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segunda-feira, 11 de julho de 2016

NA CONTRAMÃO DAS 80 h


Jefferson José da Conceição

Na contramão da recente proposta feita pelo Presidente da CNI, este artigo não apenas se posiciona frontalmente contra qualquer incremento da jornada de trabalho no Brasil, como defende a redução da jornada semanal; a redução e limitação das horas extras; o controle e redução da jornada anual de trabalho.

Em tempos de retrocesso, que tem como pano de fundo a onda conservadora que veio junto com o impeachment da Presidenta eleita Dilma Rousseff, o Presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade, declarou, em reunião de lideranças da “Mobilização Empresarial pela Inovação” com o Presidente interino Michel Temer, realizada em 8/7/2016, que o governo deveria adotar "medidas muito duras" na Legislação Trabalhista e na Previdência Social. O objetivo seria promover o equilíbrio das contas públicas e aumentar a competitividade das empresas. Com isto o Presidente da CNI já definiu quem tem que “pagar o pato”: os trabalhadores assalariados.
Manuseando informações equivocadas, incompletas e sem qualquer contextualização, o Presidente da CNI, inadvertidamente, utilizou o caso da França, dizendo que, após as reformas trabalhistas, hoje é permitido naquele país trabalhar até 80 horas por semana.

O Presidente da CNI não mencionou que a jornada de trabalho na França é de 35 horas por semana! O limite máximo – já computadas as horas extras – é de 48 horas por semana, não ultrapassando 10 horas de trabalho por dia.  Medida recente do Governo francês autoriza que, excepcionalmente, em alguns casos, a jornada semanal alcance as 60 h semanais. Contudo, é necessário que a autoridade administrativa autorize esta jornada. Ainda assim, a medida sofreu séria oposição e protestos de grande parte da sociedade francesa. Portanto, a realidade está longe do afirmado pelo Presidente da CNI. 

Creio que o Presidente acaba de reabrir o debate da jornada de trabalho. Só que o feitiço pode voltar-se contra o feiticeiro: mesmo em um cenário de retrocessos, as propostas podem correr na contramão do proposto por aquela entidade empresarial.

Registre-se também que, vinda da “Mobilização Empresarial para a Inovação”, a proposta do Presidente da CNI não é nada “inovadora”. Os segmentos mais atrasados do empresariado recorrentemente propõem a ampliação da jornada de trabalho.

Neste sentido, creio ser bem oportuno, nos parágrafos a seguir, reproduzir, com ajustes e atualizações, artigo elaborado por mim, em parceria com Ilmar Ferreira da Silva e Patrícia Toledo Pelatieri, publicado no livro “Hora Extra: o que a CUT tem a dizer sobre isto” (disponível como e-book na internet). O artigo, intitulado “Hora extra e estratégia sindical”, foi escrito em 2006, mas permanece atualíssimo, sendo um bom contraponto, inclusive, às declarações recentes do Presidente da CNI.

A LUTA HISTÓRICA DOS TRABALHADORES PELA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

A luta do movimento sindical internacional pela redução do tempo de trabalho é travada em várias frentes:
·        
redução da jornada diária, semanal, mensal,  semestral e anual;
·         aumento dos dias de descanso, férias e feriados;
·         limitação das horas extras;
·         ampliação das licenças por acidente de trabalho, maternidade e paternidade;
·         elevação da idade de ingresso do jovem no mercado de trabalho;
·         antecipação da aposentadoria.
Ao longo do século XX, em diversos países do mundo, a classe trabalhadora obteve conquistas em vários destes fronts de batalha. Como resultado, a jornada anual, de acordo com pesquisa da OCDE, caiu, entre 1890 e 1986, de 2770h para 1573h na França; de 2765h para 1627h  na Alemanha; de 2770h para 2099 no Japão; e de 2789 para 1683 nos EUA (fonte: Nouvelles Technologies, OCDE, 1988).
AS DÉCADAS DE 1980 E 1990: RETROCESSO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, COM A CONSEQUENTE AMPLIAÇÃO DA JORNADA
Contudo, a partir dos anos de 1980, com a expansão do desemprego e a implantação gradativa de formas de trabalho mais precárias, estes avanços desaceleraram. Verificaram-se até mesmo riscos de retrocessos, como apontaram as fortes pressões das representações empresariais e de vários governos europeus (como a Alemanha, a Inglaterra, a França e a Espanha), que buscaram criar mecanismos para aumentar a jornada semanal de trabalho e reduzir o custo da hora extra. A alegação era de que estas conquistas representariam “inflexibilidades” do mercado de trabalho desses países, que acabavam por reduzir a competitividade dos produtos europeus.
Esta busca da flexibilização aconteceu justamente em um momento em que o mercado europeu, como de resto de todo o mundo, sofreu com a competição dos produtos de novos países emergentes, como a China, que se caracterizam por elevadas escalas de produção e baixos custos de trabalho.
OS EFEITOS DAS HORAS EXTRAS SOBRE A SAÚDE DOS TRABALHADORES
Há consenso entre os especialistas da área da saúde do trabalho quanto aos efeitos danosos de jornadas longas e das horas extras sobre a saúde e o bem-estar físico e psíquico dos trabalhadores. Diversos estudos no Brasil e no exterior já correlacionaram jornadas de trabalho excessivas e cansaço, estresse, problemas cardíacos, dores musculares e ósseas, infecções crônicas, entre outras enfermidades e lesões.
Apenas a título de ilustração, tome-se o estudo da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, com base no acompanhamento de cerca de 110 mil empregos nos EUA (...). De acordo com este estudo, os empregados que realizam muitas horas extras possuem, em função do estresse e da fadiga, 61% mais probabilidade de sofrer lesões ou adquirirem doenças associadas com o trabalho do que aqueles que não realizam jornadas longas. Dos 110.236 empregos analisados, verificou-se um total de 5.139 lesões ou enfermidades. Mais de 50% desse total de incidência decorreram de jornadas longas de trabalho ou de horas extras.
É também conhecido que, a partir de determinado ponto do processo de trabalho, existe uma relação inversamente proporcional entre jornadas longas e produtividade/qualidade.
No caso brasileiro, as horas extras constituem-se também em fator de motivação de uma grande quantidade de processos trabalhistas. Os autores deste artigo desconhecem quantificações do volume de recursos envolvidos nestes processos trabalhistas. Caso efetivamente não existam, registre-se nossa sugestão para que as Centrais Sindicais realizem um diálogo com o Judiciário, com o objetivo de construir indicadores.
Em termos macroeconômicos, jornadas longas e horas extras em níveis abusivos resultam em impactos negativos que agravam o quadro de desemprego em todo o mundo. Estimativas da OIT, OCDE, ONU e outras instituições internacionais apontam para um total de mais de 180 milhões de desempregados no mundo.
A FLEXIBILIDADE DO TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL
A implementação de um conjunto de ações sindicais, visando a efetiva redução da jornada normal e do excesso de horas extras é prioridade ainda mais urgente em um país como o Brasil, no qual o tempo dedicado ao trabalho vai além da já alta jornada legal máxima de 44 h semanais, permitida atualmente pela Constituição Federal. Tome-se o caso do tempo de trabalho utiliza para o transporte da residência ao trabalho (horas in itinere). Em nosso país, quando se computa este tempo de transporte, a jornada pode ser acrescida em dezenas de horas a mais.
Se, por exemplo, um trabalhador necessita entre uma hora e meia e duas no deslocamento de sua casa até o local de trabalho, e o mesmo tempo para voltar para a sua casa, ele tem semanalmente uma jornada adicional, para além do permitido pela Constituição, de 15 a 20 horas. Neste exemplo, a jornada semanal pode chegar a 64 horas semanais. Isto, mesmo que o trabalhador não faça nem uma hora extra na semana.
Em que pese o detalhamento da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) no que se refere ao tema da jornada de trabalho, é grande a flexibilidade das empresas para poderem dispor do tempo de trabalho dos trabalhadores. A começar pelo fato de que, como dito, a jornada normal de trabalho de 44 h semanais já é em si mesma bastante elevada. Esta extensa jornada legal deriva, em grande medida, do fato de que o país ficou período demasiadamente longo (de 1934 a 1988) estacionado na jornada legal máxima de 48 h semanais.
É verdade que algumas categorias já haviam conquistada a redução dessa jornada máxima. Em 1985, algumas categorias, especialmente do setor industrial, realizaram intensa mobilização (que envolveu diversas greves) para a redução da jornada de trabalho, resultando em acordos coletivos que reduziram a jornada para 45 horas, e em alguns casos até mesmo as 40h semanais. Esta mobilização histórica foi um dos fatores decisivos para a posterior decisão da Constituinte em reduzir a jornada constitucional para as 44h semanais (...).
A redução constitucional da jornada máxima para patamar inferior a 44 h semanais fixada em 1988 continua como uma bandeira do movimento sindical brasileiro, embora, uma vez mais, categorias já tenham alcançado jornadas inferiores a este nível. A meta é a jornada constitucional máxima de 40h semanais.
Entretanto, o manejo do tempo de trabalho pelos empregadores no Brasil é ainda mais elástico, tendo em vista que os empresários podem se valer, também, das horas extras e do mecanismo do banco de horas. No caso deste último instrumento, cabe dizer que, introduzido em lei pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1988, ele é bem diferente dos acordos também chamados de banco de horas realizados por algumas categorias (...).
OS ACORDOS DE FLEXIBILIZAÇÃO E REDUÇÃO DA JORNADA REALIZADOS PELO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC
Os acordos desta categoria são anteriores à própria lei do Governo FHC e envolvem a contrapartida da redução da jornada semanal média, a manutenção do nível de remuneração e emprego e o compromisso de novos investimentos na empresa. Por exemplo, no final de 1995, foi firmado acordo entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a multinacional Ford, no qual se estabeleceu uma flexibilidade do tempo de trabalho, com a jornada variando entre 36h e 44 h semanais. Em contrapartida, a jornada média caiu de 44 h para 42h semanais. Acordo semelhante foi estabelecido com a Volkswagen em 1996, pela primeira vez com a constituição de um “banco de horas”, para regular créditos e débitos das horas trabalhadas em relação à nova jornada média.
Cabe mencionar também outras medidas relativas ao tempo de trabalho que, no final dos anos de 1990, contribuíram para uma flexibilização no sentido da precarização do mercado de trabalho brasileiro. São os casos do contrato por jornada parcial (1998) e da liberalização do trabalho aos domingos, sem a necessária negociação coletiva (2000).
AS HORAS EXTRAS E OS CÁLCULOS DO VOLUME E CUSTO DECORRENTES DA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A legislação das horas extras é também bastante flexível. A CLT, em seu artigo 59, permite nada menos que 2 horas extras por dia, desde que pago um adicional obrigatório de pelo menos 50% superior à hora normal, como consta na Constituição Federal (art. 7, XVI).
A partir de uma leitura ao “pé da letra”, elaboramos os cálculos que se seguem, que estimam o potencial de horas extras e de jornadas anuais “permitidos” pela CLT.
O volume potencial implicitamente “permitido” pela legislação brasileira é de 552 h extras por ano (sem considerar as horas extras realizadas nos feriados e domingos).
Suponhamos um trabalhador que trabalha sob o regime da jornada de 44h semanais e faz 2 horas extras por dia todos os dias.  Este trabalhador tem uma jornada potencial de 2.568 h de trabalho (2.016,67 h normais mais 552 horas extras potenciais). Se sua jornada semanal contratada é de 42 horas, ele tem uma jornada anual potencial de 2.477 h. No caso de sua jornada contratada ser de 40h, a jornada potencial é de 2.385,33h.
Por sua vez, o adicional obrigatório de pelo menos 50% sobre as horas extras não é suficiente para impedir a sua realização. Os custos do trabalho no Brasil são baixos, tanto nas pequenas, médias e grandes empresas. Isto faz com que, mesmo depois de aplicados o adicional mínimo de 50% (ou percentuais superiores negociados em acordos coletivos, como 75%, por exemplo), os custos do trabalho continuem pequenos.
De acordo com cálculos da Subseção DIEESE da CUT Nacional, realizados em 2006, o custo – quando o adicional sobre a hora extra é de 50% - é de aproximadamente 0,96% da receita líquida nas pequenas empresas, de 0,63%, nas médias e 0,55%, nas grandes. Se o adicional é de 75% sobre a hora normal, o custo passa a ser de 1,12% da receita líquida nas pequenas, 0,73% nas médias e 0,64% nas grandes empresas.
O custo anual estimado com o pagamento de horas extras no Brasil é de pelo menos R$ 6,1 bilhões (considerando-se que todas as empresas paguem um adicional de 50%), ou 0,63% do faturamento líquido. Um aumento do adicional para 75% sobre o valor da hora normal representaria um custo adicional da ordem de R$ 1 bilhão.
A BAIXA EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA COIBIR AS HORAS EXTRAS
Posto estes cálculos, voltemos à questão da baixa eficácia da legislação atual. Acrescente-se que há também muitos casos em que as horas extras não são computadas, em claro desrespeito ou anuência do trabalhador, já que este está permanentemente pressionado pela necessidade da manutenção do emprego. A isto se soma o baixo, quando não inexistente, poder de pressão da maioria dos sindicatos brasileiros para fazer com que as empresas cumpram a lei.
Um elemento cada vez de maior peso entre os fatores explicativos da baixa eficácia da legislação trabalhista brasileira é que as jornadas longas e as horas extras não pagas estão intimamente associadas com a crescente precarização e informalização do mercado de trabalho brasileiro. Em nosso país, dos 49,1 milhões de assalariados em 2003, um total de 18,6 milhões de pessoas (37,8%) não tinha carteira de trabalho.  Logo, um grupo enorme de trabalhadores está desprovido de qualquer direito dos previstos na legislação. Em regiões como Centro-Oeste, Norte e Nordeste, 40,5%, 49,1% e 51,8% dos assalariados não têm carteira. Além disso, a expansão dos terceiros e das formas de contratação precárias (como o trabalho temporário e os estagiários), que se caracterizam pelos salários mais baixos e jornadas mais longas, contribuem para deteriorar ainda mais o próprio perfil dos assalariados com carteira de trabalho.
O quadro de desemprego e de precarização do mercado de trabalho gera também uma outra dimensão em relação ao fenômeno das horas extras: a de que o trabalhador, em determinados momentos, realiza as horas extras, não como parte de um acordo prévio com seu empregador (como prevê a legislação), em um ato de livre manifestação de vontade das partes, mas por temer a perda do emprego como represália da empresa a uma eventual negativa do empregado.
Já na visão das empresas, as horas extras, além do baixo custo já mencionado, permitem - em um contexto de incertezas, oscilação e instabilidade da demanda - rápido aumento da produção quando necessário (isto é, diante de um aquecimento momentâneo do mercado, encomendas inesperadas ou infortúnios do processo produtivo), sem que isto obrigue a geração de novos empregos.
Por fim, não se pode deixar de notar que, não raro, é o próprio trabalhador que demanda a realização de horas extras, como forma de complementação dos seus baixos rendimentos.
A EVOLUÇÃO DAS HORAS EXTRAS
Apesar do fenômeno das horas extras ser uma constante da realidade brasileira desde os primórdios do trabalho assalariado no Brasil, não há ainda uma pesquisa nacional periódica que, detalhadamente, meça o volume das horas extras, suas causas, consequências, volume por setor etc. Todavia, mesmo com os dados existentes, é possível afirmar que este é um problema que deve ser urgentemente encarado por parte da sociedade brasileira.
Se as horas extras não forem controladas, corre-se o risco de, em caso de alcançada a meta da redução constitucional da jornada de 44 horas para 40 horas semanais, o nível de emprego não se ampliar significativamente. Esta suspeita fundamenta-se no passado recente do mercado de trabalho brasileiro. Logo após a redução da jornada de trabalho na Constituição de 1988, de 48 para 44 horas semanais, observou-se um forte crescimento do percentual de trabalhadores que praticavam horas extraordinárias.
Entre 1985 e 1988, a média de assalariados (da indústria, comércio e serviços) na Grande São Paulo que trabalhou além da jornada legal ficou entre 26% e 27%. Contudo, logo no ano de 1989, após entrar em vigor a nova Constituição, o percentual dos que trabalharam acima da jornada legal subiu para 42,6%, e manteve uma tendência crescente desde então. No ano de 2004, um total de 45,6% trabalhou acima da jornada legal. Em outras palavras, pelo menos 4 em cada 10 trabalhadores faziam horas extras acima da jornada legal.
Constata-se ainda que, quando se analisa por setor de atividade, a indústria e os serviços acompanharam de perto a média geral dos assalariados. Na indústria, o percentual dos que trabalham acima da jornada legal subiu de 21,4% em 1988 para 42,0% em 1989 e 44,2% em 2004. Nos serviços, de 25,5% em 1988 para 36,7% em 1989 e 40,9% em 2004. Já o comércio se destaca pelo fato de que a grande maioria dos empregados tem trabalhado nos últimos anos acima da jornada legal. Este contingente de trabalhadores sobe de 43,1% em 1988 para 57,5% em 1989 e 63,1% em 2004.
Assim, no ano de 2004, na Região Metropolitana de São Paulo, enquanto a jornada média da indústria foi de 43,8 horas semanais e nos serviços, 42,8 horas, a jornada média no comércio foi de nada menos que 48,2 horas. Em outras palavras, a jornada média efetiva neste segmento é inclusive superior à jornada de 48 horas, que legalmente deixou de vigorar no Brasil a partir da Constituição de 1988.
