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terça-feira, 20 de setembro de 2016

DO “PARQUE TECNOLÓGICO” À “CIDADE DA INOVAÇÃO”



Jefferson José da Conceição
Cleo Duarte

Em nosso recente artigo “Entrevistando um sueco especialista em Parques Tecnológicos,”, publicado neste blog em 5 de setembro último, reproduzimos entrevista que fizemos com  Sten Gunnar Johansson, uma autoridade internacional quando o assunto é  Parques Tecnológicos. Ele presidiu a Divisão Europeia da Associação Internacional de Parques Tecnológicos, o IASP. É perito em temáticas de inovação e parques tecnológicos da Comissão Europeia e do Comitê Económico das Nações Unidas da Europa.  Entre 1993 e 2014, foi CEO do Parque Tecnológico de Mjärdevi, na Suécia.

O Parque Tecnológico de Mjärdevi situa-se na cidade de Linköping, que possui uma das universidades mais consagradas da Suécia, a Universidade de Linköping.  No campus desta universidade, encontra-se o Parque Tecnológico de Mjärdevi, que é de propriedade da Prefeitura da Cidade.

A entrevista repercutiu bastante no meio acadêmico e entre os gestores públicos que buscam constituir em cidades brasileiras parques tecnológicos. O tema mostrou-se de bastante interesse também entre os leitores deste blog. 

Na Região do ABC, o tema dos Parques Tecnológicos tem sido recorrentemente tratado em reuniões do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Exemplo deste interesse é o da Prefeitura de São Paulo, que promove, nesta quarta-feira, 21/9/2016, na USP Leste, das 9h às 17h, importante seminário sobre o assunto (ver cmcti.com.br)

Em outubro de 2013, Sten Gunnar esteve no Brasil fazendo palestra no Parque Tecnológico de Recife.  Em paper escrito para esta visita, intitulado “From Science Park to Science City – How Mjärdevi Science Park gets to the next conceptual level” (ou, em tradução livre, “Do Parque Tecnológico à Cidade da Inovação – Como o Parque Tecnológico de MJärdevi alcança a próxima geração conceitual”), Gunnar faz um importante relato da experiência de Mjärdevi, que busca a difusão do ambiente de inovação para uma área que ultrapassa os próprios “muros” do Parque. O objetivo é constituir um cinturão de inovação, composto pela universidade, o Parque Tecnológico, as empresas, a cidade e os seus vizinhos regionais.

Dada a importância dessa perspectiva com que trabalha Gunnar em seu paper, buscamos, nesse artigo, sintetizar, ao modo de uma resenha, os pontos principais desenvolvidos em seu trabalho.

A estratégia começa por reforçar o papel da tecnologia e da inovação nas empresas que compõem o cluster da cidade/região, especialmente por meio da atração e recrutamento de novos talentos para a cidade. Portanto, os estudantes da Universidade de Linköping constituem grupo-chave neste projeto.

Gunnar relata que a cidade de Linköping tem um cluster empresarial forte vinculado à indústria de aeronaves. A cidade foi também o berço da indústria de computadores na Suécia, nos anos de 1950. Hoje, além da indústria aeronáutica, outros segmentos ligados à TIC se encontram em peso na cidade.

A Universidade de Linköping, que joga um importante papel neste processo, foi fundada na década de 1960. Hoje, ela conta com cerca de 27.000 estudantes distribuídos em quatro campi. Dois deles estão na própria cidade de Linköping; um, na vizinha Norrköping; outro, em Estocolmo.  As faculdades que compõem a universidade são: Instituto de Tecnologia; Artes e Ciências; Ciências da Saúde; Ciências da Educação.

Por sua vez, o Parque Tecnológico de Mjärdevi foi inaugurado em 1984, como resultado de uma aproximação entre a Gestão Pública, o empresariado e a universidade (Triple Helix).  Cerca de 260 empresas compõem atualmente o parque, que, somadas, representam 6.000 funcionários.  São empresas líderes em áreas de tecnologia médica (óptica), banda larga móvel, segurança veicular e aviação (veículos aéreos não tripulados em particular).

O Parque Tecnológico está localizado a 5 km do centro da cidade. Empresas conhecidas como a Ericsson, Autoliv, Motorola, Sectra, Saab, IFS, Infor e Philips, entre outras, participam do Parque, o que contribui para desenvolver o sistema de inovação local e regional.

O Parque tem buscado apoiar especialmente os estudantes que desejam iniciar suas próprias empresas. Muitos dos estudantes deixam a região no final dos seus estudos. Eles buscam melhores oportunidades de carreira em cidades maiores na própria Suécia ou no exterior. Cerca de 70% dos alunos vêm de outras partes da Suécia ou de outros países.

Na universidade, a maioria dos alunos mora em zona residencial adjacente ao campus principal da universidade ou em alojamentos da própria universidade. Durante os 4 ou 5 anos de seus estudos,  eles vivem em uma espécie de "bolha". Há pouca interação com outras forças e atributos da cidade.

Alterar esta realidade é um desafio e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade.

Assim, o Parque Tecnológico de Mjärdevi  lançou, em conjunto com proprietários de imóveis e terrenos da cidade, o projeto “Cidade de Inovação”.

A “Cidade Inovação”

Foi realizada uma série de oficinas para discutir as questões centrais ligadas ao crescimento da cidade e o cenário futuro desejado. Neste, as  partes da Linköping inovadora se juntam para formar uma unidade de estreita colaboração entre o setor empresarial, a academia, a gestão pública e a sociedade civil (hélice quádrupla).

A ideia é criar uma cidade com todas as funcionalidades que a tornam mais atraente aos olhos dos alunos e outros talentos.

Neste processo, constatou-se que, apesar do fato de residirem ao lado do campus principal da universidade, os estudantes têm dificuldade em se encontrar com os demais atores e instituições da cidade. Percebeu-se que era necessário que estes atores e instituições se tornassem mais “visíveis” no campus e gerar interesse dos alunos.

Assim, estabeleceu-se uma série de iniciativas para atrair os estudantes. No Parque Tecnológico, isso inclui a nomeação de um conselho formado por estudantes, que funciona paralelamente ao Conselho Principal. Isto propicia aos alunos uma boa visão sobre o parque e a sua forma de organização. Este conselho formado pelos estudantes é dirigido pelo presidente do conselho principal, o que garante transferência entre as discussões dos conselhos.

A princípio, os estudantes estiveram céticos sobre a importância da sua contribuição, mas a experiência tem demonstrado que eles estão ajudando a fazer a diferença.

Busca-se trabalhar com estudantes de todas as disciplinas: medicina, economia, engenharia, cientistas políticos.

Outra iniciativa foi a do lançamento de um grupo de “embaixadores”, composto por estudantes, que trata de questões estratégicas relacionadas ao parque. Eles recebem treinamento em técnicas de apresentação e comunicação.

Outro exemplo de atividade são almoços promovidos no campus, nos quais são convidados alunos e representantes de uma empresa particular. A empresa faz uma apresentação neste almoço. São feitos entre 6 e 8 seminários-almoço desse por ano letivo.

Busca-se também ampliar a colaboração do Parque com as representações estudantis na universidade, o que  permite alcançar os estudantes em convites para todas as atividades no parque.

O município ousou também em construir um novo distrito (bairro), onde a moradia, a ciência e a educação pudessem estar juntas. Isto contribuiu para aprofundar o conceito de Cidade da Inovação e desenvolver ainda mais o Parque Tecnológico de Mjärdevi.  

Registre-se que já havia algum tempo o conselho do Parque Tecnológico de Mjärdevi vinha discutindo o que poderia ser feito para integrar melhor o parque com o campus. A intenção era torná-lo mais natural para pesquisadores, estudantes e professores. O lema era "mais universidade em Mjärdevi; mais empresas no campus".

No longo prazo, a intenção é integrar o Parque de Mjärdevi com outros ambientes de inovação em Linköping.  Isto contribui para ampliar e aprofundar a experiência de desenvolvimento de processos por meio de redes em uma variedade de áreas e técnicas.

Assim, tem-se um meio diferente de entrar em contato com novos talentos. Estes podem ser atraídos para as empresas e, com isto, contribuírem para o crescimento local e regional, a partir de networking com mais empresas.

Cabe destacar outro problema a enfrentar. Muitas das empresas no Parque Tecnológico buscam fortalecer as relações com a universidade e com os alunos, por meio de palestras em vários cursos e através de convites para visitas de estudo. No entanto, poucas empresas têm uma estratégia de longo prazo para o contato com os alunos. Os alunos muitas vezes começam a ter interesse nestas empresas nos últimos meses antes dos exames finais, já olhando para a sua próxima localização, o seu próximo trabalho.

Consequentemente, existe uma grande necessidade do Parque Tecnológico em ser um lugar de encontro, uma arena criativa para a interação entre estudantes e empresas, e também entre as próprias empresas. Trata-se de ser um espaço neutro, onde uma variedade de atividades, arenas de inovação, eventos, projetos de inovação aberta, lançamentos e muito mais podem ser desenvolvidos e realizados.

Assim, em Outono de 2013, iniciou-se o Parque Mjärdevi Criativo, um multi-arena.

No Parque Mjardevi Criativo, um elemento importante será o Demola, um conceito finlandês que agora sendo implementado na Suécia. A comunidade empresarial apresenta ideias de projetos, que são trabalhados por grupos de estudantes multi-disciplinares. A empresa pode, então, comprar de volta os resultados. Os estudantes recebem créditos acadêmicos. Este é o tipo de treinamento baseado na realidade que os estudantes solicitam.

Uma série de questões-chave é importante para o sucesso desta nova etapa.
A primeira é  gerar uma cultura de inovação. É preciso uma atitude tolerante para as várias armadilhas de inovação e empreendedorismo. É essencial implementar uma cultura de rede, na qual a interação entre as partes profissionais e novos talentos faz parte do processo de desenvolvimento.

É essencial também notar que existem ambientes de inovação e conexões em uma variedade de lugares. As universidades, os Parques Tecnológicos, as Incubadoras, as inúmeras empresas e as organizações inovadoras da comunidade em geral. Cabe conectar os vários ambientes de inovação para alcançar os melhores resultados.

É preciso atrair conhecimento e talento. Neste contexto, a qualidade de vida assume enorme importância. Habitação, educação, cultura e lazer, emprego do cônjuge, infraestrutura etc são questões decisivas.

Outra chave para o sucesso é a internacionalização. A razão para isso é bastante simples: o mercado sueco é pequeno, mas, ao mesmo tempo, gera um grande número de empresas de sucesso. Isso se dá muitas vezes devido a uma fusão ou aquisição de uma empresa já existente. Muitas das grandes empresas globais seguem este caminho.

A interação, a interligação dos ambientes acadêmicos com o sistema político e com a comunidade empresarial, também é fundamental. Em virtude das lógicas totalmente diferentes umas das outras, isto pode exigir uma grande dose de paciência.  Além disso, existem também os vários níveis a serem ligados. Os níveis locais e regionais devem ser ligados com o nacional e internacional.

Regiões em várias partes do mundo se conectam uns com os outros para o intercâmbio de experiências e transferência de conhecimentos.

Portanto, tudo isto é a “Cidade da Inovação”.

Neste contexto, um Parque Tecnológico pode torna-se de fato uma força motriz. 
Ao trabalhar em estreita cooperação, não só com as empresas, a academia e o governo, mas também com a "sociedade civil", cria-se uma nova plataforma para soluções inovadoras.

As  cidades e regiões inovadoras são uma mistura dinâmica de pesquisa, educação, trabalho e vida. Nas cidades, reproduzem-se então os princípios dos parques tecnológicos: a interação e a ligação em rede entre universidades, política e negócios.

Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e Diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento - Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo (jan. 2009/jul.2015) e Superintendente do SBCPrev (ago.2015/fev.2016).

Cleo Duarte é Supervisora Técnica da Coordenação de Desenvolvimento Econômico da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo. Co-responsável pelo site de treinamento cultural às relações Brasil-Suéciawww.brsetraining.com.br

Artigo publicado no site do ABCDMaior, coluna blogs, em 20/9/2016.

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