Jefferson
José da Conceição (jefferson.pmsbc@gmail.com)
Recentemente,
logo após ter entrado em sala, eu ligava o computador para ministrar mais uma
aula de Economia, quando ouvi um diálogo entre alunos. Passei a prestar
atenção, pois o tema referia-se a uma das controvérsias atuais do debate
econômico. Aos poucos, fui ficando estarrecido, pois uma aluna assumia, de modo
quase automático e acrítico, uma posição absolutamente contrária aos programas estatais
de proteção social, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a Política
de Valorização do Salário Mínimo e o Seguro Desemprego. De acordo com a visão
(distorcida) de minha aluna, programas sociais como estes, que marcaram os
governos de Lula e Dilma, só servem para gerar acomodação por parte dos mais
pobres e representam um custo injusto com aqueles que mais se esforçam. O
ataque frontal se refere principalmente às políticas sociais daqueles governos,
mas o argumento pode atingir também programas como o Sistema Único de Saúde,
fruto da Constituição de 1988, com os seus princípios da universalidade e
gratuidade.
Minha aluna –
talvez até sem o saber ainda - reproduzia quase fielmente as teses da escola
neoliberal, que vê, nestes programas, mais um erro derivado do intervencionismo
estatal. Para os neoliberais, as políticas de proteção social (ou de bem-estar
social, como são mais conhecidas na literatura) conduzidas pelo Estado somente
contribuem para gerar ineficiências na produtividade econômica (no caso a
acomodação dos mais pobres) e na alocação de recursos (pois o dinheiro público
poderia ser melhor investido). Ainda na visão neoliberal, estas políticas reduzem
a importância de valores fundamentais como a “meritocracia” e a “igualdade de
oportunidades”. No final das contas, estes programas aumentam indevidamente os
gastos do governo e, consequentemente, os déficits públicos.
Ao ouvir, de
soslaio, esta conversa entre os alunos, e a dura posição de minha aluna, imediatamente
lembrei-me de um texto de um dos mais brilhantes economistas contemporâneos, o
coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge. Chang é autor de
vários livros polêmicos - pois eles põem em xeque a ortodoxia dos manuais de
economia que se baseiam no princípio neoclássico da soberania do mercado e do
consumidor. Seu livro mais conhecido é “Chutando
a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica”
(Editora Unesp, 2004). Neste livro, Chang mostra que, ao longo da história,
após terem posto em ação várias medidas de natureza nada liberais (pirataria,
sequestro de cientistas, elevada taxação sobre produtos importados, cotas, proibições
à livre circulação de mercadorias etc) para estruturarem sua indústria, os
países desenvolvidos passaram a recomendar o liberalismo como solução para o
desenvolvimento dos países desenvolvidos.
O texto específico que fazemos menção neste
artigo (“O governo poderoso torna as
pessoas mais abertas às mudanças”) é um dos capítulos do seu livro “23 coisas que não nos contaram sobre o
capitalismo”, publicado em 2013 pela Editora Cultrix. Neste capítulo, Chang
procura sustentar o argumento de que, ao contrário do que prega o discurso
neoliberal contrário às políticas de proteção social (bem-estar social, ou Welfare State, em inglês), baseado em um
suposto “bom senso” aparente, as políticas de proteção social não são só boas
para os pobres, mas também para os não pobres. Para Chang, as políticas de bem
estar social servem para aumentar a eficiência do sistema econômico capitalista
como um todo.
Antes, porém,
de reproduzir o capítulo, vale apena remeter o leitor a trecho da introdução do
livro de Chang, no qual o autor diz:
“[Este livro] questiona muitas teorias
econômicas e fatos empíricos reconhecidos que (...) se aceitam como fato
consumado. Embora um leitor não especializado possa achar intimidante que lhe
seja pedido que questione essas teorias apoiadas por “especialistas” e que
desconfie de fatos empíricos aceitos pela maioria dos profissionais da área,
você descobrirá que isso é na realidade bem mais fácil do que parece, tão logo
você pare de pressupor que o que a maioria dos especialistas acredita precisa
necessariamente estar certo. A maior parte das questões que discuto neste livro
não tem respostas simples. Na realidade, em muitos casos, o meu argumento é que
não existe uma resposta simples, ao contrário do que os economistas que
defendem o livre mercado desejam que acreditemos. Não obstante, a não ser que
encaremos essas questões, não perceberemos como o mundo realmente funciona. E a
não ser que entendamos isso, não seremos capazes de defender os nossos próprios
interesses e, muito menos, de fazer um bem maior como cidadãos econômicos
ativos”.
Portanto,
Chang nos convida à reflexão aberta, a ter a ousadia de questionar o que é
aparentemente óbvio segundo a corrente dominante (a mainstream) de pensamento neoclássico.
Como veremos a
seguir, Chang estrutura o mencionado capítulo da seguinte maneira:
primeiramente, ele expõe o que os defensores do pensamento neoliberal pensam.
São os mitos a serem enfrentados. Em seguida, ele apresenta “o que eles [os
neoliberais] não dizem”.
Assim, esta
coluna abre espaço às palavras do Professor Chang, reproduzindo a seguir na
íntegra aquele capítulo da sua obra:
“O
QUE ELES [NEOLIBERAIS] DIZEM
O governo
poderoso é mau para a economia. O estado do bem-estar social emergiu
devido ao desejo dos pobres de ter uma vida mais fácil fazendo com que os ricos
paguem pelos custos dos ajustes que são constantemente exigidos pelas forças de
mercado.
Quando os
ricos são tributados para pagar pelo seguro-desemprego, os cuidados com a saúde
e outras medidas voltadas para o bem-estar social dos pobres, além de tornar os
pobres preguiçosos e privar os ricos de um incentivo para criar a riqueza, isso
também torna a economia menos dinâmica. Com a proteção do estado do bem-estar
social, as pessoas não sentem a necessidade de se ajustar a novas realidades do mercado,
retardando com isso as mudanças nas suas profissões e padrões de trabalho que
são necessários para os ajustes econômicos dinâmicos. Nem mesmo temos que
invocar o fracasso das economias comunistas. Basta contemplar a falta de
dinamismo na Europa com o seu intumescido estado do bem-estar social e
compará-lo com a vitalidade dos Estados Unidos.
O QUE ELES [NEOLIBERAIS] NÃO DIZEM
Um estado do
bem-estar social bem planejado pode na realidade encorajar as pessoas a correr
riscos com o seu emprego e ser mais, e não menos, abertas às mudanças. Essa é
uma das razões pelas quais existe na Europa uma demanda menor de proteção
comercial do que nos Estados Unidos. Os europeus sabem que, mesmo que as
indústrias fechem devido à concorrência estrangeira, eles serão capazes de
proteger o seu padrão de vida (por meio dos benefícios do auxílio-desemprego) e
receber um treinamento para outra função (com subsídios do governo), ao passo
que os americanos sabem que a perda do emprego pode significar uma enorme queda
no seu padrão de vida, podendo até mesmo representar o fim de sua vida
produtiva. É por esse motivo que os países europeus com os maiores estados do
bem-estar social, como a Suécia, a Noruega e a Finlândia, conseguiram crescer
mais rápido do que os Estados Unidos (ou com a mesma rapidez), até mesmo
durante a “ Renascença Americana” pós-1990
A mais antiga profissão do mundo?
Representantes
de diferentes profissões em um país cristão estavam debatendo qual era a mais
antiga das profissões.
O médico
disse: “Pensem bem. Qual foi a primeira coisa que Deus fez com os seres
humanos? Uma cirurgia. Ele criou Eva como a costela de Adão. A medicina é a
profissão mais antiga. ”
“ Não, isso
não é verdade”, retrucou o arquiteto. “ A primeira coisa que ele fez foi
construir o mundo a partir do caos. É isso que os arquitetos fazem, eles criam
a ordem a partir do caos. A nossa profissão é a mais antiga.
O político,
que estava ouvindo com paciência, deu um sorriso maroto e perguntou: E quem
criou o caos? ”
A medicina
pode ou não ser a profissão mais antiga do mundo, mas é uma das mais populares
em todo o planeta. No entanto, em nenhum país ela é mais popular do que no meu
país de origem, a Coreia do Sul.
Um
levantamento realizado em 2003 revelou que quase quatro em cinco dos
“candidatos à universidade com pontuação mais elevada” (definidos com aqueles
que estão dentro dos 2% superiores da distribuição) na área de ciências exatas
queriam estudar medicina. Segundo informações extraoficiais, durante os últimos
anos, ficou mais difícil ingressar até mesmo no menos competitivo dos 27
departamentos médicos do país (no nível da graduação) do que melhores
departamentos de engenharia do país. É impossível ser mais popular do que isso.
O
interessante é que, embora a medicina sempre tenha sido uma disciplina popular
na Coreia, essa enorme popularidade é recente. Trata-se basicamente de um
fenômeno do século XXI. O que mudou?
Uma
possibilidade óbvia é que, seja por que motivo for (p.ex., uma população que
está envelhecendo), os ganhos relativos dos médicos aumentaram, e os jovens
estão meramente reagindo às mudanças nos incentivos - o mercado deseja médicos
mais capazes, de modo que um número mais elevado de pessoas competentes está
ingressando na profissão. Entretanto, a renda relativa dos médicos na Coreia
vem caindo, devido ao contínuo aumento da oferta. E não se trata de o governo
ter introduzido alguma regulamentação que tenha tornado difícil para as pessoas
obter empregos como engenheiros ou cientistas (as óbvias escolhas alternativas
para os que querem ser médicos). Então, o que está realmente acontecendo?
O que está
motivando tudo isso é a queda radical da segurança no emprego ao longo mais ou
menos dos últimos dez anos. Depois da crise financeira de 1997 que acabou com
os “anos milagrosos” do país, a Coreia abandonou o seu sistema econômico
paternalista e intervencionista e adotou o liberalismo de mercado que enfatiza
a máxima concorrência. A segurança no emprego foi drasticamente reduzida em nome
de uma maior flexibilidade do mercado de trabalho. Milhões de trabalhadores
foram obrigados a aceitar empregos temporários. Ironicamente, mesmo antes da
crise, o país tinha um dos mercados de trabalho mais flexíveis do mundo rico,
com um dos coeficientes mais elevados de trabalhadores sem um contrato
permanente de mais ou menos 50 %. A recente liberalização fez com que esse
coeficiente aumentasse ainda mais e atingisse aproximadamente 60%. Além disso,
até mesmo aqueles que têm contratos permanentes hoje sofrem com o aumento da
insegurança no emprego. Antes da crise de 1997, a maioria dos
trabalhadores com um contrato permanente podia esperar, de facto ou até mesmo de
jure, ter um emprego para a vida inteira (como muitos dos seus
equivalentes japoneses ainda têm). Mas isso acabou. Agora, os trabalhadores
mais velhos que estão na casa dos 40 e 50 anos, mesmo que tenham um contrato
permanente, são incentivados a abrir caminho para a geração mais jovem na
primeira oportunidade possível. As empresas não podem demiti-los a seu
bel-prazer, mas todos sabemos que existem maneiras de fazer com que as pessoas
saibam que são indesejadas, o que as obriga a ir embora “voluntariamente”.
Considerando-se
isso, os jovens coreanos estão, compreensivelmente, evitando os ricos. Eles
supõem que se se tornarem cientistas ou engenheiros, a probabilidade de que
fiquem sem empregos por volta dos 40 anos é elevada, mesmo que ingressem em
grandes companhias como a Samsung ou a Hyundai. Essa é uma perspectiva
horrível, já que o estado do bem-estar social na Coreia é extremamente fraco;
na verdade, o menor entre os países ricos (medido pelos gastos sociais públicos
como uma parcela do PIB).1 O estado do bem-estar social fraco não
representava um grande problema anteriormente porque muitas pessoas tinham um
emprego vitalício. Com o desaparecimento do emprego vitalício, ele se tornou
letal. Se você perde o emprego, o seu padrão de vida cai catastroficamente e, o
que é mais importante, você não tem realmente uma segunda chance. Portanto, os
jovens coreanos inteligentes raciocinam que com uma licença para exercer a
medicina eles poderão trabalhar até decidir se aposentar, que também é o
conselho que recebem dos pais. Se o pior acontecer, eles podem montar a sua
própria clínica, mesmo que não ganhem tanto dinheiro (bem, para um médico). É
compreensível que todos os jovens coreanos inteligentes queiram estudar
medicina (ou direito, outra profissão com uma licença, se estiverem na área de
ciências humanas).
Não me
entendam mal. Eu venero os médicos. Devo minha vida a eles; submeti-me a
algumas cirurgias que salvaram a minha vida e fiquei curado de um sem-número de
infecções graças aos antibióticos que eles me receitaram. Mas mesmo assim, sei
que é impossível que 80% dos jovens mais inteligentes da Coreia na área de
ciência exatas estejam talhados para ser médicos.
Assim, um
dos mercados de trabalho mais livres do mundo rico, ou seja, o mercado de
trabalho coreano, está deixando acentuadamente de distribuir os seus talentos
da maneira mais eficiente. O motivo? O aumento da insegurança no emprego.
O estado do
bem-estar social é a lei de falência para os trabalhadores
A segurança
no emprego é uma questão complicada. Os economistas que defendem o livre
mercado acreditam que qualquer regulamentação do mercado de trabalho que
dificulte as demissões torna a economia menos eficiente e dinâmica. Para
começar, ela enfraquece o incentivo para que as pessoas trabalhem arduamente.
Além disso, desestimula a criação da riqueza por tornar os empregadores mais
relutantes em fazer novas contratações (com medo de não poder demitir
futuramente os funcionários, caso necessário).
As
regulamentações do mercado de trabalho já são bastante ruins, argumentam eles,
mas o estado do bem-estar social tornou as coisas ainda piores. Ao fornecer
benefícios aos desempregados, seguro-saúde, instrução gratuita e até mesmo um
auxílio desemprego, o estado do bem-estar social efetivamente concedeu a todos
a garantia de ser contratado pelo governo - como um “trabalhador desempregado”,
se você preferir chamar assim - com um salário mínimo. Por conseguinte, os
trabalhadores não têm um incentivo suficiente para trabalhar arduamente. Para
piorar ainda mais as coisas, esses estados do bem-estar social são financiados
por meio de impostos pagos pelos ricos, reduzindo assim os incentivos para que
estes últimos trabalhem bastante, criem empregos e gerem riqueza.
Considerando-se
tudo isso, prossegue o raciocínio, um país com um estado do bem-estar social
mais forte será menos dinâmico; os seus trabalhadores serão menos compelidos a
trabalhar, enquanto os seus empresários serão menos motivados a criar riqueza.
Esse
argumento tem sido muito influente. Nos anos 1970, uma explicação popular para
o medíocre desempenho econômico da Grã-Bretanha na época era que o seu estado
do bem-estar social de tornara inchado e os seus sindicatos excessivamente
poderosos (o que também se deve, em parte, ao estado do bem-estar social, à
medida que este último abafa a ameaça do desemprego). Nessa interpretação
da histórica britânica, Margaret Thatcher salvou a Grã-Bretanha colocando os
sindicatos no seu devido lugar e reduzindo o estado do bem-estar social, embora
o que efetivamente aconteceu seja mais complicado. A partir dos anos 1990, essa
visão do estado do bem-estar social ficou ainda mais popular com o desempenho de
crescimento (supostamente) superior dos Estados Unidos com relação ao de outros
países ricos com estados do bem-estar social mais fortes.2 Quando os
governos de outros países tentam reduzir os seus gastos com o bem-estar social,
eles frequentemente citam a cura da chamada “Doença Britânica” praticada pela
Sra. Thatcher ou o dinamismo superior da economia americana.
Mas é
realmente verdade que uma maior segurança no emprego e um estado do bem-estar
social mais poderoso reduzem a produtividade e o dinamismo da economia?
Como no
nosso exemplo coreano, a falta de segurança no emprego pode levar dos jovens a
fazer escolhas conservadoras na sua carreira, preferindo empregos seguros da
área da medicina e do direito. Essa pode ser uma escolha adequada para eles do
ponto de vista individual, mas conduz a uma má distribuição de talentos,
reduzindo, portanto, a eficiência e o dinamismo econômico.
O estado do
bem-estar social mais fraco dos Estados Unidos tem sido uma das razões
importantes pelas quais o protecionismo comercial é muito mais forte lá do que
na Europa, apesar de uma maior aceitação da intervenção do governo nesta
última. Na Europa (é claro que estou desconsiderando nos detalhes as diferenças
nacionais), se o setor no qual você trabalha declina e você perde o emprego,
sem dúvida você recebe um grande golpe, mas não é o fim do mundo. Você continua
a ter o seguro-saúde e poderá morar nas casas de propriedade do governo (ou
receber subsídios de moradia), enquanto recebe o salário-desemprego (até 80% da
sua última remuneração), um novo treinamento subsidiado pelo governo e ainda
conta com a ajuda do governo para procurar um novo emprego. Em contraposição,
se você é um trabalhador americano, o melhor que você tem a fazer é se agarrar
ao seu emprego atual, se necessário por meio do protecionismo, porque perder o
emprego significa perder quase tudo. A cobertura do seguro significa perder
quase tudo. A cobertura do seguro-desemprego é irregular e dura menos do que na
Europa. O governo oferece pouco ajuda para o retreinamento e a procura de
emprego. O mais assustador é que perder o emprego significa perder o
seguro-saúde e provavelmente a sua casa, pois existem poucas casas do governo
ou subsídios públicos para o seu aluguel. Em decorrência disso, a resistência
dos trabalhadores a qualquer reestruturação industrial que envolva a redução de
emprego é muito maior nos Estados Unidos do que na Europa. A maioria dos
trabalhadores americanos é incapaz de montar uma resistência organizada, mas
aqueles que são - os trabalhadores sindicalizados - compreensivelmente farão
todo o possível para preservar a atual distribuição de emprego.
Como
demonstraram os exemplos anteriores, uma insegurança maior pode fazer com que
as pessoas trabalhem mais, mas ao mesmo tempo faz com que elas trabalhem mais
nos empregos errados. Todos aqueles jovens coreanos que poderiam ser brilhantes
cientistas e engenheiros estão mourejando na anatomia humana. Muitos dos
trabalhadores americanos que poderiam - depois de um retreinamento apropriado -
estar trabalhando em indústrias emergentes (p.ex., a bioengenharia) estão
sombriamente se agarrando aos seus empregos em indústrias que estão em declínio
(p.ex., automobilística), apenas retardando o inevitável.
A essência
de todos os exemplos anteriores é que, quando as pessoas sabem que terão uma
segunda (ou terceira ou até mesmo quarta) chance, elas se mostram muito mais
abertas a correr riscos quando se trata da escolha do primeiro emprego (como no
exemplo coreano) ou em largar os empregos atuais (como na comparação entre os
Estados Unidos e a Europa).
Você acha
essa lógica estranha? Pois não deveria. Porque essa é exatamente a lógica por
trás da lei de falência, a qual a maioria das pessoas aceita como “óbvia”.
Antes de
meados do século XIX, nenhum país tinha uma lei de falência no sentido moderno.
O que na época era chamado de lei de falência não conferia aos empresários
falidos muita proteção contra os credores enquanto reestruturavam o seu negócio
- nos Estados Unidos, o “Capítulo II” hoje oferece essa proteção durante seis
meses. O mais importante é que a lei na ocasião não lhes dava uma segunda
chance, pois lhes era exigido que pagassem todas as dívidas, por mais tempo que
isso levasse, a não ser que os credores os “ dispensassem” da obrigação. Isso
significa que, mesmo que o empresário falido conseguisse de alguma maneira
começar um novo negócio, ele tinha que usar todo o seu novo lucro para pagar as
antigas dívidas, o que tolhia o crescimento do novo negócio. Tudo isso
tornava extremamente arriscado começar um empreendimento comercial.
Com o tempo,
as pessoas se deram conta de que a falta da segunda chance estava
desencorajando enormemente os empresários de correr riscos. Começando com a
Grã-Bretanha em 1849, os países passaram a introduzir modernas leis de
falência com proteção do tribunal contra os credores durante a reestruturação
inicial e, o que é extremamente importante, conferindo aos tribunais o poder de
impor reduções permanentes às dívidas, até mesmo contrariando a vontade dos
credores. Ao ser combinada com instituições como a responsabilidade limitada,
que foi introduzida mais ou menos na mesma época (ver pp.34-48), essa nova lei de falência reduziu o risco de
qualquer empreendimento comercial, incentivando, portanto, as pessoas a correr
riscos, o que tornou possível, o capitalismo moderno.
Na medida em
que oferece uma segunda oportunidade aos trabalhadores, podemos dizer que o
estado do bem-estar social é leis de falência incentivam os empresários a
correr riscos, o estado do bem-estar social incentiva os trabalhadores a ser
mais abertos à mudança (e aos riscos resultantes) nas suas atitudes. Por saber
que haverá uma segunda oportunidade, as pessoas podem ser mais audaciosas na
escolha da sua carreira inicial e mais abertas à ideia de mudar de profissão
mais tarde da vida.
Os países
com governos mais poderosos podem crescer mais rápido
E as
evidências? Qual é o desempenho relativo de países que diferem quanto ao
tamanho dos seus estados do bem-estar social? Como mencionei anteriormente, a
sabedoria convencional diz que os países com estados do bem-estar social mais
fracos são mais dinâmicos. No entanto, as evidências são respaldam esse ponto
de vista.
Até a década
de 1980, os Estados Unidos cresceram muito mais devagar do que a Europa, apesar
do fato de ter um estado do bem-estar social muito mais fraco. Em 1980,
por exemplo, os gastos sociais públicos como uma parcela do PIB foram de apenas
13,3% nos Estados Unidos em comparação com 19,9% para quinze países da União
Europeia. Esse percentual chegou a 28,6% na Suécia, 24,1% na Holanda e 23% na
Alemanha (Ocidental). Apesar disso, entre 1950 e 1987, os Estados Unidos
cresceram mais lentamente do que qualquer país europeu. A renda per capita cresceu 3,8% na Alemanha,
2,7% na Suécia, 2,5% na Holanda e 1,9% nos Estados Unidos durante esse período.
Obviamente, o tamanho do estado do bem-estar social é apenas um dos fatores que
determinam o desempenho econômico de um país, mas isso mostra que um estado do
bem-estar social forte não é incompatível com o crescimento elevado.
Mesmo depois
de 1990, quando o desempenho de crescimento relativo do Estados Unidos
melhorou, alguns países com estados do bem-estar social fortes cresceram mais
rápido. Por exemplo, entre 1990 e 2008, a renda per capita dos Estados Unidos aumentou 1,8%. Esse percentual é
basicamente o mesmo do período anterior, mas tendo em vista o arrefecimento das
economias europeias, isso tornou os Estados Unidos uma das economias de
crescimento mais rápido do grupo “principal” da OCDE (isto é, excluindo os
países ainda não totalmente ricos, como a Coreia e a Turquia).
O
interessante, contudo, é que as duas economias com crescimento mais rápido no
grupo principal da OCDE durante o período pós-1990 são à Finlândia (2,6%) e a
Noruega (2,5%), ambas com um estado do bem-estar social forte. Em 2003, a
parcela dos gastos sociais públicos no PIB foi de 22,5% na Finlândia e 25,1% na
Noruega, comparados com a média de 20,7% da OCDE e 16,2% nos Estados Unidos. A
Suécia, que tem literalmente o maior estado do bem-estar social do mundo (31,3%,
ou seja, duas vezes maior que o dos Estados Unidos), registrou uma taxa de
crescimento de 1,8% que estava apenas levemente abaixo da taxa americana. Se
contarmos apenas a década de 2000 (2000-2008) as taxas de crescimento da Suécia
(2,4%) e da Finlândia (2,8%) foram bem superiores à dos estados Unidos (1,8%).
Se os economistas que defendem o livre mercado estivessem certos a respeito dos
efeitos prejudiciais do estado do bem-estar social sobre a ética do trabalho e
os incentivos para a criação da riqueza, esse tipo de coisa não deveria
acontecer.
É claro que
ao dizer tudo isso não estou apregoando que o estado do bem-estar social é
necessariamente bom. À semelhança de todas as outras instituições, ele tem
aspectos positivos e negativos. Especialmente se ele for baseado em programas direcionados
(como nos Estados Unidos), em vez de universais, ele pode estigmatizar os
beneficiários da assistência social. O estado do bem-estar social eleva os
“rendimentos de reserva” das pessoas e evita que elas aceitem empregos mal
remunerados com condições de trabalhos precárias, embora afirmar que isso
seja uma coisa ruim é uma questão de opinião (pessoalmente, acho que a
existência de um grande número de “pessoas pobres empregadas’’, como acontece
nos Estados Unidos, é um problema tão grande quanto o das taxas de desemprego
de um modo geral mais elevadas que vemos na Europa). No entanto, se o estado do
bem-estar social for bem planejado, com a visão de conceder aos trabalhadores
uma segunda oportunidade, como é o caso dos países escandinavos, ele pode
estimular o crescimento econômico fazendo com que as pessoas fiquem mais
abertas às mudanças e tornando assim mais fácil a reestruturação industrial.
Só podemos acelerar o nosso carro
porque ele tem freios. Se os carros não tivesses freios, nem mesmo os motoristas
mais habilidosos ousariam dirigir a mais de 30 a 50 quilômetros por hora por
temer os acidentes fatais. Analogamente, as pessoas conseguem aceitar com mais
boa vontade o risco do desemprego e a necessidade de uma readaptação ocasional
das suas habilidades quando sabem que essas experiências não irão destruir a
sua vida. É por esse motivo que um governo mais poderoso pode fazer com que as
pessoas fiquem mais abertas à mudança, tornando assim a economia mais dinâmica”.
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Jefferson José
da Conceição é Prof. Dr. da USCS e atual Diretor Técnico da Agência São Paulo
de Desenvolvimento. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e
Turismo de São Bernardo do Campo entre jan.2009 e jul. 2015. Foi
Superintendente do Instituto de Previdência do Município de São Bernardo do
Campo- SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016.
Artigo publicado no site do ABCDMaior, em 17/10/2016, coluna blogs.
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