadas são instituições com tradição secular e imaginário bastante associado ao estereótipo masculino. Não é tarefa fácil mudar valores e culturas há longo enraizadas, mas é essencial que, também neste campo da sociedade, homens e mulheres se libertem dos preconceitos e busquem avançar. Também nas Forças Armadas muitos postos de trabalho que antes as mulheres não podiam entrar e muito menos comandar precisam ser abertos para a participação das mulheres.
É fundamental que mulheres e homens, em igualdade de condições, dividam em quantidade os postos das instituições militares. Tão importante quanto, é que mulheres e homens dividam também os postos de comando. Isto é importante não apenas para o avanço nas relações de gênero, mas também para a melhoria da qualidade das ações das Forças Armadas Brasileiras.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015. Criou e dirigiu o APL de Defesa do Grande ABC no período.jefersondac@ig.com.br

Flávia Beltran é funcionária da Prefeitura de São Bernardo do Campo. Foi Coordenadora Técnica do APL de Defesa do Grande ABC até julho de 2015.flaviabeltran@hotmail.com

Artigo publicado na coluna blogs do site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br) em 7/3/2016

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