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segunda-feira, 10 de abril de 2017

IDH E ÍNDICE DE GINI ESPELHARÃO A VOLTA DO VELHO BRASIL


Jefferson José da Conceição

A implementação de uma Política Econômica e de um conjunto de Reformas Econômicas Estruturais pode ter vários objetivos diretos e indiretos em qualquer governo: reduzir a inflação; acelerar o crescimento; aumentar as exportações; controlar os déficits fiscais; reequilibrar as finanças públicas; gerar empregos. Mas ninguém negaria que, no fim das contas, o objetivo mais amplo deveria ser o de melhorar a qualidade de vida das pessoas e  - em um país como o Brasil, marcado pela extrema desigualdade de renda -, a redução do grande concentração da riqueza e da renda.

Há sinais de que, no Brasil, a atual política econômica e o conjunto de reformas em curso não conseguirão ser bem-sucedidos em vários dos itens apontados acima, salvo o controle da inflação e o incremento das exportações – que podem ter suas metas atingidas pela severidade da própria retração econômica. Mas a política econômica e as reformas não melhorarão a qualidade de vida das pessoas e não reduzirão a desigualdade no Brasil. O mais provável é que elas agravem o quadro já ruim atualmente.

Dois indicadores exigirão um acompanhamento bem de perto nesta questão da mensuração da qualidade de vida e do grau de desigualdade no país: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini.

O IDH

Criado em 1990, pelos economistas Amartya Sem e Mahbub ul Haq, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador utilizado pela ONU em seus relatórios anuais. O IDH abarca o PIB per capita, a Esperança de vida ao nascer, a taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos), o acesso a saneamento básico e a Educação (taxa de alfabetização; nº médio de anos na escola).

O indicador, que é uma medida de comparação entre os países, varia de zero a 1. Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. Quanto mais próximo de zero, mais longe do desenvolvimento está o país.  Os países nórdicos da Europa, como a Noruega, Finlândia, Dinamarca e Suécia, estão entre os países com IDH mais elevado, ao lado de Austrália, Suíça e outros. Os países africanos têm os menores IDH. O Brasil, em 2015, ocupou a 79ª posição.

Desde a criação do IDH, o Brasil vinha apresentando melhora em seu indicador ano após ano. Tomemos alguns anos da série: 1990: IDH de 0,590; 2000: 0,669; 2005: 0,699; 2010: 0,726; 2011: 0,728; 2012: 0,730; 2014: 0,754; 2015: 0,754. Como se pode ver, em 2015, com o agravamento da crise, já paramos de melhorar nosso indicador. Este indicador de 2015, considera: uma expectativa de vida no Brasil de 74,7 anos; média de estudo de 7,8 anos (para população acima de 25 anos); renda nacional bruta per capita de US$ 14.145, entre outros itens.

Em sendo ainda curta a série histórica do IDH (1990-2015), o que se pode dizer é que as evidências apontam para uma tendência à estagnação do índice nos próximos anos. A crise econômica, as reformas trabalhista e previdenciária, a redução dos gastos públicos e a eliminação/redução de políticas sociais como Bolsa Família, Política de Valorização do Salário Mínimo, Minha Casa Minha Vida, Prouni, FIES, Ciências sem Fronteiras e Pronatec são elementos que, somados, não permitem esperar melhoria significativa do IDH no Brasil. Em outras palavras, paramos de nos desenvolver e podemos até mesmo dar passos para trás, com a piora no indicador.

O INDICE DE GINI

Outro indicador importante é o que mede a concentração de renda, o chamado índice de Gini. Os países desenvolvidos têm índices de Gini semelhantes. Portanto, quanto mais distantes tivermos destes indicadores, mais longes também estamos do desenvolvimento.

Este índice também varia de zero a 1. Mas aqui nosso raciocínio deve ser inverso, isto é,  quanto mais próximo de zero, mais igualitário o país; quanto mais próximo de 1, mais desigual ele é. Países como Noruega, Suécia, Dinamarca, França, Alemanha e EUA têm índices mais próximos de zero do que de 1.O Brasil está entre aqueles em que o índice está mais próximo de 1. Estamos entre os campeões mundiais de desigualdade de renda.

Este indicador permite uma série histórica mais larga. Considerando-se a fase da Economia Brasileira Contemporânea, após a industrialização a partir de 1930, o destaque ficou por conta da piora do indicador entre o ano de 1964 e a década de 1990. O índice de Gini subiu de 0,497 nos anos de 1960 para 0,565 na década de 1970; 0,592, na década de 1980; e 0, 637 na década de 1990.

Em outras palavras, após 1964 e durante três décadas, o Brasil até cresceu sua economia, mas a desigualdade aumentou expressivamente, com reflexo na piora da educação, saúde, moradia, transporte e condições de vida em geral da grande maioria dos brasileiros.

Como resultado das reformas de 1964, entre 1970 e 1972, no auge do milagre econômico brasileiro, a parcela da renda dos 60% mais pobres da população brasileira caiu de 20,9% para 16,8%, enquanto a parcela dos 10% mais ricos da população subiu de 46,7% para 52,6%.

Neste sentido, vale a pena recuperar, ainda que brevemente, os elementos que estavam presentes em meados da década de 1960 no Brasil e ver as semelhanças com o processo atual.

O PAEG e o arrocho salarial

Em 1964, o Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG) - liderado por Roberto Campos (Ministro do Planejamento) e Octávio Gouveia de Bulhões (Ministro da Fazenda), e, alguns anos depois, por Delfim Netto e Mário Henrique Simonsem - implementou uma série de reformas institucionais que visavam propiciar um novo ciclo de crescimento capitalista no Brasil. As reformas eram tidas como necessárias para constituir uma nova estrutura institucional no País.

No diagnóstico do PAEG, a crise do início da década de 1960 era resultado sobretudo da instabilidade política reinante, que se refletia em medidas econômicas que desestimulavam a produtividade, a poupança, os investimentos e a entrada de capitais. Isto resultava, na visão do Plano, em déficits públicos elevados (em função do descontrole de gastos), expansão demasiada do crédito, aumento de salários superiores à produtividade. Para os formuladores do PAEG, era importante reconstituir a lógica do “mercado”, bem como as políticas fiscais e monetárias comprometidas com a estabilidade monetária.

O arrocho salarial após 1964 ocorreu por meio de políticas como conversão dos salários pela média; fixação de índices de reajuste determinados pelo governo (que sempre eram fixados abaixo da inflação efetiva); princípio da anuidade como período mínimo para os reajustes salariais; intervenção e repressão aos sindicatos; fim da estabilidade após dez anos de emprego e sua substituição pelo FGTS.

Certamente o controle dos salários a partir de 1964 foi uma das razões pelas quais o forte crescimento verificado entre 1968 e 1973, no chamado “milagre econômico brasileiro”, ocorreu simultaneamente à queda da inflação e à piora na distribuição de renda.

Registre-se ainda que, facilitado pelo amplo controle exercido sobre o legislativo e pelo ambiente autoritário da época, o PAEG promoveu, além das reformas trabalhistas, importantes reformas também no campo fiscal e monetário, bem como  na estrutura do sistema financeiro: introdução da correção monetária nos títulos públicos e privados; reforma tributária com a redefinição da cobrança entre as esferas de governo; criação de novos impostos; introdução de vários incentivos fiscais; nova lei de remessas de lucros; definição e redistribuição das tarefas das instituições financeiras; criação de novas instituições financeiras (como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central e o  Banco Nacional de Habitação); ampliação das modalidades de crédito, entre outras. Voltemos, então, aos nossos dias. Com as atuais mudanças implementadas pelo Governo Temer – reformas trabalhistas, previdenciárias, terceirização –, a tendência é que o Brasil repita o que verificou no período seguinte a 1964: a piora na distribuição de renda. A partir das reformas de 2016, estamos seguindo o mesmo caminho que trilhamos meio século atrás.

Evidentemente, as medidas não são exatamente as mesmas (embora também aqui haja paralelos). O paralelismo reside em que, tal como em 1964, as Reformas de 2016 objetivam criar condições para a retomada do crescimento por meio do reequilíbrio das contas públicas (com o controle de gastos, de um lado, e o aumento das receitas, de outro), e, de modo mais geral, por meio da redução dos custos com o trabalho (salários, benefícios, direitos) e com os demais gastos sociais.

Em suma, a atual Política Econômica e as reformas de 2016, tal como em 1964, elegeram claramente ganhadores e perdedores. Tanto no passado quanto no presente, a classe trabalhadora está entre os perdedores.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. e atual Gestor da Escola de Negócios (Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas e Comércio Exterior) da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS.

Obs.: As opiniões expressas neste artigo não expressam necessariamente a visão majoritária dos membros da entidade da qual faço parte profissionalmente.

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna "Ponto de (des)equilíbrio", em 10/4/2017.

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