A entrevista a seguir foi originalmente publicada como nota técnica na 8ª Carta de Conjuntura da USCS, do Observatório de Políticas Públicas Empreendedorismo e Conjuntura – CONJUSCS, em julho de 2019. Para ter acesso à carta completa acesse: www.uscs.edu.br/sites/conjuscs.
Entrevistadores:
Jefferson José da
Conceição, Gisele Yamauchi e Ana Paula Lazari Ferreira
Criado
em 2007, o Instituto de Tecnologia de São Caetano do Sul (ITESCS) nasceu,
originalmente, como uma iniciativa de empresários da área de Tecnologia e
Informação (TI) de São Caetano do Sul. O objetivo era incrementar os negócios,
gerar trabalho e renda e aumentar as receitas do município a partir de um
ambiente mais favorável aos negócios e de conexão com diversas áreas da
tecnologia. Desde então, o ITESCS ampliou o seu escopo, parcerias, ganhou
dimensão regional, e até mesmo nacional e internacional.
Nos
últimos anos, a entidade – que possui cerca de meia centena de associados -
busca ser reconhecida “comoum dos grandes
fomentadores de atividades ligadas à inovação e empreendedorismo (...) e
acredita que a região do ABC tem potencial para ser um futuro Vale do Silício
(...)” e por isto enfatiza valores como “inovação, cooperação, associativismo,
empreendedorismo e ética”(site oficial do ITESCS).
Em
parceria com a USCS, o ITESCS realiza, neste ano de 2019, vários hackathons com professores e alunos de
todas as escolas que compõem a instituição. O objetivo destas atividades é
estimular na universidade o empreendedorismo e o surgimento de idéias novas e
empreendedoras com potencialidade de se tornarem futuras startups.
Nossos
entrevistados são Luiz Schimitd e Thiago Y. Matsumoto, respectivamente, atuais
Presidente e Vice-Presidente do ITESCS. Ambos são especialistas na temática de
ecossistema de inovação, que é o principal objeto desta entrevista.
Luiz
Schimitd é administrador graduado pela Universidade Anhembi Morumbi com MBA em
gestão de processos pela FGV; diretor do Grupo Schimitd Segurança e Serviços
(especialista em facilities e
automação de acessos); founder da
Delta Inovação (empresa especializada em hackathon
e workshops de inovação) e da Agência Falconeye (especializada em webdesign).
Thiago
Y. Matsumoto é engenheiro eletricista graduado pela FEI-SP com MBA de Gestão
Empresarial pela FGV; sócio fundador da empresa portuguesa Atlantic Hub; co-fouder da Lunctus Angel Startup
Investing; investidor no Bossa Nova Investimentos e Anjos do Brasil;
palestrante, mentor e investidor anjo, atuando com startups em eventos
nacionais e internacionais; membro e integrante do Grupo de Trabalho de Seleção
de Projetos Anjos do Brasil; membro do conselho da incubadora Mondó da
Universidade Metodista de SP; diretor de Logística Ong - AMDAF Projeto Olhos do
Xingu.
Entrevistadores: Fale
um pouco da sua trajetória profissional.
Luiz
Schimitd: Minha carreira é mais na parte técnica. Trabalhei na Schneider, que é
uma indústria de equipamentos. Foi lá que eu vi a aplicação de conhecimento
técnico no dia a dia de trabalho. Eu tinha um ambiente propício, não para
inovação ainda, mas para a importância de se estudar mais. Isso fez com que eu
procurasse outras soluções. A gente queria muito resolver um
1 Nota técnica extraída da 8ª Carta de Conjuntura da
USCS, Julho de 2019 do Observatório de Políticas Públicas Empreendedorismo e
Conjuntura – CONJUSCS. Para ter acesso à carta completa acesse: www.uscs.edu.br/sites/conjuscs.
problema
de processos na empresa. Então, eu e mais um amigo, a gente se propôs a
resolver aquele problema de processos. Construímos um novo sistema, um mini
software para gerenciamento comercial. Assim, a gente começou a ver que aquela
solução era uma coisa muito legal de ser feita, que podia ser vendida para
outros lugares. Resolvemos abrir uma empresa. Meu primeiro teste como
empreendedor foi abrindo uma empresa de programação. Entretanto, um tempo
depois, acabei fechando. O que é muito normal, ainda mais sendo uma startup. Eu
saí da Schneider com esse propósito; fui empreender nessa empresa; trabalhava
num coworking; já estava inserido no ecossistema de inovação. Mas eu não sabia que
eu tinha uma startup, que trabalhava num coworking (...). Eu fechei essa
empresa em 2011. Em 2009, eu comecei a atuar na empresa Schimitd, que é uma
empresa familiar, onde atuo atualmente. Desde 2010 eu venho empreendendo nas
áreas de tecnologia, segurança e automação. E também tentando fazer outras
coisas. Eu me formei em administração pela Universidade Anhembi-Morumbi. Fiz
MBA pela FGV em Santo André, em gestão de processos (...).
Thiago
Matsumoto: Eu acho que fui concebido e formado para ser da carreira
corporativa. Fiz curso técnico em eletrônica; e graduação em engenharia
elétrica na FEI. Cerca de 1/3 da minha carreira foi em área corporativa.Comecei
como engenheiro em uma empresa; gerente de engenharia. Tive a possibilidade de
ir para vendas e marketing, como se fosse a parte de consultoria. Eu fazia
muita venda consultiva (...). Eu virei gerente geral. O dono da empresa começou
a me apoiar e pagou meu MBA em gestão empresarial. Ele começou a me incentivar
cada vez mais para eu ir para a área de vendas e marketing. Foi exatamente
nesse momento que eu encontrei as Startups. Então, eu fiz um projeto para a
empresa realizar investimentos em Startups. A empresa, porém, não achou muito
viável. Assim, eu mesmo comecei a investir como pessoa física, pois gostei do
projeto. Comecei a me envolver mais e mais com as Startups. Cada vez mais eu
estava inserido neste mundo das startups. Também me tornei um pouco de
referência, porque também conhecia pessoas de referência. A partir daí, iniciei
um trabalho mais institucional e também comecei a investir mais em mentorias e
palestras. Chamaram-me para ser adviser
(conselheiro) em algumas vezes. Foi nessa trajetória que
montamos uma empresa chamada Atlantic Hub. Trata-se de uma empresa que tem o
objetivo de levar empresas - seja startups, indústrias ou serviços - para
Portugal, com todos os incentivos. Em realidade, temos uma via de mão dupla,
entre Portugal e Brasil, para trazer e levar empresas. Costumo dizer que tenho
sorte de conseguir viver só de startups.
Entrevistadores:
Apenas um parêntese: você é o próprio símbolo do jovem que se desgarra das
estruturas corporativas tradicionais, pouco a pouco!
Thiago
Matsumoto: Se estivéssemos quatro anos antes, e você me perguntasse o que eu
queria ser, eu iria falar que queria ser um diretor ou um presidente de uma
empresa corporativa. Teve uma hora, porém, que deu esse insight e eu falei: não quero
ser mais um número, um colaborador.
Entrevistadores: Um “ecossistema de inovação” é
o termo que a literatura utiliza para descrever o sistema, o qual, em
determinado território (local, regional, estadual, nacional...), liga e
impulsiona o apoio à inovação, o desenvolvimento tecnológico e o
empreendedorismo, por meio da interação entre empresas, empreendedores,
universidades e poder público, entre outros. Assim, quais as principais
instituições e atores constituem hoje o ecossistema de inovação no Grande ABC Paulista? Qual a sua avaliação sobre
este ecossistema?
Luiz
Schimitd: Minha avaliação é de que todos esses agentes já estão aqui. Só que
muitos deles estão fazendo as suas atividades separadamente. Temos
universidades de qualidade muito alta; empreendedores com vontade de fazer; um
transporte logístico que propicia fronteiras; troca de informação. A gente até
tem agentes públicos interessados em fazer alguma coisa, mas cada um olha o seu
município. O que, a meu ver, é um grande erro. Temos uma Região que tem uma característica
muito interessante. Cada município que a compõe tem a sua característica
específica. Entendo que essas características devem ser “trocadas” em um
ecossistema. Então, os agentes já estão aqui; já temos grupos de investimento
que estão focados aqui; temos
coworkings,
espaços cooperativos, fablabs, que são atividades necessárias para isso. O que
falta é coordenação de atividades.
Entrevistadores: Se
você tivesse que graduar o ecossistema do Grande ABC hoje, qual seria a “nota” e por quê?
Luiz
Schimitd: Vou graduar em duas etapas. Se eu for avaliar o ecossistema do Grande
ABC em termos de Brasil, a gente estaria no nível de 4 para 5. Por quê? Porque
eu já estou comparando com ecossistemas mais maduros, como o de Santa Catarina,
por exemplo. Você tem lá um ecossistema que tem força. Lá, eles conseguiram
transformar a economia da região, que antes era preponderantemente associada ao
turismo. Agora, ela é voltada para a área tecnológica. Houve um grande
investimento dos agentes públicos. Houve interesse empresarial (...). Por conta
de eventos da tecnologia, a atração de investimentos altera a característica da
região. É claro que isso demorou 20 anos para ser feito. Então, o ecossistema
de Santa Catarina está bem maduro. Portanto, uma região almejar tornar-se uma
espécie deVale do Silício exige uma cultura diferente. OVale do Silício seria
uma referência de nota 10; Santa Catarina estaria hoje numa nota 8, bem próximo
já. Aqui, no Grande ABC, falta muito. Não temos essa cultura de inovação
enraizada. A gestão pública ainda não está focada nisso. (...) É importante a
gente pensar nisso. Os agentes do ecossistema ainda não atuam de maneira
coordenada. A grande questão é que, quando falamos sobre ecossistema, a
coordenação é fundamental. Não importa se eu vou ter 200 FabLabs. O que importa
é que eu tenho mais atividades e que estas atividades tenham visibilidade e que
tenham aplicação. A startup que começa sem vender não tem sentido algum, ela
tem que fazer girar a economia.
Thiago
Matsumoto: A pergunta sobre o ecossistema do Grande ABC é ótima! Estou no
ITESCS há quase quatro anos. Fomos os
precursores de startupsde inovação aqui no ABC. Até então, ninguém falava sobre
esse tema na região. Acho que fiz palestras em todas as universidades e
empresas de grande porte falando sobre o tema. Uma vez até falaram que íamos
fazer um “stand up” e não startup. Isto, para você ver o quão cru ainda estávamos no
Grande ABC. Hoje, o movimento das startups está muito forte, não só aqui, mas em
todo o Brasil e no mundo. O ecossistema do Grande ABC começou a crescer.
Estamos ainda no início. O ITESCS, as universidades e outras entidades estão
fazendo com que o ecossistema cresça. Ano passado, nós ajudamos a fundar o
ecossistema “ABC Valley”. Trata-se de uma comunidade na qual estão essas
instituições e atores. O principal objetivo é o engajamento dos empreendedores
de startups. Até então, nós sabíamos que havia um ecossistema, mas não sabíamos
onde. Agora, temos um senso de pertencimento a um ecossistema. As startups
começam a se conversar. Com isto, poder público, ITESCS, investidores começam a
“rodear” as startups e a ajudá-las. Vejo que o ecossistema esta crescendo. Já
somos reconhecidos no Brasil todo. Uma dificuldade a ser enfrentada é que o
Grande ABC é muito próximo de São Paulo. Então existe um pequeno problema:
quando a startup fica forte, vai pra lá, porque no município de São Paulo, que
é uma cidade global, há mais oportunidades. A gente tenta fazer com que se crie
mais capital aqui, para se ter mais investimento. Isto, para que as startups,
as incubadoras e os investidores fiquem aqui e não precisem ir para São Paulo.
Esse é o nosso maior desafio para que o ecossistema fique grande.
Entrevistadores: No que consiste o ABC Valley
proposto pelo ITESCS? No que o Vale do Silício poderia inspirar o ABC Valley?
Luiz
Schimitd: O ABC Valley é um movimento que começou motivado pelo ITESCS. O
objetivo é criar um ambiente para se “falar” sobre startups. Há quatro ou cinco
anos atrás, não se falava sobre isso. Nós começamos a atrair os agentes, para
falar de startups na região. Esse termo- “ABC Valley” - foi usado pela primeira vez em
2017 em uma atividade do SEBRAE, a primeira edição do Startup SP do SEBRAE. Ao
final dela, a gente cunhou esta nomenclatura ABC Valley. Antes de chegarmos a
este nome, a gente fez uma votação pela comunidade (...). Temos um grande grupo
de WhatsApp que ajuda a juntar esses agentes. Rapidamente, nós chegamos entre
cem a duzentas pessoas (contatos envolvendo reitores de universidades,
gestores, empreendedores, startups já consolidadas). Enfim, com todo mundo
dentro desse grupo, fizemos
uma
votação e se chegou ao nome de ABC Valley. O evento do SEBRAE era a primeira
vez que ocorria no Grande ABC. Ficamos na liderança no ranking dos eventos
realizados fora do município de São
Paulo. Essa é a atividade que mais promove Startup fora de São Paulo. O ABC
Valley é um movimento que promove a região. Não tem empresa na “cabeça” do
movimento, não tem dono, não pertence a uma instituição. Ele é um movimento da
comunidade regional. O Silicon Valley é, antes de mais nada, um movimento, uma
cultura regional. Assim, que o ABC Valley seja de todo mundo que está no ABC,
ou de quem não está, mas que gosta e que quer promover as atividades aqui no
ABC. Toda pessoa pode se tornar membro do ABC Valley. O que ela precisa é
promover o que a gente está promovendo: a mudança da matriz econômica regional.
Quando eu falo em mudar, não é acabar com o que já existia. É acrescentar no
Grande ABC a inovação tecnológica e o empreendedorismo. Entendemos que isso vai
fazer com que o Grande ABC consiga sobreviver nos próximos anos e não ficar
mais totalmente dependente da indústria. A própria indústria pode (...)
aproveitar o que a gente está fazendo e gerar as suas próprias inovações. O ABC
Valley é isso: um movimento (...) que vai trazer mais prosperidade. Mas o ABC
Valley não pode ter dono. Temos a intenção de fazer uma missão ao Vale do
Silício (...) no ano que vem.
Thiago
Matsumoto: O Vale do Silício inspira muito o ABC Valley. O ITESCS é uma
entidade jurídica sem fins lucrativos. Somos associados e pagamos mensalidade
para fazer parte do ITESCS. Já o ABC Valley é algo “geográfico” e apartidário.
Não tem chefe e não tem dono. Trata- se de um ambiente, assim como o Vale do
Silício, onde existem empresas de tecnologias,
universidades e pessoas que lá movimentam muito o ecossistema. No caso do ABC
Valley, queremos startups, investidores, universidades - todos pensando em
inovação e empreendedorismo, porque o Grande ABC sempre foi o maior pólo
tecnológico do Brasil. Isto, por causa das montadoras e do grande setor
industrial na região. Algo de importante, que tem aver com o Vale do Silício,
refere-se ao número de engenheiros formados pela região. O Grande ABC tem as
maiores faculdades de engenharia (...) assim como lá no Vale do Silício. Uma
coisa que eu gosto muito do Vale do Silício é a diversidade, a transcultura. Se
você andar por lá, verá americanos, chineses, indianos e brasileiros, entre
outras nacionalidades, conversando. Isso é que faz o Vale do Silício ser o que
é. Gostaria que o ABC Valley tivesse essa diversidade, pois isto faz um ecossistema forte.
Entrevistadores: Mas
você tem a presença de empresas ancoras no Vale do Silício.
Thiago
Matsumoto: Sim, tem a presença deles. Mas eu vejo que o Vale do Silício nasce
bem antes (...) assim como o ABC. As grandes empresas, as empresas âncoras,
podem ajudar a estimular a inovação.
Entrevistadores: O
ecossistema de inovação guarda forte relação com um determinado espaço
territorial – por exemplo, o Grande ABC Paulista. O mundo digital, no entanto,
tem reduzido as distâncias e aproximado os territórios mais distantes do
planeta. Assim, como você vê a relação entre o ecossistema de inovação do
Grande ABC (ou ABC Valley) e as relações com outros atores, instituições e
ecossistemas de outras localidades? Que desafios e oportunidades você vislumbra
neste ambiente?
Luiz
Schimitd: O ABC Valley é um ecossistema, mas é claro que existem outros no
mundo e que, mesmo no Brasil, a gente está falando de alguns apenas. Por
exemplo, o Red Foot é o movimento do Paraná, que tem este nome por conta da
terra da região. O movimento faz com que as pessoas tenham um senso de
pertencimento, não só do ecossistema, mas também da região. E é exatamente isso
que falamos aqui sobre o ABC Valley. Existe o movimento de Presidente Prudente,
por exemplo. Eles estão fortalecendo bastante o movimento na região e já estão
conectados com a gente. Iremos fazer uma ação em conjuntoe, automaticamente, as
informações que a gente tem serão mandadas para lá. Além disso, trazemos
pessoas. Somos chamados para fazer mentoria lá. Então, essa conexão entre
ecossistemas acontece. O que é fundamental para empreender é a gente
podertrocar experiência com todo os ecossistemas e assim com todas as
comunidades. Quando a comunidade cresce, ela começa a te problemas de
relacionamento, problemas de interesses. As pessoas não sabem para onde vai e
procuram mais informações. Por
isso
que é importante trocar informações com outro ecossistema, esteja este
começando ou seja mais maduro. Entretanto, ao mesmo tempo em que se está
conectado com outro ecossistema, é muito importante reforçar a própria
regionalidade do ecossistema: o olho no olho, o contato próximo, osenso de
pertencimento com a região (...). [Com isto], nos sentimos mais parte do ABC
Valley do que do Red Food. A gente entende que a regionalidade é muito
importante.
Thiago
Matsumoto: Gosto muito de responder isso.Eu viajo muito para falar de startups,
fazendo palestras. O que a gente sempre passa pra todo mundo da comunidade das
outras cidades é que fazemos parte do ABC Valley, como ITESCS ou Atlantic Hub.
Falo que sou da comunidade ABC Valley. Isso ajuda muito no relacionamento entre
os ecossistemas. Existem diversas comunidades de startups pelo Brasil que se
relacionam e estão fazendo a diferença. No ano passado, tivemos, em Portugal, o
evento “Web Summit”. Levamos quase vinte pessoas do ABC para este que é o maior
evento de tecnologia do mundo. Foi muito bacana, porque fazíamos postagens
falando que o ABC Valley estava lá e todo mundo do ABC curtia. Nós, como
ecossistemas, temos que ir e falar sobre o nosso ecossistema. Isso traz muito
beneficio e conexão. Com isso, vieram pessoas conversar com a gente e perguntar
como foi feito o ABC Valley, visando levar para outras cidades a construção de
ecossistemas.
Entrevistadores:
Você enfatiza bastante o ABC Valley na viagens. Você diria que o ITESCS e o ABC Valley já são conhecidos nacionalmente?
Thiago:
Sim, eu vejo que sim. Tome-se o caso do Benício, que foi o presidente do ITESCS
anteriormente. Ele ajuda bastante nisto, levando o nome do ABC, seja como
ITESCS ou ABC Valley. Estamos contribuindo com a comunidade. Mas nós, como
ITESCS, sabemos diferenciar o que é o ITESCS e o que é o ABC Valley. Mesmo um
estando “dentro do outro”, percebemos que a comunidade não pode ter dono. Os
participantes podem pensar que aquela região é do ITESCS e achar que queremos
algum fim político ou financeiro.
Entrevistadores:
Considerando-se as novas tecnologias digitais, suponha o seguinte cenário: desafios
postos no mundo afora que cheguem ao ABC Valley, e que uma Startup daqui ajude
a resolver. Essa situação já é vivida concretamente? Essa dimensão digital
ajuda a conectar startups locais com outros ecossistemas?
Luiz
Schimitd: Nós temos aqui no Grande ABC o exemplo de uma startup que começou
aqui e agora ela está no Canadá, resolvendo um problema do cotidiano, que é a
fila em escolas infantis. Só que esse era um problema não apenas do Grande ABC,
mas também do mundo. A solução foi adaptada, não só na linguagem. Já está em
aplicação. Há um contrato com uma empresa canadense e agora a startup busca
conquistar o mercado americano. A empresa está instalada no Canadá. A empresa é
de um associado do ITESCS e se chama “Filho sem fila”.Foi uma das primeiras a
ajudar a fundar o ABC Valley. Esta empresa está ajudando a resolver um problema
mundial. Tem outro exemplo aqui de uma empresa que foi para Colômbia – a Tech
Mobile – que serve tablets para eventos e faz cadastramento de pessoas nos
eventos. É, também, uma solução para um problema mundial. O empresário foi em
uma missão para a Colômbia no ano passado. Já tem alguns clientes lá e já
resolveu problemas. Uma terceira empresa, que está despontando bastante aqui e
que está fazendo geolocalização, é a The Insights. Fazalgo diferente, que é uma
solução muito bacana. Há várias soluçõesque são regionais, mas que resolvem
problemas mundiais. Nesse sentido, o pensamento de inovação deve ser: pensar
local, resolver local e enxergar o mundial. Isso é necessário. E é o que a
gente chama de escalar o negócio. Então, se você tem uma solução para um
problema que a sociedade tem, valide-o na sua sociedade, no seu território.
Veja efaça o teste nesta sociedade; depois o mesmo procedimento deve ser considerado em outra sociedade ou território.
Entrevistadores: Qual é o grau de apoio das
instituições do Grande ABC Paulista ao desenvolvimento do ecossistema de
inovação regional?
Luiz
Schimitd: Agentes públicos de Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do
Campo e Diadema foram os que tiveram contato comigo diretamente. Desses, todos
eles têm, em maior ou
menor
grau, uma atividade já focada. Algumas com maior êxito e outras ainda com
atividades mais espaçadas. A minha percepção é que estas atividades não estão
coordenadas regionalmente e isso pode ser feito num segundo momento. É
necessário que se tenha densidade nas coisas que estão sendo feitas na região.
Quero dizer com isso que não adianta fazer um evento de inovação em janeiro, um
evento de inovação em julho, outro no final do ano. É pouco espaço de tempo.
Isso faz com que as pessoas se percam nos problemas. E também faz com que elas
não tenham uma posição sobre a cidade; que tenham um pensamento de introdução
da Inovação de uma maneira bem forte. O que tem que se fazer não é só
palestras. Mas também discussões em fóruns, eventos para discussão sobre os
problemas locais, de modo que se proponham desafios para a própria região.
Assim, poderíamos ver uma atividade que está sendo feita em outros lugares e
analisar sua utilização em nossa região. A prefeitura e o estado têm que abrir
as portas para que sejam resolvidos os problemas; e as melhores soluções dos
problemas têm que ser remuneradas por isso. Os desafios que as prefeituras têm
são imensos. Tem muita tecnologia para resolver e essas atividades.
Thiago
Matsumoto: Eu vejo que, assim como o ABC Valley está crescendo, as políticas
públicas também estão, bem como todo o ecossistema de startups, inovação e
empreendedorismo no Brasil. O processo começa em uma entidade privada ou ações
privadas; com isto, (...) as entidades públicas passam a apoiar. No momento,
estamos com maior apoio de prefeituras. Não estamos como gostaríamos que fosse,
é verdade. As próprias prefeituras também querem ampliar sua atuação, mas eles
não sabem como fazer esses apoios e integração com o ecossistema. Às vezes, há
muitos eventos e ações pontuais em prefeituras e entidades públicas (...). Por
isso, estamos batendo na tecla de que tudo faça parte e se integre a um sistema
regional do ABC. Hoje, o ecossistema se organiza por cidade. Nós temos sete
cidades envolvidas. Para gerenciar tudo isso, é muito complicado. Ouve-se com
frequência dos representantes do poder público: “vou fazer essa política
pública, mas ela é para a minha cidade”. Outra pessoa fala: “não, é para a
minha”. Mas o ABC Valley envolve toda a região. A questão inclusive deveria ser
como levar o ecossistema de inovação para Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, municípios mais
afastados. Essa é a batalha que estamos travando visando integrar as atividades.
Entrevistadores: Se
você pudesse conversar com os prefeitos ou os representantes do legislativo da
região, que pleitos você faria para desenvolver o ecossistema de inovação?
Luiz
Schimitd: A gente tem algumas ações (...) que poderiam ser bem feitas. Os
projetos de parque tecnológico e de centros tecnológicos poderiam sair do
papel. Com isto, a região daria um salto brutal. Seria muito bom se isso saísse
agora. Só que não está saindo. Existem algumas leis que poderiam ser adaptadas,
como a Lei do Bem, a Lei da Informática, para que os incentivos à Inovação
pudessem ser aplicados aqui. Existem programas do BNDES diretamente focados em
startups, oferecendo apoio ao empresário local. Para aquele que criou uma
startup com o foco em inovação pode ser oferecido uma redução do Imposto de
Renda - uma exceção básica para empresas com foco em inovação. Isso seria um
grande salto. Mas eu também vejo que já seria um passo importante caminhar com
esses projetos. Particularmente São Caetano do Sul e Santo André têm bons
projetos nesta área. Com eles saindo do papel, haverá um salto. Acredito também
que dá para haver coordenação entre estes projetos. E que as atividades a serem
feitas em Santo André gerem empregos para São Caetano do Sul, por exemplo; ou
que a atividades de São Caetano do Sul gerem demanda no comércio de Santo
André. Essa conversa regional é fundamental que se dê. Existe o movimento do
Brasil competitivo que não é um movimento do governo, mas é nacional e que tem
ligações locais. (...). Olhar o Grande ABC como região (...). Então, o que eu
solicitaria é um apoio à inovação local. Isto, para que grandes, médios e
pequenos empreendedores possam interagir juntos com o pequeno, médio e grande
capital, visando uma solução para o desenvolvimento local, resolvendo problemas
locais. Tem grandes empresas aqui e elas têm grandes recursos que podem ser
aplicados em inovação. Se houver um programa de incentivo à inovação local,
isso seria muito bom.
Entrevistadores:
Você falou claramente do modelo de Santa Catarina. Que cidade ou região você
daria como um exemplo para que o ABC se inspirasse a buscar as informações de
apoio ao ecossistema de inovação?
Luiz
Schimitd: Além de Santa Catarina eu observei o modelo de Sorocaba. Lá há uma
grande atividade envolvendo parques tecnológicos. Mas não é só isso. Tempos
atrás eu estive em reunião com alguns gestores públicos do Grande ABC (...).
Havia o pleito de outras secretarias para a aplicação da inovação em todas as
áreas dentro do governo, e que fossem previstos investimentos e parcerias com
as Universidades. Ou seja, as questões não estavam mais se restringindo ao
parque tecnológico. E isso é muito bom. Sorocaba seria outro benchmarking.
(...). São Carlos também tem um Parque Tecnológico (...). O que eles
desenvolvem de tecnologia lá é de primeiro mundo. Eles estavam com o seguinte
problema: eles tinham o parque, mas não tinham empresas. E esse problema foi resolvido
há pouco tempo. Agora, dentro do parque, há empresas consumindo aquela
tecnologia. Este é um caso muito bacana para a gente olhar.
Thiago
Matsumoto: Incentivos fiscais tributários já ajudam muito. Florianópolis, por
exemplo, tem uma política específica que se chama “Lei Rouanet de Inovação”.
Por ela, os empresários têm benefícios, se investem em startup; ou, se
contratam startups, eles têm benefício no ISS. Realizam também eventos e ações
como constituição de incubadoras e pólos tecnológicos. Isso ajuda e muito.
(...). O Estado de São Paulo incluiu para toda a rede o turismo na escola
pública; e até aumentou a carga horária. Isso é uma inovação pública que ajuda
o empreendedorismo. (...).
Entrevistadores:
Qual a efetiva participação do ecossistema de inovação – em particular, as
startups – na resolução dos problemas e desafios das gestões públicas no ABC
Paulista? Que medidas poderiam ser adotadas para impulsionar esta participação?
Luiz
Schimitd: Cabe ao poder público oferecer desafios; os desafios devem estimular
a resolução de problemas. Claro, não dá para se resolver todos os problemas da
prefeitura com as startups. Nós temos problemas de processos, problemas de
atendimento, variações de demandas. Todas essas áreas poderiam ser melhoradas.
Isso já é feito em outras cidades. Não sei se eu posso citar, mas existem
algumas prefeituras que já estão fazendo atendimento por chatbot para entender a demanda
deste ou daquele cidadão. Se for uma demanda real, ela é enviada para um filtro
antes de se enviar para a defesa civil ou para polícia. Para quem quer que
seja, usar uma tecnologia tem que ter uma demanda de base e melhorar o problema
de atendimento é crucial. Outras startups, de cunho jurídico, por exemplo,
poderiam avaliar processos da prefeitura e oferecer soluções para os cidadãos.
Deve-se ver em primeiro lugar os problemas. A partir daí, propor desafios a
serem enfrentados pelas startups. Isto seria um grande avanço. Temos startups
que se propõem a resolver esses problemas. (...). Há uma questão bem atual:
demora-se um ano ou dois anos para se contratar aquela startup que ia resolver
um determinado problema. Passar por um processo licitatório, é um problema
grande. Muitas vezes, a startup ainda nem foi formalizada, não tem capital
social para participar. Enfim, é uma questão burocrática e tem que ser solucionada.
Thiago
Matsumoto: As startups nascem com esse objetivo, que é resolver problemas,
desde problema de locomoção até problemas em áreas como educação, entre outras.
As startups servem exatamente para resolver problemas das cidades. Para
impulsionar essa relação de problemas, as startups têm que ter algo que faça
com que elas fiquem aqui. Assim como os cérebros se formam aqui e trabalham lá,
há empresas que se formam aqui e vão para lá. Uma das ações que pode ajudar
bastante é fazer com que as startups fiquem aqui. Há dois anos não havia
coworkings por aqui. Hoje, nós temos aqui no ABC. Há muitos coworkings. Isto
ajuda muito você a ter uma empresa. Não precisa nem ser uma startup, mas ter
uma empresa. Você pode ter o seu coworking e você consegue trabalhar daqui do
ABC. Não precisa ir para São Paulo porque lá tem mais empresas. Você consegue
se posicionar daqui. E o ABC pode promover isso. Temos que lutar contra essa
visão de que o Grande ABC está se tornando uma região dormitório. (...).
Também, essa pessoa que mora aqui e trabalha aqui não precisa pegar duas horas
de trânsito, duas horas para ir e duas horas para voltar do trabalho.
Entrevistadores: seria
uma forma de reter seus próprios talentos....
Thiago
Matsumoto: Posso até fazer uma conexão com a Indústria 4.0. Nesta, tem-se que
conectar as máquinas, a tecnologia, a transmissão e a comunicação entre
máquinas. Mas o principal objetivo da indústria 4.0 é aproximar o produtor do consumidor
final. Quando você tem essa conexão dos produtores e consumidores finais, isso
muda as coisas. Assim, estão aumentando cada vez mais as vendas de pequeno
porte nos bairros em São Paulo. Você faz com que a comunidade consuma no
próprio bairro.
Entrevistadores: O
Grande ABC é o maior cluster industrial da América Latina. Na
região, concentram-se centenas de indústrias de grande, médio e pequeno porte.
No entanto, há um distanciamento entre as indústrias e o ecossistema de
inovação regional (universidades, centros de pesquisa, startups etc). Como
fazer para aproximar a indústria e o ecossistema de inovação?
Luiz
Schimitd: Temos indústrias aqui, principalmente grandes. Elas observam que há
algo melhor no mercado e acabam consumindo soluções de fora da região. Hoje
estava com alguns amigos discutindo sobre isso. As soluções que a gente tem
aqui para as grandes indústrias acabam vindo de fora. Entretanto, o capital
intelectual, boa parte dele foi construído no ABC. Você tem universidades
ótimas que constroem um capital intelectual gigante, mas que é consumido por
São Paulo, até pela proximidade que a gente tem com São Paulo. A gente acaba
ficando à sombra. Entendo que a gente tem que ter cada vez mais esse
ecossistema sendo divulgado. A gente propõe que ele seja mais divulgado com a
proposta de resolver os problemas das indústrias, seja de pequeno, médio e
grande porte. Olhando isso, entendo que as grandes indústrias podem captar
soluções regionais de boa qualidade em sua base territorial, com custo-benefício
ótimo. A indústria vai começar a ver isso. (...). Não adianta nada eu saber que
existe o ABC Valley e eu procurar e não ter ninguém (...). Vai ter algum evento
em alguma sala para discutir inovação? Esse evento tem que ter uma conexão com
a gente, que pega demanda e manda para alguém – quanto mais essa informação for
massificada, melhor. Quanto mais densidade de eventos a gente tiver, mais fácil
será fazer com que as pessoas comecem a conectar. E aí faz com que a gente crie
uma rede de resolução de problemas eficiente. É por isso que eu falo que a
densidade é muito importante para a gente ter uma massa crítica, pessoas que
sejam capazes de resolver esses problemas e a informação rodando no ambiente também.
Thiago
Matsumoto: Para aproximar o ITESCS da indústria, há necessidade de se promover
ações para que levemos as startups à indústria, mostremos os seus benefícios. E
assim gerar a integração entre elas. Estávamos pensando em fazer um evento
agora, que provavelmente seria no final do mês de maio e começo de junho, um
evento do SEBRAE chamado “Compre do Pequeno”, para estimular as empresas a
comprarem de pequenas empresas. Não sabemos ainda como vai se chamar o evento,
mas pensamos em algo como "Compre das Startups". Esse evento vai
estimular as startups a expor o seu benefício. Vamos trazer empresários, de
pequeno, médio e grande porte. A ideia é apresentar como a startup pode ajudar
a empresa. Às vezes a empresa, o empresário tradicional, está dentro daquela
“bola de neve”, na tentativa de trazer recursos, investimentos e de clientes,
mas quer inovar e não sabe como em curto prazo, com a crise e tudo mais.
Dizemos que, para você inovar, você não precisa fazer um design thinking internamente na sua
empresa. Se você consumir das startups, você vai entender o que é inovação. E
aí você vai se orientando mais com as startups. Você não precisa fazer algo
disruptivo, algo inovador, dentro da cultura de uma empresa. Como vou fazer
igual ao Bradesco que fez o “InovaBra” que construiu um prédio com uma incubadora?
Você não precisa fazer isso, não faz sentido. Mas começar a consumir de startup
e começar a fazer esse entendimento, é muito bom. E o melhor: como se trata de uma startup, é uma empresa pequena,
de pequeno e médio porte. É muito fácil você falar com o dono da pequena
empresa. Então às vezes um problema que a minha empresa tem, uma startup pode
ajudar. Além de ser uma conversa de ajuda mútua (como foi a sua gestão de
vendas? como você fez a sua startup? você pode trazer isso para sua empresa?),
e isso vai gerar a inovação aberta.
A inovação aberta
é você usar o corpo de inovação
que você tem, usar as
entradas
de fora, que seriam as startups, as universidades e criar novos projetos e
novas ações. A inovação aberta começa por se consumir de startups.
Entrevistadores: O problema maior parece então
estar dentro das empresas, na cultura da empresa, porque a empresa deve
visualizar as oportunidades e sair daquele modelo mais burocrático que
trabalhou por anos.
Thiago
Matsumoto: Isso é um dos problemas não só de empresas pequenas e médias, mas
das grandes. Na verdade, até mais das grandes. Imagine uma startup que tem um
projeto. Aí as empresas grandes falam que para comprar de você (startup), a sua
startup terá que passar por um processo burocrático gigante. A gente chama lá
de “Pock”, como se fosse uma prova de conceito. No início, tem que passar por
essa prova de conceito para a gente comprar de você. Isso é o que as empresas e
as indústrias fazem. O que acontece é que muitas vezes uma grande empresa faz
com que eu tenha mais ou menos duas mil unidades do meu produto. Na “pock”, o
que se pede é que eu faça somente 10 unidades. Uma startup não tem condições de
fazer uma dessas provas de conceito para uma grande empresa. Aí a startup
responde: “eu não consigo”. A empresa então responde: “então, você não pode ser
meu fornecedor, porque todos os meus fornecedores são desse jeito”. Tem que
fazer com que a empresa entenda isso, que para a startup é diferente. Às vezes a startup é uma
MEI ou simples, que não é tão adequada para se relacionar com uma grande
empresa. Mas tem que ter sim uma abertura da empresa, inclusive ter programas.
O da ABDI ajuda muito conectando a grande empresa e a startup. O foco dela é como
desburocratizar as grandes empresas.
Entrevistadores: Poderíamos dizer que se trata
de um choque de culturas e de incompatibilidades entre os tipos de empresas?
Thiago
Matsumoto: Como as empresas multinacionais têm uma forma global de comprar,
muitas vezes ocorre o choque de culturas (...). Às vezes o que tem que se fazer
é adequar algo regional aqui no Brasil. Há a burocracia de que “sempre foi
assim”. Isto é um problema. Pelo fato de que “se sempre foi assim, porque que
eu vou contratar essa startup?”. Existe esse problema. Eu vejo que alguns
diretores de empresas querem conversar, mas existe uma hierarquia. Há as
pessoas que têm mentes mais abertas. Entretanto, às vezes falta um pouco de
força para elas conseguirem implementar. Mas, com o tempo e o dinamismo das
startups, isso está mudando.
Entrevistadores: A
Indústria 4.0 já está presente nos países avançados como Estados Unidos, países
europeus e países asiáticos. Segundo estimativas, até 2030 cerca de 30% das
vagas de trabalho serão eliminadas, com a extinção de profissões e automação de
tarefas repetitivas. Você acha que o movimento empreendedor pode gerar volume
de ocupações capaz de compensar os cortes nos empregos industriais?
Luiz
Schimitd: Bom, nem todo mundo pode ser empreendedor, mas um empreendedor que se
desenvolve pode criar vários empregos. Eu acredito que esses caminhos existem,
que podem ser trilhados em paralelo. Primeiro, o caminho do empreendedorismo,
para quem quer empreender de uma forma diferente. E aí eu faço um parêntese: a
gente tem muitas pessoas que estão aqui no ABC que têm uma capacidade
intelectual e uma capacidade financeira importante para se colocar um negócio à
frente. Daqui a cinco anos as startups de sucesso não serão mais tocadas por
jovens. Serão tocadas por pessoas com maior “tarimba de mercado”. É o que eu
chamo de capacidade. A idade média dos CEO's é entre 42 e 45 anos - idade que a
indústria não está mais absorvendo. Mas eles poderiam ser bons empreendedores.
Hoje, uma pessoa, por exemplo, com 45 anos que trabalha em Barueri, leva três
horas de trânsito. Se ela puder empreender daqui, ela consegue então ter uma
qualidade de vida muito boa. Eu acho que trabalhar o empreendedorismo nesse
sentido é perfeito. O empreendedorismo, a inovação e a tecnologia ajudaram a
desenvolver vários postos de trabalho. Porém a gente tem outra grande massa na
base da pirâmide que precisa ser atualizada para trabalhar. Então, o
empreendedor que saiu de uma grande indústria (...)vai entender que a
tecnologia, seja na consultoria ou no seu negócio, vai consumir uma mão-
de-obra talvez qualificada, mas certamente diferente, com conhecimento e
habilidades diferentes. São caminhos que precisam ser trilhados pela região. Nesse
caminho, falando de inovação e
startups,
deve-se inserir alguns elementos que são básicos do conhecimento sobre lógica, informática,
programação. Essa base da pirâmide precisa ser atualizada para que ela possa
trabalhar numa startup daqui para frente. Então, respondendo à pergunta, o
movimento empreendedor pode criar novos postos de trabalho, mas precisa
trabalhar junto com a indústria e o ecossistema de inovação.
Thiago
Matsumoto: A pergunta toca numa ferida muito grande. Falar de automação e
indústria 4.0 envolve várias frentes. Dá para elencar vários pontos. Olhando
friamente, a automação dará o tom, assim como a Revolução Industrial e a
Revolução Agrícola eliminaram diversas vagas. Toda inovação e melhoria sempre
marcam um ecossistema. O país vai se adaptando. Tem uma frase muito boa de Jack
Ma, do Alibaba, que fala assim: "meus avós sempre trabalharam 16 horas por
dia e para eles era normal. Hoje trabalhamos 10 horas por dia e achamos isso
normal. Você acha que no futuro as pessoas vão trabalhar mais que 10 horas por
dia?”. Já há um pensamento em curso da necessidade de diminuição de carga
horária para assim gerar mais trabalho. Bill Gates defende (...) o imposto
sobre o robô. Cada robô que trabalha teria que pagar o seu imposto. Tudo isso
pensando políticas para ajudar a resolver esse problema de falta de vagas de
trabalho. Também existe uma forma totalmente antagônica à tecnologia: de que a
tecnologia vai, cada vez mais, afastar a elite da classe operária. Isso pode
acontecer. Depende como você usa. Como os robôs estão cada vez mais ajudando
essa parte, então a disparidade econômica entre a classe alta e a classe baixa
vai aumentar cada vez mais. Vejo que falar sobre o futuro é muito complicado.
Não tenho palpite do que vai acontecer amanhã. Mas vejo que é importante as
pessoas pensarem que isso que está acontecendo não tem como voltar. (...). O
futuro está aí. Assim como a Revolução Industrial trouxe coisas novas e acabou
com diversos trabalhos, muitas pessoas terão que se reposicionar. Muitos
perderão, vão ter que se adaptar. O governo vai fazer regulações para
normalizar, assim como no caso do Uber. O Uber gera uma precariedade no
trabalho, nas condições de trabalho. Então, tem que haver também políticas
públicas para que pessoas que estão trabalhando no Uber não sejam prejudicadas.
Porque elas estão trabalhando, usando a ferramenta. Se você for olhar o Uber, é
uma ferramenta que cabe ao usuário decidir se vai trabalhar ou não com esta
ferramenta. Ficamos dependentes dessa ferramenta. Esse trabalhador tem que
trabalhar 10 ou 12 horas por dia para conseguir ter o seu sustento. Como o
governo pode regular isso? Tem que ter mesmo essa regulação, pois você não é um
trabalhador, mas também não é um empresário, então o que você é? Deve-se fazer
e implementar políticas para que se regularize esta situação. Isto para que
essa pessoa, que não é empresário, não fique tão escravo da ferramenta.
Entrevistadores:
existem diferentes tipos de empreendedorismo. Por exemplo: o empreendedorismo
de necessidade e o empreendedorismo de alto impacto. O ITESCS trabalha somente
com o segundo ou também com o primeiro tipo?
Luiz
Schimitd: A gente tem uma característica de transformação digital, que
significa que está dentro de empreendedorismo de base tecnológica. Falamos para
o empreendedor que ele que vai começar olhando a inovação e que ele vai montar
uma barraca de hot dog. Vamos continuar comendo hot dog, não tem problema
nenhum. Mas, para quem você vende? Onde você vende? Como você calcula a sua
margem? Como você pode divulgar seu negócio? São elementos que fazem a
diferença. A inovação está presente. Não está só no pipoqueiro que colocou a
manteiga para você sentir o gosto e o cheiro a quilômetros de distância, a
ponto de fazer você ficar com vontade de comer pipoca. Como ele vendeu essa
pipoca, será que se ele ficar ali parado na frente do teatro ele vai vender?
Será que ele não precisa divulgar o negócio dele? Então a gente promove essa
transformação digital, independentemente do negócio. Ele deve começar a olhar a
inovação como um ponto principal não importa o que a pessoa faz. No caso do
empreendedorismo por necessidade, a gente tem alguns trabalhos feitos pelo
Sebrae, de uma maneira muito boa. A gente sempre quer colocar um grau
tecnológico no projeto dessas pessoas, para que a gente caminhe junto. Para
que, além de ter uma boa estruturação do negócio, ele possa sobreviver daquilo.
Nós temos ainda uma mortalidade muito alta de empreendimentos. Queremos que,
além dele sobreviver, ele possa fazer algo diferente para o seu público.
Estamos consumindo produtos de uma forma cada vez mais personalizada, porém automatizada. Quero
comprar
do meu celular uma pipoca que tem as coisas que eu gosto e não o que as outras pessoas
gostam. É basicamente por aí.
