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segunda-feira, 6 de março de 2017

HERÓI E ANTI-HERÓIS DO BANCO CENTRAL


Jefferson José da Conceição

No último dia 26 de fevereiro, em sua coluna na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari escreveu artigo intitulado “Ivan Shipov, um herói do Banco Central”.  

O que me chamou a atenção no texto foi o fato de que Gaspari faz uma defesa implícita da autonomia do Banco Central – autonomia esta que tem sido alvo de intenso debate nos dias de hoje, inclusive no Brasil – a partir do relato de um suposto ato de heroísmo de um burocrata russo, que dirigia o Banco do Estado da Rússia em 1917.

Gaspari narra que “Dado o golpe [isto é, a Revolução de 1917], os bolcheviques precisavam de dinheiro e mandaram buscar dez milhões de rublos com Shipov. A comitiva do comissariado foi recebida pelo burocrata e ele explicou que a instituição tinha ‘autonomia’ e não podia liberar dinheiro desrespeitando as normas da responsabilidade fiscal. Os revolucionários deviam pedir os rublos ao Tesouro, a quem caberia transferir o ervanário para a contado Soviet dos Comissários do Povo, e só então teriam o dinheiro”.

Após a prisão de Shipov (que teria sido ordenada por Lenin), ocorreu uma greve dos funcionários do Banco, a primeira do regime, que se espraiou para todo o sistema bancário de Petersburgo.

Ivan Shipov “perdeu o emprego e pouco se sabe dele. Teria morrido em 1919, de tifo ou de tiro. De sua passagem pelo serviço público restam apenas as bonitas notas de rublos com sua assinatura”. Assim, nas palavras de Gaspari, shipov tornou-se ‘heróido Banco Central’.

Segundo Gapari, o caso foi extraído do livro History‘s Greatest Heist: the lootign of Russia by the Bolsheviks (O maior Assalto da História: O Saque da Rússia pelos Bolsheviques), de Sean McMeekin.

Não tenho como testar a veracidade do episódio ocorrido na Revolução Russa, menos ainda quais de fato eram as intenções de Shipov com este ato, já que, como o próprio Gaspari diz, ele era “membro da elite do país”. O que se pode presumir é que sua resistência aos bolcheviques era absolutamente previsível, já que passar o comando político ao controle dos sovietes eleitos pelos operários nas fábricas, em lugar do capital internacional em aliança com os aristocratas russos, era uma abominação.

Entretanto, quero aqui rejeitar qualquer derivação que aponte para os dias de hoje e conclua que os atuais diretores de Bancos Centrais são os novos heróiscontemporâneos de nossa sociedade, simplesmente por defenderem a autonomia do Banco Central. Os diretores de hoje estão mais para anti-heróis do que para heróis do Banco Central.

Os Diretores do Banco Central hoje

A história reproduzida por Gaspari, que empresta um toque de bom mocismo e de defesa extrema do serviço público ao diretor do banco russo, não guarda, a meu ver, relação com o debate dos dias de hoje, nem com o perfil dos atuais diretores do Banco Central.

Se é verdade que os atuais diretores do Banco Central, tal como Shipov em 1997, continuam a se posicionar contrários à inflação e zelando pela “responsabilidade fiscal” e monetária, eles hoje o fazem assim não porque são “burocratas” zelosos pela coisa pública, mas porque, também, são oriundos do mercado financeiro e para lá voltam após passarem pelo Banco Central. Isto é o que mostra o escritor Christopher Adolph em seu livro Bankers, Bureaucrats and Central Bank Politicas (Banqueiros, Burocratas e Políticas do Banco Central), publicado pela Cambridge Press.

Assim, no Banco Central, estes diretores atuam em favor dos interesses do mercado financeiro. Isto significa, entre outros, a defesa da manutenção de juros elevados e a prioridade ao equilíbrio a todo custo das contas públicas, de forma a garantir o pagamento da dívida do Estado com os bancos, ainda que isto retraia investimentos produtivos, gastos de infraestrutura e programas sociais.

Tomemos o caso do Brasil. Não se pode dizer que hoje os diretores do Banco Central “perdem emprego” e que são perseguidos por governos, sejam estes governos de esquerda ou direita.

Ao contrário: se alguma relação há entre Shipov e os atuais diretores do Banco Central no Brasil, esta reside no fato de que os diretores tupiniquins continuam a ser tratados como grandes heróis nacionais, especialmente por setores formadores de opinião como a grande imprensa.

O que notamos, isto sim, é o enorme entrelaçamento entre os diretores e o mercado financeiro. 

De fato, com base na trajetória que levantei das origens e dos destinos dos nove Presidentes do Banco Central do Brasil desde 1994, antes e depois de suas respectivas passagens pelo Banco Central, é possível perceber este entrelaçamento da Direção do Banco com os interesses do mercado financeiro. Senão vejamos:

a) Ilan Goldfajn (gestão 2016 até o momento): Itaú Unibanco; Gávea Investimentos;

b) Alexandre Tombini (gestão 2011/2016):Diretor Executivo do FMI;

c) Henrique Meirelles (gestão 2003/2011): Bank Boston; J&F Investimentos; Banco Original;

d) Armínio Fraga (gestão 1999/2003): JP Morgan; China Investment Corporation; Banco de Investimentos Solomon Brothers; Soros Fund Management; Quantum Group of Investments; Gavea Investimentos; BM&Bovespa;

e) Gustavo Franco (1997/1999); Rio Bravo Investimentos;

f) Gustavo Loyola (gestão 1999/2003); Planibanc Corretora de Valores; Banco de Investimentos Planibanc

Pérsio Arida (gestão 1995/1999); Banco Oportunity; Oportunity Fund; BTG Pactual;

h) Gustavo Franco (gestão 1994/1995); Rio Bravo Investimentos;

i) Pedro Malan (gestão1993/1994); Unibanco.

Os defensores do Banco Central Autônomo procuram justificar a autonomia argumentando que isto garantiria o papel estritamente “técnico” do Banco e dos seus diretores. A autonomia serviria para “dar maior confiança ao mercado”, “alinhar as expectativas não inflacionárias”, “tornar o Banco Central não vulnerável às interferências políticas”.

Mas o que a autonomia vai garantir de fato é a total e exclusiva dependência das ações do Banco Central aos interesses do sistema financeiro.

Quem sabe, em lugar de supostos heróis pouco conhecidos do público brasileiro, não fosse melhor explicar com mais detalhes e menos mistificação a quem se prefere que o Banco Central seja subordinado: à sociedade brasileira e seus representantes, ou aos antigos e futuros empregadores da diretoria “independente” do Banco Central?”.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Adm,, Cienc. Cont, Econ. e Com. Ext.) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). Economista licenciado do DIEESE.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 6 março 2017

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