Pesquisar este blog

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: impacto na aposentadoria e no mercado de trabalho

Jefferson José da Conceição
 Luiz Cláudio Marcolino
Artur Henrique
O Governo Temer anuncia uma reforma na Previdência Social. A proposta de Projeto de Lei (ou medida provisória) que tratará do assunto ainda não foi apresentada publicamente pelo Governo. Mas a equipe de Temer já aponta as profundas mudanças que pretende realizar para resolver o suposto “rombo” das contas da previdência. As alterações no sistema são extremamente prejudiciais aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o País.
De acordo com o que membros do Governo já veicularam na imprensa, a Reforma da Previdência contemplará, entre outros pontos: elevação da idade mínima de aposentadoria para trabalhadores do setor privado e do funcionalismo; nova fórmula de cálculo do benefício; elevação do tempo mínimo de contribuição; redução da diferença de regras de idade de aposentadoria entre homens e mulheres, com a unificação futura; eliminação das aposentadorias especiais de professores, militares, policiais militares e bombeiros; redução dos benefícios da pensão por morte; contribuição obrigatória para trabalhadores rurais, bem como elevação da idade mínima para que estes se aposentem; desvinculação dos reajustes dos benefícios assistenciais (LOAS) e dos reajustes da pensão por morte da política de reajustes do salário mínimo; fim da paridade de reajuste entre servidores ativos e inativos.
Evidentemente, não cabe, nos limites deste artigo, tratar de todos estes pontos. Importantes estudos recentes contribuem para fazer a crítica a esta reforma não dialogada com todos os segmentos dos trabalhadores afetados (Centrais Sindicais, entidades de aposentados). Entre eles recomendamos a cartilha “Entender e defender a Previdência Social”, lançada pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, em julho deste ano. Neste trabalho, feito com rigor técnico e riqueza de informações, desmistifica-se a questão do “rombo” das contas da Previdência. Outro valioso estudo, divulgado em junho também deste ano, é a Nota Técnica nº 160 do DIEESE: “Os impactos das mudanças demográficas na seguridade social e o ajuste fiscal”.
Neste artigo, pretendemos simular o impacto que a Reforma da Previdência representaria sobre a aposentadoria dos trabalhadores e destacar a inconsistência da reforma em face das características do mercado de trabalho no Brasil, que não garante oportunidades de trabalho para as pessoas de idade mais avançada.

1.Como é a exigência de tempo mínimo para aposentadoria hoje

De acordo com as regras atuais, o trabalhador pode se aposentar por tempo de contribuição. São necessários 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens, independentemente da idade. Podem se aposentar também por idade as mulheres (aos 60 anos) e os homens (aos 65 anos), desde que tenham contribuído com a Previdência por no mínimo 15 anos.
Em 1999, o Governo FHC introduziu o fator previdenciário, que teve o objetivo de forçar o trabalhador a contribuir por mais tempo e se aposentar com mais idade. Esse mecanismo de cálculo reduz em média 40% o valor da aposentadoria. Entretanto, se o trabalhador e a trabalhadora contribuir por mais tempo que o mínimo necessário (e, consequentemente, com mais idade), o valor do benefício aumenta gradativamente.
Com a introdução do fator previdenciário, a média de idade das concessões de aposentadoria do setor privado subiu de 51,8 anos em 1999 para 54,5 em 2014 (Folha de São Paulo, 10/10/2016).
Por fim, a Lei 13.183/2015, sancionada pelo Governo da Presidenta Dilma, amenizou em parte os efeitos deletérios do fator previdenciário. A mudança permitiu ao trabalhador se aposentar sem a incidência do fator previdenciário, se a somatória de tempo de contribuição e da idade resultasse em 85 pontos para mulher e 95 para o homem.

