Jefferson José da Conceição
O Governo Temer pretende fazer reformas na legislação
trabalhista e previdenciária. Estas reformas surgem por pressão especialmente
dos segmentos empresariais – como a Fiesp, de Paulo Skaff - que apoiaram Temer
no processo que levou ao impeachment da Presidenta Dilma.
A cobrança desta fatura política começou logo após o
afastamento de Dilma, mas já estava prevista no programa “Uma ponte para o
futuro”, lançado em outubro de 2015. Este Programa já prenunciava a política
que é agora abraçada por Temer.
Desde o ano passado, inúmeros projetos de lei surgiram no
Congresso Nacional tratando de alterações na legislação trabalhista e
previdenciária.
Neste artigo, vamos nos restringir aos projetos da reforma
trabalhista. Analisaremos apenas os projetos enviados ao Congresso entre 2015 e
2016, bem como alguns anteriores que começam a ter sua tramitação agilizada
agora. Registre-se que o DIAP apontou 55 projetos que tramitam no Congresso e
que são prejudiciais à classe trabalhadora1.
As Centrais Sindicais foram as primeiras a se posicionarem
contra as propostas em discussão pelo Governo. Dezenove Ministros do Tribunal
Superior do Trabalho de um total de vinte e sete2 produziram
manifesto que aponta para a precarização das relações de trabalho e denuncia os
cortes de gastos especialmente com a Justiça do Trabalho, que, segundo o
manifesto, é um “declarado propósito de retaliação contra o seu papel social e
institucional, levando à inviabilização do seu funcionamento”. Na mesma época,
o Deputado Nelson Marchesan Jr, do PSDB, defendeu na Comissão de Trabalho da
Câmara o fim de Justiça do Trabalho.
Retrocesso na Jornada de Trabalho
Em recente reunião com Temer e mais 100 empresários, o
presidente da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), ao sair do encontro,
sugeriu que a jornada do trabalhador deveria ser de 80 horas semanais e 12
diárias. Segundo ele, a jornada seria a mesma que a da França.
Entretanto, o Presidente da CNI preferiu ocultar que, na
França, o limite de jornada é de 35h semanais. Naquele país, foi aprovada
recentemente a realização de horas suplementares em caráter excepcional
totalizando, no máximo, 60h semanais. No Brasil, atualmente temos 44h semanais
e 8h diárias. Esta jornada pode ser prorrogada por mais 2h extras diárias,
totalizando, no máximo, 60h semanais.
Uma jornada de 80h semanais e 12h diárias nos remeteria às
condições de trabalho existentes no século XIX.
Um retrocesso que poderia levar mais 200 anos para voltarmos ao patamar
atual. Elevar a carga horária para este nível implica em sobrecarregar quem
está trabalhando, piorando suas condições sociais e de saúde, além de elevar o
desemprego.
A elevação da jornada é incompatível com um país que precisa
criar empregos. No Brasil, a taxa de desemprego já alcança 11% da população
ativa em busca de trabalho.
O que gera empregos é justamente a redução da jornada e não
a sua elevação. De acordo com estudo do DIEESE3, a diminuição da
carga horária para 40 horas semanais geraria 2,2 milhões de novos postos de
trabalho. A eliminação de horas extras teria o potencial de criar mais 1,2
milhões de postos de trabalho.
A redução da jornada de trabalho não impede o incremento da
competitividade. O mesmo estudo do DIEESE indica que, entre os anos de 1990 e
2000, o nível de produtividade do Brasil aumentou em 6,5%. Isto, embora a
jornada de trabalho tenha diminuído de 48 para 44 horas semanais com a
Constituição Federal de 1988.
Prevalência do Negociado sobre o Legislado
O atual Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, defende
claramente em suas manifestações públicas a prevalência do negociado sobre o
legislado. Esse mecanismo, se transformado em lei, fará com que os acordos
coletivos firmados entre empregadores e Sindicatos tenham validade, mesmo que
viessem a estabelecer regras contrárias à CLT.
O Projeto de Lei 4.962/2016, do Deputado Júlio Lopes
(PP/RJ), é o projeto que representa essa proposta. De acordo com o referido
projeto, o artigo 618 da CLT, que dispõe sobre os acordos coletivos4,
seria alterado. Assim, desde que respeitados os direitos previstos na
Constituição Federal e nas normas de medicina e segurança, o acordo
prevaleceria sobre a lei ordinária.
