Jefferson José da Conceição
Cleo Duarte
No Brasil, a
implantação de Parques Tecnológicos constitui-se em meta de governo de diversas
cidades importantes. A Prefeitura de São Paulo lidera atualmente o esforço da
cidade pela instalação de um Parque Tecnológico na Zona Leste (a Gestão
Municipal realizará seminário sobre o tema em 21/9/2016, na USP Leste - ver
cmcti.com.br). Nos últimos anos, São Bernardo do Campo e Santo André, no ABCD
Paulista, também deram passos importantes para a implantação de seus Parques
Tecnológicos. Ainda no Estado de São Paulo, as cidades de São José dos Campos,
Campinas, São Carlos e Sorocaba buscam fortalecer seus Parques Tecnológicos já
constituídos.
Um Parque Tecnológico
é um lugar de encontro envolvendo a universidade, a gestão pública e o setor
produtivo. “Um parque tecnológico
gerencia e estimula o fluxo de tecnologia e conhecimento entre universidades e
pesquisa, instituições de desenvolvimento e empresas. Muitas das empresas
dentro ou no entorno do Parque Tecnológico são pequenas e médias, mas a
tendência é de que mais e mais as grandes corporações se conectem com as arenas
de inovação aberta que os Parques Tecnológicos organizam” (extraído de
www.sisp.se).
Portanto, nada
melhor do que buscar a experiência dos modelos de ponta em Parques
Tecnológicos, bem como em termos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Isto
é, inspirar-se no chamado “benchmarking”
(melhores práticas a serem seguidas) no assunto. Certamente a Suécia está entre
estes países.
Localizada ao
norte da Europa (península da Escandinávia) a Suécia possui área de 449.964 km2
e população de cerca de 9,6 milhões de pessoas (o Brasil possui área de
8.516.000 km2 e população de aproximadamente 200,4 milhões de
pessoas). No entanto, o PIB da Suécia de US$ 393,8 bilhões (2013) e seu PIB per
capita de US$ 40.900 expressam sua força econômica (estima-se que o PIB per
capita do Brasil em 2016 seja de US$ 15 mil). A Suécia possui um dos mais
baixos índices de desigualdade do mundo e um dos mais elevados IDH. Cerca de
1/3 da população que trabalha possui nível superior. O país é um dos que mais
investem em P&D no mundo. Os setores público e privado despendem juntos
cerca de 4% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento.
É neste
contexto que se entende o peso da Associação Sueca de Parques Tecnológicos e de
Incubadoras (SISP). A Associação possui 65 membros, que representam 33 Parques
Tecnológicos e 43 incubadoras de empresas. São mais de 4000 empresas conectadas
aos Parques Tecnológicos. Credita-se a este forte esforço de investimento em
educação, pesquisa e desenvolvimento o fato de que a Suécia ocupa, segundo o
Fórum Econômico Mundial, a 4ª posição no ranking de competitividade
internacional (2009-2010).
Por isto, os
autores deste artigo envidaram esforços para conseguir realizar esta importante
entrevista que, de maneira inédita, ora publicamos no blog “Ponto de
(des)equilíbrio” do ABCDMaior. Ambos os entrevistadores mantiveram importante
vínculo com a Suécia no período recente.
Inserido nas
discussões do Projeto Gripen no ABCD Paulista, Jefferson Conceição, um dos
entrevistadores, então na qualidade de Secretário de Desenvolvimento Econômico,
Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (entre 2009 e meados de 2015), pôde
estar algumas vezes na Suécia em diálogo com Parques Tecnológicos,
universidades, empresas e governo. Registre-se que foi na sua gestão como
secretário que foi fundada, formalmente, em 19/12/2012, a Associação Parque
Tecnológico de São Bernardo do Campo. Trata-se de associação civil sem fins
lucrativos que reúne Prefeitura, instituições de ensino superior, sindicatos de
trabalhadores, Associação comercial, Agência de Desenvolvimento Econômico do
Grande ABC, Arranjos Produtivos Locais (APLs), entre outros. Uma das primeiras
tarefas da Associação é estruturar o projeto de construção do Parque
Tecnológico na cidade.
Por sua vez, Cleo
Duarte, a outra entrevistadora, detém largo conhecimento sobre a cultura e
temas vinculados à área da Educação naquele país, onde viveu por doze anos e
possui cidadania sueca.