2. A mudança planejada: aumento e fixação da idade mínima para a aposentadoria

Dentre as alterações anunciadas pelo Governo Temer está o aumento e a fixação da idade para aposentadoria. A partir da aprovação, a idade mínima passaria a ser de 65 anos para homens e mulheres, desde que eles e elas contribuam com no mínimo 25 anos de contribuição (hoje, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos). Ninguém poderá se aposentar com idade inferior a 65 anos. Na prática, esta mudança acaba com a aposentadoria (somente) por tempo de contribuição.
De acordo com as regras veiculadas na imprensa, pode-se deduzir que, no caso do trabalhador que tem até 50 anos de idade no momento das mudanças, a regra aplicável seria integralmente a nova – embora haja declarações de membros do Governo que apontem para a criação de uma regra adicional de transição para aqueles que têm menos de 50 anos e que têm tempo de contribuição alto. A regra de transição viria na forma de uma “bonificação”. Mas nada está muito claro até o momento.
Veicula-se que o governo também planeja uma regra de transição para aquele que contar com mais de 50 anos de idade. Haveria uma espécie de “pedágio”: o trabalhador teria que contribuir com 50% a mais no tempo que falta para ter direito à aposentadoria nas regras atuais. O Governo estima que, em 15 anos, todos os novos aposentados estariam enquadrados na nova regra. Ou seja, o período de transição seria curto.
Registre-se que, em entrevista à Folha de São Paulo, de 28/8/2016, o Pesquisador do Centro de Pesquisas para a Aposentadoria do Boston College, Matthew Rutledge, defendeu a necessidade de políticas para “garantir que os profissionais mais velhos tenham postos de trabalho no futuro”. Rutledge afirma que, “se um país aumenta a idade de Aposentadoria, deve dar oportunidades extras aos seus trabalhadores”. Segundo o pesquisador, os Estados Unidos levarão 44 anos (até 2027) na transição da idade de aposentadoria mínima de 66 para 67 anos. “O país também permite uma aposentadoria precoce, aos 62 anos, mas neste caso há uma série de restrições para quem opta por sair da ativa mais cedo”.

3. A idade mínima de 65 para aposentadoria versus a expectativa média de vida de 75 anos no Brasil

O Governo alega que a expectativa de vida do brasileiro aumentou e a quantidade de jovens que sustentam o regime da Previdência Social diminuiu, comprometendo o equilíbrio dos gastos. Esta seria uma das principais razões para a Reforma da Previdência, segundo o governo.
O que salta aos olhos, porém, é que o Governo pretende estabelecer uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria quando a expectativa de vida média, hoje, é de 75 anos!
Em muitos países avançados que aumentaram a idade para a aposentadoria - como Japão, Austrália, França, Espanha, Canadá, Noruega, Suécia e Alemanha - a expectativa média de vida da população entre 2010 e 2015 situava-se acima de 80 anos de idade (Cartilha do Sindicato dos Bancários de São Paulo). Além disso, na maioria desses países, as pessoas começam a trabalhar mais tarde, normalmente depois de concluir seus estudos.

4. Redução do valor do benefício da aposentadoria

A fórmula do cálculo do valor do benefício é outro ponto de destaque no projeto do governo que vem sendo anunciado.
Pelo que se discute, a regra seria alterada visando um tempo maior de contribuição para o trabalhador e a trabalhadora. O valor da aposentadoria equivaleria a 50% da média das contribuições, acrescido de 1% a cada ano adicional de contribuição.
Assim, no caso de uma pessoa que se aposentar aos 65 anos com 25 anos de contribuição o benefício será de 50% da média das contribuições. Se a mesma pessoa tivesse começado a contribuir com 20 anos de idade, aos 65 anos teria completado 45 anos de contribuição. Com isso, o benefício de 50% teria um acréscimo de 20 pontos percentuais, e seria elevado para 70% da média das contribuições.
Para se ter uma ideia do quanto essa regra é prejudicial aos trabalhadores e trabalhadoras, tomemos o mesmo exemplo nas já draconianas regras que temos hoje do fator previdenciário. Esse mesmo trabalhador do nosso exemplo acima teria, no atual sistema, direito a um benefício correspondente a quase 130% da média das suas contribuições. Em outras palavras, ele receberia praticamente o dobro do valor do benefício que a reforma pretende implantar.

