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segunda-feira, 20 de junho de 2016

CÓDIGO DE CONDUTA PARA O FECHAMENTO E TRANSFERENCIA DE FÁBRICAS

Jefferson José da Conceição

O título deste artigo bem poderia ser “O capital não é geleia!”. Isto porque as propostas aqui apresentadas visam regulamentar (e de certa forma restringir) a plena liberdade das empresas em suas decisões de ir e vir com suas plantas produtivas, maquinários e pessoas, de uma localidade para outra, por meio de fechamento de fábricas (plantas, unidades produtivas) e sua transferência para outra localidade – como uma geleia em movimento.

As referidas propostas chocam-se com o pressuposto de que a decisão da desinstalação e transferência de uma unidade produtiva é de responsabilidade exclusiva da empresa. Na visão liberal, esta decisão não guarda relação com o território (município, região, Estado, País) e as instituições sociais nele presentes (governos, sindicatos, demais empresas, instituições de ensino e pesquisa, entre outros). Em outras palavras, desde que pagos os impostos e os direitos trabalhistas, não cabe ao território e às instituições interferirem no processo.

Por conseguinte, como se verá, as proposições que apresento neste artigo vão na contramão dos princípios e das ideias liberais ou neoliberais. Incluo-me entre aqueles economistas que acreditam que, mesmo em uma economia capitalista, a sociedade deve instituir padrões civilizatórios mínimos que a distanciem da barbárie. Isto significa que a propriedade e as decisões empresariais devem também cumprir uma função social. Aliás, é isto que prega a Constituição Federal em seu artigo 170 em seu inciso 3.

Os liberais em geral acreditam que a função social da empresa é cumprida quando ela gera empregos, recolhe tributos e gera retorno para seus acionistas, estimulando sua continuidade. Nós, economistas não alinhados com as ideias neoliberais, entendemos que a função social da propriedade vai muito mais longe: ela inclui a responsabilidade social e ambiental. Uma decisão unilateral que só considera o lucro dos acionistas e deixa uma comunidade no abandono, desempregada, privada das receitas tributárias e do incentivo à atração de fornecedores e prestadores de serviços, acrescentando o problema dos vazios urbanos e galpões inativos para a própria comunidade solucionar, não corresponde absolutamente ao conceito de função social da propriedade inscrito na Constituição.

A expansão recente do fechamento e transferência de fábricas no Brasil

Mais de 4450 indústrias de transformação, dos mais diferentes portes e segmentos, “fecharam suas portas” em 2015 no Estado de São Paulo. Este número de encerramento de plantas industriais é 24% superior ao verificado em 2014, quando 3.584 fábricas deixaram de operar. Os números são da Junta Comercial e foram veiculados pela imprensa no início deste ano. As informações referem-se ao Estado, mas o fenômeno acontece em todo o país.

Em alguns casos, o fechamento puro e simples da unidade produtiva é o único movimento realizado pela empresa. Em outros, verifica-se fechamento da unidade e transferência das atividades para outras localidades. Segundo as empresas, na grande maioria dos casos o agravamento da crise da economia brasileira é a causa principal do fechamento de fábricas.

Este processo é muito preocupante, porque o expressivo número de encerramento de fábricas não se observava no Brasil desde os draconianos tempos de crise e reestruturação produtiva da década de 1990, quando vivíamos sob a hegemonia das políticas neoliberais. A preocupação com a crise atual da indústria brasileira (e o consequente fechamento de fábricas) cresce ainda mais porque a tendência é o seu agravamento, tendo em vista que o pensamento neoliberal voltou a ditar as regras neste governo interino de Michel Temer.

São vários os exemplos recentes de fechamento de fábricas pelo país. Citaremos apenas alguns dos casos para ilustrar.


