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segunda-feira, 14 de março de 2016

A CRISE, O PÂNICO E O EFEITO MANADA


Jefferson José da Conceição
Roberto Vital Anav

Em Psicologia de grupo e a análise do ego, obra de 1921, Freud afirma: “pertence à própria essência do pânico não apresentar relação com o perigo que ameaça, e irromper nas ocasiões mais triviais”.

Valemo-nos desta breve citação de Freud para refletir sobre a dimensão subjetiva das crises econômicas, em particular esta que o Brasil vive no momento.

O efeito manada

 
De fato, a subjetividade pode exercer um papel devastador nas crises econômicas. Isto porque as decisões privadas de alocação de recursos - isto é, o investimento, a produção, o consumo e o entesouramento (poupança) - podem ser contaminados primeiramente pelo pânico, gerando a paralisia dos negócios. Na sequência deste processo, as decisões privadas passam a sofrer o efeito do ambiente de incerteza e de pessimismo.

Assim, as oscilações bruscas das bolsas de valores, refletindo cada notícia divulgada (balanços de empresas, bancos, queda dos gastos públicos etc), representam o termômetro do frenesi que passa a tomar conta das economias nacionais. Não é à toa que o mais conhecido símbolo de Wall Street é a estátua de um touro. Ele representa a explosão da manada que acontece com os investidores capitalistas quando o ambiente passa de otimista para pessimista, e vice-versa. Em outras palavras, se há otimismo, todos os investidores capitalistas passam a ter expectativas de bons negócios e investem; se o quadro se reverte e há pessimismo e incerteza, todos eles passam a ter expectativas de lucros cadentes e retraem suas atividades.

Mesmo instituições sólidas, que, a princípio, não são imediatamente afetadas pela crise, ficam temerosas e passam a agir defensivamente, o que agrava o quadro. Grandes bancos deixam de conceder crédito para outros bancos e para as famílias. Empresas do setor produtivo que tiveram bons resultados em seus balanços retardam investimentos, na espera de maior nitidez nos horizontes. Os consumidores pensam duas vezes antes de adquirir financiamentos e comprar bens de valores mais elevados.

Credores e devedores, tomados pelo pessimismo, retraem os negócios em geral. Consequentemente, a tendência é a retração do crédito e a desaceleração do nível de atividade econômica.

A mídia e o pânico atual no Brasil

Cabe ter claro, todavia, que no mundo contemporâneo, caracterizado pela velocidade das informações veiculadas pelos diferentes meios de comunicação (TV, rádio, jornais, internet etc), o aspecto da subjetividade da crise guarda relação não apenas com os fenômenos econômicos em si, mas também com a própria forma de tratamento dado pela mídia. 

Nesse sentido, é evidente que a influência da mídia é hoje muito maior do que era em 1929, quando o capitalismo viveu uma de suas maiores crises econômicas. Hoje, qualquer informação – seja ela baseada em fatos reais ou apenas especulativos – pode ter grande e imediata repercussão em todo o mundo, com impacto nas decisões de investimento, consumo e ações governamentais. Agrava ainda este quadro a constatação de que, entre os jornalistas que tratam as crises econômicas, é pequena a parcela dos que realmente são especialistas em economia. Não raro, isto traz dificuldades e grandes confusões no acompanhamento e interpretação dos fatos.

Não é demais lembrar também que os grandes meios de comunicação são controlados por grupos com interesses econômicos e políticos próprios em jogo. No Brasil, de acordo com Julian Assange, do Wikileaks, seis famílias controlam 70% da mídia. E, como se vê pelas matérias das três maiores revistas semanais, todas elas costumam expressar e condicionar a mesma opinião sobre os temas mais candentes do país.

Portanto, as informações sobre a crise econômica não são neutras ou transparentes. A mídia, potencializada pelas redes sociais, tem o poder de criar sentimentos de pânico, que são desproporcionais aos elementos objetivos envolvidos.

Essa ação da mídia, de criar pânico neste momento, não é desprovida de propósito. As principais redes midiáticas foram frustradas em suas pretensões nas eleições aos quatro últimos pleitos nacionais majoritários. Já a composição cada vez mais conservadora do Congresso Nacional está mais de acordo com as preferências dos barões da mídia. Não por acaso, o Congresso é o autor das “pautas-bomba” que intensificam a crise e incidem negativamente nas expectativas dos agentes econômicos. A mídia faz sua parte para disseminar o pânico e minar a autoridade presidencial, responsabilizando-a por tudo de ruim que ocorre no país.

Este esforço dirigido no sentido da geração de pânico se fortalece no momento em que uma crise mundial, persistente há quase uma década, se faz sentir mais intensamente em nossa economia, depois de nosso êxito em nos imunizarmos no primeiro quinquênio pós-eclosão. Alguns erros efetivos na condução da política econômica também contribuíram. É o caso, primeiro, das excessivas desonerações tributárias a setores econômicos, sem exigências de contrapartidas em investimentos e empregos; e, logo após as eleições, da adoção de uma agenda contraditória com aquela aprovada pelos eleitores, centrada em medidas neoliberais de cunho marcadamente recessivo.

Face aos impactos negativos desse conjunto de fatores, a mídia projeta a imagem de um país quase solitário na crise, que decorreria tão somente de condução macroeconômica desastrosa. Esse cenário deixa os segmentos menos informados com a sensação de ameaça e desproteção. Os mais informados, sabedores dos reais motivos e do alcance da crise, não deixam de ser afetados pela atitude receosa e retraída dos primeiros. O círculo vicioso assim gerado reflete-se em indicadores que apontam a queda da produção e dos empregos. Estes são destacados nos meios de comunicação de forma isolada, sem confrontação com as tendências mundiais, nem, muito menos, com outros indicadores mais positivos. Entre os últimos, podemos citar o aumento nos saldos da balança comercial. Isto pode, como ocorreu em 2003, contribuir para reverter a recessão.