O nosso
entrevistado, Sten Gunnar Johansson, 65 anos, é uma das maiores autoridades
internacionais em Parques Tecnológicos. Durante 21 anos (1993-2014) foi CEO do
Parque Tecnológico de Mjärdevi (www.mjardevi.se), um dos mais importantes da
Suécia. O Parque Tecnológico de Mjärdevi localiza-se na cidade de Linköping, na
qual está instalada a matriz da Saab, fabricante do caça sueco supersônico
Gripen. A cidade possui uma das universidades mais consagradas da Suécia, a
Universidade de Linköping. Entre as universidades do mundo que possuem menos de
50 anos de idade, ela ocupa a 24ª posição no QS World University Ranking, que abrange 22 mil universidades. No
campus desta universidade, encontra-se o Parque Tecnológico de Mjärdevi. Este Parque Tecnológico é de propriedade da
Prefeitura da Cidade.
Entre 2006 e
2014, Sten Gunnar foi também Presidente do Conselho do Parque Tecnológico
Instituto Karolinska (www.sciencepark.ki.se), localizado em Estocolmo. Presidiu
também a Divisão Europeia da Associação Internacional de Parques Tecnológicos,
IASP (www.iasp.ws). É perito em temáticas de inovação e parques tecnológicos da
Comissão Europeia e do Comitê Económico das Nações Unidas da Europa.
Depois de
longa carreira conduzindo Parques Tecnológicos que estão entre os top do
ranking internacional, Sten Gunnar tornou-se consultor independente em assuntos
relacionados a Parques Tecnológicos, Inovação e Desenvolvimento Regional.
Atualmente, ele dá consultoria a diversos parques tecnológicos internacionais,
agências de desenvolvimento e empresas; é conferencista frequente em eventos
internacionais e autor de uma série de artigos sobre Parques Tecnológicos e
desenvolvimento regional.
A entrevista
foi realizada em 2/9/2016. A tradução é livre, feita pelos próprios
entrevistadores.
1)
Quando surgem os parques tecnológicos na Suécia?
S.Gunnar: O Parque
Tecnológico Ideon foi o primeiro Parque Tecnológico sueco. Localizado em Lund,
perto de Malmö, na fronteira da Suécia com Copenhagen, em 1983. Depois, veio o
Parque Tecnológico de Mjärdevi, em Linköping, em 1984.
2)
Ouve-se falar bastante do modelo “tríplice hélice” da Suécia. Em que consiste
este modelo?
S.Gunnar: A
“Tríplice hélice” ou “Triple Helix” é um conceito muito conhecido na Suécia. Foi
criado pelo Prof. Henry Etzkowits, em 1993, como uma descrição das relações
Universidade-Empresa-Governo e da interação entre estas instituições. A
"tríplice hélice" é um modelo de inovação em formato de espiral, que
capta múltiplas relações recíprocas, em diferentes pontos do processo de
conhecimento. A primeira dimensão do modelo de tríplice hélice é a
transformação interna em cada uma das hélices, tais como o desenvolvimento de
laços laterais entre as empresas por meio de alianças estratégicas ou a convicção
de que a tarefa do desenvolvimento econômico deve envolver as universidades. A
segunda dimensão é a influência de uma hélice sobre a outra. Por exemplo, o
papel do governo federal em instituir uma política industrial indireta,
acompanhando a Lei Bayh-Dole de 1980 [ver
nota explicativa sobre esta lei ao final do artigo]. Quando foram alteradas
as regras do jogo para a propriedade intelectual produzida a partir de pesquisa
patrocinada pelo governo, as atividades de transferência de tecnologia expandiram-se
para uma gama muito mais ampla de universidades, resultando no surgimento de
uma proclamação de transferência de tecnologia acadêmica. A terceira dimensão é
a criação de uma nova sobreposição de redes e organizações trilaterais a partir
da interação entre as três hélices, formada com o propósito de trazer novas ideias,
como exposto por Etzkowitz, em paper publicado em 2002, intitulado “The Triple Helix of University-Industry-Government
Implications for Policy and Evaluation”. Posteriormente, o modelo de quatro
hélices ("Quadruple Helix"), e até mesmo o de cinco hélices
(“Quintuple Helix"), foi introduzido por outros.
3) Os
Parques Tecnológicos na Suécia costumam ser focados em determinadas áreas
selecionadas ou eles são multifocais, dependendo dos projetos prioritários em
certo momento?
S.Gunnar:
Depende. Alguns são muito focados em disciplinas, perfis específicos. Por
exemplo, o Parque Tecnológico do Instituto Karolinska, em Estocolmo, possui um
forte foco em Ciências da Vida e Medicina (Medtech). Outros, entretanto, tomam
uma perspectiva mais ampla. Por exemplo, o Parque Tecnológico de Mjärdevi abrange
óptica (visualization), modelagem e
simulação, Conectividade e Banda larga móvel, Sistemas de Saúde e Segurança
Veicular.