Thiago
Matsumoto: A gente trabalha com qualquer tipo de empreendedorismo, independentemente
do que é. Trabalhamos com o empreendedorismo social e o empreendedorismo de
alto impacto. Tudo depende do estágio em que está a pessoa ou o empreendedor.
Uma coisa que temos feito bastante é trabalhado com os jovens, seja nas
universidades ou escolas do ensino médio. Por quê? Porque, primeiramente, essas
pessoas vão ser colaboradores e depois podem sair da empresa e montar a sua
empresa. Se você já teve conhecimento e já teve um contato com o
empreendedorismo logo no começo, não vai ter aquela desculpa: “puxa, fui
mandado embora e o que eu vou fazer? Vou montar uma franquia, porque é
interessante”. Quando uma pessoa é mandada embora, costuma ter um recurso
financeiro expressivo, que é o fundo de garantia. Tem uma receita. Mas como a
pessoa não está familiarizada com o empreendedorismo, ele vai no mais fácil. E
aí, muitas vezes, investe seu dinheiro numa coisa que talvez não tem como dar
retorno para ele. Um exemplo disso são as brigaderias e as paleterias. O que
aconteceu? Elas aconteceram exatamente num momento de saída de indústrias. E
esses tipos de empresas (franquias)têm um formato muito fácil. Você põe R$ 150
mil aqui e aí você vai ganhar tantos reais. Tem tudo. As pessoas não fazem uma
pesquisa de mercado para saber de tendências e entendê-las. E isso acontece
tanto no caso do empreendedorismo social, quanto em relação ao empreendedorismo
por necessidade. Nós, do ITESCS – eu, Luiz e o Benício - fazemos palestras e
workshops com 30 ou até 100 pessoas. Agora, estamos ajudando bastante os
professores, porque eles impactam muito mais as pessoas diariamente. A parceria
que nós estamos aqui, com a USCS, ajudou muito nisso. Nós já percebemos que
temos que ir para as outras universidades. Ajudar tanto o aluno quanto o
professor. O professor também deve ter esse pensamento do empreendedorismo,
independentemente se vai ser por necessidade ou não. A pessoa vai estar com o
empreendedorismo dentro dela. É necessário também ter uma postura empreendedora
dentro da empresa. Chamamos isto de intra-empreendedorismo. Não dá para todo
mundo criar uma empresa.
Entrevistadores:
Conforme reportagem do jornal Estado de S. Paulo, de 28/4/2019, inovações
produzidas por startups, como os aplicativos de serviços (Uber, IFood, 99 e
outras), são utilizadas no Brasil por quase 4 milhões de trabalhadores
autônomos como forma exclusiva de obter renda. Dados do Instituto Locomotiva
apontam que, se somados os trabalhadores autônomos, os profissionais liberais e
aqueles que têm outros empregos e usam o que ganham nas plataformas para
complementar o salário, cerca de 17 milhões
de pessoas no Brasil usam algum aplicativo para obter renda. É possível
se afirmar que, ao lado da resolução de problemas do cotidiano das pessoas por
meio destes aplicativos, estaria havendo também uma espécie de “uberização” das
relações de trabalho (isto é, precarização), na medida em que na prática
existiria um vínculo trabalhista entre as plataformas e os profissionais? Você
vê alguma possível regulação desta questão?
Luiz
Schimitd: Eu não tenho habilidade jurídica para analisar a terceirização. Se
existe uma relação trabalhista ou não. Existem algumas coisas que a gente até
discute. Inclusive nessa semana estávamos discutindo dentro da minha empresa,
que alguns editais que saíram foram para segurança. O que para a gente é
bastante complicado na questão de quem fica e de quem responde diretamente ao
cliente final. São nessas plataformas. Por conta disso, ela não se
responsabiliza pelas relações finais. Então, eu acho que nós vamos caminhar não
para uma “uberização”, mas sim para uma adaptação dessas novas coisas. As
responsabilidades serão compartilhadas tal como é feito com a terceirização,
por exemplo. Então, se na sua portaria você terceiriza, você é corresponsável
por aquela atividade. Quando a gente vai para o Uber, por exemplo, se alguém
bate aquele carro e morre por conta de um acidente, é claro que existe uma
corresponsabilidade para a empresa que promoveu aquela ação comercial e a
pessoa que está executando. Mas isso ainda vai ser discutido para se adaptar à
realidade. E quando a gente fala de “uberização” das relações de trabalho, há
também que se reconhecer que as pessoas desempregadas estão aproveitando da
tecnologia para gerar emprego e renda. Nós temos o Rappi, o Uber...que tem muita gente
que está trabalhando de entregador por hora para
complementar
a sua renda, para gerar renda extra. Tem outras pessoas que utilizam
aplicativos e que compartilham vagas temporárias de trabalho, compartilham
relações de projeto. Neste tipo de aplicativo você coloca a sua característica
e ele passa um projeto para vocêresolver. Entendo que não está havendo uma
organização e sim uma modificação das relações comerciais e de trabalho e que
talvez por conta dessa demanda, essa modificação vai fazer com que a lei seja
posterior a estas coisas.
Entrevistadores: em que
áreas da vida cotidiana irão crescer as startups?
Thiago
Matsumoto: As startups são para resolver problemas e, no Brasil, o maior
problema é a mobilidade. Então por isso que elas foram para esse lado. A
logística também tem problemas, mas, na realidade, haverá muitas áreas que
serão beneficiadas. Outro exemplo é medicina. A aprovação da telemedicina pelo
Conselho Nacional de Medicina expande estas oportunidades. Isso vai ajudar
muito. A primeira consulta tem que ser presencial e os acompanhamentos podem
ser por telemedicina. A lei agora está falando também que tem que ter um
profissional de saúde acompanhando. Mas as consultas terão todas de ser
gravadas por cinco anos. É neste ponto que se tem uma barreira. Não no problema
de confidencialidade, mas de guardar todas as informações de todos os pacientes
nos servidores, que podem não comportar. É aí que se requer políticas públicas,
para ver o que pode ser feito (...). As empresas que deram certo no Brasil são
empresas B2C, de negócios para o cliente. Mas as empresas B2B, de negócios para
negócios, também são fortes. Empresas que deram certo, como a 99Taxis e a
Nubank, resolvem problemas do cotidiano das pessoas. Mas há muitas startups que
resolvem problemas de empresa mesmo.
Entrevistadores: As
inovações podem ser divididas em inovações disruptivas e inovações incrementais
de melhoria contínua. No mundo prático, como uma startup percebe se a sua
inovação é disruptiva ou incremental? Você pode dar exemplos de startups do ABC
de um caso e de outro.
Luiz
Schimitd: A gente chama de inovação disruptiva quando ela quebra alguma coisa
de valor. Mas basicamente ela começou com a incremental. Chega um certo momento
em que ela se torna disruptiva. É até difícil a gente entender hoje como está
isso (...). A gente tem algumas inovações incrementais acontecendo aqui no
Brasil (...). Há uma startup que saiu na revista do SEBRAE que ela é do ABC:
ela faz controle de ponto pelo sistema de aplicativo. Então, ela modifica a
relação com o relógio de ponto. Outra que é do ABC - indo para uma grande
empresa - faz ração vegetal para cães e gatos (...). Ela pensou no problema de
quem queria ter o seu animal alimentado de maneira saudável e pensou que ela
poderia fazer isso. Essa empresa vendia basicamente pela internet e agora está
vendendo em lojas. Ela começou com uma relação comercial diferente e resolvendo
um problema. Tome-se o caso da Nubank. Ela não representa uma inovação
disruptiva. A relação de banco com o dinheiro e o cliente já existia.
Basicamente, é a mesma relação. Mas a forma de atender o cliente é diferente.
Há outra startup que se chama Conta Fácil. Trata-se de um aplicativo que
analisa as despesas do seu banco e oferece a você um guia de bolso, uma
análise. Isso já existia também, mas a forma como você tem o acesso, a forma
que você é atendido é diferente. As inovações acontecem onde os problemas são
maiores. Ainda mais em se tratando de Brasil, o problema de atendimento é
gigante. Nós, brasileiros, não somos bem atendidos em muitos dos lugares que
vamos. Só que nós não reconhecemos. Isto é cultural. Mas aí, quando chega à
inovação, quando ela acontece, aí você percebe que a relação era muito ruim.
Quem tem o cartão de crédito com a Nubank pode mexer no seu limite com um dedo,
na hora, em questão minutos antes da compra. É diferente da situação em que
você tem que ligar para o gerente do banco para aumentar ou baixar o limite.
Você tem hoje uma forma de atender diferente, uma forma de consumir também.
Dentro aqui do ABC eu não consigo citar alguma startup que está a ponto de
virar um unicórnio. Mas, de todos os unicórnios, nem todas são disruptivas. Boa
parte delas é incremental.
Thiago
Matsumoto: É difícil falar de disrupção em startup. Nem o Uber foi disruptivo.
Ele foi disruptivo no modelo de negócio. (...) alugar por tempo, isso a gente
sempre fez. Por exemplo, alugar um terno para ir para uma festa; você aluga por
um dia inteiro ao invés de comprar o terno. Achar uma coisa disruptiva é uma
coisa muito complexa. A gente pode citar o blockchain, a
nuvem,
a inteligência artificial, que são coisas disruptivas. Mas é muito difícil
achar uma coisa disruptiva, não só no Brasil, mas no mundo. Falando do Brasil,
dessa parte de disruptivo ou incremental, hoje as startups brasileiras são
muito incrementais. Elas são muito copycat. Você copia de algo que existe lá de
fora e introduz aqui no mercado. São coisas que dão certo lá fora e você
tropicaliza para atender o mercado brasileiro. A 99taxi foi feita como uma
cópia da “Lift” ou da “Did”, que é uma chinesa. (...) Isso acontece muito no
Brasil. As pessoas fazem startup já entendendo que um cara de fora vai vir
comprar e, também, porque a pessoa de fora pensa “vou ter que montar uma
empresa do zero, contratar gente, alugar o espaço, é muito melhor eu comprar algo
já pronto e aí eu ponho a minha marca”. No ABC, há diversas startups que estão
implementando e criando disrupção no mercado (...). Cite-se uma startup no ABC
que faz marcação de ponto relógio de ponto. Essa empresa tem 70% do mercado, a
Dimep. Em vez de você comprar um relógio de ponto, mais ainda, comprar o
relógio, pagar a mensalidade de manutenção, chamar um técnico quando tiver
problema (...) você pode baixar o arquivo e com tablet você consegue fazer tudo
isso. Essa empresa hoje fatura em torno de R$ 100 mil por mês. A Vegpet, que eu
comentei, de ração vegetariana, é do ABC. É uma startup cujo produto não é
novo. A ração vegetariana não é uma coisa nova. E aí tem diversas outras aqui
no ABC que ajudam e que resolvem problemas, mas eu não vejo que tenha
disrupção. Eu não consigo elencar isso agora. O Vale do Silício, também, é mais
incremental. (...). É muito mais difícil você ter uma disrupção, que é uma
coisa que rompe um paradigma, rompe a parte tecnológica e de mercado. O que vem
muito na minha cabeça é o blockchain, que é uma tecnologia que vem e muda tudo. Muda o jeito de pensar,
muda o ambiente, muda muita coisa. Assim como a internet que foi uma disrupção.
Entrevistadores: Como seriam as etapas pelas
quais passa uma startup até chegar a se tornar um unicórnio?
Luiz
Schimitd: Tudo parte de uma ideia e como se fomenta essa ideia. É um processo
chamado de hackathons. O hackathon fomenta a ideia. E com ela um projeto que
geralmente se chama de pré-seed, uma semente. Começa-se a faturar no pré-seed.
Começa-se a vender, a atender o cliente e ter um faturamento já com seus
colaboradores. Quando sobrevive, a empresa vai para um seed. A gente utiliza
essa denominação, porque os investidores também utilizam isso. Então, alguns
investem em pré-seed e outros investem no seed. (...) Há na internet o nível de
faturamento. Se eu não me engano, até o pre-seed, algo em torno de US$ 250 mil; o seed, entre US$ 250 mil a
US$ 500 mil. (...) Existem mais duas fases (...) até chegar no unicórnio, cujo
valor se situa em torno de um bilhão de dólares em valores na bolsa nos Estados
Unidos (...). As fases técnicas são essas. (...) [Em suma], tem-se uma ideia a
ser desenvolvida (...) em seguida um produto pré-formatado (...) por à venda
(...) validar esse produto ao seu cliente até chegar a se tornar um negócio,
que a gente chama de Product Market Fit – PMF. Aí ela consegue entender que
aquele produto, aquele preço, aquele mercado, funciona bem. Então é a hora que
as pessoas entendem que a empresa está bancando o seu negócio. Ela já entendeu
o mercado, já vendeu. Agora ela precisa ter marketing para começar a crescer o
negócio. A partir daí, basicamente, é uma evolução de faturamento de um
projeto. Entretanto (...), algo que não pode deixar de estar no horizonte de
uma startup, até para ela se tornar um unicórnio, é que ela nunca pode deixar
de ser uma startup. O que significa isso? Uma empresa que fatura de R$ 100 mil,
R$ 500 mil ou até um milhão de reais por mês, se ela não tiver a inovação em
sua essência - de buscar resolver problemas na ponta, de ouvir seu cliente
todos os dias para resolver aquele problema -, ela deixa de ser startup
rapidamente. Muitas empresas deixam de ser startup não pelo faturamento, não
porque ela passou a faturar um milhão, e sim porque ela deixou de ouvir o
cliente. Muitas acabam até morrendo nesse processo para virar um unicórnio.
Entrevistadores: Qual o tempo médio em cada
fase desse processo até uma startup se tornar bem-sucedida?
Luiz
Schimitd: (...) Dá para se falar em mais ou menos 18 meses. (...) É um tempo
médio, mas depende muito da equipe que está lá dentro, do quanto ela está
disposta a fazer um negócio e do mercado dela também.
Entrevistadores: Qual
a diferença entre “nascer empreendedor” e se “tornar/formar um empreendedor”?
Luiz
Schimitd: Para mim, os conceitos de empreendedores e de pesquisadores são muito
próximos (...). O empreendedor nasce a partir do momento que ele quer resolver
um problema e um pesquisador também nasce da mesma forma. Ambos querem
descobrir alguma coisa. A vontade de resolver um problema e a vontade de
pesquisar sobre aquilo. (...) O Brasil precisa ser um país com mais
empreendedores. Não que a gente precise de mais empresários (...). Então, sim,
um empreendedor pode ser formado.
Thiago
Matsumoto: Eu acho que a nossa cultura penaliza muito o erro. Ela penaliza
muito o sair da caixinha. Mas empreender é sair da caixinha. É fazer algo novo,
que seja disruptivo no mercado. Acho que todo mundo nasce empreendedor na
vontade de querer fazer algo (...). Só que nós nos padronizamos. A própria
educação nos faz isso, nos padroniza. Aí não nos formamos empreendedores. Somos formados em
caixinhas para serem amontoadas dentro de uma empresa (...). Vejo que podemos
ajudar também na educação, fazer com que a pessoa se torne empreendedora. Não
que ela seja necessariamente dona de uma empresa, mas que ela tenha objetivos,
um sonho em ser empreendedor, uma veia empreendedora.
Entrevistadores: Inovar é uma meta que todos os
empreendedores deveriam buscar ou inovar é somente para os que têm maior
propensão e facilidade com a criatividade e a inovação?
Luiz
Schimitd: Hoje, se a gente não inova, a gente está fadado a morrer em pouco
tempo (...). A gente não viu, porém mais um ano já passou. Estamos quase no
meio do ano e quantos negócios começaram em janeiro? Falamos: nós vamos vender;
e até agora não estão vendendo nada. A gente não deixou de consumir nossas
coisas. Estamos consumindo os produtos de quem provoca a nossa atenção. É cada
vez mais difícil provocar a atenção. Sem inovação vai ser muito mais difícil
ainda. Quantas pessoas estão inovando agora no celular? Quantos negócios estão
agora pulando a cada hora na tela? Você não quer saber daquilo. Tudo depende de
como as coisas chamam a sua atenção. O que tem mais conexão com a vida de
vocês. Inovar é necessário em todas as áreas, independentemente do tipo de
negócio emque você esteja (...). Se não tivermos a atenção dos clientes,
estamos fadados a morrer.
Thiago
Matsumoto: Inovar é para qualquer um (...). Entretanto, para o empresário
brasileiro, até pela crise no momento, é difícil inovar. Porque tem que ter
faturamento, novos mercados e os concorrentes estão muito fortes. (...). A
saída é o contato com as startups e com as universidades (...). Quando se
começa a ter criatividade e inovação, não tem volta (...) porque você vai
criando coisas, novos projetos e inovando internamente. (...). Mas não adianta
somente o CEO, o dono da empresa ser inovador. Os colaboradores também têm que
ser. Não é só o dono da empresa participar dos eventos de startup. (...). Só o
dono ir e todo o restante da equipe não, porque, “se eu sair, eu não vou fazer
meu relatório” (...). Todo mundo tem que ter essa necessidade de inovar. Isso
requer uma mudança de cultura e até do próprio comportamento. Como se cria essa
veia empreendedora? Isso também é difícil. A nossa cultura é muito disso de se
formar na faculdade e depois trabalhar empregado em uma empresa. (...). O meu
propósito é levar empreendedorismo e inovação para um monte de gente. Às vezes
eu não ganho nada, eu vou para Belém, só pago os meus custos. Então fica aquela
mensagem: “eu vou varrer minha calçada; se todos varressem a sua calçada, a rua
ficaria limpa”. (...) A gente tem essa bandeira, que é levar o empreendedorismo
e a inovação para quanto mais gente puder. Quanto mais me derem microfone, mais
eu vou falar de startups e de inovação.
Entrevistadores: No
Brasil, universidades, empresas e governos costumam atuar como “castelos” bem
separados, com suas prioridades, projetos e timings
guardados em “masmorras” próprias. O chamado “modelo tríplice hélice (triple helix model of innovation)”, adotado
em países mais avançados, centrado em torno de projetos nacionais e regionais
estratégicos, busca aproximar as três partes desde a chamada pesquisa básica
até a pesquisa aplicada e o business propriamente dito. Que ações
você sugere para que um modelo dessa natureza possa se reproduzir no Brasil?
Luiz
Schimitd: Agora não é mais a universidade somente como uma produtora de
conhecimento para colocar no mercado. Ela também é uma grande produtora de
solução de problemas, para ser absorvido em qualquer uma das empresas. O que
esse modelo sugere é que as Universidades estejam abertas para resolver o
problema da indústria e que a indústria esteja aberta a procurar as
Universidades para resolver o seu problema; e o governo deve criar um ambiente
propício para que essa relação seja facilitada. Nós temos as instituições no
Grande ABC há muito tempo (...) mas cada uma em seu sítio. Falta só a gente
criar um túnel para uni-las. Ou seja, fazer com que as Universidades entendam
que elas podem resolver problemas, os problemas da Indústria (...). As
indústrias também precisam saber o que elas precisam (...) e procurar
universidades locais para resolver um problema que ela tem. Acho que há um
problema de comunicação a ser enfrentado; superando-o, o resto é mais facilitado.
Thiago
Matsumoto: Vejo que as empresas têm que sentir que isso dá certo. A partir do
momento que o empresário vê que é legal se conectar com a universidade,
conectar-se com o governo e que isso dá resultado (...).Cabe as universidades,
as empresas e os governos criarem políticas para isso. Por exemplo, na PEC das
Startups, que está para sair, o Governo está enfatizando isso: a universidade estimulando seus
professores e pesquisadores a conectarem seus projetos com inovação. A empresa
também tem que entender que, implementando isso, ela está contribuindo e
fazendo inovação. Para funcionar, a tríplice hélice, assim como qualquer
hélice, tem que estar no mesmo tamanho.
Se uma hélice estiver menor que a outra, ela não consegue girar. Não adianta
nada o governo querer e a universidade e o empresário, não. Pelo conceito de
tríplice hélice, eles têm que andar unidos e no tamanho certo. Volto à mensagem
anterior: cada um deve “varrer a sua calçada”. Conforme isso se dê, vamos fazer
mais ações e junções entre as partes. A Universidade de Lisboa entendeu isso e
chamou poder público e empresas e, juntas, decidiram fazer algo.
Entrevistadores: Tomemos aqui como exemplo a
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, a USCS, com quem vocês, do
ITESCS, estão conversando e buscando fazer parcerias. O que você sugere em
termos de ações, visando à criação deste “túnel”. Que sugestões concretas você
daria para constituir esse modelo tríplice hélice?
Luiz
Schimitd: Primeiro começar a conexão envolvendo a indústria local. A
universidade tem que ter um comitê previamente estabelecido, para que possa
buscar e captar nas indústrias locais os problemas a serem resolvidos. Os
professores têm que estar nesse comitê, de modo que estejam bem qualificados
para resolver o problema da indústria. Não só qualificados tecnicamente. Isto
(...) para que eles tenham uma atenção plena para o projeto, de modo mais
funcional dentro da universidade para captar a indústria (...). E que a
universidade busque as indústrias e fale com elas: “Temos aqui um pessoal
pronto para resolver problemas; vocês têm algum problema para que ajudemos a
resolver?” Criar um comitê; criar um fórum, chamando essas Indústrias, para que
elas conheçam esse trabalho, que foi previamente desenvolvido; eventos para que
as indústrias possam tomar conhecimento do portfólio de serviços que a
universidade está disposta a resolver. Primeiramente, trata-se de um trabalho
interno para montar esse portfólio. Depois, um trabalho de divulgação. Temos
uma estrutura pronta para o resto. Não é uma questão de formatar inteiramente o
produto, projetos prontos para serem vendidos como soluções.
Entrevistadores: Na
sua experiência, qual a maior necessidade das empresas que já atuam no mercado
em termos de inovações e soluções para os seus desafios concretos? É na área da
tecnologia, gestão de pessoas e recursos, mudança de valores culturais...?
Luiz
Schimitd: Nós, do ITESCS, estamos desenvolvendo um projeto para qualificação de
mão de obra de empresas de tecnologia junto com escolas, porque tem uma demanda
de trabalho dentro das áreas de tecnologia, mas falta mão de obra qualificada
para isso. Segundo informação do Sindicato das empresas de informática, somadas
as vagas existentes no Brasil mais de 400 mil vagas poderiam ser preenchidas.
Mas não se tem capital intelectual para isso. Por conseguinte,
uma
grande demanda que se tem de empresas é captar pessoas formadas, com
conhecimento técnico bom e pronto. Quando a gente fala de gestão de pessoas, de
mudanças, de recursos e de valores, eu não vejo que há uma grande mudança de
valores. Eu vejo que se abre uma perspectiva para um jovem, por exemplo, de
escola pública do Brasil, de qualquer um desses lugares. Ele pode passar de um
patamar de salário base para um salário melhor e ter uma qualidade de vida
melhor. Talvez ele não tenha essa visão. Digo isso porque eu vim de escola
pública. Só tive essa visão porque eu tive contatos com famílias que tinham ou
que me falaram: “ou você estuda ou você vai ficar aqui”. E eu resolvi estudar.
Então, eu acho que esta provocação, principalmente, com o ensino público de
base, é fundamental, para que esses jovens possam entender e procurarem essa
formação intelectual. Temos grandes cursos públicos que já oferecem esse
conhecimento. Às vezes falta o interesse dos jovens para isso. Mas falta porque
não tem pessoa ativa ou o jovem ainda não está vendo. Hoje a demanda é o
capital intelectual novo para trabalhar na indústria. Para chegar aí, para
trabalhar nas empresas de inovação, tem que fazer um trabalho na base, não tem jeito.
Thiago
Matsumoto: Considero que todas as áreas precisam inovar; todas as áreas
necessitam de inovação. Aquilo que “sempre foi assim”... a gente consegue
mudar. Só que agora são pessoas mais qualificadas e gabaritadas que mudam. Por
exemplo, a startup Contabilizei. Foram contadores que montaram essa Startup.
Não foi preciso inovar na contabilidade. Então, conforme as pessoas são mais
qualificadas, se criam as startups, as empresas com a tecnologia, as pessoas e
os recursos.
Entrevistadores: Você acha que esse
empresariado, dos mais diferentes setores, está preparado para trabalhar com as
startups? Há resistências? Quais?
Luiz
Schimitd: É muito difícil para a empresa grande e média receber uma startup. É
como se você fosse pegar um ovo delicado
e colocar na bolsa de um elefante, para ele andar. Há um pintinho aí dentro que
você tem que cuidar. Você coloca uma inovação em um ambiente que muda a
burocracia do ambiente. Claro, vão sufocar aquilo. Eu até ouvi de uma grande
empresa trabalhando com inovação, que me falou assim: “não dá para dar cavalo
de pau em transatlântico”, que é a grande empresa. O cenário que se propõe é de
botes que buscam inovação e levam para o transatlântico. Não são todas as
empresas que estão preparadas. Pouquíssimas estão. Tem que ter pelo menos
algumas pessoas (...) prontas para captar inovação e a sua cultura interna
pronta para receber essa inovação. (...) Não adianta nada você ter aquela
pessoa que vai lá com um monte de coisa nova e, quando entra, a cobrança é a
mesma, a meta é a mesma. Muitas vezes a meta não está relacionada à inovação
(...). É importante que as grandes e médias empresas tenham as suas áreas de
inovação como centro da sua mudança. E a inovação sendo aberta: um hackathon
feito dentro da empresa. Trata-se de uma mudança cultural.
Entrevistadores:
Esse departamento de inovação das empresas que “vai lançar o bote” trazendo as
ideias de startups, você acha que o melhor caminho é a Arena Aberta de
Inovação? Ou seja, um encontro entre a grande empresa com os seus problemas e
as startups, universidade e outros atores e instituições.
Luiz
Schimitd: Esse é um grande desafio. Ter uma arena aberta de inovação. A
indústria estar pronta para colocar seus problemas “à mesa”. É fundamental que
a indústria tenha um pessoal pronto para pegar esses problemas e soluções
desenvolvidos por uma startup e levar para dentro da indústria; comprar e levar
para dentro da empresa (...). Essa é a grande dificuldade da grande empresa:
colocar o seu nome associado a uma startup, que irá ajudá-la a resolver o seu
problema. E o desafio da startup é chegar na grande empresa e conseguir validar
esse problema que a startup está se propondo a resolver. (...). Por exemplo,
uma startup que foi conosco para uma missão em Portugal no ano passado. Ela se propôs
a resolver um problema de uma grande indústria. Apresentou como solução um
óculos, pelo qual você olhava a máquina, e ele dizia o status da manutenção da
máquina, qual era o nível de óleo etc. Foi grande a dificuldade para ele chegar
à grande empresa, do gestor de área até o CEO. Há um custo até que ele consiga.
Entrevistadores: E a
empresa, sob o ponto de vista do direito à propriedade intelectual?
Luiz
Schimitd: Nós temos, dentro do quadro de associados, alguns que são advogados.
Eles estão preparados para trabalhar com esse tipo de discussão, seja com a
internacionalização das startups, seja na relação dela com a indústria. Eles já
estão entendendo esse mercado, como funciona. A gente acaba indicando, o que
não é propósito do ITESCS. Mas estas empresas são associadas e prestam esse
tipo de serviço. (...) Quando a gente fala em contrato de startup, tem alguns
termos específicos, que foram criados no mercado de inovação e que geram e
tranqüilidade no contato com a indústria. Já existem algumas cláusulas de
grife, que são cláusulas específicas para isso.
Entrevistadores:
Qual é a importância da constituição de um (ou mais) Parque Tecnológico no ABC
para o ecossistema de inovação regional? A seu ver, como deveria funcionar, na
prática, um Parque Tecnológico no ABC, isto é, setores e projetos prioritários,
interação com as universidades, startups etc?
Luiz
Schimitd: É muito importante um parque tecnológico para que a gente tenha
densidade nos projetos desenvolvidos. Como eu acredito que isso deve funcionar
na prática? Primeiro, após ter constituído o parque, digo o parque fisicamente
ou não, captar projetos para serem desenvolvidos (...). De uma maneira geral,
deve-se comunicar à sociedade que existe esta atividade no parque. Com esses
projetos captados, a gente começa a usar as universidades do Brasil, as
startups, os empreendedores, visando resolver esses problemas... É como eu vejo
que acontece em outros lugares. Primeiro, eles começam com uma densidade de
eventos tratando da temática da inovação (...), trazendo grandes nomes para a
discussão, montando fóruns, oferecendo a conexão com os agentes que a gente tem
na região. Fazer um debate com as universidades sobre o problema na educação.
Um debate com a indústria sobre o problema na indústria. E, é claro, montando
um corpo de profissionais prontos para captar esses projetos e repassar esses
projetos para os agentes do ecossistema (...). O parque tecnológico tem que ser
o conector. Ele não desenvolve o projeto necessariamente lá dentro. Ele vai
conectar esse projeto para ser desenvolvido talvez pela USCS, pela Mauá, UFABC,
FEI. Onde tiver mais aderência com aquele projeto. Às vezes é um projeto para a
gente desenvolver com o SENAI. É importante também constituir um grande “hub”
de conexão entre os parques tecnológicos. Vejo que eles funcionam bem como um
grande concentrador de informação e um grande conector de pontas. Porque ele
não vai fazer sozinho. Tem que conectar o ecossistema mesmo.
Thiago
Matsumoto: Vejo que para montar um parque tecnológico tem que ter uma
estratégia muito bem forte com a cidade e com as demandas das empresas. Estive
em vários parques tecnológicos fora da cidade de São Paulo. Às vezes era
afastado da região metropolitana. Por questão do espaço onde foi cedido, as
pessoas não conseguiam acessar. O Parque Tecnológico tem que estar muito
atrelado a cidade e com a política de desenvolvimento local. Eu acho que não
precisa ser algo exatamente grandioso. Acho que dá para começar a pensar como
se fosse uma startup, começar com o MVP e coisas pequenas. Aí sim o parque vai
aos poucos tomando uma projeção maior (...) que tenha áreas de aluguel para as
fábricas. Como ocorre em vários modelos. Eu vejo que o ABC e as diversas
prefeituras estão criando leis para ter seu parque tecnológico e aproveitar
todos os incentivos que o governo estadual e federal está dando neste sentido.
Esse parque tem que ser aberto para qualquer pessoa, startup, empresa, que
queira acessar e participar, contribuir. Tome-se como “benchmarking” o modelo
da Acate, que é uma associação de empresas de Florianópolis. Lá eles têm o
Parque Tecnológico. E como foi feito isso?Eles tinham um prédio e uma
associação comercial que era apoiada pelo governo. Não tinha muito o que fazer.
Então, o que eles fizeram: um projeto de três anos, onde as startups poderiam
fazer o que queriam desse prédio. E isso deu muito certo. As startups começaram
a povoar e a melhorar o prédio. Hoje, se formou algo maior do que Acate. As
empresas gigantes estruturaram-se numa entidade fora da acate. Mas ainda são as
startups que gerenciam e trazem melhorias para esse prédio. (...).
Entrevistadores: O
ITESCS vem promovendo parcerias e intercâmbio entre investidores e startups do
Brasil e de Portugal. Como essa interação e troca de experiências poderia
ajudar a fortalecer a Região do Grande ABC Paulista?
Luiz
Schimitd: Já tem ajudado e a gente acredita que vai ajudar bem mais. Eu estive
em Portugal no ano passado. Estive em uma universidade que se chama INOVA. Essa
universidade é totalmente em inglês. Ela começa com um conceito diferente. Ela
é uma universidade pública com certo valor a ser pago. Quem paga é a indústria.
A indústria paga para resolver um problema dela. Então, o formato é totalmente
diferente. Parte do subsídio é a indústria que paga. Então, tem a sala Oracle,
a sala Google...Só que elas estão ali para resolver os problemas que a própria
Oracle, a própria Google propõe. Então, o aluno já chega para resolver um
problema que a indústria já colocou. Ela tem um conceito muito bem aplicado
(...). Que ensinamentos isso traz para a nossa região? A gente tem aqui algumas
conexões. O ITESCS está retomando algumas dessas parcerias juntamente com
Portugal. A gente tem tido o interesse de alguns empresários que querem se
internacionalizar. (...). É muito importante que a gente tenha esse pensamento de que eu posso resolver um problema no
mundo inteiro, se eu for validar isso no mundo todo. Assim, será que o problema
que existe aqui, Nova Iorque também tem? Vamos conectar com o ecossistema de
lá, para saber se eu posso validar isso por internet. Às vezes, eu posso. Eu
consigo validar. (...) Hoje a gente já tem conexão com um parque de
eletro-mobilidade em Lisboa para resolver problemas de lá. A gente já sabe que,
se eu tenho um problema aqui, nós podemos validá-lo com eles lá. É importante
primeiro a gente ter a noção de amplitude mundial que os nossos problemas podem
ser resolvidos, a conexão com outros ecossistemas para oferecer esse caminho e
oferecer essas validações. Então, essa ponte pode ajudar a fortalecer a Região
do Grande ABC, oferecer um pensamento que a gente pode e deve ser mundial e que
a gente tem conexões perfeitas para isso.
Thiago
Matsumoto: A minha a empresa, chamada Atlantic Hub (na tradução é Hub do
Atlântico), é exatamente isso: uma relação entre Brasil e Portugal. Eu falo
muito sobre transcultura para uma empresa que dá certo. Se eu pegar uma empresa
que dá certo, por exemplo, eu não posso levar ela “fechadinha” para Portugal.
Eu tenho que saber da cultura. Assim como uma empresa de Portugal não pode vir
diretamente para o Brasil. Tem que haver uma tropicalização. Vou dar um exemplo
de uma empresa que foi para lá, que é de venda de açaí. O açaí deu muito certo
aqui no Brasil, porque as pessoas vêem como uma parte da cultura gourmet aqui
no Brasil. Só que lá, quando o açaí chega a Portugal, o açaí é mais um sabor de
sorvete. O português vê que é um sabor de sorvete gostoso, legal, mas é
sorvete. E aí várias empresas já foram para lá e não deram certo. A Oakberry
foi agora, revolucionou o conceito, e estão conseguindo entrar no mercado,
porque entenderam o que os portugueses querem e como se posicionar. E é isso
que a Atlantic Hub faz: ajuda o brasileiro a como entrar em Portugal; e, no
caso dos portugueses, como vir para o Brasil. É isso que a gente faz, mas a
gente fala muito que não é para deixar as operações aqui no Brasil e abrir em
Portugal. E, sim, aumentar os seus recursos, aumentar a sua oferta de mercado.
Você atua no mercado aqui e se expande, melhora o seu posicionamento. Você
consegue aumentar o conhecimento tecnológico entre os colaboradores. (...). É
muito fácil um colaborador ir para outra empresa. Quando você tem uma empresa
com filial em Portugal, por exemplo, você pode falar para ele que, trabalhando
aqui, depois de um ano a gente pode mandar você para Portugal, para ficar um
tempo lá. Aí você retém os seus colaboradores, eliminando o êxodo, promovendo o
intercâmbio do ABC com Portugal. É muito bom isso. Eu sempre falo nas minhas
palestras, que eu sou brasileiro, japonês, que tem uma empresa em Portugal.
Essa mistura dá muito certo para as empresas.
Entrevistadores:
Quais as características que você vê na Região do Grande ABC que podem contribuir com essa parceria?
Isto é, tanto nacional como internacionalmente.
Luiz
Schimitd: A gente já tem metal-mecânica, química, logística, embalagens,
borracha, o desenvolvimento de tecnologia local, que faz isso aqui e vende via
mercado comum. Mas esse desenvolvimento de tecnologia das indústrias locais -
na química, por exemplo - não serviria para resolver problemas no mundo todo?
Uma startup pode se propor a resolver problemas na área química (...). Então as
características que eu vejo aqui é que nós temos o conhecimento de várias
cadeias
industriais que o mundo inteiro precisa. Só que hoje a gente produz só parte
dessa manufatura. Eu poderia desenvolver o projeto aqui. Este é o grande valor
do negócio. A gente tem, principalmente no Grande ABC, muitos projetos da
metal-mecânica que são desenvolvidos aqui e são escolhidos na região pelo
know-how pelo capital intelectual. Isso tem que se ampliar. Temos que ter essa
provocação do que podemos desenvolver de tecnologia aqui. E não simplesmente
deixar a tecnologia que nasce aqui ir para outro lugar. Tirar o protagonismo
regional, que acontece bastante, infelizmente.
Thiago
Matsumoto: O Grande ABC tem esse “DNA” de inovação das engenharias e das universidades.
É um grande formador de pessoas qualificadas. Isso contribui muito. Essa
“pegada” de inovação, aliada a um pólo tecnológico aqui, isso será muito bom
para o ABC. Temos que continuar com uma política forte nas Universidades, tanto
privadas quanto públicas, para que cresça isso. Devemos ter esse posicionamento
das universidades. Os alunos que se formam na universidade devem continuar aqui
no ABC e depois vão para o mundo.
Entrevistadores: O
ITESCS está ajudando a USCS a realizar hackathons com os alunos de todas as
faculdades e cursos que compõem a Universidade, ajudando a resolver desafios
colocados pelas coordenações das áreas. É intenção da Universidade uma maior
presença do empreendedorismo nas grades de todos os cursos. Neste sentido, que
ações você recomendaria para o sucesso desta empreitada?
Luiz
Schimitd: A gente está se propondo a levantar soluções para os problemas da
vida cotidiana, soluções estas propostas pelos alunos através da metodologia de
hackathon. Esta discussão sobre o empreendedorismo deve fazer parte de uma
grade que “costure” todos os cursos. (...) A gente quer fazer com que o aluno
tenha vontade de participar, empreender. Mas esse pensamento empreendedor que
se está tendo nos hackathons tem que fazer parte do dia a dia. O que a gente
não pode fazer é um hackathon, no qual o aluno vai ver uma realidade, mas, no
dia a dia do seu curso, aquilo não faz sentido para ele. Esse é um grande
receio: que a gente gere um choque entre inovação e academia, entre hackathon e
aula. Essas coisas têm que ficar mais ou menos alinhadas. A aula é a base para
inovação. Sem o conhecimento ele não vai ter capacidade intelectual para
inovar. Mas a inovação tem que fazer parte do dia a dia da universidade, seja
em um desafio final de curso, seja num projeto integrado que vai se conectar
por meio do empreendedorismo.
Thiago
Matsumoto: A pergunta é (...) como levar a inovação para as escolas e universidades? Não adianta só o departamento de inovação
falar de inovação dentro da universidade. Não adianta só um departamento, uma
área, tratar de empreendedorismo e inovação. (...) Agora a universidade está
(...) oferecendo curso de empreendedorismo. Você tem que ter toda a instituição participando de certa forma, o
assunto deve ser institucional. A Reitoria tem que estar à frente disso. Os
professores devem ser capacitados a entender disso. Assim começa a se formar
uma cultura empreendedora. Não adianta impor. Tem que estar na cultura. Como
fazer com que essa cultura empreendedora vá se alastrando entre os alunos? Tem
que ser uma estratégia viral. E aí sim fazer cursos, ações estruturadas para
receber e perceber essas demandas. A USCS está num caminho muito correto ao
trazer os professores e alunos para essas ações. E não só isso. Haverá a fase
do apoio ao surgimento de startups. Um exemplo que eu posso dar refere-se à
Universidade Inova, em Lisboa. Lá eles perceberam a importância dessa veia de
inovação e empreendedorismo. Eles mesmos conseguiram fazer esse modelo tríplice
hélice dentro da Universidade. A própria universidade é um laboratório para as
grandes empresas trazerem para dentro dela os seus problemas. Os TCCs são para
ajudar essas grandes empresas. Alguns prédios e departamentos são patrocinados
pelas empresas e isso ajuda muito. Essa conexão, quando tem uma empresa que
desenvolve um produto, o campo de teste é a própria universidade. O campus é um
hub de conexões de pessoas que querem fazer novas startups.
Entrevistadores:
Qual a importância de se levar aos estudantes uma educação empreendedora? No
que isto contribui a eles a curto e médio prazo?
Luiz
Schimitd: Eu tenho visto algumas universidades e até colégios colocando o empreendedorismo
como parte dos seus conhecimentos e de seus cursos. Por que isso? A gente
entende que a universidade não forma só empreendedores para que eles tenham as
suas empresas. Mas para que eles tenham um mindset, uma forma de pensar
empreendedora. Isso é fundamental, mesmo para quem é empregado. (...) Seja como
empregado, seja como empreendedor. Isto, para que, no seu dia a dia, ele possa
buscar a melhor vantagem, a melhor relação custo-benefício para a sua empresa.
Se você falar disso no setor público, você vai ver como é drástico. A gente tem
ótimos servidores. Só que às vezes falta um conhecimento sobre
empreendedorismo, sobre sua aplicação de uma forma diferente. No ambiente
corporativo, também temos grandes empresários que não olham a empresa com um olhar
empreendedor e sim com um olhar restrito à atividade dela. É o olhar holístico
que é o grande ganho do empreendedorismo.
Entrevistadores:
Gostaria de acrescentar algoa entrevista?
Luiz
Schimitd: A única coisa que a gente gostaria de acrescentar é que muitas
indústrias que estão no Grande ABC existem há mais de 30 anos, 40 anos. Inovar
é algo que, sem sair da zona de
conforto, não acontece. A gente tem muito empreendedor, muito empresário da
Região, reclamando do contexto econômico. Mas eles não fazem cursos de
capacitação, não procuram a universidade para resolver um problema; não
procuram uma startup para ver o que ela oferece de soluções. Nem sequer o
cliente dele é consultado, para ver o que o cliente acha do produto ou serviço.
Às vezes, o cliente dele já está olhando a concorrência e falando “nossa, antes
eu pagava 500 reais para fazer isso; agora eu pago 59,90 reais por mês a uma
startup o cara faz a mesma coisa” e fala “eu vou trocar”. Então aquele primeiro
empresário reclama da economia. A inovação começa a partir de a pessoa aceitar
e querer sair da zona de conforto. Aqui, no ABC, temos uma característica que
eu acho muito bacana: muitas empresas vão passando de geração para geração. A
gente tem a geração que nasceu nos anos 1980 e 1990 e que está assumindo agora
com uma cabeça diferente. Está havendo um choque entre o contexto de inovação
mundial e a observação regional. Muitos daqueles tornos CNCs que ainda há na
indústria funcionavam muito bem em 2008. Agora, boa parte já é feita por
importação e exportação. O filho fala para o pai: “poxa, mas a gente poderia
inovar aqui”. Mas o pai fala: “não, isso aqui já existe há 30, 40 anos”. Inovar
é isso. É você sair da zona de conforto. Temos muita história e densidade das
instituições da Região. Só falta a vontade de
inovar.
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Jefferson José da Conceição. Coordenador do Observatório CONJUSCS. Graduado em Economia pela UFRJ;
Mestre em Administração pelo IMES; Doutor em Sociologia pela USP. Assessor da
Pró-Reitoria de Graduação e Professor da USCS. Professor Colaborador do
Mestrado em Economia da UFABC. Secretário de Desenvolvimento Econômico de São
Bernardo (2009-2015). Superintendente do SBCPrev (2015-2016). Diretor da
Agência São Paulo de Desenvolvimento (2016). Economista do Dieese (1987-2009).
Blog: www.blogdojeff.com.br.
Curriculo Lattes http://lattes.cnpq.br/2840533692107428.
Gisele Yamauchi. Economista formada pela USCS. Turismóloga pela Universidade São Judas Tadeu.
MBA Empresarial e Industrial pela USCS. Mestranda. Foi bolsista pelo Governo
Japonês em Programa de Extensão da Japan International Cooperation Agency
(JICA), no curso de Kaizen e 5S´s. Pesquisadora do Observatório de Políticas
Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS – CONJUSCS. Currículo latteshttp://lattes.cnpq.br/4460896561663794.
Ana Paula LazariFerreira - Formada em Jornalismo (2004) pela Universidade Municipal de São Caetano
do Sul (USCS), com pós-graduação em Comunicação (Master Business
Communication), pela mesma Universidade. Atua profissionalmente na USCS, como
Assessora de Imprensa desde 2012.