Igualmente, não são neutros os pronunciamentos de partidos e representações sociais, quando estes se posicionam perante as crises. A ênfase sobre determinados elementos da crise é dada de acordo com o que interessa ao ator social em questão. No caso brasileiro, por exemplo, é perceptível que o diagnóstico e as propostas em relação à crise também se inserem no campo das disputas eleitorais. A presença de robustas reservas cambiais, em contraste com a situação herdada pelo ex-presidente Lula em 2003, bem como o acúmulo de conquistas sociais nos últimos trezes anos – inclusão social, melhora na distribuição de renda, geração de milhões de empregos formais, ampliação significativa do acesso às universidades e cursos técnicos – são omitidos. Às vezes, são até mesmo negados e desqualificados. Assim, passa-se a imagem de quatro governos (dois na gestão Lula e dois da gestão Dilma) inoperantes, demagógicos.

O tema da corrupção é o mais distorcido pelos meios de comunicação e pelos partidos derrotados pela quarta vez consecutiva em 2014. A impressão que um informado observador de fora pode ter é de que a mídia e os partidos oposicionistas têm saudades dos tempos em que tínhamos um “engavetador Geral da República” e um Diretor da Polícia Federal filiado ao então partido do Governo Federal.

Antes, a sociedade tomava conhecimento de escândalos de corrupção – como o da compra de votos para a emenda constitucional da reeleição e o da própria Petrobras, denunciado pelo já falecido jornalista Paulo Francis, e tantos relacionados às privatizações– por meio de reportagens isoladas, esporádicos vazamentos de segredos de Estado e ações individuais de alguns procuradores, no mais das vezes abortadas ou engavetadas.

Nos anos recentes, a Presidenta Dilma adotou medidas corajosas no combate à corrupção, aprofundando caminho iniciado pelo Presidente Lula: deu maior liberdade de movimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público e aprovou leis mais severas contra corruptores e corruptos.

Perfurou-se a bolha e o pus vazou: sabemos hoje muito mais sobre o submundo de conluios entre grandes empresas e políticos; processos e investigações não são mais engavetados ou abortados.

Entretanto, a impressão que se passa nos jornais impressos e eletrônicos é a de que, anteriormente, a corrupção não era significativa e só se tornou um grave problema na atualidade. Pior: continua a se omitir e engavetar episódios da maior gravidade, quando os suspeitos são governantes e parlamentares oposicionistas. A mídia não exerce, nestes casos, o papel de denúncia e pressão sobre as autoridades responsáveis. Políticos notoriamente envolvidos em episódios de corrupção e citados várias vezes em delações premiadas vêm a público convocar manifestações, pretensamente contra a corrupção, sem qualquer registro crítico nos meios de comunicação.

No cerne desse processo de disseminação de pânico, desânimo e descrédito geral (sentimentos que se reforçam mutuamente) está a tentativa de inviabilizar o governo eleito democraticamente em 2014. É clara a fragilidade jurídica do pedido de impeachment, pelo qual se empenham tanto os derrotados nas últimas eleições.

O que fazer?

Diante do exposto anteriormente, o que fazer? Aprofundar a trajetória neoliberal de sentido recessivo, infelizmente em curso, apesar de mudança ministerial que pareceu promissora de mudanças? Cabe frisar que é isto o que têm a oferecer ao país as lideranças empenhadas no impeachment ou na renúncia já recusada pela Presidenta. Esse aprofundamento só nos levaria ao fundo do poço e poria a perder muitas das conquistas sociais.

Ajuste fiscal em ambiente recessivo, quando caem todas as receitas públicas, é o pior dos mundos.

A nosso ver, o caminho tem que ser outro.

O que se deve fazer é retomar um ciclo de investimentos, liderado pelo Governo com fontes adequadas de financiamento, revertendo as expectativas negativas e oferecendo um horizonte ao setor privado. A retomada das exportações e a relativa proteção cambial ao mercado interno são pontos de apoio importantes a fortalecer. Estimular o crédito, de forma prudente e responsável, para fazer do consumo um elemento de recuperação, em lugar de mantê-lo como fator recessivo, é outro item de uma agenda anticrise.

A retomada do crescimento, ainda que modulado pela responsabilidade fiscal, permitirá ajustar as finanças públicas de modo muito mais suave. A queda da relação dívida/PIB entre 2003 e 2013 é uma demonstração desse efeito benéfico do crescimento econômico. Outro esforço necessário deve ser o de esclarecer para a sociedade a verdadeira natureza da crise, comparando nossos atuais pontos fortes com outras épocas mais dramáticas, valendo-se das redes sociais, de comunicados à população e do acionamento dos inúmeros atores sociais favoráveis à retomada, como empresários não acossados pelo pânico (que existem), economistas desenvolvimentistas, personalidades artísticas, acadêmicas e científicas.

Dessa forma, podemos superar a crise política, vencer o pânico, voltar a crescer de forma sustentável e avançar na distribuição de renda e na inclusão social.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. na USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo entre jan. 2009 e jul.2015, e Superintendente do SBCPREV entre ago.2015 e jan.2016.  É Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento, ADESAMPA.

Roberto Vital Anav é Prof. Ms na USCS. Doutorando da UFABC. Assessor da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo.
 
* Artigo publicado na coluna blogs do site do ABCDMaior , www.abcdmaior.com.br, em 14/3/2016.

 

 

 

 

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