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terça-feira, 6 de setembro de 2016

ENTREVISTANDO UM SUECO ESPECIALISTA EM PARQUES TECNOLÓGICOS


Jefferson José da Conceição
Cleo Duarte

No Brasil, a implantação de Parques Tecnológicos constitui-se em meta de governo de diversas cidades importantes. A Prefeitura de São Paulo lidera atualmente o esforço da cidade pela instalação de um Parque Tecnológico na Zona Leste (a Gestão Municipal realizará seminário sobre o tema em 21/9/2016, na USP Leste - ver cmcti.com.br). Nos últimos anos, São Bernardo do Campo e Santo André, no ABCD Paulista, também deram passos importantes para a implantação de seus Parques Tecnológicos. Ainda no Estado de São Paulo, as cidades de São José dos Campos, Campinas, São Carlos e Sorocaba buscam fortalecer seus Parques Tecnológicos já constituídos.  

Um Parque Tecnológico é um lugar de encontro envolvendo a universidade, a gestão pública e o setor produtivo. “Um parque tecnológico gerencia e estimula o fluxo de tecnologia e conhecimento entre universidades e pesquisa, instituições de desenvolvimento e empresas. Muitas das empresas dentro ou no entorno do Parque Tecnológico são pequenas e médias, mas a tendência é de que mais e mais as grandes corporações se conectem com as arenas de inovação aberta que os Parques Tecnológicos organizam” (extraído de www.sisp.se).

Portanto, nada melhor do que buscar a experiência dos modelos de ponta em Parques Tecnológicos, bem como em termos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Isto é, inspirar-se no chamado “benchmarking” (melhores práticas a serem seguidas) no assunto. Certamente a Suécia está entre estes países.

Localizada ao norte da Europa (península da Escandinávia) a Suécia possui área de 449.964 km2 e população de cerca de 9,6 milhões de pessoas (o Brasil possui área de 8.516.000 km2 e população de aproximadamente 200,4 milhões de pessoas). No entanto, o PIB da Suécia de US$ 393,8 bilhões (2013) e seu PIB per capita de US$ 40.900 expressam sua força econômica (estima-se que o PIB per capita do Brasil em 2016 seja de US$ 15 mil). A Suécia possui um dos mais baixos índices de desigualdade do mundo e um dos mais elevados IDH. Cerca de 1/3 da população que trabalha possui nível superior. O país é um dos que mais investem em P&D no mundo. Os setores público e privado despendem juntos cerca de 4% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento.

É neste contexto que se entende o peso da Associação Sueca de Parques Tecnológicos e de Incubadoras (SISP). A Associação possui 65 membros, que representam 33 Parques Tecnológicos e 43 incubadoras de empresas. São mais de 4000 empresas conectadas aos Parques Tecnológicos. Credita-se a este forte esforço de investimento em educação, pesquisa e desenvolvimento o fato de que a Suécia ocupa, segundo o Fórum Econômico Mundial, a 4ª posição no ranking de competitividade internacional (2009-2010).

Por isto, os autores deste artigo envidaram esforços para conseguir realizar esta importante entrevista que, de maneira inédita, ora publicamos no blog “Ponto de (des)equilíbrio” do ABCDMaior. Ambos os entrevistadores mantiveram importante vínculo com a Suécia no período recente.

Inserido nas discussões do Projeto Gripen no ABCD Paulista, Jefferson Conceição, um dos entrevistadores, então na qualidade de Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (entre 2009 e meados de 2015), pôde estar algumas vezes na Suécia em diálogo com Parques Tecnológicos, universidades, empresas e governo. Registre-se que foi na sua gestão como secretário que foi fundada, formalmente, em 19/12/2012, a Associação Parque Tecnológico de São Bernardo do Campo. Trata-se de associação civil sem fins lucrativos que reúne Prefeitura, instituições de ensino superior, sindicatos de trabalhadores, Associação comercial, Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, Arranjos Produtivos Locais (APLs), entre outros. Uma das primeiras tarefas da Associação é estruturar o projeto de construção do Parque Tecnológico na cidade.

Por sua vez, Cleo Duarte, a outra entrevistadora, detém largo conhecimento sobre a cultura e temas vinculados à área da Educação naquele país, onde viveu por doze anos e possui cidadania sueca.

