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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A ECONOMIA DO GOLPE E A ‘FINANCEIRIZAÇÃO’



Jefferson José da Conceição (jefferson.pmsbc@gmail.com)

No artigo “A Direita saiu do armário”, de 23/5/2016, tratei, no campo da politica, do processo de “endireitização” da sociedade brasileira no período recente. As marchas do movimento “verde e amarelo”; a campanha “eu não vou pagar o pato”; o impeachment da Presidente reeleita Dilma Rousseff; a caçada judicial ao ex-Presidente Lula; a criminalização dos movimentos sociais; as vitórias avassaladoras das candidaturas conservadoras nos pleitos municipais – são algumas das manifestações evidentes desse processo em curso.

A consequência desta endireitização da sociedade brasileira é a estruturação da perversa economia do golpe, que ocorre na forma de “reformas”.  A extinção de pastas na área social e o corte de cerca de 30% das verbas dos programas sociais no Orçamento 2017 estiveram entre as primeiras medidas desta “nova” economia. 

Também foi marcante a aprovação, no Congresso, do projeto de lei que desobriga a Petrobrás de participar com pelo menos 30% de todos os consórcios de exploração dos campos do pré-sal, abrindo desta forma a possibilidade de que outras empresas (especialmente as estrangeiras) possam ampliar sua participação no pré-sal.

As mudanças continuaram com a aprovação, no Congresso, da proposta do Governo expressa na PEC 241, que limita os gastos públicos por vinte anos, e que afetará diretamente direitos sociais em áreas essenciais como saúde, educação e previdência, mas não só.

As Reformas trabalhistas (feita em “pedaços”) e a Reforma Previdenciária igualmente se constituem em objetivos deste governo. No artigo “As Reformas Trabalhistas: ataque aos direitos”, publicado em 26/9/2016, abordei as reformas trabalhistas. Já no artigo “Reforma da Previdência: impactos na aposentadoria e no mercado de trabalho”, de 11/10/2016, tratei de alguns aspectos da reforma previdenciária. Tanto as Reformas Trabalhistas quanto a Reforma Previdenciária retiram direitos duramente conquistados.

Neste artigo, quero chamar a atenção para outro efeito nocivo derivado deste “cerco por todos os lados”, gerado pelo ambiente político conservador. Refiro-me ao fortalecimento do processo de “financeirização” da economia brasileira, isto é, o predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo, com efeitos perversos não apenas para o empresariado ligado à atividade produtiva, mas também e principalmente para a classe trabalhadora, segmento mais vulnerável deste conjunto de retrocessos. 

Ressalve-se desde logo que a financeirização da economia é processo que já vem ocorrendo há décadas, e não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. No entanto, no Brasil, entre 2004 e até aproximadamente 2012, a estruturação e execução de uma política de crescimento econômico associada à uma Política Industrial ativa levou a certo freio no processo de financeirização, incluindo a expansão da retomada dos investimentos industriais, a geração de postos de trabalho na atividade produtiva e a interrupção da queda da participação relativa da indústria no PIB. Ainda assim cabe notar que em praticamente todos esses anos até hoje os bancos tiveram lucros estratosféricos. Em 2015, por exemplo, os lucros do banco Itaú alcançaram R$ 23 bilhões, e do banco Bradesco, R$ 15 bilhões.

A partir das mudanças conduzidas pelo Governo Temer, baseadas na plataforma “Uma Ponte para o Futuro”, verifica-se novamente um ambiente bastante favorável ao fortalecimento da financeirização no Brasil, com todos os efeitos nocivos em termos de aumento da volatilidade, desigualdade, desemprego e desnacionalização.

O que é o processo de financeirização?

A partir da década de 1970, a economia capitalista passou a enfrentar um intenso processo de mudanças. De um lado, as políticas keynesianas, calcadas no gasto público e nas políticas de bem estar social (welfare State), como seguro desemprego, fixação do salário mínimo, regulamentação da jornada de trabalho, Previdência Social, entre outras, não conseguiram mais responder à crise do déficit público, ao aumento da inflação e à crescente perda de competitividade estrutural das economias ocidentais frente aos novos competidores asiáticos. 

De outro, as companhias japonesas passaram a colocar em xeque as parcelas de mercados das grandes empresas tradicionais do ocidente cuja produção estruturava-se segundo o modelo de produção fordista. A estabilidade dos anos gloriosos dá lugar à volatilidade do sistema.

Alguns analistas vão buscar no próprio modelo de produção as raízes da crise. Para alguns, o que se constituía na “força” do modelo de produção fordista era agora a sua “fraqueza”:  os problemas do fordismo repousariam na rigidez do processo produtivo e na fabricação de produtos padronizados. 

Em contrapartida, a flexibilidade podia então ser encontrada no “modelo toyotista de produção” ou “modelo de produção enxuta” (lean production). Este modelo se constitui no conjunto de novas práticas e métodos adotados em empresas japonesas, como aquela que emprestou seu nome ao modelo e que será difundida em todo o mundo – ainda que, algumas vezes, na forma de ‘japonização de ocasião’.

O debate que se estabeleceu a partir daí é se o novo modelo de produção constitui-se ou não como ‘neo-fordismo’ ou modelo híbrido.

Em termos do ambiente econômico mais amplo, observa-se a difusão das ideias liberais e da globalização, cuja agenda é composta pela abertura dos mercados, integração dos processos produtivos e financeiros, menor intervenção do Estado na economia, privatização e desregulamentação. Intensifica-se a pressão pela competitividade, traduzida em menores custos, redução de preços e melhor qualidade. É crescente a mobilidade do capital. O capital financeiro e as multinacionais são os atores protagonistas desta nova fase. Emerge uma nova economia internacional e, com ela, novas economias nacionais.

A acumulação financeira passa a ser preponderante, sobrepondo-se à acumulação produtiva ou industrial. Neste novo estágio do capitalismo, a lucratividade da indústria passa a ser inferior à da área financeira. Os interesses dos grupos ligados ao mercado financeiro passam a ser identificados como iguais aos interesses nacionais e tomados como prioritários nas políticas públicas. A ideia do desenvolvimento associado à industrialização é substituída pelo discurso da sociedade ‘pós-industrial’ que é representado pelo segmento de serviços, e, em particular, as finanças.

Como consequência dessa comparação de taxas e da instabilidade reinante no mercado, as empresas buscam fugir dos riscos da ‘iliquidez’. Ou seja, o capital procura agora sua metamorfose quase direta do dinheiro que gera mais dinheiro (D-D’), situando-se o menos possível na forma imobilizada de instalações e maquinários, ou na forma mutante de matérias-primas, insumos e força de trabalho, ou ainda em elevados estoques de produtos acabados. Esta fuga da ‘iliquidez’ está associada à busca de ‘giros’ mais rápidos de capital e sua aplicação no mercado financeiro. A organização enxuta e flexível é funcional nesta lógica de valorização do capital.

Flexibilidade, a peça-chave do novo modelo

A palavra ‘flexibilidade’ torna-se peça-chave do novo modelo de produção, mas cujas repercussões vão muito além da fábrica, atingindo até mesmo a vida pessoal dos indivíduos, ao gerar instabilidade e insegurança. A flexibilidade vai do contrato de trabalho à organização da produção e do trabalho, passando por itens fundamentais como jornada e salários.  A generalização da precarização e da insegurança trazidas pela flexibilização inclui os países avançados, que se caracterizaram no Pós-Guerra pelas políticas de bem estar social.

Flexibilidade, por consequência, é considerada como ferramenta essencial para o alcance da eficiência do novo modelo de produção. Na produção, uma série de iniciativas é difundida me âmbito mundial, como ‘one best way’, única forma de gestão competitiva da empresa. Entre essas iniciativas estão: focalização no ‘core business’, desverticalização, terceirização, subcontratação, compra de componentes em módulos, enxugamento de fornecedores, contratação temporária, jornada flexível de trabalho, automação, just in time, entre outras.

Essas mudanças organizacionais, implementadas por meio da “best practices” que constituem o novo paradigma da produção, trazem acentuados impactos nas relações de trabalho. Em alguns casos, os sindicatos têm conseguido estabelecer negociações para a implantação da reestruturação produtiva, reduzindo seus efeitos mais negativos; na maioria dos casos, contudo, a flexibilização combinou-se com a precarização do contrato de trabalho e o enfraquecimento das negociações coletivas.

Mudou o próprio conceito de empresa, cuja ênfase não pode mais ser dada apenas ao seu conjunto de bens tangíveis (maquinário, edificações). Elementos intangíveis como a marca e o ‘know how’ têm, hoje, valor muitas vezes mais elevado que os primeiros.

De igual forma, o termo ‘fábrica’ parece pouco adequado para descrever o novo espaço de produção flexível que emerge a partir daí, inserido em ‘cadeias produtivas’ e em ‘complexos industriais’, esse espaço tem hoje estrutura enxuta, ‘limpa’ e ‘ágil’. Relações de trabalho participativas, processo produtivo automatizado, novo ‘lay out’ de equipamentos, novas formas de organização do trabalho, fornecedores localizando-se próximos ou atuando até mesmo dentro da linha de montagem – são elementos que, a diferentes passos, foram introduzidos nas empresas. Em suma esta nova ‘planta’ ou ‘unidade industrial’, que tem elevada produtividade e baixo contingente de trabalhadores (dos quais muitos têm contratos ‘flexíveis’) está longe de lembrar a ‘fábrica’ do período fordista, das chaminés e dos macacões.

Por que a “financeirização” se fortalece na economia do golpe?

A financeirização da economia brasileira tende a se fortalecer no Governo Temer por um conjunto de fatores. O primeiro e o principal deles é que a lógica que norteia o governo é a da redução da presença do Estado na Economia. Isto significa incrementar a desregulamentação do mercado financeiro e reduzir o papel de políticas ativas como a Política Industrial. A redução do papel da Política Industrial será resultado também do forte ajuste fiscal, que deve reduzir o total de incentivos e desonerações tributárias que fazem parte de qualquer Política Industrial. 

O segundo fator é que o conjunto de políticas implementadas pelo Governo, como a redução das políticas sociais, o fim da Política de Valorização do Salário Mínimo e as Reformas trabalhistas e previdenciária, combinados com o crescente desemprego gerado por este ambiente, contribuem para a continuidade da redução do mercado interno. 

Um dos resultados da queda do mercado interno é que a lucratividade do setor produtivo é rebaixada. Isto, no mesmo momento em que a Política Monetária tende a manter os juros altos. Por conseguinte, a comparação das taxas de rentabilidade produtiva e das taxas de juros deverá, estruturalmente, favorecer a aplicação financeira.

Uma conclusão do exposto neste artigo é que a defesa da valorização produção e do emprego, e, por conseguinte, o combate à financeirização da economia, deverá fazer parte do rol de bandeiras mobilizadoras da parcela da sociedade brasileira que luta contra os efeitos do forte processo de endireitização que vivemos. 

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Economista licenciado do DIEESE.

Observação: Parte deste artigo foi extraída de minha tese de doutoramento, defendida em 2005, e intitulada “Quando o apito da fábrica silencia: sindicatos, empresas e poder público diante do fechamento de indústrias e da eliminação de empregos na Região do ABC”.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs (Ponto de (des)equilíbrio), em 7/11/2016,

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