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segunda-feira, 18 de abril de 2016

A TERCEIRIZAÇÃO COM O OLHAR DOS TRABALHADORES

Jefferson José da Conceição
Neste artigo, resgato dos escaninhos mais uma obra que considero bastante atual e útil, em que pese o passar dos anos. Trata-se do livro “Terceirização no Brasil: do discurso da inovação à precarização do trabalho”, 301 páginas, lançado em 2009 pela Editora Annablume, em parceria com a CUT. Fui um dos três organizadores desta coletânea de artigos, ao lado de Iram Jácome Rodrigues e Denise Motta Dau.
Por que considero este livro atual? Porque a aprovação do Projeto de Lei (PL) na Câmara dos Deputados em setembro de 2015 e a sua tramitação neste momento no Senado põem em evidencia o tema para o mundo sindical, demandando análises críticas e aprofundadas sobre o tema. Mais: a obra já discutia em detalhes as várias dimensões e impactos da regulamentação proposta pelo PL 4330, se efetivamente transformada em lei. O PL autoriza a terceirização em qualquer etapa da empresa, inclusive na atividade fim, desde que o serviço terceirizado ocorra por meio de terceiras “especializadas” – com toda a dificuldade desta definição nas decisões judiciais futuras.
Aqui, como forma de estimular a recuperação e a leitura do livro, reproduzo na íntegra a apresentação que fizemos na referida obra:
“De acordo com vários estudiosos das Ciências Sociais, não se pode tratar da história do Brasil sem levar em conta o sindicalismo como um dos seus atores centrais.  Acrescentaríamos que não se pode falar da história recente do sindicalismo sem ter presente o turbilhão de transformações que aconteceram no mundo da produção e do trabalho desde as últimas décadas do século XX.
É considerando este pano de fundo mais amplo que juntos decidimos empreender a organização de uma publicação que tratasse do fenômeno da terceirização. Isto porque, a nosso ver, a terceirização está entre os elementos que se encontram no epicentro desse furacão de transformações.
De modo geral, e sem desprezar as experiências isoladas de organizações e setores em sentido oposto (que apenas confirmam a regra), a terceirização, da forma que é realizada no Brasil e em outros países, se, de fato, resulta em maior flexibilidade para as empresas, ela, ao mesmo tempo, aumenta o ritmo da produção, reduz de maneira espúria os custos da força-de-trabalho (pela via da perda de benefícios e de direitos dos trabalhadores), gera a desativação de postos de trabalho, aumenta a instabilidade do emprego, incrementa situações de risco e quebra a unidade sindical. Tudo isto em uma aura de modernidade e inovação gerencial. Por esta razão, ela se constitui em uma das novas arenas centrais dos conflitos entre o capital e o trabalho.
De fato, o mundo do trabalho tem passado por mudanças significativas nas últimas décadas. Os avanços na microeletrônica e nos sistemas de comunicação e de transporte, a automação, a globalização, a implementação de conceitos distintos do modelo fordista de organização da produção (sintetizados na chamada reestruturação produtiva) e as “novas” formas de contratação e regulação do trabalho – todas essas transformações contribuíram para alterar, de um lado, as relações entre as empresas e, de outro, as relações entre as empresas e os trabalhadores. Um dos efeitos deste complexo processo de mudanças foi colocar os organismos de representação sindical dos trabalhadores na defensiva, em contraposição ao forte poder de negociação que os sindicatos alcançaram no pós-guerra.
Em grandes linhas, o modelo de produção erigido após a Segunda Guerra Mundial baseava-se, entre outros, no binômio da produção e do consumo de massa, na padronização de produtos e processos, no alto grau de especialização das tarefas e no acentuado controle hierárquico nos locais de trabalho. Entre as empresas privadas, este modelo resultou em unidades produtivas bastante verticalizadas, com elevados contingentes de empregados, diretamente contratados pela empresa. No setor público, o crescente número de trabalhadores empregados pelo Estado no pós-guerra associou-se à construção do Estado keynesiano, que tinha como objetivo a execução de maciços volumes de investimentos públicos e um Estado que mirava a adoção de políticas de bem-estar social (welfare state) ainda que nos países periféricos, como o Brasil, isso tenha acontecido apenas parcial.
A superexploração do trabalho foi um dos elementos motores do referido modelo de produção fordista, que, no entanto, e paradoxalmente, não era incompatível com a expansão dos empregos, a solidariedade entre os trabalhadores (na medida em que estabelecia uma rígida fronteira entre a gerência e todos os demais empregados da empresa) e a expansão das conquistas do movimento sindical.