O nosso entrevistado, Sten Gunnar Johansson, 65 anos, é uma das maiores autoridades internacionais em Parques Tecnológicos. Durante 21 anos (1993-2014) foi CEO do Parque Tecnológico de Mjärdevi (www.mjardevi.se), um dos mais importantes da Suécia. O Parque Tecnológico de Mjärdevi localiza-se na cidade de Linköping, na qual está instalada a matriz da Saab, fabricante do caça sueco supersônico Gripen. A cidade possui uma das universidades mais consagradas da Suécia, a Universidade de Linköping. Entre as universidades do mundo que possuem menos de 50 anos de idade, ela ocupa a 24ª posição no QS World University Ranking, que abrange 22 mil universidades. No campus desta universidade, encontra-se o Parque Tecnológico de Mjärdevi.  Este Parque Tecnológico é de propriedade da Prefeitura da Cidade.

Entre 2006 e 2014, Sten Gunnar foi também Presidente do Conselho do Parque Tecnológico Instituto Karolinska (www.sciencepark.ki.se), localizado em Estocolmo. Presidiu também a Divisão Europeia da Associação Internacional de Parques Tecnológicos, IASP (www.iasp.ws). É perito em temáticas de inovação e parques tecnológicos da Comissão Europeia e do Comitê Económico das Nações Unidas da Europa.

Depois de longa carreira conduzindo Parques Tecnológicos que estão entre os top do ranking internacional, Sten Gunnar tornou-se consultor independente em assuntos relacionados a Parques Tecnológicos, Inovação e Desenvolvimento Regional. Atualmente, ele dá consultoria a diversos parques tecnológicos internacionais, agências de desenvolvimento e empresas; é conferencista frequente em eventos internacionais e autor de uma série de artigos sobre Parques Tecnológicos e desenvolvimento regional.

A entrevista foi realizada em 2/9/2016. A tradução é livre, feita pelos próprios entrevistadores.

1) Quando surgem os parques tecnológicos na Suécia?

S.Gunnar: O Parque Tecnológico Ideon foi o primeiro Parque Tecnológico sueco. Localizado em Lund, perto de Malmö, na fronteira da Suécia com Copenhagen, em 1983. Depois, veio o Parque Tecnológico de Mjärdevi, em Linköping, em 1984.

2) Ouve-se falar bastante do modelo “tríplice hélice” da Suécia. Em que consiste este modelo?

S.Gunnar: A “Tríplice hélice” ou “Triple Helix” é um conceito muito conhecido na Suécia. Foi criado pelo Prof. Henry Etzkowits, em 1993, como uma descrição das relações Universidade-Empresa-Governo e da interação entre estas instituições. A "tríplice hélice" é um modelo de inovação em formato de espiral, que capta múltiplas relações recíprocas, em diferentes pontos do processo de conhecimento. A primeira dimensão do modelo de tríplice hélice é a transformação interna em cada uma das hélices, tais como o desenvolvimento de laços laterais entre as empresas por meio de alianças estratégicas ou a convicção de que a tarefa do desenvolvimento econômico deve envolver as universidades. A segunda dimensão é a influência de uma hélice sobre a outra. Por exemplo, o papel do governo federal em instituir uma política industrial indireta, acompanhando a Lei Bayh-Dole de 1980 [ver nota explicativa sobre esta lei ao final do artigo]. Quando foram alteradas as regras do jogo para a propriedade intelectual produzida a partir de pesquisa patrocinada pelo governo, as atividades de transferência de tecnologia expandiram-se para uma gama muito mais ampla de universidades, resultando no surgimento de uma proclamação de transferência de tecnologia acadêmica. A terceira dimensão é a criação de uma nova sobreposição de redes e organizações trilaterais a partir da interação entre as três hélices, formada com o propósito de trazer novas ideias, como exposto por Etzkowitz, em paper publicado em 2002, intitulado “The Triple Helix of University-Industry-Government Implications for Policy and Evaluation”. Posteriormente, o modelo de quatro hélices ("Quadruple Helix"), e até mesmo o de cinco hélices (“Quintuple Helix"), foi introduzido por outros.

3) Os Parques Tecnológicos na Suécia costumam ser focados em determinadas áreas selecionadas ou eles são multifocais, dependendo dos projetos prioritários em certo momento?

S.Gunnar: Depende. Alguns são muito focados em disciplinas, perfis específicos. Por exemplo, o Parque Tecnológico do Instituto Karolinska, em Estocolmo, possui um forte foco em Ciências da Vida e Medicina (Medtech). Outros, entretanto, tomam uma perspectiva mais ampla. Por exemplo, o Parque Tecnológico de Mjärdevi abrange óptica (visualization), modelagem e simulação, Conectividade e Banda larga móvel, Sistemas de Saúde e Segurança Veicular.

