Jefferson José da Conceição
Roberto Vital Anav
Em Psicologia de grupo e a análise do ego, obra de
1921, Freud afirma: “pertence à própria
essência do pânico não apresentar relação com o perigo que ameaça, e irromper
nas ocasiões mais triviais”.
Valemo-nos desta breve citação de Freud para
refletir sobre a dimensão subjetiva das crises econômicas, em particular esta
que o Brasil vive no momento.
O efeito manada
De fato, a subjetividade pode exercer um papel
devastador nas crises econômicas. Isto porque as decisões privadas de alocação
de recursos - isto é, o investimento, a produção, o consumo e o entesouramento
(poupança) - podem ser contaminados primeiramente pelo pânico, gerando a
paralisia dos negócios. Na sequência deste processo, as decisões privadas
passam a sofrer o efeito do ambiente de incerteza e de pessimismo.
Assim, as oscilações bruscas das bolsas de valores,
refletindo cada notícia divulgada (balanços de empresas, bancos, queda dos
gastos públicos etc), representam o termômetro do frenesi que passa a tomar
conta das economias nacionais. Não é à toa que o mais conhecido símbolo de Wall
Street é a estátua de um touro. Ele representa a explosão da manada que
acontece com os investidores capitalistas quando o ambiente passa de otimista
para pessimista, e vice-versa. Em outras palavras, se há otimismo, todos os
investidores capitalistas passam a ter expectativas de bons negócios e investem;
se o quadro se reverte e há pessimismo e incerteza, todos eles passam a ter
expectativas de lucros cadentes e retraem suas atividades.
Mesmo instituições sólidas, que, a princípio, não
são imediatamente afetadas pela crise, ficam temerosas e passam a agir
defensivamente, o que agrava o quadro. Grandes bancos deixam de conceder
crédito para outros bancos e para as famílias. Empresas do setor produtivo que
tiveram bons resultados em seus balanços retardam investimentos, na espera de
maior nitidez nos horizontes. Os consumidores pensam duas vezes antes de
adquirir financiamentos e comprar bens de valores mais elevados.
Credores e devedores, tomados pelo pessimismo,
retraem os negócios em geral. Consequentemente, a tendência é a retração do
crédito e a desaceleração do nível de atividade econômica.
A mídia e o pânico
atual no Brasil
Cabe ter claro, todavia, que no mundo
contemporâneo, caracterizado pela velocidade das informações veiculadas pelos
diferentes meios de comunicação (TV, rádio, jornais, internet etc), o aspecto
da subjetividade da crise guarda relação não apenas com os fenômenos econômicos
em si, mas também com a própria forma de tratamento dado pela mídia.
Nesse sentido, é evidente que a influência da mídia
é hoje muito maior do que era em 1929, quando o capitalismo viveu uma de suas
maiores crises econômicas. Hoje, qualquer informação – seja ela baseada em
fatos reais ou apenas especulativos – pode ter grande e imediata
repercussão em todo o mundo, com impacto nas decisões de investimento,
consumo e ações governamentais. Agrava ainda este quadro a constatação de
que, entre os jornalistas que tratam as crises econômicas, é pequena a parcela
dos que realmente são especialistas em economia. Não raro, isto traz
dificuldades e grandes confusões no acompanhamento e interpretação dos fatos.
Não é demais lembrar também que os grandes
meios de comunicação são controlados por grupos com interesses econômicos e
políticos próprios em jogo. No Brasil, de acordo com Julian Assange, do
Wikileaks, seis famílias controlam 70% da mídia. E, como se vê pelas matérias
das três maiores revistas semanais, todas elas costumam expressar e condicionar
a mesma opinião sobre os temas mais candentes do país.
Portanto, as informações sobre a crise econômica
não são neutras ou transparentes. A mídia, potencializada pelas redes sociais,
tem o poder de criar sentimentos de pânico, que são desproporcionais aos
elementos objetivos envolvidos.