O projeto ignora princípios elementares do Direito do
Trabalho, como o da proteção ao trabalhador. Por esse princípio, qualquer
alteração do contrato de trabalho só é lícita com o consentimento do empregado
e desde que não traga prejuízos a ele. Assim, alterações que visem, por
exemplo, aumentar competitividade via diminuição de direitos trabalhistas
jamais podem ser objetos destes acordos. Entretanto, como exposto, o PL 4962
joga este princípio no “lixo”.
Acrescente-se que o artigo 7º da Constituição Federal5
estabelece os direitos mínimos dos trabalhadores. O artigo menciona ainda que
outros direitos infraconstitucionais poderão ser criados a fim de melhorarem as
suas condições sociais. Não para piorarem ou restringirem essas condições.
Mas não é só isso. A questão da falta de representatividade
de inúmeros sindicatos também é fator que torna ainda mais grave os efeitos do
projeto que faz prevalecer o negociado sobre o legislado.
Temos no Brasil mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores6.
A maioria foi criada apenas com o propósito de receber contribuições sindicais.
Esse tipo de sindicato não detém legitimidade para negociar direitos de
trabalhadores, conquistados há mais de um século.
A tentativa de desmantelar o movimento sindical
Recentemente foram apresentados o PL 6148/2016, do Deputado
Paulo Martins (PSDB/PR), e o PL 4977/2016, do Deputado Alberto Fraga (DEM/DF),
que tratam da contribuição sindical. O primeiro projeto torna a contribuição
sindical facultativa. O segundo determina a prestação de contas dos Sindicatos,
Federações, Confederações e Centrais ao Tribunal de Contas da União, em razão
de receberem a contribuição sindical, imposto de natureza obrigatória.
O fim da contribuição sindical obrigatória não pode ocorrer
por uma canetada e no contexto de uma política antisindical.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), historicamente,
desde a sua criação na década de 1980, defendeu o fim do imposto sindical.
Criado no Governo Lula, o Fórum Nacional do Trabalho, no qual participaram
representantes dos empresários, trabalhadores e governo, chegou a um relativo
consenso na formulação de proposta de um novo modelo sindical7, após
intensas discussões sobre o tema. Pela proposta, a contribuição sindical seria
extinta gradativamente. Os sindicatos receberiam a mensalidade sindical dos
seus sócios, e também a taxa negocial, conforme os acordos coletivos que
fizessem. Ou seja, somente sindicatos
comprometidos com os trabalhadores é que conseguiriam sustentação financeira.
A partir dos projetos de lei acima referidos, é possível
afirmar que o claro intuito dos referidos projetos é acabar com a organização
sindical e atrelar o seu controle ao Estado. Isto contraria a liberdade
sindical duramente conquistada na Constituição Federal de 1988.
A terceirização
O projeto da terceirização (PLC 30/2015, antigo PL 4330) tem
sido objeto de intenso debate já há algum tempo. Entretanto, este projeto, com
essa sinalização do Governo atual de flexibilizar direitos, vem agora com toda
força. Para prejuízo dos trabalhadores.
O referido projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados,
permitirá que as empresas terceirizem toda a sua atividade econômica. Um banco,
por exemplo, poderá terceirizar os caixas, os gerentes, os departamentos. Os
banqueiros ficarão apenas com a parte que mais lhes interessa: o domínio da
marca.
A terceirização representa a fragmentação da classe
trabalhadora. Ela dificulta a organização sindical, promove a perda de
identidade da classe, diminui os salários, aumenta a jornada média, causa
doenças. E os trabalhadores terceirizados demitidos têm grandes dificuldades em
receber seus direitos trabalhistas, mesmo na Justiça. É o caos para os
trabalhadores.
Contrato de Trabalho Intermitente
Vale também mencionar o PL 218/2016, do Senador Ricardo
Ferraço (PSDB-ES), que cria o contrato de trabalho intermitente.
O contrato intermitente prevê que o empregado irá permanecer
a disposição da empresa e pode ser chamado a qualquer momento para trabalhar.
Apesar de ficar à disposição da empresa, o trabalhador não tem direito a
receber as horas que permanecer de sobreaviso. O trabalhador receberá somente
aquelas que efetivamente trabalhar.
Em resumo, na semana que tiver serviço, o trabalhador vai
trabalhar e recebe por isto. Do contrário, fica em casa, sem nada receber. No
final do mês, é garantido ao trabalhador apenas o salário mínimo por hora
trabalhada. Ou seja, se o empregado trabalhou pouco, ele poderá receber menos
de um salário mínimo no mês.
Mas a precarização não para por aí. Se a lei prevê plena
flexibilidade do trabalhador, que fica à disposição da empresa, ela, por outro
lado, estabelece plena rigidez ao empregado, que é impedido de prestar serviço
a outra empresa sem a anuência do seu empregador8.
Jovem entre 14 e 16 anos como empregado em tempo parcial
A PEC 18/2011, de autoria de vários deputados, voltou a ser
cogitada. Essa PEC altera a Constituição Federal ao permitir que o jovem entre
14 e 16 anos possa trabalhar como empregado em tempo parcial. Atualmente, a
Constituição Federal permite o trabalho nesta idade somente para jovens
enquadrados como aprendizes.
Ou seja, não contentes que os trabalhadores se aposentem
somente depois dos 65 anos de idade (que é o que pretende a reforma
previdenciária, que abordaremos em próximo artigo), os defensores das atuais
reformas trabalhistas querem “sugá-los” desde os 14 anos de idade.
Simples Trabalhista
O PL 450/2015, de autoria do Deputado Júlio Delgado
(PSB/MG), cria o Simples Trabalhista para pequenas e microempresas. Este
Simples Trabalhista institui na prática o trabalhador de segunda categoria -
aquele que tem direitos reduzidos.
O PL prevê que haverá acordos coletivos específicos que
poderão prever piso diferenciado (menor), supressão do adicional de horas
extras, PLR diferenciado (mais reduzido) e trabalho aos sábados e domingos.
O PL possibilita também que empresas e empregados possam
fazer acordos individuais (entre empresa e empregado), sem a assistência do
sindicato, em itens como horário normal durante o cumprimento do aviso prévio;
parcelamento em até 6 vezes do 13º salário; concessão de férias em até três
períodos.
Para todos os trabalhadores, o FGTS, segundo o referido
Projeto de Lei, será de 2%. Além disso, o contrato poderá ser por prazo
determinado, independentemente da situação. Os conflitos poderão ser resolvidos
por arbitragem.
A decisão do STF sobre a Greve no Serviço Público
No final de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários
imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial.
Trabalho Escravo
A proposta de regulamentação da emenda constitucional
81/2014, do trabalho escravo, propõe a supressão da jornada exaustiva e
trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL
3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado).
Salão Parceiro e Profissional Parceiro
O Projeto de Lei nº 5230/2013: ao invés de “patrão” e
“empregado”, teremos o “Salão Parceiro” e o “Profissional Parceiro”
O Projeto de Lei nº 5230/2013, do Deputado Ricardo Izar
(PSD-SP), foi apresentado em março de 2013, e, após ter tramitado sem muito
alarde na Câmara e no Senado, aguarda agora a sanção do Presidente Michel
Temer. O Projeto de Lei apresenta-se como uma proposta “simpática”, que
pretende “beneficiar” categorias específicas que atuam em salões de beleza,
formadas por cabeleireiros, barbeiros, manicures, esteticistas e outros
profissionais. Contudo, como mostramos neste artigo, por trás deste ato de
“simpatia”, e em que pese até a sua boa fé, esconde-se um grande perigo para as
conquistas da classe trabalhadora brasileira como um todo, e não apenas para os
profissionais do segmento de beleza.
Os impactos - positivos e negativos - do Projeto de Lei nº
5230/2013 já seriam grandes, se seus efeitos se circunscrevessem nos limites
deste segmento. Veremos, contudo, que estes efeitos vão além e podem atingir
vários outros segmentos também.
O Projeto cria a possibilidade de que a relação entre o dono
do salão e o profissional deixe de ser encarada como uma relação de emprego
sujeita às regras da CLT para ser tomada como uma relação de parceria, por
escrito (comprovada por duas testemunhas), entre o “salão parceiro” e o
“profissional parceiro”.
O Projeto de Lei nº 5230/2013, em sua justificativa,
argumenta que ele contribuiria duplamente: ao formalizar parte do contingente
de profissionais do segmento (ou manter sua formalização) e ao eliminar a
insegurança jurídica para o dono do salão de beleza, retirando a possibilidade
futura da alegação do vínculo trabalhista.
Na prática, no entanto, trata-se, a nosso ver, de mais uma
porta de entrada para a flexibilização trabalhista com perda de direitos de uma
categoria numerosa. Mas não só: o Projeto é uma porta ainda mais perigosa,
porque sua aprovação certamente servirá de referência para que outros tantos profissionais,
com funções muito distintas dos profissionais de beleza, sejam objeto de
projetos de lei semelhantes.
Estatuto das Estatais
Recentemente o Congresso aprovou, em caráter de urgência, o
Estatuto das Estatais, uma regulamentação que estava pendente há 28 anos, desde
a Constituição Federal de 1988. O PL 4918/2016, que deu origem à lei, sofreu
forte resistência do movimento sindical.
O caráter privatista do projeto original foi amenizado com a
intervenção do movimento sindical. Esta intervenção conseguiu retirar a
obrigatoriedade das estatais de se tornarem sociedades anônimas; acabou com a
exigência de que as empresas estatais não podem ter ações preferenciais; e
passou a exigir a aplicação do estatuto apenas para empresas com mais de 90 milhões
de receita (caso este estatuto fosse aplicado para empresas com faturamento
menor, essas empresas não conseguiriam cumprir o estatuto).
Apesar disso, houve retrocessos.
Um deles é que a lei aprovada proíbe que o representante dos
empregados nos Conselhos de Administração destas empresas sejam também
dirigentes sindicais. Trata-se de uma clara violação ao direito constitucional
de representação dos sindicatos.
Conclusão
Como se pode ver, o que está em curso é o desmantelamento
dos direitos dos trabalhadores. A precarização do trabalhador é a tônica de
todos os projetos que estão em curso. Sob a falsa alegação de enfrentamento da
crise, o Governo atual e aqueles que representam esse ideário neoliberal
pretendem continuar as mudanças que tiveram início na década de 1990, mas que
foram interrompidas por 12 anos.
O ataque é feroz. Por isto, é importante estabelecer as
trincheiras da resistência em todos os níveis da sociedade brasileira.
Jefferson José da
Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Adm,, Cienc. Cont,
Econ. e Com. Ext.) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi
Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo
(jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico
da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). Economista
licenciado do DIEESE.
Notas:
1 A relação dos projetos está disponível em
http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/25839-55-ameacas-de-direitos-em-tramitacao-no-congresso-nacional
2 O manifesto está disponível em
http://s.conjur.com.br/dl/manifesto-ministros-tst-defesa-direito.pdf
3 DIEESE. Nota Tecnica nº 57. Disponível em
http://www.dieese.org.br/notatecnica/2007/notatec57JornadaTrabalho.pdf Acessado
em 25 set. 2016.
4 Tramita também na Câmara um PL ainda mais nocivo, o PL
8294/2014, que estabelece a negociação entre o empregado e a empresa sem a
participação dos sindicatos, o que levaria fatalmente a total precarização do
emprego.
5 Constituição Federal: “Art. 7º São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”.
6 Dados da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério
do Trabalho e Emprego, divulgado no Diário Oficial da União em 09/04/2015.
7 Foi enviado também para a Câmara o PL 5795/2016, de
autoria dos Deputados Paulo Pereira da Silva (SD/SP) e Bebeto (PSB/BA), que
institui a taxa negocial em substituição à contribuição assistencial. Mas ele
nada menciona sobre a contribuição sindical.
8 Este tipo de contrato era feito pelo McDonald’s (jornada
móvel) e foi objeto de uma ação civil pública. De acordo com a decisão do TST,
essa jornada transfere o risco do negócio para o empregado PROCESSO Nº
TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004.
Este artigo é uma versão ampliada de artigo assinado em
conjunto com Luiz Cláudio Marcolino e publicado originalmente no site do
ABCDMaior.
Artigo publicado na Revista Teoria e Debate em 2/3/2017.
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