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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

INFLAÇÃO EM QUEDA: OS DOIS LADOS DA QUESTÃO


Jefferson José da Conceição (jeffdacsenior@gmail.com)

Os jornais veiculam que o Governo comemora o fato de que a taxa de inflação (IPCA) de 2016 ficou em 6,29%, portanto abaixo do teto da meta de 6,5% e de que as projeções indicam que, em 2017, ela deverá ficar ainda menor. Algumas estimativas do mercado financeiro calculam que a taxa de inflação será de 4,9%. Em 2015, a taxa de inflação foi de 10,67%.

A notícia de que a taxa de inflação desacelerou é, sim, uma boa notícia. As famílias sabem bem o valor que representa uma inflação mais baixa. Elas sabem a importância disto quando, por exemplo, vão ao supermercado (os alimentos foram os que mais contribuíram para a desaceleração da inflação em 2016). A relativa estabilidade de preços permite organizar melhor os gastos e reduz a impressão de perda permanente no volume de itens que compõem os carrinhos de compra.

Mas, no atual quadro econômico do Brasil, nada é róseo, mesmo com essa boa notícia.

Além de comemorar, o governo deveria, pelo menos, ter feito referencia ao outro lado desta história – até para dizer que está tomando medidas cabíveis.

Expliquemos. Para isto, buscaremos ser didáticos.

O que é inflação?

Inflação é o aumento generalizado e contínuo dos preços. É o oposto de deflação, que é a redução generalizada e contínua dos preços.

De modo geral, a inflação é um problema, isto é, algo negativo, em qualquer sociedade mercantil. Ela retira poder aquisitivo do dinheiro. Em outras palavras, quando há um processo de inflação, uma mesma unidade de dinheiro (por exemplo, uma nota de R$ 10,00) adquire cada vez menos bens e serviços. Esta perda será tanto maior e preocupante quanto mais alta for a taxa de inflação e se ela estiver em aceleração.

Sendo a inflação um fenômeno monetário, poder-se-ia pensar que apenas a política monetária tem o poder de reduzir a inflação. Muitos economistas pensam assim, é verdade. Bastaria acionar uma política monetária contracionista (de juros altos; redução do crédito; redução da emissão de moeda) que a inflação cederia. Esta linha de pensamento foca apenas na política monetária o “remédio” para a “doença” inflacionária.

No entanto, não é bem assim que funciona ou que deveria funcionar. O objetivo da redução da inflação não é ou não deveria ser o único objetivo buscado pelo governo. Geração de empregos também deve estar entre estes objetivos - assim como a obtenção de saldos no comercio exterior, promoção de rápido desenvolvimento educacional e tecnológico, entre outros. Pesar os custos de uma política monetária restritiva é uma decorrência natural, quando se levam em conta também estes outros objetivos.

O Brasil tem um histórico e aprendizado importante em relação à inflação. Já chegamos a atingir 90% de inflação anual às vésperas do golpe militar em 1964; 220% em 1985, em pleno período de “estagflação” (estagnação mais inflação); 2490% de inflação em 1993, após todas as experiências de “pacotes econômicos” que visavam derrubar a inflação.

Por estes números, podemos perceber que já convivemos até mesmo com o fenômeno da hiperinflação, que é o estado de coisas em que a inflação atinge patamares tão altos que faz com que as pessoas literalmente queiram ficar longe do dinheiro nacional, trocando-o por dinheiro estrangeiro forte (exemplo, dólar) ou adquirindo bens, como ouro e imóveis.

Quais as causas da inflação?

A inflação pode ocorrer por três motivos básicos. O primeiro ocorre quando a demanda total da economia (que chamamos de “demanda agregada”) está demasiadamente elevada, e não é acompanhada no mesmo ritmo pelo incremento da oferta agregada de bens e serviços. Este quadro gera pressões que resultam na elevação de preços. Excesso de gastos públicos, política de crédito facilitado, juros muito baixos são exemplos de fatores que podem incrementar exageradamente a demanda agregada.

O segundo motivo da inflação ocorre quando há uma pressão de determinado custo importante que entra na composição de preços de vários outros bens e serviços. Neste caso, a pressão não é de demanda, e sim de custo. Um exemplo disso é o aumento do preço da gasolina, que acaba afetando o reajuste de inúmeros outros bens e serviços (frete, passagens de ônibus, custos de deslocamentos de carro para o trabalho etc).

O terceiro motivo reside na própria “inércia” da inflação. Trata-se da auto reprodução da elevação dos preços pela indexação dos vários contratos, que acaba carregando a inflação passada, ao incorporar a correção monetária. Em outras palavras, Governo, empresas e demais agentes econômicos fixam os reajustes de seus serviços e produtos simplesmente levando em conta a inflação passada (correção monetária), independente se há pressões de demanda ou aumento de algum custo específico.

Registre-se também que o grau de oligopolização (domínio de um segmento econômico por reduzido número de empresas, em luga de muitos concorrentes entre si) e de abertura do país à concorrência internacional são elementos que igualmente explicam a maior ou menor tendência de um país a processos inflacionários.

Quais os efeitos negativos da inflação e porque sua queda é tão importante?

A inflação tem tamanho impacto em qualquer sociedade, que o famoso economista inglês John Maynard Keynes assim escreveu:

“(...) Na medida em que a inflação avança e o valor real da moeda flutua selvagemente de um mês para outro, todas as relações permanentes entre os devedores e credores, que formam o fundamento último do capitalismo, se tornam tão completamente desordenadas que passam a não ter sentido; e o processo de aquisição da riqueza degenera em jogo e loteria (...). Não há meio mais sutil nem seguro de revirar a base da sociedade do que corromper a moeda. O processo mobiliza, para a destruição, todas as forças ocultas da lei econômica - e o faz de tal modo que nem mesmo um só homem em um milhão é capaz de diagnosticar”.

De fato, a inflação alta e crescente provoca um problema grave na economia que é a comparação de preços e o mecanismo gerador de equilíbrio entre eles. Por exemplo: quantas dúzias de ovos devem equivaler a um sapato da marca “tal”, tendo em vista as dificuldades técnicas, tempo de trabalho exigido e custos em geral? Uma passagem de ônibus deve corresponder a quantos pãezinhos de 100gr? Um corte de cabelo em um salão mediano deve valer quanto medido em ingressos no cinema?

É esta estrutura de comparações que os economistas denominam de “estrutura de preços relativos”.  Esta estrutura é a base do funcionamento de uma economia de trocas e de mercado.

A inflação alta e crescente, porém, contribui para minar a estrutura de preços relativos. Ela impede que saibamos se um produto ou serviço está “caro” ou “barato”. Deixamos de poder comparar porque os preços de determinado item podem ter subido meramente pela inflação.  Na prática, com uma inflação alta e crescente vai desaparecendo uma estrutura de preços relativos em nossas mentes.

Há ainda o efeito da inflação sobre a distribuição de renda. Em um contexto inflacionário, os mais pobres tendem a ter mais dificuldades que os mais ricos de preservarem suas rendas. Os mais ricos aplicam seu patrimônio e renda em títulos que rendem pelo menos a correção monetária. Já os pobres não costumam ter estas aplicações. Com seus salários e rendas, eles vão diretamente as compras adquirir cada vez menos produtos.

A inflação cria também dificuldades de planejamento das empresas. Em ambiente inflacionário, os cenários ficam mais instáveis e o cálculo do retorno dos investimentos mais difícil.

