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segunda-feira, 4 de maio de 2009

UM "ACORDO-PONTE" PARA ENFRENTAR A CRISE



 
 
Jefferson José da Conceição

 

Logo que a crise financeira internacional veio à tona a partir de setembro do ano passado, uma ação relativamente coordenada dos governos dos países desenvolvidos foi acionada. Esta agilidade serviu em alguma medida para reduzir o efeito “tsunami” da crise não apenas na área financeira, mas também na atividade produtiva, no emprego e na renda. É de algo semelhante o que precisamos adotar agora no Brasil, para enfrentar, de modo mais bem sucedido, o momento pelo qual atravessamos.

 

A crise internacional originou-se do descontrole do sistema financeiro, fruto da prevalência, nas últimas décadas, do ideário de que o “livre mercado”, por si só, seria a melhor forma de organização e condução da economia. Isto permitiu que fosse gerado um grande descompasso entre a produção física de produtos e serviços e a geração de títulos financeiros: a primeira pode ser medida pelo PIB mundial calculado em US$ 65 trilhões e a segunda, pelo volume estimado de US$ 600 trilhões na forma de títulos financeiros especulativos diversos, entre os quais se encontravam os títulos da dívida mobiliária americana.

 

Felizmente, os impactos sobre a economia brasileira deverão ser menos dramáticos do que o que verificamos em crises anteriores, como as do aumento do preço do petróleo no final dos anos de 1970 e as da crise da dívida externa ao longo dos anos de 1980. A economia brasileira encontra-se hoje em situação mais sólida em termos de finanças públicas, balanço de pagamentos e controle inflacionário. Os atuais programas sociais - naquela época praticamente inexistentes - permitem um apoio aos desempregados melhor do que antes. As rápidas medidas tomadas pelo governo federal, no que se refere ao aumento da liquidez no sistema bancário, por via da redução do compulsório, acompanhadas do socorro às instituições financeiras mais diretamente atingidas, seguidas do aumento do crédito e da redução tributária em setores fortemente dependentes do crédito, como a indústria automobilística e a construção civil, contribuíram para minorar os primeiros efeitos da crise. Uma única ressalva talvez pudesse ser feita em relação à ausência de contrapartidas formais, especialmente no que se refere à manutenção dos empregos, que, a nosso ver, deveria ser exigida dos beneficiados pelo socorro estatal. A decisão de manutenção dos investimentos do PAC é também sinalizador fundamental para a sustentação do nível de atividade econômica.

 

Não obstante as ações apontadas acima, não há como a economia brasileira blindar-se totalmente contra a crise. A contração do crédito - resultado da interrupção de linhas de financiamento internacional e de um sistema bancário interno mais receoso quanto à expansão da inadimplência -, a incerteza de consumidores e investidores quanto ao futuro e a diminuição das exportações pressionarão a economia para baixo nos próximos meses. Deste modo, os efeitos da crise, mesmo que localizados, já começam a se fazer sentir gradualmente: férias coletivas, acordos de suspensão temporária do contrato de trabalho, anúncio de demissões em algumas áreas.

 

Ainda que possa ser compreendida em alguns casos como última alternativa de sindicatos e empresários para preservar os empregos, a redução de salários não é solução estrutural para a crise em economias de baixo nível de renda como o Brasil. Ao contrário: ela tende a aprofundar o problema, pois, além de agravar o cenário de incerteza quanto ao futuro, retrai o consumo não apenas de bens de maior valor, mas também de alimentos, vestuário, calçados entre outros.

 

 

Há controvérsia quanto à duração da crise, mas um grande número de economistas, entre os quais nos incluímos, acredita que o período de maiores dificuldades residirá neste primeiro semestre de 2009. Se esta hipótese é correta, e ela parece ser razoável à luz das ações tomadas em nível internacional e nacional, é necessária então a construção de uma espécie de “acordo- ponte”, estabelecido entre Poder Público (em seus três níveis), empresários e trabalhadores, que nos possibilite atravessar sem grandes danos estes meses mais difíceis.

 

As premissas deste acordo-ponte seriam: a) a queda natural da demanda reduzirá a necessidade de altos níveis de produção e, portanto, diminuirá o volume de horas trabalhadas neste primeiro momento – logo, instrumentos de flexibilização da jornada são bastante adequados; b) não deve haver redução dos salários; c) as empresas necessitam de crédito fácil e barato; d) os Governos poderiam analisar também certa flexibilidade em relação ao prazo de recebimento de impostos, mas não podem abrir mão da arrecadação; e) é fundamental o compromisso formal com a manutenção dos empregos.

 

Neste contexto, instrumentos como a jornada flexível de trabalho (como a fixação da jornada anual e o banco de horas), o adiamento do pagamento de impostos como o IPI, ICMS e IPTU, e a construção de inovações financeiras por parte de órgãos como o BNDES (por exemplo, as grandes empresas poderiam dar algum aval para a concessão de crédito às pequenas e médias empresas pertencentes à sua cadeia, na forma de recebíveis que estas têm a receber com elas) podem compor um arranjo de grande valia para a preservação da atividade econômica e do emprego.

 

Um acordo-ponte como este - que bem se poderia denominar de Programa de Manutenção da Atividade Econômica, do Emprego e da Renda - requer a coordenação do Governo Federal, mas de tal maneira que haja o envolvimento das três esferas de governo (União, Estados e Municípios), bem como das representações empresariais e de trabalhadores.  

 

Além de participar desta iniciativa, os municípios podem também adotar outros instrumentos que, embora limitados, ajudam a atacar a crise em seus efeitos. Medidas como a execução de obras públicas, incentivo ao cooperativismo, estímulo ao empreendedorismo, requalificação profissional e apoio aos desempregados são instrumentos necessários em épocas de crise. Inserir estas medidas em uma ação integrada somente pode aumentar sua eficácia.

 

Os atores sociais da Região do ABC - sindicatos, representações empresariais e governos - organizam para os dias 4 e 5 de março, em São Bernardo do Campo, um Seminário que buscará estabelecer os termos de uma espécie de “carta do ABC” contendo proposições às três esferas de governo e à sociedade brasileira em geral. Poderá ser uma ótima oportunidade para discutirmos estas e outras sugestões. Será um momento importante de teste de nossa capacidade de, uma vez mais, aproveitar a crise e fazer dela um espaço de novas oportunidades.

 

Jefferson José da Conceição, 46, é Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo e Professor Doutor de Economia Brasileira da USCS.

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