Essa ação da mídia, de criar pânico neste momento,
não é desprovida de propósito. As principais redes midiáticas foram frustradas
em suas pretensões nas eleições aos quatro últimos pleitos nacionais
majoritários. Já a composição cada vez mais conservadora do Congresso Nacional
está mais de acordo com as preferências dos barões da mídia. Não por acaso, o
Congresso é o autor das “pautas-bomba” que intensificam a crise e incidem
negativamente nas expectativas dos agentes econômicos. A mídia faz sua parte
para disseminar o pânico e minar a autoridade presidencial, responsabilizando-a
por tudo de ruim que ocorre no país.
Este esforço dirigido no sentido da geração de
pânico se fortalece no momento em que uma crise mundial, persistente há quase
uma década, se faz sentir mais intensamente em nossa economia, depois de nosso
êxito em nos imunizarmos no primeiro quinquênio pós-eclosão. Alguns erros
efetivos na condução da política econômica também contribuíram. É o caso,
primeiro, das excessivas desonerações tributárias a setores econômicos, sem
exigências de contrapartidas em investimentos e empregos; e, logo após as
eleições, da adoção de uma agenda contraditória com aquela aprovada pelos
eleitores, centrada em medidas neoliberais de cunho marcadamente recessivo.
Face aos impactos negativos desse conjunto de
fatores, a mídia projeta a imagem de um país quase solitário na crise, que
decorreria tão somente de condução macroeconômica desastrosa. Esse cenário
deixa os segmentos menos informados com a sensação de ameaça e desproteção. Os
mais informados, sabedores dos reais motivos e do alcance da crise, não deixam
de ser afetados pela atitude receosa e retraída dos primeiros. O círculo
vicioso assim gerado reflete-se em indicadores que apontam a queda da produção
e dos empregos. Estes são destacados nos meios de comunicação de forma isolada,
sem confrontação com as tendências mundiais, nem, muito menos, com outros
indicadores mais positivos. Entre os últimos, podemos citar o aumento nos
saldos da balança comercial. Isto pode, como ocorreu em 2003, contribuir para
reverter a recessão.
Igualmente, não são neutros os pronunciamentos de
partidos e representações sociais, quando estes se posicionam perante as
crises. A ênfase sobre determinados elementos da crise é dada de acordo com o
que interessa ao ator social em questão. No caso brasileiro, por exemplo, é
perceptível que o diagnóstico e as propostas em relação à crise também se
inserem no campo das disputas eleitorais. A presença de robustas reservas
cambiais, em contraste com a situação herdada pelo ex-presidente Lula em 2003,
bem como o acúmulo de conquistas sociais nos últimos trezes anos – inclusão
social, melhora na distribuição de renda, geração de milhões de empregos
formais, ampliação significativa do acesso às universidades e cursos técnicos –
são omitidos. Às vezes, são até mesmo negados e desqualificados. Assim,
passa-se a imagem de quatro governos (dois na gestão Lula e dois da gestão
Dilma) inoperantes, demagógicos.
O tema da corrupção é o mais distorcido pelos meios
de comunicação e pelos partidos derrotados pela quarta vez consecutiva em 2014.
A impressão que um informado observador de fora pode ter é de que a mídia e os
partidos oposicionistas têm saudades dos tempos em que tínhamos um “engavetador
Geral da República” e um Diretor da Polícia Federal filiado ao então partido do
Governo Federal.
Antes, a sociedade tomava conhecimento de
escândalos de corrupção – como o da compra de votos para a emenda
constitucional da reeleição e o da própria Petrobras, denunciado pelo já
falecido jornalista Paulo Francis, e tantos relacionados às privatizações– por
meio de reportagens isoladas, esporádicos vazamentos de segredos de Estado e
ações individuais de alguns procuradores, no mais das vezes abortadas ou
engavetadas.