Por fim, ela tem efeito negativo também sobre as finanças públicas, na medida em que a arrecadação é recebida com defasagem em relação ao fato gerador. Além disso, os produtos adquiridos pelo Governo sobem com a inflação, mas suas receitas tributárias não podem ser aumentadas automaticamente, pois dependem de autorização legislativa e os aumentos sofrem pressões contrárias da sociedade. Ao final, os mais pobres, que necessitam mais dos serviços públicos, são prejudicados com a piora desses serviços, em quantidade e qualidade.

Apesar de boa notícia, por que a queda da inflação tem outro lado não tão bom?

Apesar de ser uma notícia boa, a queda da inflação no Brasil em 2016 revela também um lado que não é nada bom para o país. Trata-se da forte retração do nível de atividade econômica e consequente expansão do desemprego. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas produzidas, foi negativo em -3,8% em 2015 e -3,6% em 2016. A projeção é de uma retração de -0,5% em 2017.

A queda acentuada da produção e consumo de bens e de serviços no país contribui, é claro, para estabilizar os preços: a retração diminui o número de compradores, o que obriga os vendedores a reduzirem margens de lucro, adiarem reajustes e promoverem promoções. Tudo isto gera pressões para baixo nos preços.

A forte retração da atividade traz consigo um ambiente de incerteza e pessimismo em todos os setores: indústria, agricultura, serviços, construção civil etc.

Em outubro de 2016, a taxa de desemprego no Brasil, segundo o IBGE, atingiu 11,8%, representando 12,1 milhões de pessoas desempregadas. E o que é pior: as estimativas são de que, em 2017, a taxa de desemprego alcance 12,4% ao final do ano.

A escolha entre “mais empregos” ou “mais inflação”

A existência de dois lados da queda da inflação expressa o que os economistas denominam de “trade off”(escolha) da autoridade econômica: ter uma taxa de inflação mais baixa e, consequentemente, uma taxa de desemprego mais alta?; ou assumir uma meta de inflação mais alta e, por outro lado, reduzir  em alguns pontos a taxa de desemprego?

Pessoalmente, acho, em consonância com alguns economistas heterodoxos, que a política econômica pode e deve buscar os dois objetivos simultaneamente: ter inflação mais baixa e reduzir a taxa de desemprego. Entretanto, trataremos deste tema em artigo futuro, pois isto exige uma reflexão mais detalhada de nossa parte.

Aqui o que importa é que parece que as autoridades do Banco Central acreditam na necessidade de fazer esta escolha. E fizeram! A opção foi por ter a redução mais acentuada da taxa de inflação, ainda que à custa de maior desemprego.

Hora de exigir do Governo uma redução acentuada da taxa de juros

Desde 1999, o Brasil adota o chamado “Sistema de Metas” de inflação. Este sistema fixa um intervalo de inflação máxima a ser admitida pela política econômica. Mais: estabelece também um mecanismo que faz subir a taxa de juros Selic toda vez que a inflação projetada ameaçar situar-se em patamar superior à meta. A política monetária é condicionada a este objetivo principal, que é atingir a meta da inflação.

A adoção deste mecanismo não é algo tão pacífico entre os economistas. A preocupação com a atividade econômica e o nível de emprego não deveria ser tomada como secundária, para os economistas keynesianos, estruturalistas e desenvolvimentistas, entre os quais este articulista se inclui. Por isto, por exemplo, defendi, em artigo anterior, que o Conselho Monetário Nacional seja alargado, com a participação de representantes do empresariado produtivo, do setor sindical e das universidades. Isto ajudaria a refletir também outros interesses e não apenas os do mercado financeiro.

Entretanto, se, no sistema de metas, o mecanismo da elevação de juros funciona em situações de aumento da inflação (e isto tem um custo social alto para o país), por outro lado, ele também deve funcionar plenamente quando a inflação cai.

Assim, é hora da sociedade - trabalhadores, empresários e famílias em geral - exigir do Governo uma redução acentuada das elevadíssimas taxas de juros vigentes no Brasil.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015); Superintendente do SBCPrev (agos.2015-fev.2016); Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017).

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs, em 17/1/2017.

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