4) Como ocorre o ciclo de um determinado projeto estratégico nos Parques Tecnológicos suecos? Durante o ciclo, em que momento o Governo é mais importante? E as universidades? E as empresas?

S.Gunnar: A pergunta tem muitas respostas, dependendo da propriedade, financiamento, gestão e governança. Em um projeto típico financiado pelas agências nacionais e/ou pela União Europeia, provavelmente haverá um projeto com duração de 3 a 4 anos: um ano para se definir tudo no que se refere à estrutura e cooperação; 2 a 3 anos de trabalho duro e, depois, concluir com um par de meses de relatórios. O governo e a universidade têm um papel importante na fase de aplicação prática (application phase) e, muitas vezes, no início do projeto.  As empresas, por sua vez, são importantes durante todo o processo.

5) Do ponto de vista da estrutura física, qual o tamanho médio (em área) de um parque tecnológico na Suécia?
S.Gunnar: O tamanho [metragem] não é uma questão importante na maneira sueca de trabalhar com Parques Tecnológicos. Você pode encontrar parques com 20 ou 30 empresas em 4.000 a 5.000 metros quadrados de área de  trabalho. Contudo, você também pode encontrar parques como o Parque Tecnológico de Mjärdevi com 300 empresas em 200.000 metros quadrados de espaço, ou ainda Parques Tecnológicos de 700.000 metros quadrados de terreno.

6) Como os parques tecnológicos na Suécia se mantêm financeiramente?

S.Gunnar: Há muitos fundos diferentes no sistema sueco. Os financiamentos mais importantes e maiores, para muitos Parques Tecnológicos, vêm dos municípios, das cidades, de regiões, de investidores imobiliários e / ou, em alguns casos, das universidades. No topo disto, há grande montante de “project money” circulando no entorno, que é proveniente de agências nacionais, Comissão Europeia e outros.

7) Como os parques tecnológicos lidam com a questão da propriedade intelectual dos projetos de inovação desenvolvidos pelas start ups que compõem o Parque Tecnológico?
S.Gunnar: Na maioria dos casos, a questão é tratada mais a partir do ponto de vista do mentor, do conselheiro. Isto significa que a maioria dos Parques Tecnológicos tem ligações com as empresas e seus especialistas, que podem ajudar, oferecendo os seus serviços para as start ups. É importante ter uma estratégia de como trabalhar com isso.

8) Como o senhor vê a experiência de Incubadoras Virtuais?  Esta experiência está crescendo na Suécia?

S.Gunnar: Há um número crescente de empresas virtualmente ligadas às incubadoras. Mas muitas das Incubadoras ainda dão grande importância a que as empresas dividam espaço com outras empresas incubadas.  Isto faz com que os processos de incubação sejam mais eficientes e oferece uma grande oportunidade das start ups compartilharem conhecimentos e experiências entre si.

9) A Cidade de São Paulo está buscando implantar o seu Parque Tecnológico. Antes mesmo de ter o prédio físico, a Cidade está desenvolvendo uma Incubadora Virtual ligada ao Parque Tecnológico. O que senhor acha desta estratégia?

S.Gunnar: É difícil sugerir ideias e reflexões sobre isto sem saber o quadro completo, a estratégia global, a questão da propriedade e da gestão [do Parque Tecnológico]. A questão é muito complexa para discutir à distância, sem ter as informações específicas, concretas.

10) Uma das principais contribuições da [futura] Incubadora Virtual da Cidade de São Paulo será o apoio aos  incubados na estruturação do seu Plano de Negócios. O que o senhor acha disto?

S.Gunnar: Parece um bom começo. De maneira geral, eu acho que é importante trabalhar de forma bastante orientada pela demanda. Sendo as start ups diferentes umas das outras, elas  têm diferentes necessidades.

11) O Parque Tecnológico de Mjärdevi tem parcerias com companhias multinacionais como a Ericsson. Como o Parque Tecnológico deve se relacionar com estas companhias? Os requisitos e demandas devem ser diferentes de acordo com o tamanho da companhia?

S.Gunnar: O caminho para se encontrar uma resposta é perguntar por que elas estão no Parque Tecnológico. É por causa da pesquisa acadêmica e das pessoas, do próprio espaço, dos estudantes, ou do quê...?  Outra pergunta a fazer é como a empresa pode ser uma parte da "vida" [do cotidiano] do Parque Tecnológico, e ser uma "boa cidadã". Definitivamente, as novas e pequenas empresas têm outras necessidades e demandas, que são diferentes das grandes empresas. A Ericsson pode, provavelmente, produzir produtos sem a participação do Parque Tecnológico, enquanto outras empresas não podem. Um aspecto interessante a refletir é também se o Parque Tecnológico pode produzir bens sem a Ericsson.

12) Em sua opinião, quais são as tarefas mais importantes a serem feitas no início de um Parque Tecnológico? Queremos dizer, o que deveria ser priorizado neste início dos trabalhos?

S.Gunnar: Para ter uma opinião sobre isso, é necessário saber sobre o que é feito por outros [Parques Tecnológicos], como é que se apresenta o "sistema de inovação" hoje e que tipo de necessidades têm as empresas, que se esperam que sejam “inquilinas” (participantes) do Parque Tecnológico.

13) O Parque Tecnológico de Mjärdevi Science Park é uma instituição municipal. Em sua opinião, qual a importância das ações municipais nos primeiros anos do Parque Tecnológico?

S.Gunnar: O Parque Tecnológico de Mjärdevi tem uma entidade gestora, a Mjärdevi AB, que é uma empresa municipal com 5 a 6 empregados - embora, registre-se, as 300 empresas ligadas ao Parque Tecnológico de Mjärdevi, juntas, empregam cerca de 6.000 pessoas. Uma das principais ações realizadas pela Prefeitura de Linköping, para desenvolver o Parque Tecnológico de Mjärdevi, foi dar autorização à outra empresa municipal (a Sankt Kors Fastighets AB) para investir na construção na área do Parque Tecnológico (em 1984) e realizar contratos de arrendamento com as empresas (que viriam a participar do Parque Tecnológico) antes mesmo da construção na área. Outra importante ação da Prefeitura tem sido orientar nas diretrizes da Mjärdevi AB e ser o principal financiador de suas atividades em todos esses anos. Além disso, a Prefeitura tem sido sempre ativa na promoção do Parque Tecnológico de Mjärdevi em todos os contextos em que a municipalidade está inserida.

14) Qual a importância do intercâmbio internacional – por exemplo, entre Brasil e Suécia – para o sucesso de um Parque Tecnológico?

S.Gunnar: A internacionalização é para muitos dos Parques Tecnológicos uma das questões mais importantes. As razões para isto são muito evidentes. Para as empresas, é uma questão de encontrar novos mercados, mas também de descobrir novas competências estratégicas para o seu desenvolvimento ou de seus produtos. Para o Parque Tecnológico em si mesmo, trata-se de uma questão de ajudar os “inquilinos” (os participantes do Parque) a conseguir novos mercados, e, por esta via, ajudá-los a crescer, mas também atrair empresas estrangeiras para o Parque Tecnológico - tanto para dentro do Parque (“office”) ou para uma aliança estratégica com uma ou mais empresas. É importante também atrair competência externa para a cidade e o Parque Tecnológico.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento - Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (jan. 2009/jul.2015) e Superintendente do SBCPrev (ago.2015/fev.2016).

Cleo Duarte é Supervisora Técnica da Coordenação de Desenvolvimento Econômico da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo. Co-responsável pelo site de treinamento cultural às relações Brasil-Suécia www.brsetraining.com.br

Nota: De acordo com a enciclopédia livre wikipedia, “a Lei Bayh-Dole ou Emenda da Lei de Marcas e Patentes (Pub. L. 96-517, 12 de dezembro de 1980) é a legislação dos Estados Unidos que trata da propriedade intelectual que deriva de pesquisas financiadas pelo governo federal. Patrocinada por dois senadores, Birch Bayh, de Indiana, e Bob Dole, de Kansas, a lei foi aprovada em 1980 e está inscrita em 94 Stat. 3015, 35 U.S.C. § 200-212 e é implementada por 37 C.F.R. 401. A mudança chave feita pela Lei Bayh-Dole residiu na propriedade das invenções feitas com financiamento federal. Antes da Lei Bayh-Dole, os contratos de financiamento e de subvenções federais às pesquisas obrigavam os inventores [pesquisadores] (onde quer que eles trabalhassem) a atribuir ao governo federal as invenções que eles fizeram com recursos federais. A lei Bayh-Dole permite que uma universidade, uma empresa de pequeno porte, ou uma instituição sem fins lucrativos, possa deter a propriedade de uma invenção, ao invés do governo”. Tradução livre dos autores deste artigo.

Artigo publicado originalmente no site do ABCDMaior, coluna blogs, em 5/9/2016.



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