Nos anos recentes, a Presidenta Dilma adotou
medidas corajosas no combate à corrupção, aprofundando caminho iniciado pelo
Presidente Lula: deu maior liberdade de movimentos à Polícia Federal e ao
Ministério Público e aprovou leis mais severas contra corruptores e corruptos.
Perfurou-se a bolha e o pus vazou: sabemos hoje
muito mais sobre o submundo de conluios entre grandes empresas e políticos;
processos e investigações não são mais engavetados ou abortados.
Entretanto, a impressão que se passa nos jornais
impressos e eletrônicos é a de que, anteriormente, a corrupção não era
significativa e só se tornou um grave problema na atualidade. Pior: continua a
se omitir e engavetar episódios da maior gravidade, quando os suspeitos são
governantes e parlamentares oposicionistas. A mídia não exerce, nestes casos, o
papel de denúncia e pressão sobre as autoridades responsáveis. Políticos
notoriamente envolvidos em episódios de corrupção e citados várias vezes em
delações premiadas vêm a público convocar manifestações, pretensamente contra a
corrupção, sem qualquer registro crítico nos meios de comunicação.
No cerne desse processo de disseminação de pânico,
desânimo e descrédito geral (sentimentos que se reforçam mutuamente) está a
tentativa de inviabilizar o governo eleito democraticamente em 2014. É clara a
fragilidade jurídica do pedido de impeachment, pelo qual se empenham
tanto os derrotados nas últimas eleições.
O que fazer?
Diante do exposto anteriormente, o que fazer?
Aprofundar a trajetória neoliberal de sentido recessivo, infelizmente em curso,
apesar de mudança ministerial que pareceu promissora de mudanças? Cabe frisar
que é isto o que têm a
oferecer ao país as lideranças empenhadas no impeachment ou na renúncia
já recusada pela Presidenta. Esse aprofundamento só nos levaria ao fundo do
poço e poria a perder muitas das conquistas sociais.
Ajuste fiscal em ambiente recessivo, quando caem
todas as receitas públicas, é o pior dos mundos.
A nosso ver, o caminho tem que ser outro.
O que se deve fazer é retomar um ciclo de
investimentos, liderado pelo Governo com fontes adequadas de financiamento,
revertendo as expectativas negativas e oferecendo um horizonte ao setor
privado. A retomada das exportações e a relativa proteção cambial ao mercado
interno são pontos de apoio importantes a fortalecer. Estimular o crédito, de
forma prudente e responsável, para fazer do consumo um elemento de recuperação,
em lugar de mantê-lo como fator recessivo, é outro item de uma agenda
anticrise.
A retomada do crescimento, ainda que modulado pela
responsabilidade fiscal, permitirá ajustar as finanças públicas de modo muito
mais suave. A queda da relação dívida/PIB entre 2003 e 2013 é uma demonstração
desse efeito benéfico do crescimento econômico. Outro esforço necessário deve
ser o de esclarecer para a sociedade a verdadeira natureza da crise, comparando
nossos atuais pontos fortes com outras épocas mais dramáticas, valendo-se das
redes sociais, de comunicados à população e do acionamento dos inúmeros atores
sociais favoráveis à retomada, como empresários não acossados pelo pânico (que
existem), economistas desenvolvimentistas, personalidades artísticas,
acadêmicas e científicas.
Dessa forma, podemos superar a crise política, vencer o pânico, voltar a crescer de forma sustentável e avançar na distribuição de renda e na inclusão social.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. na USCS.
Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo
entre jan. 2009 e jul.2015, e Superintendente do SBCPREV entre ago.2015 e
jan.2016. É Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento,
ADESAMPA.
Roberto Vital Anav é Prof. Ms na USCS. Doutorando
da UFABC. Assessor da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo.
* Artigo publicado na coluna blogs do site do ABCDMaior , www.abcdmaior.com.br, em 14/3/2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário