Jefferson José da Conceição
Logo que a crise financeira
internacional veio à tona a partir de setembro do ano passado, uma ação
relativamente coordenada dos governos dos países desenvolvidos foi acionada.
Esta agilidade serviu em alguma medida para reduzir o efeito “tsunami” da crise
não apenas na área financeira, mas também na atividade produtiva, no emprego e
na renda. É de algo semelhante o que precisamos adotar agora no Brasil, para
enfrentar, de modo mais bem sucedido, o momento pelo qual atravessamos.
A crise internacional originou-se do descontrole do sistema financeiro, fruto da
prevalência, nas últimas décadas, do ideário de que o “livre mercado”, por si
só, seria a melhor forma de organização e condução da economia. Isto permitiu
que fosse gerado um grande descompasso entre a produção física de produtos e
serviços e a geração de títulos financeiros: a primeira pode ser medida pelo
PIB mundial calculado em US$ 65 trilhões e a segunda, pelo volume estimado de
US$ 600 trilhões na forma de títulos financeiros especulativos diversos, entre
os quais se encontravam os títulos da dívida mobiliária americana.
Felizmente, os impactos sobre a
economia brasileira deverão ser menos dramáticos do que o que verificamos em
crises anteriores, como as do aumento do preço do petróleo no final dos anos de
1970 e as da crise da dívida externa ao longo dos anos de 1980. A economia brasileira
encontra-se hoje em situação mais sólida em termos de finanças públicas, balanço
de pagamentos e controle inflacionário. Os atuais programas sociais - naquela
época praticamente inexistentes - permitem um apoio aos desempregados melhor do
que antes. As rápidas medidas tomadas pelo governo federal, no que se refere ao
aumento da liquidez no sistema bancário, por via da redução do compulsório,
acompanhadas do socorro às instituições financeiras mais diretamente atingidas,
seguidas do aumento do crédito e da redução tributária em setores fortemente
dependentes do crédito, como a indústria automobilística e a construção civil,
contribuíram para minorar os primeiros efeitos da crise. Uma única ressalva talvez pudesse ser feita em
relação à ausência de contrapartidas formais, especialmente no que se refere à
manutenção dos empregos, que, a nosso ver, deveria ser exigida dos beneficiados
pelo socorro estatal. A decisão de manutenção dos investimentos do PAC é também
sinalizador fundamental para a sustentação do nível de atividade econômica.
Não obstante as ações apontadas
acima, não há como a economia brasileira blindar-se totalmente contra a crise.
A contração do crédito - resultado da interrupção de linhas de financiamento
internacional e de um sistema bancário interno mais receoso quanto à expansão
da inadimplência -, a incerteza de consumidores e investidores quanto ao futuro
e a diminuição das exportações pressionarão a economia para baixo nos próximos
meses. Deste modo, os efeitos da crise, mesmo que localizados, já começam a se
fazer sentir gradualmente: férias coletivas, acordos de suspensão temporária do
contrato de trabalho, anúncio de demissões em algumas áreas.
Ainda que possa ser compreendida
em alguns casos como última alternativa de sindicatos e empresários para
preservar os empregos, a redução de salários não é solução estrutural para a
crise em economias de baixo nível de renda como o Brasil. Ao contrário: ela
tende a aprofundar o problema, pois, além de agravar o cenário de incerteza
quanto ao futuro, retrai o consumo não apenas de bens de maior valor, mas
também de alimentos, vestuário, calçados entre outros.
Há controvérsia quanto à duração
da crise, mas um grande número de economistas, entre os quais nos incluímos,
acredita que o período de maiores dificuldades residirá neste primeiro semestre
de 2009. Se esta hipótese é correta, e ela parece ser razoável à luz das ações
tomadas em nível internacional e nacional, é necessária então a construção de
uma espécie de “acordo- ponte”, estabelecido entre Poder Público (em seus três
níveis), empresários e trabalhadores, que nos possibilite atravessar sem
grandes danos estes meses mais difíceis.
As premissas deste acordo-ponte
seriam: a) a queda natural da demanda reduzirá a necessidade de altos níveis de
produção e, portanto, diminuirá o volume de horas trabalhadas neste primeiro
momento – logo, instrumentos de flexibilização da jornada são bastante
adequados; b) não deve haver redução dos salários; c) as empresas necessitam de
crédito fácil e barato; d) os Governos poderiam analisar também certa
flexibilidade em relação ao prazo de recebimento de impostos, mas não podem
abrir mão da arrecadação; e) é fundamental o compromisso formal com a
manutenção dos empregos.
Neste contexto, instrumentos como
a jornada flexível de trabalho (como a fixação da jornada anual e o banco de
horas), o adiamento do pagamento de impostos como o IPI, ICMS e IPTU, e a
construção de inovações financeiras por parte de órgãos como o BNDES (por
exemplo, as grandes empresas poderiam dar algum aval para a concessão de
crédito às pequenas e médias empresas pertencentes à sua cadeia, na forma de
recebíveis que estas têm a receber com elas) podem compor um arranjo de grande
valia para a preservação da atividade econômica e do emprego.
Um acordo-ponte como este - que
bem se poderia denominar de Programa de Manutenção da Atividade Econômica, do
Emprego e da Renda - requer a coordenação do Governo Federal, mas de tal
maneira que haja o envolvimento das três esferas de governo (União, Estados e
Municípios), bem como das representações empresariais e de trabalhadores.
Além de participar desta
iniciativa, os municípios podem também adotar outros instrumentos que, embora
limitados, ajudam a atacar a crise em seus efeitos. Medidas como a execução de
obras públicas, incentivo ao cooperativismo, estímulo ao empreendedorismo,
requalificação profissional e apoio aos desempregados são instrumentos
necessários em épocas de crise. Inserir estas medidas em uma ação integrada
somente pode aumentar sua eficácia.
Os atores sociais da Região do
ABC - sindicatos, representações empresariais e governos - organizam para os
dias 4 e 5 de março, em
São Bernardo do Campo, um Seminário que buscará estabelecer
os termos de uma espécie de “carta do ABC” contendo proposições às três esferas
de governo e à sociedade brasileira em geral. Poderá ser uma ótima oportunidade para
discutirmos estas e outras sugestões. Será um momento importante de teste de
nossa capacidade de, uma vez mais, aproveitar a crise e fazer dela um espaço de
novas oportunidades.
Jefferson José da Conceição,
46, é Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do
Campo e Professor Doutor de Economia Brasileira da USCS.
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