4)
Como ocorre o ciclo de um determinado projeto estratégico nos Parques
Tecnológicos suecos? Durante o ciclo, em que momento o Governo é mais
importante? E as universidades? E as empresas?
S.Gunnar: A
pergunta tem muitas respostas, dependendo da propriedade, financiamento, gestão
e governança. Em um projeto típico financiado pelas agências nacionais e/ou
pela União Europeia, provavelmente haverá um projeto com duração de 3 a 4 anos:
um ano para se definir tudo no que se refere à estrutura e cooperação; 2 a 3
anos de trabalho duro e, depois, concluir com um par de meses de relatórios. O
governo e a universidade têm um papel importante na fase de aplicação prática (application phase) e, muitas vezes, no
início do projeto. As empresas, por sua
vez, são importantes durante todo o processo.
5) Do
ponto de vista da estrutura física, qual o tamanho médio (em área) de um parque
tecnológico na Suécia?
S.Gunnar: O tamanho
[metragem] não é uma questão importante na maneira sueca de trabalhar com Parques
Tecnológicos. Você pode encontrar parques com 20 ou 30 empresas em 4.000 a 5.000
metros quadrados de área de trabalho.
Contudo, você também pode encontrar parques como o Parque Tecnológico de
Mjärdevi com 300 empresas em 200.000 metros quadrados de espaço, ou ainda
Parques Tecnológicos de 700.000 metros quadrados de terreno.
6)
Como os parques tecnológicos na Suécia se mantêm financeiramente?
S.Gunnar: Há
muitos fundos diferentes no sistema sueco. Os financiamentos mais importantes e
maiores, para muitos Parques Tecnológicos, vêm dos municípios, das cidades, de regiões,
de investidores imobiliários e / ou, em alguns casos, das universidades. No
topo disto, há grande montante de “project money” circulando no entorno, que é proveniente
de agências nacionais, Comissão Europeia e outros.
7)
Como os parques tecnológicos lidam com a questão da propriedade intelectual dos
projetos de inovação desenvolvidos pelas start ups que compõem o Parque Tecnológico?
S.Gunnar: Na
maioria dos casos, a questão é tratada mais a partir do ponto de vista do
mentor, do conselheiro. Isto significa que a maioria dos Parques Tecnológicos
tem ligações com as empresas e seus especialistas, que podem ajudar, oferecendo
os seus serviços para as start ups. É
importante ter uma estratégia de como trabalhar com isso.
8)
Como o senhor vê a experiência de Incubadoras Virtuais? Esta experiência está crescendo na Suécia?
S.Gunnar: Há
um número crescente de empresas virtualmente ligadas às incubadoras. Mas muitas
das Incubadoras ainda dão grande importância a que as empresas dividam espaço
com outras empresas incubadas. Isto faz
com que os processos de incubação sejam mais eficientes e oferece uma grande
oportunidade das start ups
compartilharem conhecimentos e experiências entre si.
9) A
Cidade de São Paulo está buscando implantar o seu Parque Tecnológico. Antes
mesmo de ter o prédio físico, a Cidade está desenvolvendo uma Incubadora
Virtual ligada ao Parque Tecnológico. O que senhor acha desta estratégia?
S.Gunnar: É
difícil sugerir ideias e reflexões sobre isto sem saber o quadro completo, a
estratégia global, a questão da propriedade e da gestão [do Parque Tecnológico].
A questão é muito complexa para discutir à distância, sem ter as informações
específicas, concretas.
10) Uma
das principais contribuições da [futura] Incubadora Virtual da Cidade de São
Paulo será o apoio aos incubados na
estruturação do seu Plano de Negócios. O que o senhor acha disto?
S.Gunnar: Parece
um bom começo. De maneira geral, eu acho que é importante trabalhar de forma
bastante orientada pela demanda. Sendo as start
ups diferentes umas das outras, elas têm diferentes necessidades.
11) O
Parque Tecnológico de Mjärdevi tem parcerias com companhias multinacionais como
a Ericsson. Como o Parque Tecnológico deve se relacionar com estas companhias?
Os requisitos e demandas devem ser diferentes de acordo com o tamanho da
companhia?
S.Gunnar: O
caminho para se encontrar uma resposta é perguntar por que elas estão no Parque
Tecnológico. É por causa da pesquisa acadêmica e das pessoas, do próprio
espaço, dos estudantes, ou do quê...?
Outra pergunta a fazer é como a empresa pode ser uma parte da
"vida" [do cotidiano] do Parque Tecnológico, e ser uma "boa
cidadã". Definitivamente, as novas e pequenas empresas têm outras
necessidades e demandas, que são diferentes das grandes empresas. A Ericsson
pode, provavelmente, produzir produtos sem a participação do Parque
Tecnológico, enquanto outras empresas não podem. Um aspecto interessante a
refletir é também se o Parque Tecnológico pode produzir bens sem a Ericsson.