Em abril deste ano, foi anunciado o fechamento da tradicional fábrica de produtos Arno no bairro da Moóca, na Cidade de São Paulo. De propriedade do Grupo SEB, a fábrica produzia eletroportáteis (liquidificadores, aspiradores, ventiladores etc.) e empregava 625 pessoas. Mais de 450 empregos foram afetados em função da transferência das atividades de produção para Itatiaia, no sul do Rio de Janeiro. A princípio, as fábricas do mesmo grupo localizadas em São Bernardo do Campo e em Jaboatão (PE) continuariam operando sem alterações. O Grupo SEB é também detentor das marcas Panex, Krups, Clock, Rochedo, T-Fal e Lagostina.

Ainda no Estado de São Paulo, outros exemplos emblemáticos de fechamentos de fábricas ocorreram em Guarulhos, Americana, Jacareí e Sorocaba. Em Guarulhos, as empresas metalúrgicas Eaton, Maxion e Randon anunciaram encerramento de atividades produtivas e plantas industriais. Em Americana, a Polyenka, empresa fabricante de produtos têxteis, que chegou a ter mais de dois mil empregados no final da década de 1990, declarou, em janeiro deste ano, o encerramento das atividades. Em Jacareí, outro fabricante de produtos têxteis, a Rhodia (do grupo Solvay), já havia decidido fechar a fábrica na cidade e concentrar a produção em Santo André. No segmento siderúrgico, a Gerdau também anunciou, em julho de 2014, o fechamento de sua fábrica em Sorocaba, com a transferência da produção do laminador para a fábrica da empresa em Mogi das Cruzes.

No Paraná, apenas para citar um exemplo fora de nosso estado, a PK Cables do Brasil, empresa de autopeças, produtora de componentes elétricos (chicotes), anunciou, em dezembro de 2015, a desativação de sua produção em Curitiba. O mesmo grupo já tinha havia encerrado as atividades em Itajubá (MG).


Regulamentar o fechamento e transferência de fábricas

Em face da retomada deste tema no Brasil, decidi reproduzir adiante, neste artigo, texto que redigi em 2001, quando ainda era assessor do DIEESE no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com propostas sobre o assunto do fechamento e transferência de fábricas. Este texto pretendia ser um subsídio às discussões do movimento sindical, entidades representativas do empresariado brasileiro e poderes executivo, legislativo e judiciário. Minha intenção ao elaborá-lo era oferecer um norte para a elaboração de um Código de Conduta Social (a ser transformado em Lei), que regulamentasse o fechamento e a transferência de estabelecimentos produtivos no Brasil.

Registre-se ainda que as causas e consequências que envolvem o fechamento de fábricas foi o tema do meu livro “Quando o apito da fábrica silencia: sindicatos, empresas e poder público diante do fechamento de indústrias e da eliminação de empregos na Região do ABC” publicado pela Editora ABCDMaior em 2008. O livro, cuja edição impressa está esgotada, pode ser eletronicamente obtido na íntegra em http://blogjeffdac.blogspot.com.br

Proposta de Código de Conduta Social para as empresas que realizam fechamento e transferência de estabelecimentos produtivos no Brasil

Os inúmeros estabelecimentos produtivos (...) desativados nos últimos anos no país, e os efeitos perversos dessas desativações sobre regiões e comunidades inteiras tornam nítida a necessidade da revisão das regras que regem a abertura e o fechamento de estabelecimentos produtivos no Brasil.

Em um ambiente de desmedida flexibilidade das leis, acompanhado muitas vezes pelas benesses da guerra fiscal, vem-se verificando a ampliação de processos de “racionalização” da produção promovida pelas grandes empresas estrangeiras e nacionais. Entre esses processos está a transferência da atividade produtiva de uma localidade para a outra, isto é, determinado estabelecimento é fechado e a sua produção (normalmente acompanhada do maquinário) repassada para outros estabelecimentos da mesma empresa ou grupo econômico.