As horas extras representaram, assim, no período, um recurso das empresas para compensar a redução da jornada para 44 horas semanais, contornando em boa medida a necessidade de novas contratações. Ademais, elas têm sido largamente utilizadas em momentos de retomada da atividade econômica, o que acaba reduzindo os impactos positivos do crescimento na geração de novos postos de trabalho.
POR UMA NOVA ESTRATÉGIA SINDICAL E UMA NOVA LEGISLAÇÃO
A consequência prática de tudo o que foi exposto é que a estratégia do movimento sindical frente à questão das horas extras, no Brasil, necessita ganhar um novo enfoque. A meta de longo prazo, do nosso ponto de vista, deve permanecer a mesma, isto é, a luta pelo fim das horas extras, que é uma bandeira histórica do sindicalismo. No entanto, a estratégia para se atingir este objetivo em nosso país exige um ajuste no discurso e na ação do movimento sindical.
Primeiramente, é preciso que a luta do sindicalismo brasileiro pela redução da jornada constitucional de trabalho sem redução de salários esteja permanentemente associada, com o devido destaque, ao tema da eliminação do abuso no uso das horas extras. A tão almejada conquista das 40 horas semanais (em uma primeira fase, seguida das 36 horas semanais, em uma segunda fase), que é a meta da campanha unificada das Centrais Sindicais, somente resultará em efeitos positivos, em termos de saúde dos trabalhadores, lazer e geração de postos de trabalho, se o atual arcabouço que regula as horas extras no Brasil for simultaneamente modificado.
Vimos que, isoladamente, o mero aumento do adicional, nos acordos e convenções coletivas, não garante que as horas extras serão efetivamente controladas, muito embora, dependendo da especificidade das condições de trabalho em cada categoria, isto possa ocorrer.
Para que se alcance o “fim” das horas extras - bandeira histórica do movimento sindical – é fundamental a elaboração de uma estratégia que envolva etapas. Assim, entre essas estariam:
a) a realização de pesquisas periódicas (por exemplo, mensal, trimestral ou semestral), em nível nacional, regional e setorial, que mensurem com maior rigor e detalhes o fenômeno das horas extras no Brasil. O desenvolvimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE – SEADE, no que se refere ao tema da jornada, é uma dessas possibilidades.
b) a partir de uma articulação construída por meio da Central Sindical, estabelecer a prioridade do tema nas campanhas salariais das diversas categorias, de forma que, orientadas a seguirem uma cláusula-referência, as categorias possam pressionar por acordos na mesma direção, ainda que com as devidas adaptações em cada caso. Esta ênfase simultânea no tema ajudaria a dar maior visibilidade e poder de pressão;
c) Com base nas propostas já apresentadas pelas diversas instâncias da sociedade brasileira em relação ao controle das horas extras, debater com órgãos e entidades como o Ministério do Trabalho, Ministério Público, TST, ANAMATRA e OAB, entre outras, a construção, na medida do possível, de um projeto comum a ser encaminhado ao Congresso Nacional;
d) Este diálogo deveria envolver também entidades empresariais, como a CNI, CNA, CNF, CNS, CNC, CNT e FIESP, entre outras;
e) A construção de uma proposta que tenha um significativo grau de adesão entre os atores sociais deve então ser sucedida do seu encaminhamento ao Congresso Nacional na forma de projeto de lei. Este projeto deve estabelecer mecanismos que efetivamente limitem as horas extras no Brasil. Entre os parâmetros que podem constar do projeto:
·         a limitação quantitativa das horas extras máximas que se pode fazer no país em determinado período de tempo (por dia, mês, semestre, ano);
·         o estabelecimento de regras para os casos em que é compulsória a contratação;
·         a revogação dos artigos de lei que permitem a realização de horas extras aos domingos aos empregados no comércio (art.6º da Lei 10.101, de dez. 2000) e do banco de horas;
·         a obrigatoriedade da negociação das horas extras realizadas nos domingos, feriados e dias já compensados, além do incremento do adicional;
·         a proibição das horas extras  para  determinados tipos de empregados, como mulheres lactantes e aposentados;
·         a criação de parâmetros eficazes de controle por parte do movimento sindical e dos órgãos públicos.
É claro que este projeto de legislação, além de ser factível diante da correlação de forças, deve ser acompanhado de amplo debate e esclarecimento dos trabalhadores, ao lado de uma necessária política de recuperação gradativa dos salários no país.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor Técnico da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015. Foi Diretor-Superintendente do SBCPrev entre ago.2015 e fev.2016. Foi economista do Dieese, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (entre 1987 e 2004) e da CUT Nacional (entre 2004 e 2009).

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