12) Em
sua opinião, quais são as tarefas mais importantes a serem feitas no início de
um Parque Tecnológico? Queremos dizer, o que deveria ser priorizado neste início
dos trabalhos?
S.Gunnar: Para
ter uma opinião sobre isso, é necessário saber sobre o que é feito por outros
[Parques Tecnológicos], como é que se apresenta o "sistema de
inovação" hoje e que tipo de necessidades têm as empresas, que se esperam
que sejam “inquilinas” (participantes) do Parque Tecnológico.
13) O
Parque Tecnológico de Mjärdevi Science Park é uma instituição municipal. Em sua
opinião, qual a importância das ações municipais nos primeiros anos do Parque
Tecnológico?
S.Gunnar: O
Parque Tecnológico de Mjärdevi tem uma entidade gestora, a Mjärdevi AB, que é
uma empresa municipal com 5 a 6 empregados - embora, registre-se, as 300
empresas ligadas ao Parque Tecnológico de Mjärdevi, juntas, empregam cerca de
6.000 pessoas. Uma das principais ações realizadas pela Prefeitura de
Linköping, para desenvolver o Parque Tecnológico de Mjärdevi, foi dar
autorização à outra empresa municipal (a Sankt Kors Fastighets AB) para
investir na construção na área do Parque Tecnológico (em 1984) e realizar contratos
de arrendamento com as empresas (que viriam a participar do Parque Tecnológico)
antes mesmo da construção na área. Outra importante ação da Prefeitura tem sido
orientar nas diretrizes da Mjärdevi AB e ser o principal financiador de suas
atividades em todos esses anos. Além disso, a Prefeitura tem sido sempre ativa
na promoção do Parque Tecnológico de Mjärdevi em todos os contextos em que a
municipalidade está inserida.
14)
Qual a importância do intercâmbio internacional – por exemplo, entre Brasil e
Suécia – para o sucesso de um Parque Tecnológico?
S.Gunnar: A
internacionalização é para muitos dos Parques Tecnológicos uma das questões
mais importantes. As razões para isto são muito evidentes. Para as empresas, é
uma questão de encontrar novos mercados, mas também de descobrir novas
competências estratégicas para o seu desenvolvimento ou de seus produtos. Para
o Parque Tecnológico em si mesmo, trata-se de uma questão de ajudar os
“inquilinos” (os participantes do Parque) a conseguir novos mercados, e, por
esta via, ajudá-los a crescer, mas também atrair empresas estrangeiras para o
Parque Tecnológico - tanto para dentro do Parque (“office”) ou para uma aliança
estratégica com uma ou mais empresas. É importante também atrair competência
externa para a cidade e o Parque Tecnológico.
Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de
São Caetano do Sul (USCS) e Diretor Técnico da Agência São Paulo de
Desenvolvimento - Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico,
Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (jan. 2009/jul.2015) e
Superintendente do SBCPrev (ago.2015/fev.2016).
Cleo Duarte é Supervisora Técnica da Coordenação de Desenvolvimento
Econômico da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da
Prefeitura de São Paulo. Co-responsável pelo site de treinamento cultural às
relações Brasil-Suécia www.brsetraining.com.br
Nota: De
acordo com a enciclopédia livre wikipedia, “a Lei Bayh-Dole ou Emenda da Lei de
Marcas e Patentes (Pub. L. 96-517, 12 de dezembro de 1980) é a legislação dos
Estados Unidos que trata da propriedade intelectual que deriva de pesquisas financiadas
pelo governo federal. Patrocinada por dois senadores, Birch Bayh, de Indiana, e
Bob Dole, de Kansas, a lei foi aprovada em 1980 e está inscrita em 94 Stat.
3015, 35 U.S.C. § 200-212 e é implementada por 37 C.F.R. 401. A mudança chave
feita pela Lei Bayh-Dole residiu na propriedade das invenções feitas com
financiamento federal. Antes da Lei Bayh-Dole, os contratos de financiamento e
de subvenções federais às pesquisas obrigavam os inventores [pesquisadores] (onde
quer que eles trabalhassem) a atribuir ao governo federal as invenções que eles
fizeram com recursos federais. A lei Bayh-Dole permite que uma universidade, uma
empresa de pequeno porte, ou uma instituição sem fins lucrativos, possa deter a
propriedade de uma invenção, ao invés do governo”. Tradução livre dos autores
deste artigo.
Artigo publicado originalmente no site do ABCDMaior,
coluna blogs, em 5/9/2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário