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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

‘MC FLEXIBILIDADE” DA JORNADA DE TRABALHO



Jefferson José da Conceição 
Maria da Consolação Vegi da Conceição 

O plano em curso consiste em realizar a Reforma Trabalhista em pedaços. Não se trata de um “pacote” só. São vários minipacotes com medidas e leis que o governo, os partidos da base aliada e as representações empresariais, como CNI e FIESP, pretendem aprovar. Além do tema da jornada de trabalho – objeto deste artigo –, cabe destacar também:

a) O Projeto de Lei que estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado;

b) A tentativa de desmantelamento do movimento sindical por meio de Projetos de Lei que, sem qualquer negociação prévia com o movimento sindical, tornam facultativa a contribuição sindical;

c) O Projeto de Lei que autoriza a terceirização em todas as áreas da empresa;

d) A PEC que trata o jovem entre 14 e 16 anos de idade como empregado em tempo parcial;

e) O Simples Trabalhista, que cria as condições para a legalização de trabalhadores de “segunda categoria” nas micro e pequenas empresas, já que será possível haver acordos coletivos específicos com pisos diferenciados (menores), bem como supressão do adicional de horas extras, PLRs diferenciados (mais reduzidos) e trabalho aos sábados e domingos;

f) O Estatuto das Estatais, que proíbe que o representante dos empregados nos Conselhos de Administração dessas empresas sejam também dirigentes sindicais;

g) A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial;

h) O mesmo STF já pautou também o julgamento do Recurso extraordinário 958.252, que discute a constitucionalidade da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho – súmula esta que é a única salvaguarda do ordenamento jurídico que impõe certa trava à terceirização generalizada em todas as áreas da empresa, em especial na atividade-fim;

i) A proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho escravo, que propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado);

j) O Projeto de Lei nº 5230/2013, que tem como foco as relações de trabalho nos salões de beleza.

Neste artigo, vamos tratar de mais uma pérola deste mosaico de reformas. Trata-se da possibilidade de se lançar medida provisória para se constituir uma nova versão de “jornada de trabalho flexível”, desta vez “móvel e intermitente”. Com esta medida, diz o Governo, seriam criados mais empregos.

Pela proposta ventilada na imprensa, a jornada móvel, flexível e intermitente funcionaria da seguinte forma: o empregado seria contratado com a limitação da jornada máxima prevista na lei (44 horas semanais e 8 horas diárias, prorrogáveis por mais 2 horas extras diárias), mas não existiria um limite mínimo de jornada.

Assim, um empregado poderia trabalhar 44 horas em uma semana, 20 horas em outra ou até mesmo não trabalhar em determinado mês. No final do mês, receberia somente as horas que efetivamente tivesse trabalhado.

Não há nenhuma novidade neste tipo de jornada. O Mac Donald’s adotava sistema semelhante. Essa jornada foi objeto de várias ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público.
No final, o Mac Donald’s fez acordo, acabando com a referida modalidade de jornada flexível (Processo nº 1040-74.2012.5.06.0011, perante a 11ª Vara do Trabalho do Recife). É importante ressaltar, porém, que o TST, em dezembro de 2015, ao julgar uma destas ações, concluiu que, desde que garantido o salário mínimo por hora, trabalhadores submetidos a essa jornada podem ganhar menos que o salário mínimo ou o piso mensal (Processo nº TST-E-ED-RR-9891900-16.2005.5.09.0004).

Cabe registrar que a via que se cogita de se fazer essa alteração na legislação trabalhista por medida provisória, sem discussão prévia com os principais interessados - os trabalhadores e as representações sindicais - está sendo alvo de inúmeras críticas. De fato, não se justifica que uma medida que modifica de tal monta o Direito do Trabalho ocorra por meio de medida provisória.

A justificativa do Governo é a urgência em apresentar medidas que contenham o desemprego crescente no Brasil. Entretanto, não existe nenhuma comprovação empírica de que tal medida criará empregos. E o que é pior: a tendência é a precarização dos empregos que já existem. Caso aprovado algo assim, muitas empresas buscarão, pouco a pouco, transformarem contratos de trabalho menos flexíveis em contratos “flexíveis, móveis e intermitentes”.

Na proposta em discussão pelo Governo, o empregado ficaria a disposição da empresa, que poderá convocá-lo para trabalhar a qualquer momento. Ou até mesmo, não chamar o empregado. Neste caso, o empregado poderia até não receber salário no mês, se ele não tiver sido convocado nenhuma vez.

De acordo com o Governo, na modalidade da “jornada flexível, móvel e intermitente”, o empregado poderá ter outros empregos, diminuindo a sua ociosidade.

Vamos tentar imaginar como isso se dará na prática. Suponhamos que o empregado tenha realmente dois empregos. Assim, se os horários destes dois empregos entrarem em conflito, como será resolvido? Caberá ao empregado definir a sua escala de trabalho?

Não sejamos ingênuos em imaginar que esse trabalhador terá alguma independência ou autonomia para definir suas jornadas. Ao final, esse trabalhador do nosso exemplo se verá obrigado a ter apenas um emprego para evitar tais conflitos e a perda do próprio emprego.

A exemplo do que já ocorria com os trabalhadores do Mac Donald’s, não há, na proposta, sequer turno de trabalho fixo. Os empregados do famoso fast food americano trabalhavam de manhã, de tarde ou a noite. Tal escala móvel e flexível não permite, é claro, a conciliação com os estudos e prejudica a vida social e financeira destes trabalhadores. Não há como planejar o futuro, pois não sabe quando será chamado a trabalhar e sequer quanto terá de salário no final do mês, e se terá.  

Atualmente está em curso no Senado Federal o PLS nº 218/2016, do Senador Ricardo Ferraço, do PSDB/ES, disciplinando o mesmo tipo de jornada. Em um dos seus artigos, menciona-se que “É vedado ao empregado laborar durante o período livre, para empregadores concorrentes, salvo se de comum acordo celebrado em contrato pelo empregado e seus empregadores, individualmente”.

Se a medida provisória proposta pelo Governo Federal trouxer essa previsão, o que não está descartado, o trabalhador estará submetido a um regime de semi-escravidão.

Esse tipo de jornada atenta contra a proteção ao trabalhador, a parte mais frágil na relação trabalhista. Ele atende exclusivamente os interesses da empresa e a sazonalidade de sua produção. Ele transfere ao empregado o risco do negócio. A empresa diminui o seu custo fixo na mesma proporção em que transfere o prejuízo da ociosidade de sua produção para o trabalhador. Esse trabalhador terá ou não salário no final do mês, conforme as vendas/produção da empresa. Se a empresa vender ou produzir, o empregado recebe; se não, o prejuízo fica com o empregado.

Esta é, sem sombra de dúvida, medida que só pode surgir em tempos de crise e em processos de enfraquecimento do movimento sindical, como hoje.  A medida não tende a gerar empregos. Ela permitirá, isto sim, que empresas reduzam seus prejuízo com a queda da produção e das vendas, transferindo parte deste prejuízo aos empregados. Por sua vez, as empresas que estão produzindo ou vendendo muito não têm interesse neste tipo de jornada, pois preferem extrair o maior esforço humano do trabalhador durante as suas 8 horas diárias de trabalho normalmente acrescidas das horas extraordinárias. 

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017).

Maria da Consolação Vegi da Conceição é Coordenadora do Departamento Jurídico do Sindicato dos Bancários do ABC

Artigo publicado no site do ABCDMaior em 31/1/2017, colunas Blogs, seção "Ponto de (des)equilíbrio".

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