5. A Reforma da Previdência de Temer é inconsistente com as atuais características do mercado de trabalho no Brasil

Países que fizeram alterações em suas legislações, como Alemanha, Dinamarca e Reino Unido, previram prazos de 10, 20 anos ou mais, para que tais mudanças fossem gradualmente implantadas. Trata-se de um período necessário para que a sociedade se adapte e crie condições sócio- econômicas que amenizem os seus impactos.
Se aprovada a Reforma da Previdência de Temer, com as regras que vêm sendo veiculadas na imprensa, o mercado de trabalho no Brasil terá que absorver a mão-de-obra daqueles trabalhadores e trabalhadoras com mais de 54 anos de idade - que é a média atual da idade dos aposentados -, até que estes completem 65 anos de idade. Contudo, essa mudança de padrão de comportamento das empresas está muito longe da nossa atual realidade.
No mercado brasileiro atual, o grupo de trabalhadores ocupados acima dos 60 anos é minoritário (superior apenas as pessoas entre 14 a 17 anos). Mais: de acordo com estudo do IPEA, cerca de 1 milhão de pessoas com mais de 59 anos de idade estavam desempregados no País em junho de 2016.
Com as mudanças propostas pelo Governo na reforma da Previdência, para o trabalhador conseguir se aposentar aos 65 anos, parte do estoque de empregos existentes (por exemplo, dos jovens entre 25 e 59 anos de idade) terá que migrar para a faixa dos que tem mais de 60 anos de idade. Isto em uma economia em que o estoque de empregos reduziu drasticamente nos últimos anos, em função da crise!
Acrescente-se a isso a dramática situação dos jovens que surgem a cada ano para disputar a mesma quantidade de vagas de emprego. O quadro é bastante preocupante. Assim, e a despeito dos índices alarmantes de desocupados, a Reforma da Previdência de Temer “injetará” neste contingente todos os trabalhadores que conseguiam se aposentar aos 54 anos de idade. Não haverá emprego para todos.

6. Para uma Reforma da Previdência que aumente a idade mínima da aposentadoria é fundamental a Garantia de Emprego

Uma reforma que aumente a idade da aposentadoria, em função das mudanças demográficas, jamais pode estar dissociada da garantia de emprego para os empregados que se encontram com idade mais avançada.
Sabemos que as empresas estão habituadas a trocar profissionais mais experientes, geralmente com salários maiores, por outros que, em início de carreira, aceitam receber metade destes salários.
Neste caso, a ratificação da Convenção 158 da OIT, que trata da regulamentação das dispensas arbitrárias, deve voltar ao debate nacional. Aliás, a regulamentação da dispensa arbitrária está pendente há 28 anos no Brasil.
O Governo Temer omite que muitos países avançados onde foi instituída a elevação da idade mínima para a aposentadoria contam com uma rede de proteção ao trabalhador, como saúde e educação de qualidade, não raro gratuitos. Alguns destes países também ratificaram a Convenção 158 da OIT, como a França, Espanha, Portugal, Austrália e Suécia.
No Brasil, temos uma rotatividade de mão-de-obra de cerca de 40%. Em alguns setores como construção civil e agricultura, esse índice é superior a 100%. Metade dos desligamentos de empregados é feita sem justa causa. Ou seja, os trabalhadores são dispensados sem qualquer motivo.
Em um país com esse perfil de mercado de trabalho, uma reforma previdenciária, como a que vem sendo planejada pelo Governo Temer, tende a ser um desastre. Se o trabalhador e a trabalhadora não tiverem nenhuma garantia de emprego, ele (e ela) engrossará a fila dos desempregados ou dos informais. Nestas duas hipóteses, o trabalhador nunca conseguirá se aposentar.
Cabe lembrar ainda, que, nas atividades penosas e insalubres, a exigência de que o trabalhador se aposente aos 65 anos (na maioria das vezes contribuindo por mais de 40 anos) dificilmente poderá ser cumprida. A capacidade laboral do trabalhador e da trabalhadora não conseguirá chegar até lá. Além disso, haverá um aumento de afastamentos médicos e aumento dos gastos com aposentadoria por invalidez.

7. A PEC 241 e a redução dos benefícios da aposentadoria para os trabalhadores já aposentados

Digno de registro também é o fato de que aqueles que hoje se encontram aposentados também não estão imunes às mudanças que o Governo pretende fazer.
A aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos pela inflação, traz a redução dos valores da aposentadoria.
A PEC 241 trará um futuro catastrófico nas políticas sociais e refletirá diretamente no reajuste da aposentadoria.
O cálculo é simples. Haverá um valor fixo para os gastos destinados ao pagamento de benefícios, que será corrigido apenas pela inflação. Entretanto, se, a cada ano, novos aposentados são inseridos neste orçamento, os rendimentos daqueles que já se encontram aposentados tendem a encolher para conseguir pagar os novos benefícios. Assim, as aposentadorias não conseguirão ter aumento sequer da inflação, corroendo o poder de compra dos atuais aposentados.
Tudo isto mostra, uma vez mais, que, também em relação ao tema da Previdência Social, temos que buscar resistir aos tempos sombrios e cinzentos que se instalaram em nosso País.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016.
Luiz Claudio Marcolino é economista. Foi presidente do Sindicato dos Bancário; Diretor da Agência São Paulo de Desenvolvimento; Superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo; Deputado estadual na legislatura 2010-2014.
Artur Henrique da Silva Santos, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores

Nenhum comentário:

Postar um comentário