Este cenário mudou abruptamente desde o final dos anos de 1970, dando lugar à chamada produção enxuta ou, o que é mais frequente, aos modelos híbridos de produção, contudo orientados por uma lógica de pequenos lotes, consumo individualizado, trabalho em células, e unidades de produção flexível, com acentuada diminuição de trabalhadores nas empresas, intensificação do trabalho e das exigências profissionais.
Além disso, imperou, especialmente entre as décadas de 1980 e 1990, a concepção do Estado Mínimo com a significativa diminuição da responsabilidade do Estado nos papéis de produtor, orientador, financiador e regulador da economia e de promotor das políticas públicas de proteção social. Vale dizer, o lema também no âmbito da administração pública direta e indireta foi a substituição da regulamentação e rigidez pela desregulamentação e flexibilidade. Aqui também se reduziu o número de funcionários do Estado e se ampliou o número de terceirizados.
A reestruturação do trabalho, implementada pelas organizações públicas e privadas, embora envolta em um discurso que fazia propaganda de um caráter inovador, resultou na prática em uma busca desenfreada pela redução de custos, na precarização das relações de trabalho e na destruição de milhões de empregos. Em suma, neste novo modelo de produção, à superexploração do trabalho somavam-se agora a insegurança no emprego e a perda gradativa das conquistas sindicais e sociais.
A terceirização, além de ter piorado as condições do emprego, aumentado o trabalho precário e informal – sempre ressalvadas as exceções -, contribuiu também para promover uma espécie de polarização entre os assalariados. De uma parte, o grupo composto por pessoal qualificado, com níveis salariais mais altos e com relativa estabilidade e, em geral, sindicalizados, contratados diretamente pelas grandes empresas; de outra, aqueles empregados contratados por pequenas empresas prestadoras de serviços com baixa escolaridade e qualificação, com menores salários e benefícios, submetidos a maiores jornadas de trabalho e com proteção social mais frágil. Essas práticas que estão se multiplicando fazem com que, em uma mesma região, em uma mesma companhia, e não raro em uma mesma seção, e até na mesma função, existam grupos de trabalhadores que seguem normas diferenciadas no que diz respeito a salários, jornada de trabalho, proteção da saúde e segurança, entre outros.  No que tange ao conjunto da sociedade esse processo de precarização conduz ao crescimento da exclusão social e à exacerbação da competição e do individualismo.
Esta obra trata deste furacão de mudanças, que alcançou o Brasil a partir dos anos 1980, trazendo, por sua vez, obstáculos à ação sindical, principalmente no decorrer da década de 1990, no contexto das políticas de cunho neoliberal, enfeixadas na desregulamentação, privatização e terceirização, que orientaram as políticas do governo federal de então.
O livro é resultado do esforço de sindicalistas e assessores sindicais ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), em conjunto com pesquisadores e gestores públicos, que aceitaram refletir sobre um tema que tem influência significativa sobre o mundo do trabalho e está organizado da seguinte forma: na parte I, os capítulos 1,2 e 3 discutem o tema da terceirização relacionado ao mercado de trabalho; os impactos territoriais do fenômeno da terceirização (parte II) são analisados nos capítulos 4 e 5; a terceirização no setor público (parte III) é discutida  nos capítulos 6 e 7; o capítulo 8 faz uma reflexão sobre a gestão do trabalho e relações de gênero; a abordagem sobre a estratégia sindical frente à terceirização é discutida nos capítulos 9, 10,11 e 12 e, por fim, a ação sindical dos trabalhadores no que tange aos processos de terceirização nos locais de trabalho, está contemplada nos capítulos 13 a 20.
Uma das especificidades deste trabalho é que o conjunto de reflexões não se esgota em elaborar um diagnóstico atualizado sobre o tema no Brasil. O livro vai além, apresentando alternativas concretas de ação, nos campos da organização sindical, negociação coletiva e legislação, capazes de fazer frente à erosão dos direitos dos trabalhadores.
Enfim, esperamos que a obra contribua para uma melhor compreensão das relações entre capital e trabalho no Brasil. E que ajude a refletir também sobre a organização sindical dentro e fora dos locais de trabalho, sobre a negociação e o papel desempenhado pelo sindicalismo nas sociedades democráticas”.
São poucos os trabalhos no Brasil que analisam as transformações recentes do mundo do trabalho a partir da perspectiva dos trabalhadores e suas representações sindicais. Esta obra está entre estes trabalhos.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. Da USCS. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho 2015. Foi Diretor Superintendente do SBCPrev, entre agosto 2015 e fevereiro 2016. É Diretor Técnico da Agencia São Paulo de Desenvolvimento, ADESAMPA.

* Artigo publicado em 18/4/2016 no site do ABCDMaior (www.abcdmaior.com.br) na coluna blogs.


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