As empresas argumentam que a transferência de estabelecimentos não traz perda para o país como um todo, à medida que os empregos, os tributos e a tecnologia seriam meramente deslocados de uma região para outra. Sabe-se, no entanto, que isso não acontece. Na maior parte dos casos, tem ocorrido perda líquida de empregos. Perdem-se também os poucos centros de pesquisa e desenvolvimento instalados nas antigas áreas. Por fim, a guerra fiscal trata de reduzir a arrecadação em geral.

Os efeitos das desativações sobre as comunidades costumam ser catastróficos e via de regra não fazem parte do cálculo empresarial: o desemprego, a queda de arrecadação, a diminuição da qualidade de vida e os vazios urbanos (na forma de galpões abandonados nas cidades) são apenas alguns deles. Anos de desenvolvimento tecnológico e de know-how dos trabalhadores e fornecedores são relegados ao segundo plano.


As propostas que se seguem visam subsidiar o debate na sociedade brasileira para a elaboração de projeto de lei para regulamentar a transferência de unidades produtivas no país.

As propostas

1 Aviso prévio: A empresa avisará aos sindicatos de trabalhadores e autoridades locais (Prefeitura, por exemplo), com antecedência mínima de 12 meses, da intenção de encerrar as atividades produtivas de determinado estabelecimento produtivo e a transferência da produção para outras unidades da empresa ou grupo econômico.

2 Transferência dos empregos: Aos trabalhadores da planta em desativação será obrigatoriamente oferecida pela empresa a opção de realocação para outra unidade produtiva da empresa no país, ou em seus fornecedores, quando houver acordo para isso. Os funcionários terão a garantia de realocação em função compatível com a que possuíam na antiga unidade, ressalvados os casos de promoção. No caso da aceitação pelo funcionário do seu deslocamento geográfico para outra unidade produtiva no país, será concedida estabilidade no emprego por 24 meses contados a partir da data do seu deslocamento.

3 Voluntariado: A demissão voluntária, quando ocorrer, deverá ter o pagamento mínimo de x% do salário mensal para os trabalhadores que tiverem acima de “y” anos de tempo de casa; e de z% para os trabalhadores com tempo de casa inferior.

4 Garantia de curso de requalificação: Para os trabalhadores do voluntariado, a empresa deverá garantir curso de requalificação, a ser formulado em conjunto com o sindicato de trabalhadores da respectiva categoria profissional.

5 Cooperativas: Sempre que não houver um comprador imediato das instalações e do maquinário do antigo estabelecimento produtivo que viabilize o prosseguimento das atividades e dos empregos, os trabalhadores demitidos pela antiga empresa terão direito à compra dos respectivos ativos, visando à constituição de cooperativas de trabalhadores. Essa compra contará com a facilitação das verbas rescisórias e com a criação de linhas de financiamento diferenciadas por parte do BNDES.

6 Revitalização dos “vazios urbanos”: A empresa que realizar transferência de estabelecimentos ficará responsável pelo pagamento do IPTU integral da mesma área, pelo período de mais dois anos, a partir da data do encerramento das atividades de produção. Durante esse período, o recurso deverá ser obrigatoriamente utilizado pela prefeitura para o apoio a projetos de revitalização da área, especialmente na forma de atração de novas unidades produtivas no local.

7 Recuperação ambiental: As áreas desativadas por processos de transferência de estabelecimentos serão objeto de laudo ambiental realizado pela Prefeitura local. Os custos para a realização desses laudos serão pagos pela empresa que realiza a transferência. Nos casos em que forem diagnosticados problemas ambientais, fruto da atividade produtiva anterior, a Prefeitura deverá prever os recursos financeiros necessários para a recuperação ambiental da área. Esses recursos serão cobrados da empresa que realizou a transferência e somente poderão ser utilizados para esse fim.

8 FAT: Não será permitida a captação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para gastos relativos ao fechamento de estabelecimentos produtivos, tais como pagamento de verbas rescisórias.

9 Multa: o não cumprimento dessa lei tornará a empresa sujeita à multa”.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015.

Artigo publicado em 20/6/2016 no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br), coluna blogs.

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